Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Paula Alves Martins de Araújo
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tranquilamente afirmar que eu era objetivamente um adversário dos métodos
de Stálin, mesmo quando eu mesmo acreditava ser um defensor de Stálin”
(LUKÁCS, 1970b, p. 240). Para Lukács, portanto, a oposição à linha oficial do
stalinismo avulta em seus textos não só nas manobras linguísticas, mas, e
sobretudo, ela fundamenta a elaboração dos princípios metodológicos, numa
“atitude estruturalmente antisstalinista”, como pontua Nicolas Tertulian
(2007, p. 11)
4
.
É nesse sentido que Lukács enquadra sua leitura de Tolstói e Balzac
como um protesto tácito, de maneira indireta, contra a prática stalinista de
avaliar os méritos de uma obra literária a partir da filiação partidária de seu
autor (cf. LUKÁCS, 2018, p. 580). Quando ele, nos anos 30, inscreve Tolstói
na tradição do grande realismo, apresentando-o como uma figura relevante
para o desenvolvimento do realismo socialista, o gesto de polêmica é assim
calculado. Pois, também na interpretação da literatura, a tendência stalinista
“desativava todas mediações” (LUKÁCS , 1970, p. 177), de modo que a crítica
se contentava em estabelecer correspondências entre a “teoria do partido e o
teor das ideias poéticas” (LUKÁCS, 2018, p. 580), forçando uma politização
extremamente simplificadora das artes. Trata-se de uma prática semelhante à
que Lukács identificava no chamado sociologismo vulgar, uma vertente da
sociologia da arte que buscava encontrar nas produções literárias um
equivalente de determinadas estruturas sociais e econômicas, da psicologia de
classe do escritor, a cuja gênese social a obra é então reduzida.
É possível acompanhar, em diversos textos dos anos 1930, o debate que
Lukács trava no cenário soviético, juntamente com Michail Lifschitz, contra
essa linhagem crítica, representada, de acordo com os autores, sobretudo por
Plekhânov
5
. Eles criticavam, por exemplo, a concepção rasteira de
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O que, diga-se de passagem, não impede que Lukács reconheça eventuais acertos táticos de
Stálin, no calor da hora, mas também depois, como podemos ler, por exemplo, no texto
mencionado na primeira nota, Sozialismus als Phase radikaler kritischer Reformen. Um
balanço muito lúcido dessa relação é o texto de José Paulo Netto, do qual destaco uma outra
passagem: “Com efeito, Lukács, fiel à sua ortodoxia marxista, adotou uma postura de dúplice
crítica: contra o dogmatismo da era stalinista e contra o liberalismo emergente com a sua
denúncia” (2019, p. 310). José Paulo Netto analisa ainda com bastante interesse a
problemática cultural da era stalinista e a oposição de Lukács, em sua atividade crítica, às suas
linhas gerais bem como em questões pontuais.
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De acordo com Sziklai, essa polêmica contra a sociologia vulgar se inicia em 1936, com um
texto de Lifschitz, Der Leninismus und die Kunstkritik, nas colunas da revista Literaturnaja
Gaseta. Já antes, na revista Literaturny Kritik, essa vertente havia sido criticada, mas, na
avaliação de Sziklai, “essa polêmica foi em partes demasiadamente abstrata. Sua
argumentação se fundava em bases filosóficas lábeis”, limitações das quais o artigo de
Lifschitz, por sua vez, não compartilharia (1978a, p. 95). Nas notas dos Moskauer Schriften
podemos ler ainda que o ponto de referência da sociologia literária soviética, já que era um de
seus principais representantes, era W. M. Fritsche (LUKÁCS, 1981, p. 159). Se, àquela altura,
a polêmica talvez não tenha tido intencionalmente esse sentido, julgando-a da perspectiva dos
trabalhos de Lukács e Lifschitz, é possível interpretar essa diferenciação em relação à