Ronaldo Vielmi Fortes
244 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 240-276 - jan./jun. 2021
resplandecentes vestidos e se atrever a dar o salto vital por cima do abismo?
Deveríamos nos assombrar que este hotel, luxuosamente equipado para as
cúpulas mais elevadas da intelectualidade, tenha por todas as partes suas
cópias mais provincianas e menos luxuosas no interior da intelectualidade e
da pequena burguesia? Na sociedade burguesa de nossos dias, há toda uma
série de transições que vão desde as bandas de jazz, orquestradas com
refinamento, de dança macabra das cosmovisões, até os coros ordinários e
gramofones de bares autênticos, donde também se bebe e tem lugar a dança
macabra das cosmovisões burguesas, a maioria das vezes, de um modo
completamente inconsciente para o pequeno-burguês ali presente. (Grande
Hotel Abismo, p.189-90).
Em seu livro
A destruição da razão
, onde parte dessas ideias vem a público pela
primeira vez de maneira mais elaborada, ao tratar da filosofia de Schopenhauer o autor
expõe sua crítica com base na mesma figura do
Grande hotel abismo:
A filosofia de Schopenhauer recusa a vida de qualquer modo e lhe contrapõe,
como perspectiva filosófica, o nada. Mas é possível viver semelhante vida?
[...] Se observarmos a filosofia de Schopenhauer
em seu conjunto
, a resposta
é sim, pois a ausência de sentido da vida significa, sobretudo, a libertação
do indivíduo de todas as obrigações sociais, principalmente, da
responsabilidade diante do desenvolvimento da humanidade, que, aos olhos
de Schopenhauer, sequer existe. E o nada, como perspectiva do pessimismo,
como horizonte de vida, de modo nenhum é capaz, segundo a já referida
ética schopenhaueriana, de impedir o indivíduo, ou mesmo de inibi-lo, de
conduzir a vida de maneira prazerosa e contemplativa. Pelo contrário. O
abismo do nada, o fundo obscuro da ausência de sentido da existência,
confere a esse gozo da vida apenas um fascínio picante. [...] Assim o sistema
de Schopenhauer [...] erige-se como um elegante e moderno hotel, equipado
com todo conforto, à beira do abismo, do nada, do absurdo. E a visão
cotidiana do abismo, entre refeições ou criações artísticas confortavelmente
saboreadas, só pode aumentar a alegria desse sofisticado conforto. (LUKÁCS,
2020, pp.218-9).
Com Schopenhauer tem início o que Lukács designou como a classe de
intelectuais rentistas, por vezes referida por ele – com grande escárnio – como a
intelligentsia
parasitária:
Schopenhauer é, portanto, na Alemanha, o primeiro grande exemplo de um
escritor rentista, um tipo que há muito já havia se tornado importante para a
literatura burguesa dos países capitalistas desenvolvidos. (É significativo que
também Kierkegaard e Nietzsche possuam uma independência de rentista
em muitos aspectos semelhante.) Essa falta de qualquer preocupação
material na vida constitui a base da independência de Schopenhauer não só
em relação às condições semifeudais de vida determinadas pelo Estado
(carreira universitária etc.), mas também em relação às correntes espirituais a
elas ligadas. Nesse sentido, é-lhe possível, em todas as questões, assumir,
sem sacrifício, uma posição pessoal livremente escolhida. Nisso ele se torna
o modelo da intelectualidade burguesa “rebelde” da Alemanha. (LUKÁCS,
2021, pp.177-8).
A atmosfera histórica ganha conotação decisiva na determinação social do
pensamento, ela reflete o contexto de época e a percepção criada por determinadas
classes sociais acerca da realidade social. Em uma relação de determinação de reflexão,
o pensamento nasce do “clima” histórico, aparece como influente exatamente por ser