Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Friedrich Engels
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qual estavam, ao mesmo tempo, em estado de rebelião permanente. A relação
básica de toda a economia feudal, a concessão de terras em troca de determinados
serviços pessoais e impostos, já em sua forma original e mais simples, fornecia
material suficiente para disputas, especialmente quando tantos estavam
interessados em disputar. O que, então, deveria se esperar da Baixa Idade Média
quando as relações de vassalagem [Lehnsbeziehungen] em todos os territórios
formaram um emaranhado inextricável de direitos [Berechtigungen] e deveres
[Verpflichtungen] aprovados, retirados, renovados, perdidos, alterados ou
submetidas às novas condições? Carlos, o Audaz, por exemplo, era o vassalo do
imperador em alguns de seus territórios, e do rei da França em outros; por outro
lado, o rei da França, seu suserano, era ao mesmo tempo, em certas áreas, o
vassalo de Carlos, o Audaz, ele próprio seu vassalo; como seria possível evitar
conflitos? Daí esta interação secular entre atração dos vassalos centro
monárquico, que poderia sozinho protegê-los de forasteiros e uns dos outros,
transformada incessante e inevitavelmente em repulsão do centro; daí a luta
ininterrupta entre a monarquia e os vassalos, cujo ruído sombrio abafou tudo o
mais durante aquele longo tempo em que o roubo era a única fonte de renda digna
de um homem livre; daí o ciclo interminável e sempre renovado de traição,
assassinato, envenenamento, insidiosidade e toda maldade concebível que, oculta
por trás do nome poético de cavalaria, nunca deixou de falar em honra e lealdade.
É óbvio que a monarquia foi o elemento progressivo nesse estado de
confusão generalizada. Ela representava a ordem na desordem, a nação em
desenvolvimento em oposição à fragmentação em estados vassalos rebeldes.
Todos os elementos revolucionários que se formaram sob a superfície feudal eram
tão dependentes da monarquia quanto a monarquia dependia deles. A aliança
entre monarquia e burguesia data do século X; frequentemente interrompida por
conflitos, já que nada seguiu constantemente seu curso em toda a Idade Média,
ela se renovava cada vez mais firmemente, e sempre mais poderosa, até que ela
ajudou a monarquia a alcançar sua vitória final, e a monarquia, em gratidão,
subjugou e saqueou sua aliada.
Tanto reis quanto cidadãos encontraram apoio poderoso no emergente
estamento dos juristas [Stande der Juristen]. Com a redescoberta do direito
romano, o trabalho foi dividido entre os sacerdotes, consultores jurídicos do
período feudal, e os leigos estudiosos do direito [Rechtsgelehrten]. Desde o início,
esses novos juristas pertenciam essencialmente ao estamento burguês; mas a lei
que eles estudavam, ensinavam e praticavam era, por natureza, essencialmente
antifeudal e, em certos aspectos, burguesa. O direito romano é a expressão
jurídica clássica das condições de vida e das colisões de uma sociedade em que