Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Thais Hoshika
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suas determinações centrais da igualdade e da liberdade e que, portanto,
independe da chancela formal do estado.
Mas, afinal, por que é no momento da troca mercantil, e não na esfera
em que se dá a exploração direta do trabalhador no processo produtivo, a
origem da forma jurídica? Ou, ainda, por que o direito assume a forma do
sujeito livre e igual? A resposta encontra-se na derivação da forma jurídica da
forma elementar da sociabilidade capitalista: a mercadoria (PACHUKANIS,
2017, p. 119), que institui uma forma completamente nova de dominação
social, um processo objetivo de dominação não direta com a exploração da
força de trabalho livre, assalariada.
Marx, n’O capital, ao apresentar a mercadoria como a forma elementar
da sociabilidade capitalista, afirma que a sua dimensão social – isto é, sua
constituição enquanto uma forma de relação social – é justamente aquela que
permite um processo no qual a universalidade concreta das mercadorias –
diferentes qualitativamente umas das outras – seja abstraída, dando lugar a
uma universalidade abstrata, de modo que a sua qualidade passa a ser sua
própria quantidade, caracterizada a partir de uma substância social que lhes é
comum, a de serem produtos do trabalho humano indiferenciado – a de serem,
portanto, valores (MARX, 2017, p 117).
Enquanto forma de relação social, a mercadoria apenas adquire suas
determinações quando contraposta a outra mercadoria, isto é, no processo da
troca. Entretanto, não são as mercadorias que agem, mas os sujeitos, seus
proprietários, que passam a atuar como as próprias mercadorias e
relacionarem-se uns com os outros como seus reflexos subjetivados. Portanto:
Para relacionar essas coisas umas com as outras como mercadorias,
seus guardiões têm de estabelecer relações uns com os outros como
pessoas cuja vontade reside nessas coisas e agir de modo tal que um
só pode se apropriar da mercadoria alheia e alienar a sua própria
mercadoria em concordância com a vontade do outro, portanto, por
meio de um ato de vontade comum a ambos. Têm, portanto, de se
reconhecer mutuamente como proprietários privados. (MARX,
2017, p. 159)
É nesse mesmo ato de constituição da mercadoria em sua dimensão
social que dá origem, portanto, à própria forma do sujeito de direito com suas
determinações centrais: da igualdade, “pois eles se relacionam um com o outro
apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por
equivalente” (MARX, 2017, p. 251), da liberdade, “pois os compradores e
vendedores de uma mercadoria, por exemplo, são movidos apenas por seu
livre-arbítrio. Eles contratam como pessoas livres, dotadas dos mesmos
direitos” (MARX, 2017, p, 250).
Do mesmo modo que um produto, em sua particularidade concreta, na
forma da mercadoria transforma-se em mero suporte material do valor,