Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Felipe Ramos Musetti
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Marx argumenta que o estado atinge sua “verdadeira forma definitiva” com a
dissolução da sociedade feudal e a formação da sociedade burguesa, de modo
que, longe de anular as diferenças fáticas produzidas pelo movimento da
propriedade privada, o estado “existe tão somente sob o pressuposto delas”
(MARX, 2010, p. 40). Em outras palavras, atentando para a “contradição
entre o estado e seus pressupostos gerais” (MARX, 2010, p. 38), a crítica
marxiana observa que o estado político pleno corresponde à comunidade
ilusória exigida pela sociedade burguesa e seus elementos, à medida que o
desenvolvimento da propriedade privada moderna corresponde à plena
separação entre o indivíduo – que se expressa, concretamente, na figura do
bourgeois egoísta – e a sua vida genérica, que se expressa no estado moderno
como “soberania fictícia” e “universalidade irreal”. Nesse sentido, Marx
observa a correlação entre a realização plena do estado e a emancipação do
espírito egoísta da sociedade burguesa frente às amarras políticas que
obstavam seu movimento (cf. MARX, 2010, p. 52). Frise-se que, para Marx,
longe de solucionar os conflitos estruturantes da sociedade burguesa, o
estado é produzido por eles, os tem como pressuposto, razão pela qual a
superação da propriedade privada implica, igualmente, a superação do estado
(cf. MARX, 2010, p. 54).
Ademais, em “Crítica da Filosofia do direito de Hegel – Introdução”, o
proletariado é identificado como a classe que, como produto autêntico da
sociedade burguesa, concentra nas suas próprias condições de vida a
necessidade da emancipação humana, de modo que, quando “anuncia a
dissolução da ordem social existente apenas declara o mistério da sua
própria existência, uma vez que é a efetiva dissolução desta ordem” (MARX,
2006b, p. 156). A efetiva necessidade de superação da ordem burguesa se
expressa, concretamente, na existência do proletariado, que, ao exigir “a
negação da propriedade privada, apenas estabelece como princípio da
sociedade o que a sociedade já elevara a princípio do proletariado e que este
já involuntariamente encarna enquanto resultado negativo da sociedade”
(MARX, 2006b, p. 156). Uma vez que encarna, involuntariamente, a negação
da propriedade privada, o proletariado torna-se o coração da emancipação
humana, que supera o estado e a política.
Para os objetivos deste artigo, a arquitetônica da crítica marxiana da
imperfeição do estado, que se deixa corromper ao degenerar sua universalidade em prol de
interesses privados. Segundo o autor, “o estado assegurará o interesse privado dos senhores
na medida em que este puder ser garantido por meio de leis racionais e medidas preventivas
racionais” (MARX, 2017, pp. 119-20). Não se trata de questionar a contradição entre estado e
seus pressupostos gerais, mas a irracionalidade de leis e medidas preventivas que
corrompem a universalidade do estado. Para uma análise detida da configuração do
pensamento marxiano no período da Gazeta Renana, cf. Eidt (1998).