Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Lucas Parreira Álvares
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mulheres e crianças na atividade agrícola”, “relatórios sobre a condição
sanitária dos trabalhadores ingleses” etc.), pôde se utilizar de materiais
quantitativos acerca do número de prisões por crimes penalmente qualificados
entre 1805 e 1842 (ENGELS, 2010, p. 168), o aumento considerável da
exploração nas minas de carvão (ENGELS, 2010, p. 56), e a densidade
demográfica nos principais distritos industriais (ENGELS, 2010, p. 53);
também se utilizou de métodos cartográficos, desde uma antiga planta de
Manchester que denunciava as falibilidades de sua arquitetura urbanística
(ENGELS, 2010, pp. 87-92), até mapas que orientavam o cálculo da ventilação
– ou da ausência desta – nas residências operárias (ENGELS, 2010, pp. 98-9).
A profundidade da investigação de Engels revela uma versatilidade
notável deste autor no tratamento dos mais variados recursos à sua disposição.
É interessante perceber que Engels demonstra um apetite insaciável pelas
implicações que, no decorrer desses quase dois anos inteiros, sua investigação
suscitou. A imprevisibilidade é sempre um elemento presente nas pesquisas de
campo, e provavelmente Engels certamente não devia antever que a
“ventilação das residências operárias” fosse um dos aspectos relevantes que
sua investigação enunciaria. É comum que os escopos de pesquisas sejam
alterados em razão das dinâmicas colocadas no campo, e a convivência com os
operários, em seus mais distintos recintos, impôs a ele uma necessidade de se
aprofundar em algo que estava geograficamente distante da linha de
montagem, mas que intercedia diretamente na condição de saúde do
trabalhador fabril.
Pode parecer inusitado insistir nesse argumento, mas subjacente a ele
encontra-se adjetivações que compõe a especificidade de sua pesquisa. Engels
percebeu com primazia que “todas as grandes cidades têm um ou vários
‘bairros de má fama’ onde se concentra a classe operário” – o que, a propósito,
evidencia a associação entre a expansão de agrupamentos urbanos frente à
incidência da produção capitalista. Duas das “grandes cidades” por meio das
quais Engels se utilizou como exemplo ilustrativo são Londres e Manchester,
no entanto, a exposição de sua obra revela que o tratamento dado por esse
autor a essas cidades foi distinto. Vejamos, portanto, como Engels lida com a
ventilação nos bairros operários em Londres em comparação com o modo que
lida nas residências de Manchester.
Referente a capital inglesa, Engels demonstra que “a ventilação na área
[residências operárias] é precária, dada a estrutura irregular do bairro e, como
nesses espaços restritos vivem muitas pessoas, é fácil imaginar a qualidade do
ar que se respira nessas zonas operárias” (ENGELS, 2010, p. 70) – não é de se
espantar que o bairro com o qual Engels se utilizou de recurso ilustrativo fosse
conhecido como “ninho dos corvos” [rookery]. Já ao se referir a Manchester,
após fazer uma extensa descrição das condições precárias da residência dos
operários, Engels confessa: “relendo a descrição que apresentei, devo
confessar que, longe de ser exagerada, é muito débil para evidenciar a
imundície, a degradação e o desconforto dessa área que abriga, pelo menos,
entre 20 e 30 mil habitantes” e que sua “estrutura urbana é um desafio a
qualquer princípio de ventilação, salubridade e higiene”. Logo em seguida,
completa: “Basta vir até aqui para saber de quão pouco espaço para mover-se,
de quão pequena quantidade de ar – e que ar! – para respirar necessitam os