DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.528
John Kennedy Ferreira
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Resenha
O capital monopolista financeiro no Brasil
John Kennedy Ferreira
1
ROCHA, Ronald. Anatomia de um credo: o capital financeiro e o progressismo
da produção. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2018. 148 p.
Antônio Ermírio de Moraes foi símbolo do capitalismo industrial
brasileiro, criticava a ostentação dos novos ricos e o sistema financeiro. Certa
feita, entrou numa loja para comprar um relógio importado e o vendedor
vendo seus trajes humildes lhe avisou que “não era para seu bico”, mal sabia o
comerciante que estava diante de uns dos brasileiros mais ricos. Vestia-se
simples e, reza a lenda, que usava as roupas de seu falecido pai. Para além
disso, sempre foi um crítico contumaz do sistema financeiro, chegou a dizer:
“Se não acreditasse no Brasil, seria banqueiro.” Isso porque em uma época de
crise sua empresa pegou um empréstimo que levou 15 anos para pagar.
Nesse período, a estruturação do capital monopolista estava iniciando a
sua engrenagem no Brasil e predominava a ideia de que havia uma burguesia
nacional progressista, defensora dos interesses nacionais frente aos capitais
estrangeiros e financeiros. Antônio Ermírio foi um herói burguês da
industrialização tardia, foi saudado na sociedade como líder das “classes
produtoras”.
Antônio Ermírio viveu o apogeu de um capitalismo industrial onde, na
maior parte de sua vida empresarial, não havia a fusão monopolista de capitais
industrial e financeiro (GORENDER, 1981, p. 107).
Essa aura romântica e esse debate que se desenvolveu nos anos de 1950,
60 e até os anos 80, sobre o papel progressista de uma burguesia nacional
produtora, voltou requentada com a chegada dos governos social-liberais no
ano de 2002 (BOITO, 2017; MARTUSCELLI, 2018; ALMEIDA, 2019). O
crescimento que se viu com o mercado interno aquecido e com a poderosa
intervenção do estado, favorecendo grupos nacionais em disputas internas e
externas, levou a queo poucos observadores imaginassem o surgimento de
uma poderosa burguesia interna capaz de gerar uma nova fase de prosperidade
ao capitalismo brasileiro. Não foram poucos os que enxergaram o Brasil como
sócio menor do seleto grupo dos países imperialistas (FONTES, 2009, p. 115).
1
Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do
Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
E-mail: jotakennnedy@yahoo.com.br.
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Pouco tempo depois dessa euforia toda, o governo social-liberal de
Dilma caiu sem luta, sem que o seu principal beneficiado, a “burguesia
interna”, tomasse qualquer posição concreta para defender seus interesses. O
que levou a muitos a se perguntarem por que não houve nenhuma resistência
dessa fração política?
Ronald Rocha se propôs a debater a formação atual dos capitais
brasileiros e, de sorte, fazer uma anatomia da composição orgânica de sua
estrutura in démarche de seus interesses políticos.
Dessa maneira realiza seu trabalho em três grandes abordagens: a
primeira será sobre a composição antiga dos capitais financeiros, a segunda
sobre os capitais financeiros no século XXI e, por fim, a decorrência política
desse novo capital nos dias que se segue no Brasil.
Logo de cara, Rocha mostra que se formou um mantra que se repete ano
após ano nos jornais, na academia e mesmo em segmentos da esquerda: uma
separação fictícia entre um capitalismo “produtivo” e financeiro. Segundo essa
lenda, os capitais especulativos vampirizam a sociedade e os capitais
produtivos. Por essa lógica, os capitais usurários seriam uma espécie à parte
do capital.
Rocha lembra que desde o século XVIII, os juros modernos advêm da
própria realização da mais-valia, isso é: uma manifestação do lucro
empresarial que se divide enquanto capital empregado na produção ou
comércio e outro, em juros do capital creditício, mas a sua origem é a própria
mais-valia extraída da produção da mercadoria.
Destaca que tal mobilidade ocorre em função do desenvolvimento da
sociedade civil burguesa nos séculos XVII e XVIII, que apresenta o ser como
indivíduo autônomo e exclusivo, que se desenvolve a partir de sua própria
iniciativa. Essa imaginação reificada qualifica e a individualidade (de seu
capital) como sendo oprimido por um movimento usurário, o que leva a
pequena-burguesia emparedada e com pequena margem de lucros entre as
grandes corporações a crer que a sua produção está limitada ao pagamento
de juros. Sonha-se até com um paraíso terrestre sem os juros. Evidente que
esse setor abstrai o fato concreto de que seus negócios não teriam começado e
nem prosperado sem o capital financeiro e, portanto, imaginam-se eles os
“produtores” onerados pela financeirização da economia.
Por essa ideação, grandes magnatas brasileiros, suas milionárias
federações industriais, mais acadêmicos e imprensa, apresentam esse grupo
econômico como “produtores” e vítimas que são massacradas pelo capital
financeiro, esquecendo o fato de que a riqueza advém do trabalho humano
expropriado e transformado em mais-valia. Rocha recorda que mais de 100
anos o capital financeiro centraliza em um todo orgânico toda a mobilidade
dos capitais.
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Retoma então ao processo que desencadeia a financeirização do mundo,
lembrando os estudos e as resoluções dos Congressos da Social-Democracia,
com a produção intelectual de John Hobson (Imperialismo, 1902), Rudolf
Hilferding (O capital financeiro, 1910), Rosa de Luxemburgo (Acumulação
primitiva, 1914) e Vladimir Lênin (Imperialismo, fase superior do
capitalismo, 1917). Deixando claro que a partir do momento que o houve a
fusão entre os capitais industriais e financeiros, os velhos capitais autônomos
entraram em decadência, tendo como futuro ou se fundir aos grandes
conglomerados ou perecer.
De para a financeirização avançou muito, bastando ver que entre
1980 e 2006 cresceu 14 vezes, enquanto o PIB apenas cinco vezes. As terceira
e quarta revoluções industriais dotaram o capital de uma imensa velocidade,
isso dá a impressão de que o capital não tem base material, mas ao contrário,
nunca a exploração e a extração de mais-valia foram tão amplas e intensas.
Dessa maneira conforma-se um capital monopolista financeiro.
Rocha demonstra que o núcleo de compreensão do sistema capitalista
não está na circulação ou no humor ou outras subjetividades do mercado, mas
sim o processo anárquico de produção de mercadoria, o que é determinante
para entender as crises de 2008 e 2014 e própria política brasileira.
Aqui observamos de que forma as opções dos conglomerados
monopolistas financeiros decidiram por terminar a experiência social-liberal
brasileira, pois essa fração superior do capital
transformou a massa de empresários em sua tributária, bem como
adquiriu um peso dominante na exploração do trabalho, na vida
social, no controle da mídia, no funcionamento dos órgãos estatais,
na correlação de forças parlamentares, na elaboração das políticas
governamentais e no exercício da hegemonia (p. 87).
A partir do instante em que o condomínio monopolista financeiro
determina as relações sociais, a própria lógica de superação da dependência se
torna uma quimera, que as relações imperialistas se naturalizaram e
tornam-se partes da realidade geral com o imperialismo agindo internamente
e externamente em seu próprio proveito. Dessa maneira a questão soberana
nacional deixa de ser um apanágio burguês e se “converteu uma tarefa
prioritária dos trabalhadores, na exata medida em que a questão proletária se
transformou em imperativo nacional” (p. 91).
De igual forma processa-se uma alteração profunda no aparelho do
estado, que passa a agir conforme os interesses do capitalismo monopolista
financeiro, onde o estado passa a ser um facilitador dos interesses privados. Se
antes a bancarrota liberal (1929) levou a burguesia a colocar limites à livre
concorrência, nos dias hoje se segue o contrário, o casamento entre os
oligopólios nacionais e o estado é substituído pelo fortalecimento da livre
iniciativa monopolista financeira tanto nos aspectos voltados à privatização
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como nas concessões. São duas faces possíveis da ação e alargamento ou não,
das políticas monopolistas financeiras e seu estado.
Ou seja, a caracterização do estado como monopolista e financeiro
define ainda dois momentos de análise: o primeiro, mostrando as dimensões e
particularidades nacionais em comparações com outras experiências. Rocha
toma, por exemplo, os países que fizeram rupturas com o sistema financeiro
mundial (Cuba, China etc.), chama a atenção que as concessões feitas ao
sistema capitalista foram realizadas por estados sobre o controle de
organismos revolucionários e comunistas e, em seguida, mostra que as
concessões feitas pelo estado brasileiro foram promovidas por um estado
burguês sobre controle do capital monopolista financeiro. Daí decorre algumas
falsas compreensões: a mais notória de todas é de limitar o universo das ações
do proletariado ao limite da ordem burguesa, crendo por falsa análise da
realidade e da história em que há “uma etapa” de democracia burguesa,
decorrendo novos pactos com a burguesia nacional anti-imperialista etc.
A segunda, e tão importante quanto primeira, é a limitação teórica que
a falsa análise da realidade produz, que limita a ação e a imaginação dos
partidos e movimentos dentro de um estado dominado (interna e
externamente) pela ação imperialista e de seu condomínio monopolista
financeiro.
Voltemos a Antônio Ermírio de Moraes, este, ao fundar o Banco
Votorantim (BV), disse que “a ideia era não pagar os juros cobrados pelo
mercado e estabelecidos pelo Banco Central”. Poucos anos depois, o BV já era
um dos mais importantes bancos financeiros do país. Antônio Ermírio de
Moraes Neto, herdeiro desse importante grupo econômico, saúda o
crescimento explicando a habilidade e mobilidade que a financeirização
possibilitou à corporação.
O livro de Ronald Rocha é uma contribuição que chegou silenciosa e aos
poucos vai ganhando voz no debate após o golpe de 2016. Enquanto alguns se
preocupam em criar uma nova burguesia, em crer na autonomia das frações
burguesas, Rocha mostra o inverso, como deve se organizar e se preparar as
classes proletárias e populares para os embates no centro de uma nova
realidade concreta: o capitalismo monopolista financeiro.
Por fim, as de 148 páginas do livro são bem escritas, acinzentadas
cansando menos ao leitor. O autor é conhecido pelo seu refinado marxismo e
exigente erudição, a orelha vem com um bom comentário do líder sindical Jo
Reginaldo Inácio e, na outra orelha, uma breve apresentação biográfica do
autor. no corpo, segue uma apresentação muito boa de Carlos Machado,
diretor do Sinpro-MG.
Um bom texto e uma boa contribuição para os dias que se seguem!
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Referências bibliográficas
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ROCHA, Ronald. Anatomia de um credo: o capital financeiro e o progressismo
da produção. Belo Horizonte: Ed. O Lutador, 2018.
VOTORANTIM. Site oficial. Disponível em: <https://www.sunoresearch
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2020.
REVISTA IST Dinheiro. Ermírio, o banqueiro. Ed. 16 abr. 2008. Disponível
em: <https://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20080416/ermir
io-banqueiro/13009>, acessado em: 9 mar. 2020.
Como citar:
FERREIRA, John Kennedy. O capital monopolista financeiro no Brasil
(resenha). Verinotio Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio
das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 385-9, jan./jun. 2020.
Data do envio: 14 mar. 2020
Data do aceite: 12 jun. 2020