Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, Lukács: 50 anos depois - jan./jun. 2021
György Lukács e o problema do irracionalismo
*
Hans Heinz Holz
**
Resumo: O artigo destaca a importância do
filósofo húngaro György Lukács para a geração
alemã marxista do período pós-guerra. Enfatiza a
influência que a crítica lukácsiana ao
existencialismo exerceu no período e aborda
aspectos importantes da obra do autor, do
período em questão e os desdobramentos
filosóficos de suas obras posteriores.
Palavras-chave: marxismo e existencialismo;
Lukács e o irracionalismo; marxismo e ontologia;
crítica ao existencialismo.
Abstract: The article highlights the importance of
the Hungarian philosopher György Lukács for the
German Marxist generation of the post-war
period. It emphasizes the influence that Lukács's
critique of existentialism exerted in the period
and addresses important aspects of the author's
work, the period in question and the
philosophical consequences of his later works.
Keywords: marxism and existentialism; Lukács
and irrationalism; marxism and ontology; criticism
of existentialism.
1. Quem fala hoje de Lukács deve falar também da biografia intelectual e política
de uma geração, da minha geração, que se pôs a caminho entre as ruínas deixadas
pela Segunda Guerra Mundial; e não quero dizer apenas as ruínas materiais, que
poderiam nos ensinar um
primum vivere
,
deinde philosophari
,
1
mas também as ruínas
espirituais diante das quais nos encontramos devido à destruição da herança cultural
e da razão operadas pelo fascismo, por seus preparadores e por seus cúmplices.
Naquela ocasião, também aprendemos que aquela verdade latina lapalissiana,
2
vulgar-
materialista, que separa da compreensão filosófica uma prática de vida inequívoca,
relegando a primeira à esfera do luxo, é um erro fatal de princípio, e, para nós, apenas
*
Tradução de Ronaldo Vielmi Fortes. Revisão técnica de Ester Vaisman. Tradução feita a partir de
“György Lukács e il problema dell’irrazionalismo” (traduzione di Clara Grein e revisione di Rosario
Musillami).
In
: MUSILLAMI, Rosario (
a cura di
).
Attualità e rilettura critica di György Lukács e Ernst Bloch
.
Milano, Diffusioni’84, 1984.
**
Hans Heinz Holz (26 de fevereiro de 1927 - 11 de dezembro de 2011) foi um filósofo marxista
alemão. Nascido em Frankfurt am Main, foi professor de filosofia na Universidade de Marburgo (de 1971
a 1979) e na Universidade de Groningen (de 1979 a 1993). Autor de diversas obras, dentre as quais
se pode destacar:
Dialektik und Widerspiegelung
(1983);
Philosophische Theorie der bildenden Künste
(1996-7);
Einheit und Widerspruch. Problemgeschichte der Dialektik in der Neuzeit
(1997).
1
Primeiro viver, depois filosofar [N.T.]
2
A expressão nasceu do nome de um nobre francês, falecido no século XVI, Jacques de La Palice (ou
La Palisse). Quando La Palice faleceu, foi escrito um epitáfio em que constavam as seguintes palavras
francesas - s'il n'était pas mort, il ferait encore envie - que querem dizer algo como "se ele não estivesse
morto, ainda agora causaria inveja". Porém, alguém as leu incorretamente do seguinte modo: s'il n'était
pas mort, il serait encore en_vie - ou seja, alterando-se apenas uma letra e adicionando um único espaço,
a frase podia ser lida como "se ele não estivesse morto, ainda agora estaria vivo", o que representa uma
ideia mais que óbvia [N.T.].
DOI 10.36638/1981-061X.2021.v27.603
Hans Heinz Holz
126 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
era válido: não viver
nisi philosophari
.
3
O sétimo congresso mundial do
Comintern
sabia disso quando vinculou a luta contra o fascismo à luta que conservaria a
continuidade de nossa cultura, que salvaria o legado diante do perigo e que
desenvolveria, por meio do pensamento, prospectivas de progresso. Mas muito poucos
dentre nós ouviram falar dele até 1945.
Agora continuo falando sobre o desenvolvimento daquela parte da Alemanha de
onde venho. Depois de doze anos de terror e aniquilamento aterrorizante das
organizações, dos quadros e da cultura do movimento operário, as condições objetivas
que nos permitiram confrontar as causas do fascismo de um ponto de vista teórico,
ideológico o que significa também de um ponto de vista prático-político não
estavam de forma alguma maduras. Isso era válido, sobretudo, para os intelectuais
jovens. Os melhores entre nós haviam se tornado antifascistas por razões éticas, pela
inquietação diante da devastação, por convicção do absurdo da ideologia nazista, e
apenas alguns poucos, por uma consciência de classe avançada. A liberdade era de
grande valor para todos s, talvez o maior. Mas ainda não erámos capazes de
distinguir entre uma fraseologia que fala de liberdade, mas que apenas oculta a
exploração capitalista, a opressão colonial, o imperialismo e a luta real, extenuante,
pela abolição das condições em que os homens são oprimidos e sua humanidade (para
usar a palavra no sentido de Immanuel Kant) maltratada e arruinada. O antifascismo, a
liberdade e o individualismo burguês constituíam uma mistura ideológica; afinal, não
poderia ser de outro modo, que a maioria de nós pertencia à classe burguesa. Jean-
Paul Sartre ou mesmo Karl Jaspers foram as estrelas ideológicas que nos orientavam
(basta olhar os folhetos dos jornais e os programas de cursos das universidades para
reconstruir a situação espiritual da época); neles, a tradição da educação burguesa
incorporava a aura do antifascismo.
A tradição da educação burguesa isso era importante para nós, pois era a única
coisa que possuíamos que tinha substância teórica e ideológica. Certamente alguns de
nós haviam lido
Irrweg einer Nation
de Alexander Abusch um grande e importante
livro para uma geração desorientada; depois, encontramos os ensaios de Franz
Mehring sobre a história prussiano-alemã e a introdução ao marxismo de Fred
Oelssner; foram os primeiros instrumentos de orientação, mas igualmente insuficientes
3
Mas filosofar [N.T.]
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 127
como alternativas à enorme quantidade de saber e cultura da produção cultural e
científica burguesa que nos foi transmitida de forma não valorativa (
wertfrei
) pelos
mesmos professores que haviam servido a Hitler.
Então surgiu György Lukács: sua discussão com Sartre e Jaspers em
Rencontres
Internationales
em Genebra, documentada na revista
Umschau
em 1947 por Heinz
Maus, que injustamente foi esquecido tão cedo; na edição da
Aufbau-Verlag
,
apareceram, logo depois, seus escritos
Fortschritt und Reaktion in der deutschen
Literatur
,
Deutsche Literatur im Zeitalter des Imperialismus
, Ensaios
Uber den
Realismus
e
Schicksalswende
,
4
aqueles exemplares amarelados que, guardados por
motivos sentimentais, são, hoje, objeto de recordação de nossos primeiros momentos
de luta ideológica após a Segunda Guerra Mundial. Rico em conhecimento e cultura
burguesa, mostrou-nos que a cultura, a literatura e a filosofia são campos, meios e
manifestações da luta de classes, que devem ser distinguidos entre um legado do qual
queremos fazer parte e um legado que devemos superar; mostrou-nos as grandes
obras situadas socialmente, que refletem as contradições de seu tempo e que devemos
nos apropriar criticamente de sua substância, determinando seu realismo, sua
tendência e sua relação com o progresso; mostrou-nos, com material a nós familiar em
mãos, que tomar partido é uma qualidade da verdade. Ele nos desafiou a ousar e a
confrontar os conhecimentos acadêmicos que nos foram transmitidos, contra as
interpretações de nossos professores universitários por meio de questões críticas e
com o objetivo de expô-los com responsabilidade política. Assim, ele se tornou para
nós, e especialmente para a parte progressista e politicamente atenta da
intelectualidade burguesa, um mestre do marxismo.
2. Como se pode ver, ao falar sobre a biografia ideológica de minha geração, fiz
continuamente referências a György Lukács. De uma maneira pessoal, tentei acenar
para uma história da recepção. Essa história da adesão deve ser separada do conteúdo
sistemático de sua obra, da sua questão interna, do que é certo e do que é errado e
também dos erros políticos que Lukács cometeu em sua vida longa e agitada, e que,
seguramente, têm a sua origem também nos erros teóricos; o problemas da crítica
filosófica, que surgem diante de qualquer obra e que representam um momento do
progresso do conhecimento. Gostaria também de separar essa história da adesão que
4
Progresso e reação na literatura alemã, Literatura alemã na era do imperialismo, Ensaios sobre o
realismo e Viragem do destino.
[N.T.].
Hans Heinz Holz
128 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
mencionei da segunda, que não deve ser esquecida de forma alguma, e no decorrer
da qual, a partir de
História e consciência de classe
, revisionistas de todos os tipos
seguiram o exemplo de Lukács; e, certamente, nele havia pontos de apoio suficientes
para tais afiliações por assim dizer "extraconjugais"; um confronto crítico e, neste caso,
também a polêmica são de fato necessários. Mas a crítica, o confronto e a polêmica
não devem esconder que em Lukács existe um cleo substancial que tornou aquela
primeira história de adesão possível e duradoura; malgrado todos os enganos e erros,
Lukács foi um teórico que pertence positivamente ao contexto da Terceira
Internacional; nos pontos essenciais, ele era um leninista, e negligenciar isso
significaria lançá-lo aos inimigos ideológicos, aos inimigos de classe (e junto com ele
uma parte de nossa própria história intelectual).
Naturalmente, no interior de contextos diferentes, as ênfases terão de ser
colocadas de maneira diferente, e aqui posso apenas falar sobre a importância que
tanto Lukács quanto a adesão a Lukács têm para a luta ideológica dos marxistas na
Europa Ocidental. Mas, do meu ponto de vista, qualquer crítica à colocação
equivocada de sua ontologia, à negligência do aspecto linguístico na obra literária, ao
conceito de realismo, ao mesmo tempo muito amplo e estreito, à tendência à
acentuação excessiva da subjetividade e, a ela ligada, à elaboração insuficiente da
dialética da natureza deve ser consciente do fato de que ela se apresenta no âmbito
do exame e do esclarecimento dos princípios marxistas do espelhamento filosófico.
Está em jogo a racionalidade da dialética materialista, e ninguém vai querer sustentar
que a sistematicidade e os momentos de suas leis de movimento se apresentam
completamente desenvolvidos de uma vez por todas, que a experimentação de
modelos de construção não seja indispensável, assim como não o sejam os erros e a
refutação de erros, a críticas e autocríticas em vista de um desenvolvimento ulterior da
dialética.
Racionalidade da dialética materialista, esta é uma palavra-chave que caracteriza
as grandes contribuições de György Lukács no período de luta contra a Alemanha de
Hitler e sua ideologia. Foi a insistência no primado da razão que, em um ambiente
espiritual pleno de pseudologias
5
ideológicas, nos fez sentir próximos de György
Lukács. Essa insistência não era árida e pedante, mas movida por uma paixão que
5
Tendência patológica para mentiras [N.T.].
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 129
surgiu da união da indignação intelectual e moral diante da desumanidade, das
atrocidades postas pelas condições capitalistas e pelos horrores fascistas. A luta de
Lukács contra o irracionalismo em
A destruição da razão
(e nas obras paralelas de
crítica literária) arde a partir de um fogo emocional, no qual, às vezes, as devidas
diferenciações se transformam em cinzas e no qual se queima mais do que seria
sensato e necessário. Mas essa emotividade também é sua força. A inquietação face
aos efeitos da contrarrazão, a convicção da nocividade social do irracionalismo e o
partidarismo, indispensável ao postulado da cientificidade da
Weltanschauung
,
forneceram-lhe a capacidade de definir, independentemente da força fascinante dos
grandes ou brilhantes pensadores, a dianteira da luta de classes ideológica, portanto,
aprendemos a apontar na direção certa.
“Com a derrota de Hitler como diz Lukács no pós-escrito, a apresentação de
A
destruição da razão
que teve início nos dias da plenitude de seu poder, adquiriu um
caráter essencialmente histórico”. Mas em 1953, Lukács diagnosticou de maneira
justa, precisamente neste pós-escrito, que o fim da guerra, pelo contrário não
significou senão a preparação de uma nova guerra, dessa vez, contra a União Soviética,
que o trabalho ideológico sobre as massas com vista à guerra constituía um problema
central do mundo imperialista".
6
O curso da política dos Estados Unidos de Truman a
Reagan confirmou esse diagnóstico em sua nitidez alarmante. Quem teria ousado
pensar em 1953 que todas aquelas figuras com as quais Lukács lidou em
A destruição
da razão
voltariam a surgir vinte anos depois como fontes de uma nova onda
irracionalista: Friedrich Schlegel, Schopenhauer e Nietzsche no século XIX; Heidegger,
Carl Schmitt e Arnold Gehlen no século XX, apenas que transferidas não muito
diferente do que na época em que
A destruição da razão
surgiu para um nível
infinitamente mais baixo de argumentação e de problematização filosófica. Lukács
então escreveu: “exatamente por sua inferioridade moral e política é que Rosenberg
se tornou o ideólogo adequado do nacional-socialismo. E se, [hoje], aquele recuo
estratégico para Nietzsche e Spengler conduziu a uma nova ofensiva filosófica, o seu
protagonista deve por uma necessidade histórica representar filosoficamente um
nível ainda mais baixo que Rosenberg”.
7
Em consideração às teorias de André
6
Lukács, G.
Die Zerstorung der Vernunft
, Aufbau-Verlag, Berlin, 1954, p. 603; Werke vol. 9,
Luchterhand Verlag, Darmstadt-Neuwied, 1974, p. 663; ed. bras.
A destruição da razão
, São Paulo:
Instituto Lukács, 2020, p. 663.
7
Ibid
., Aufbau-Verlag, p. 9, Werke 9, p. 14; ed. bras., idem, p. 14. modif.
Hans Heinz Holz
130 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
Glucksmann, esse prognóstico não é de forma alguma contraditado. Aqueles que se
encontram hoje na frente da luta ideológica, em uma nação ocidental, estão cientes da
atualidade e da utilidade instrumental da crítica de Lukács ao irracionalismo, mesmo
que a ferramenta que ele forjou deva ser melhorada e aperfeiçoada.
3. O surgimento de filosofias irracionais ocorre em condições histórico-sociais
precisamente determináveis, mas sempre, como justamente observou Lukács, como
uma simples forma de reação ao desenvolvimento dialético da razão humana”.
8
Sua
tese é:
que as diferentes etapas do irracionalismo surgiram como respostas
reacionárias a problemas da luta de classes. O conteúdo, a forma, o método,
o tom etc. de sua reação contra o progresso da sociedade não são
determinados por tal dialética interna própria ao pensamento, mas,
sobretudo, pelo adversário, pelas condições de luta que o impostas à
bourgeoisie
reacionária. Isso deve ser fixado como um princípio básico do
desenvolvimento do irracionalismo.
9
Quero dizer que o desenvolvimento recente confirma essa minha suposição. Em
outro lugar,
10
mostrei que a história da filosofia na República Federal da Alemanha
após 1945 só pode ser entendida como um processo unitário. Se for entendida como
uma recusa multifacetada e mutável na sucessão de modas passageiras mas, em
última análise, inalterada na tendência de fundo contra as posições ideológicas do
socialismo científico, em que o assim chamado pluralismo de correntes constitui
justamente um elemento necessário para a concepção estratégica dessa recusa. Isso
significa que, como Lukács observou, certamente uma ''unidade ideal” das
correntes irracionalistas, mas que essa unidade é determinada externamente isto é,
pela força política e teórica do socialismo científico por isso, o desenvolvimento do
irracionalismo não apresenta, em quaisquer de suas etapas, um caráter imanente,
como se, de uma certa maneira de colocar ou resolver os problemas, derivasse outra,
impelida pela dialética interna do pensamento filosófico em movimento”.
11
Naturalmente, existem razões comuns no interior do irracionalismo para os quais
Lukács voltou sua atenção: "A depreciação do entendimento e da razão, a glorificação
da intuição, a gnosiologia aristocrática, a recusa do progresso histórico-social e a
criação de mitos são, entre outros, motivos que encontramos em quase todo pensador
8
Ibid., Aufbau-Verlag, p. 83; Werke 9, p. 93; ed. bras., idem, p. 93.
9
Ibid., Aufbau-Verlag, p. 10; Werke 9, pp. 14-5; ed. bras., pp. 14-5.
10
Cf. Holz, H. H. Die Verteidigung des Elfenbeinturms,
Blätter fur deutsche und internationale Politik
1979
, n. 10 e 11, p. 1255 sgg. e 1373 seg.
11
Lukács, G.
op. cit.
, Aufbau-Verlag, p. 10; Werke 9, p. 14; ed. bras., p. 14.
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 131
irracionalista".
12
Mas esta lista demonstra que as concepções básicas do
irracionalismo não são, de forma imanente, capazes de desenvolvimento porque
interrompem a relação cognitiva racional nos confrontos com a realidade, orientada
para o progresso científico e para o processo de socialização, e ainda porque se
retraem para uma autonomia intuitiva, decisionista
13
e agnóstica do sujeito. O
significado central da posição teórico-cognitiva de toda ontologia ou, mais geralmente,
de toda
Weltanschauung
, torna-se evidente aqui: sem uma teoria materialista clara do
conhecimento, as concepções filosóficas totalizantes correm o perigo de serem vítimas
de teoremas fundantes irracionais. O pluralismo de filosofemas concorrentes entre si,
que se sucederam no palco da filosofia burguesa do pós-guerra, deve, portanto, ser
considerado, entre outras coisas, como o efeito de seu irracionalismo oculto ou
manifesto. Não há mais lugar para um desenvolvimento de conceitos (como o
observamos, por exemplo, na passagem de Descartes a Spinoza a Leibniz ou nas
etapas que vão de Kant a Fichte a Schelling a Hegel). O irracionalismo passa a ser
descritível apenas como uma sequência descontínua de destruição da racionalidade,
que se renova constantemente e cujo único elo é constituído pelo fato de se opor
totalmente à "saída do homem do estado de minoridade que ele deve imputar a si
mesmo",
14
mais concretamente, à autoconsciência teórica da classe trabalhadora que
se emancipa. No entanto, a atomização da filosofia burguesa também repercute sobre
a própria compreensão da história da filosofia: uma história da filosofia entendida
como uma representação do desdobramento de problemas filosóficos, como em Hegel,
Schelling e Feuerbach, torna-se assim impossível. No máximo, apenas uma soma de
opiniões escolásticas díspares, e mesmo os manuais burgueses mais recentes fizeram
exatamente isso, sejam eles de Vorlander, Aster ou Glockner. A filosofia degenera no
que Paul Feyerabend chamou de "o anarquismo da teoria do conhecimento", chegando
até a elogiar este último como "racionalismo crítico".
Portanto, se, como acredito, é correta a afirmação de Lukács, segundo a qual a
filosofia irracionalista quase sempre se apresenta com impulsos improvisados,
determinados por situações externas, que se ampliam em medida crescente, então,
12
Aufbau-Verlag, p. 10 sg.; Werke 9, p. 15; ed. bras., p. 15.
13
Teoria elaborada pelo filósofo e jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985), um dos teóricos do
nazismo, segundo a qual em épocas de crise a desordem se transforma em ordem por meio da
decisão absoluta, que tem primazia sobre a ordem.
14
Kant, I. Was ist Aufklarung?, Berlinische Monatsschrift 1784, n. 12, p. 481.
Hans Heinz Holz
132 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
dessa situação deriva uma consequência estratégica para a crítica histórico-materialista
da ideologia. Ela, portanto, deve repensar continuamente a crítica caso a caso, para
combater de modo adequado os teoremas burgueses da moda no momento, e não
deve se permitir em referir, simplesmente, a modelos clássicos de argumentação. Nesse
sentido, para explicar, por exemplo, Sartre, Adorno ou Herbert Marcuse, no decorrer
do debate, não basta recorrer às partes pertinentes do "São Max", uma vez que falta
a esses autores e seus partidários a consciência da “unidade ideal” de um conteúdo
filosófico presente em todo o desenvolvimento, e que Lukács justamente caracterizou
como “extremamente monótono e precário”.
15
Certamente, é sensato e necessário
chamar constantemente a atenção para a reprodução de
topoi
tipicamente irracionais
e para a sua origem, que a burguesia assume na transição, de seu papel pré-
revolucionário e modificador da sociedade para o papel pós-revolucionário e
conservador do status.
4. Com isso, chego a uma tese sistemático-constitutiva de Lukács. O
irracionalismo é a estratégia defensiva das classes dominantes, dirigida contra um
desenvolvimento histórico, que faz nascer nas massas a consciência da desejabilidade
e da possibilidade de uma mudança nas condições existentes de dominação (=
condições de exploração). Dito em outras palavras, o irracionalismo faz aparecer as
contradições que surgem entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações
de produção como insuperáveis e fatais, ou então a distorce. A atitude que se opõe
ao progresso social representa o momento crucial para a contradição entre o
racionalismo e o irracionalismo. Não há irracionalismo orientado para o progresso,
portanto, “progressista”. Quero dizer que Lukács tem razão nisso e que é preciso ter
isso em mente ao falar sobre o contraste entre Lukács e Bloch. Por outro lado e isto
Lukács também o dissecou , nos sistemas racionais, orientados para o progresso e
para a razão imanente no mundo, estão presentes elementos irracionais, que por sua
vez são espelhamentos das contradições e imperfeições da forma de sociedade, ou a
incompletude do saber, mas para os quais soluções irracionais não são oferecidas
precisamente em sistemas racionais, mas sim devem ser buscadas em resoluções
dialéticas. Lukács cita Vico, Rousseau e Herder como exemplos de elementos
irracionais de filosofias que levam a tal dialética, e como contraexemplos
15
Lukács,
op. cit.
, Aufbau-Verlag, p. 11; Werke 9, p. 15; ed. bras., p. 15.
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 133
irracionalistas, Pascal e Jacobi, e resume:
A constatação precisa de ambiguidade que encontramos nas obras dos mais
importantes idealistas, da qual só poderiam estar livres os mais destacados
materialistas, coloca-nos numa situação que nos obriga a não investigar a
questão da afirmação ou negação da razão apenas sobre uma base
puramente terminológica, menos ainda a partir de afirmações singulares que,
isoladas do contexto geral e da intenção geral da filosofia considerada,
também podem eventualmente soar como irracionalistas, mas a concentrar a
nossa atenção precisamente sobre essa linha fundamental.
16
Racionalismo e irracionalismo, portanto, têm suas diferenças específicas na
concepção da essência da história. É racional buscar investigar a legalidade do
decurso histórico, do progresso histórico-social, descobrir e formular em conceito a
razão na história e, precisamente, a razão imanente e própria à história humana, a
razão no movimento autônomo da história geral.
17
Daí resulta uma concepção de
progresso que se compreende em si mesmo e fornece critérios para um
desenvolvimento qualitativo avançado, podendo justificá-lo com tais motivos. O
contrário disso é (ou conduz ao) irracionalismo.
Do ponto de vista histórico-materialista, considero essa distinção correta. O que
Lukács encontrou, por assim dizer empiricamente, tem uma base histórico-filosófica,
segundo a qual Lukács pode sustentar que "a progressividade de qualquer situação
ou qualquer tendência de desenvolvimento ] algo objetivo, que age
independentemente da consciência humana"
18
. São postos por universais históricos,
portanto o ideais, cujo status na filosofia materialista precisa de alguns
esclarecimentos (e este é um problema que ainda precisa ser resolvido e ao qual
Lukács nunca dirigiu a atenção, nem mesmo em sua
Ontologia
).
Com o ponto de referência fornecido pelo termo progresso, Lukács indica
também um critério de distinção no que se refere ao julgamento do legado filosófico:
o problema básico da filosofia é tratar o ser e o mundo de uma perspectiva idealista
ou materialista. O materialismo é sempre racionalista (ou, melhor se se preferir, nunca
irracionalista, mesmo que se estenda ao irracional). O idealismo, por outro lado, pode
ser racionalista, se preservar o irracional em uma racionalidade ideal, e então tende
para a dialética: Descartes, Spinoza, Leibniz e Hegel são figuras emblemáticas. Ou se
torna irracionalista, se hipostasiar os elementos irracionais do sistema de modo
16
Ibid
., Aufbau-Verlag, p. 99; Werke 9, p. 110; ed. bras., p. 110.
17
Ibid
., Aufbau-Verlag, p. 100; Werke 9, p. 111; ed. bras., p. 111.
18
Idem.
Hans Heinz Holz
134 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
metafísico: Schelling, Schopenhauer, Nietzsche e, sobretudo, os metafísicos pós-
hegelianos tomaram esse caminho. O materialismo dialético deve aceitar os sistemas
idealistas racionais como um legado, pois eles fornecem os elementos constitutivos de
um espelhamento conceitual do mundo que pode ser tomado e elaborado pelo
materialismo dialético, ou seja, interpretado e decifrado de um ponto de vista
materialista. Eles representam modelos de construção da totalidade, que estabelecem
a mediação histórica entre as ciências e a dialética como uma teoria do contexto geral.
Isso significa que os sistemas idealistas racionais foram momentos do progresso
teórico.
A história da filosofia, referindo-se a um progresso que se orienta ao ser
pertencente à espécie humana social (
Gattungswesen
), divide-se de maneira
significativa nas etapas de um desenvolvimento de problemas a elas imanentes, o que
certamente não é uma história autônoma do espírito, mas uma função do
desenvolvimento social. O irracionalismo se destaca como mera reação desse
continuum
. Não podendo sequer perceber ou compreender o progresso, surge nele a
tendência para a destruição. Lukács percebeu essa tendência mesmo onde ela ainda
estava oculta, inconscientemente e absolutamente não desejada. Mesmo após o
protesto de Bloch, ele permaneceu fiel à formulação provocativa de que haveria um
"desenvolvimento de Schelling até Hitler". Certamente, com tal intransigência, muitos
domínios culturais são deixados sem combate sob a hegemonia do inimigo. O aviso
expresso aqui não pode deixar de ser reconhecido. O perigo de usar bombas atômicas,
mísseis e armas espaciais contra o progresso, em nome de uma concepção, verdade
ou ordem moral considerada superior, expondo assim a existência de toda a
humanidade ao aniquilamento, não surge apenas no momento em que os Schultz e
Weinbergers escrevem seus planos estratégicos; eles contêm o fundamento de sua
não-verdade, seus
proton pseudos
19
em que o direito a uma concepção, verdade ou
ordem moral considerada superior é reafirmado contra a razão. A luta contra o
irracionalismo é uma luta pela vida e pela possível felicidade da humanidade. Lukács
definiu claramente este contexto no prefácio da reimpressão de
A destruição da razão
,
em 1960, no qual ele escreve: Hoje, a luta por paz ou guerra converteu-se no eixo
de toda a prática humana do presente”. E prossegue: “o movimento mundial pela paz
podia ser apresentado como o movimento de massa até então mais poderoso em
19
Próton pseudos
refere-se a premissas falsas, o erro original [N.T.].
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 135
defesa da razão.
20
Nisso estamos de acordo.
5. A crítica de Lukács ao irracionalismo se dirige à constituição do pensamento
moderno. Para dizer a verdade, o irracionalismo em seu enfrentamento reacionário da
racionalidade científica existe, para dizer a verdade, apenas a partir do momento em
que se formou o tipo de ciência moderna e antiteológica, que se concretiza aos nossos
olhos, de forma paradigmática, na figura de Galileu. As pré-formas medievais, como a
do conflito entre Bernardo di Clairvaux e Abelardo, ou a da luta pela recepção de
Aristóteles depois de 1200, ou ainda as das disputas universitárias em Paris do último
terço do século XIII, têm alguns contornos ainda confusos; e mesmo a mística
certamente irracional dos franciscanos espiritualistas e dos joaquimitas
21
ou de Meister
Eckart, a religiosidade dos anabatistas e de Thomas Münzer eram socialmente
progressistas. A antítese entre irracionalismo (reacionário) e racionalidade
(progressista) surge apenas a partir de um estágio muito preciso de desenvolvimento
daquele processo de cientificização que Lukács descreveu em
Estética
, baseando-se
na “desantropomorfização”.
22
Que o irracionalismo pôde obter seu refinamento
último e definitivo, como instrumento da luta ideológica de reação, no momento em
que foram desenvolvidas as teorias racionais da totalidade (não só em geral, mas em
particular também da história e da sociedade), que deveriam ser necessariamente as
teorias de desenvolvimento e, portanto, também programas de superação das
condições existentes. A partir desse instante, três momentos do irracionalismo podem
ser identificados, por assim dizer, como constantes no interior de contextos mutáveis:
23
1) A separação precisa dos fenômenos sociais de sua base econômica.
2) A subjetivação radical da história e a remoção radical de qualquer legalidade
inerente ao seu curso.
3) A criação de mitos recorrendo à intuição.
20
Ibid
., Werke 9, p. 5; ed. bras., p. 5 (não está presente na edição alemã de 1954 [N.T]).
21
Relativo a Joaquim de Fiore, abade cisterciense e filósofo místico, defensor do milenarismo e do
advento da idade do Espírito Santo [N.T.].
22
Lukács, G.
Die Eigenart des Asthetischen
, Werke 11, Damstadt-Neuwied 1963, p. 139 sgg.
23
Lukács, G.
Die Zerstörung der Vernunft
,
op. cit.
, p. 15 sgg.; Werke 9, p. 21 sgg.; ed. bras., p. 21;
sobre as razões do mais recente irracionalismo op. cit., p. 20 sg.; Werke 9, p. 25 sg.; ed. bras., p. 25:
'Uma das tarefas sociais mais importantes da burguesia reacionária reside precisamente no fato de
oferecer conforto aos indivíduos no contexto da visão de mundo, a ilusão de liberdade completa, a
ilusão de independência pessoal em se sentir superior e em um nível moral e intelectual; com um
comportamento em que a concepção de mundo ininterruptamente ligada à burguesia reacionária, em
suas ações reais, se torna útil sem reservas”.
Hans Heinz Holz
136 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
Com a dicotomia entre racionalidade e irracionalidade, Lukács foi recriminado
por ter substituído, ou pelo menos posto de lado, a antítese mais básica do problema
de fundo da filosofia, isto é, a antítese entre o materialismo e o idealismo. Considero
esta recriminação injustificada. Racionalismo-irracionalismo não substitui o
materialismo-idealismo, pelo contrário, designam modos da construção teórica e
científica de uma concepção de mundo. Ambos os pares de conceitos nem mesmo se
comportam de modo simétrico um com o outro. Na modernidade, não pode haver
materialismo irracionalista, uma vez que uma concepção de mundo materialista sempre
requer princípios de construção racional; e se ela faz propriamente seu o modo
constitutivo do irracional, perde também seu caráter materialista. O idealismo, pelo
contrário, pode ser desenvolvido e fundado tanto de maneira racionalista quanto
irracionalista Hegel contra Schelling, Husserl contra Bergson poderiam ser tomados
como modelos de comparação. Mas em um idealismo consequentemente racionalista
partes que tendem a uma reversão em uma compreensão materialista,
24
de modo
que também o materialismo pode extrair diretamente vantagens teóricas dos sistemas
idealistas-racionalistas; o que é absolutamente impossível nas filosofias irracionalistas.
A assimetria aqui acenada representa, a meu ver, um problema digno de reflexão em
relação à determinação do status tipológico em relação ao sistema teórico-ideológico
da filosofia; e propriamente tal investigação deveria fazer uso da clareza com que
Lukács dissecou o contraste básico entre racionalismo e irracionalismo.
25
O nível das filosofias irracionalistas é determinado pelo nível problemático dos
sistemas racionais, contra os quais se orientam. É por isso que Lukács chega a uma
periodização do irracionalismo burguês, que avança paralelamente ao progresso da
ciência e da história e que explica, ao mesmo tempo, a mudança na qualidade das
condições de desenvolvimento da filosofia, começando com o Iluminismo até o
socialismo científico. O irracionalismo moderno
surgiu e operou em permanente luta contra o materialismo e contra o
método dialético. [...] surge, de maneira correspondente, em oposição ao
24
Isso fica claro em Hegel, por isso Lênin frequentemente se referia a esse fato.
25
Faço uma diferença terminológica precisa: a racionalidade é um
modus
da maneira científica de
construir teorias ou também um
modus
de constituição da realidade e do nosso conhecimento dela. Ao
contrário, o irracionalismo é uma pseudoteoria ou uma afirmação abertamente fideísta e hipertrofiada
em relação à concepção de mundo sobre um
modus
aparentemente possível e não racional de
construção de teorias ou da realidade e de nosso conhecimento dela. Eu disse pseudoteorético porque
mesmo os irracionalistas baseiam suas concepções em uma maneira racional de argumentar, quando
eles não se baseiam simplesmente em uma iluminação ou em um ato de fé, e, dessa forma, certamente,
também excluem a comunicação sobre suas concepções.
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 137
conceito histórico-dialético idealista de progresso; trata-se do caminho de
Schelling a Kierkegaard e que é, ao mesmo tempo, o caminho que vai da
reação feudal provocada pela Revolução Francesa à hostilidade burguesa
contra o progresso.
26
O primeiro período de irracionalismo possui, no interior dos problemas objetivos
das insuficiências de um materialismo mecânico e de uma dialética conceitual idealista,
objetos dos quais se pode de modo legítimo desdobrar, por assim dizer, à altura do
tempo, sua própria crítica filosófica das filosofias progressistas. Schelling, o maior
antagonista de Hegel, obtém uma justiça parcial com as aporias nas quais Hegel se
emaranhou, assim como, mas em menor medida, Kierkegaard.
27
Isso determina a
importância filosófica que possuem, apesar de sua tendência reacionária.
Com as Jornadas de Junho do proletariado parisiense e, sobretudo, com a
Comuna de Paris: a partir de agora a concepção de mundo do proletariado,
o materialismo histórico e dialético, passa à condição de adversário, cuja
natureza essencial determina o desenvolvimento do irracionalismo. O novo
período terá Nietzsche como o primeiro e mais importante representante.
28
Na realidade, existe uma ciência da história e da sua legalidade, e uma concepção
da dialética materialista como uma ciência do contexto geral, vale dizer, a dialética da
natureza. A rejeição filosófica desta teoria, que nasce de uma práxis orientada para a
transformação social, deve limitar-se à reprodução de filosofias superadas, se pretende
escapar ao efeito que exerce o materialismo dialético, isto é, o
de ser o próprio tempo
aprendido
com
o pensamento
. O epigonismo e a renúncia explícita à exigência de
reconhecer a verdade significam bater em retirada:
Na primeira etapa ainda é possível uma crítica relativamente justificada, que
mostra os reais defeitos e limites da dialética idealista. Na segunda,
entretanto, vemos que os filósofos burgueses estavam privados da
capacidade e da vontade de conhecer o adversário, de empreender esforços
para refutá-lo seriamente.
29
Lukács estava bem convencido do fato “que a concepção de mundo que se
manifesta na agitação e na propaganda nacional-socialista representa o fruto cultivado
organicamente e necessariamente nascido do desenvolvimento ideológico da
burguesia alemã na era do imperialismo”.
30
E, como mostra seu posfácio e
A destruição
da razão
,
31
ele sustentava, com igual razão, o perigo endêmico de o imperialismo não
26
Lukács, G.
Die Zerstörung der Vernunft
,
op. cit.
, p. 8; Werke 9, p. 12; ed. bras., p. 12.
27
Cf. Bloch, E.
Subjek:-Objekt Erliuterungen Zu Hegel
, Berlin 1951, pp. 357-377; Gesamtausgabe vol.
8, Frankfurt a.M. 1962, pp. 379-400.
28
Lukács, G.
Die Zerstörung der Vernunft
,
op. cit.
, p. 8; Werke 9, p. 12; ed. bras., p. 12.
29
Ibid
.,
op. cit.
, p. 8 sg.; Werke 9, p. 12 sg.; ed. bras., p. 12.
30
Lukács, G. Wie ist die faschistische Philosophie
In
Deutschland entstanden?
, Budapest 1982, p. 42.
31
Lukács, G.
Die Zerstörung der Vernunft
,
op. cit.
, p. 603 seg.; Werke 9, p. 663 sgg; ed. bras., p. 663.
Hans Heinz Holz
138 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
ser superado com a aparente derrubada do fascismo em 1945. A filosofia burguesa
contemporânea serve (queira ou o) em seus traços essenciais do irracionalismo
constitutivo tanto para a apologia do imperialismo do pós-guerra quanto para preparar
(queira ou não) o fascismo antes de 1933 e para legitimá-lo depois. A crítica do
irracionalismo (que com todas as diferenciações das posições filosóficas e suas
funções políticas compreende em si a crítica do racionalismo aparente das filosofias
neopositivistas analíticas e das assim chamadas "críticas") continua a ser a principal
tarefa crítico-ideológica na luta contra o imperialismo e o fascismo também na segunda
metade do século XX; aqui, Lukács marcou uma linha divisória para o marxismo que
não deve ser abandonada.
32
6. Em conexão íntima com esta função política e ideológica da crítica do
irracionalismo e com o desenvolvimento de seu conceito de progresso para a filosofia,
literatura e arte, para Lukács, se põe a questão de uma ontologia dialética no âmbito
da sistematicidade do materialismo dialético e histórico. As cadeias de argumentações
da destruição irracionalista do primado teórico da razão podem ser reduzidas a quatro
teses centrais:
a) O mundo em sua totalidade não pode ser representado em modelos científicos,
principalmente construídos de forma racional, devido à sua infinitude intensiva e
extensiva, portanto, pode ser objeto de uma representação imaginativa
(intuição intelectual, visão de ideias etc.).
b) Todos os saberes teóricos e sobretudo os modelos ideológicos da filosofia, da
religião, da arte e da moral são historicamente relativos e não se deixam medir
com um conceito de verdade que significa a
adaequatio rei et intellectus
(suspeita
ideológica total).
c) A subjetividade das condições de um conhecimento possível tem como
consequência que a coisa em si (a essência, a própria coisa) permanece
inescrutável e que o critério do nosso conhecimento e do nosso agir pode ser
encontrado em nós mesmos (idealismo transcendental e agnosticismo).
d) Existe uma desigualdade geral entre a razão teórica e a razão prática; por isso,
não é possível reconduzir os juízos de valor até os juízos sobre as coisas e,
32
Cf. Losurdo, D.
Lukács e la distruzione della ragione
, Convegno su Lukács nel centenario della nascita,
Urbino, pp. 13-15, febbraio, 1985.
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 139
portanto, em última análise, a toda a esfera do agir permanece arbitrária
(decisionismo).
Embora esses quatro pontos gerais de argumentação possam ser formulados
como restrições puramente metodológicas ou crítico-cognitivas, em sua base ainda
existem supostos ontológicos aos quais é preciso se opor quando se deve fundamentar
uma crítica ao irracionalismo. As quatro teses mencionadas acima correspondem a
quatro teoremas ontológicos:
1) Não há nenhuma estrutura racional no complexo do mundo infinito; o singular
incomensurável e, portanto, alógico, tem primazia em relação ao todo.
2) Não há nenhuma relação em nível de regra entre as situações que se sucedem
no mundo e a história da humanidade e, por conseguinte, não nem mesmo
uma ciência da história.
3) O pensamento e a faculdade cognitiva, ou simplesmente a consciência, não
são de forma alguma de um gênero diferente do ser material e independentes
dele.
4) Não mediação entre a ordem (fictícia) da natureza no
modus
de necessidade
e o agir dos homens no modo de liberdade.
Essas suposições básicas têm suas raízes nas antinomias do intelecto puro e, em
primeiro lugar, não apresentam de forma alguma o sinal de irracionalismo. Portanto, é
ainda mais importante descobrir que a tendência para a destruição da razão es
colocada neles. Uma crítica completa do irracionalismo remete, portanto, para uma
comparação com as premissas ontológicas do nominalismo, relativismo e filosofia
transcendental. E foi exatamente essa estrada que Lukács percorreu.
Aqui não se trata de retomar a concepção lukácsiana de ontologia; para tal
exame, ver os excelentes trabalhos de Guido Oldrini.
33
Em vez, neste ponto, gostaria
de destacar a função que uma ontologia pode ter para a crítica do irracionalismo e,
portanto, de esclarecer, a partir deste contexto, o interesse de Lukács pelos problemas
33
Cf. Oldrini, G. Giovane Lukács o Lukács maturo?,
ibid
. Dello stesso, Le basi teoretiche del Lukács
della maturità”,
In
G. Oldrini (a cura di),
Il marxismo della maturità di Lukács
, Napoli 1983. Não posso
aceitar a tese de Nicolas Tertulian, segundo a qual Lukács teria desenvolvido simultaneamente uma
ontologia "entre" Heidegger e Hartmann, e semelhanças evidentes do problema entre Sartre e sua
ontologia. Cf. Tertulian, N. “La rinascita dell’ontologia: Hartmann, Heidegger, Lukács”,
In
Critica marxista
,
1984, n. 3, p. 125 sgg.
Hans Heinz Holz
140 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
ontológicos (ou pelo menos como essa é configurada de algum outro modo em sua
obra, como na
Estética
).
Logo no início do capítulo sobre Hegel, na
Ontologia do ser social
, a relação
entre racionalismo e irracionalismo é colocada no centro e, portanto, a conexão com
A destruição da razão
é estabelecida: domínio e prioridade ontológica da razão, num
mundo formado pela Revolução Francesa, ou, mais concretamente, pelo matiz um tanto
diferente com que Napoleão a realizou. Esse tipo de realização da revolução confronta
toda a Europa com o problema da sociedade burguesa em expansão: em sua
contraditoriedade imanente, numa nova realidade, em face da qual o reino iluminista
da razão enquanto centro do pensamento filosófico necessariamente falharia de
imediato.
34
O irracionalismo do romantismo é entendido como uma inflexão na
ontologia, como um ensinamento sobre a resolução das contradições reais em uma
harmonia suprarracional ideal ou em um ser-uno místico, que recoloca na utopia
voltada ao passado, em uma comunidade medieval de crentes, seu parâmetro
histórico.
35
Por outra parte, o que destaca a importância de Hegel é que ele pretende
demonstrar filosoficamente que o próprio presente é um reino da razão, o que
forçosamente eleva a contradição à condição de categoria ontológica e lógico-
gnosiológica central.
36
O conceito de razão foi, portanto, consideravelmente ampliado
em relação ao da filosofia iluminista. Se a contradição forma o princípio ontológico
último,
37
então o é mais possível uma ontologia à moda antiga como a Christian
Wolff, que se apoia inteiramente no princípio da contradição negada
38
e que, por via
de consequências, faz coincidir a ontologia enquanto formal (
scientia entis
em geral)
com a lógica formal: "Quer ser chamada de filosofia primeira, porque fornece os
primeiros princípios e os conceitos primeiros que são usados no pensamento racional
(
ratiocinando
)".
39
A esse respeito, Hegel desenvolve a unidade de lógica e ontologia como algo da
34
Lukács, G.
Zur ontologie des gesellschaftlichen Seins
. - Hegels falsche und echie Ontologie,
Darmstadt-Neuwied, 1971, p. 5.; ed.bras.
Para um ontologia do ser social,
I; São Paulo: Boitempo,
2012; pp. 181-2.
35
Por mais diferentes e mesmo politicamente de direção oposta que sejam os programas relativos à
contradição entre comunidade e sociedade em Ferdinand Tönnies e a nova comunidade que na
humanidade ao mesmo tempo comunista e libertada e espiritualmente redimida no
Espírito da utopia
de Ernst Bloch, eles têm suas raízes nesta ctica romântica da sociedade burguesa.
36
Lukács, G.
Zur Ontologie...
- Hegel, op. cit., p. 6; ed. bras.
Para uma ontologia...
.
op. cit.
p. 182.
37
Ibid
.
38
Wolff, C.
Philosophia prima sive Ontologia
, Frankfurt A. M. 1762, p. 15 sgg. (7 spg.).
39
Ibid
., p. 1 (§1).
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 141
temporalidade e, portanto, como contraditoriedade, reconhecida na época de Zenão
e Platão, do ao mesmo tempo não-ser-mais e não-ser-ainda do momento, na mudança:
apesar disso, nele a dinâmica das contradições dialéticas não é um simples devir
universal, [...], mas [...] a primeira articulação da sequência dialética e da historicidade
real.
40
O conceito de razão de Hegel contém em si a contraditoriedade entre o não-mais
e o não-ainda em sua passagem e entre a determinidade finita e a mediatidade infinita
do singular. Deste modo, para ele, “a razão [pode se tornar] o princípio último do ser
e do devir da natureza e da sociedade”.
41
Ele resolve as tarefas de uma filosofia
racional, constituindo uma totalidade, uma processualidade, uma unidade entre
natureza e espírito (como subjetivo = consciência, como objetivo = manifestações
sociais), entre realidade objetiva e ações subjetivas (atividade) de tal modo que faz
desaparecer os dilemas irracionalistas. A solução idealista de Hegel, que culmina na
identidade da lógica (dialética) e da ontologia, está, na verdade, errada, mas o
problema em si está colocado de maneira correta. Sob o primado da razão, uma
ontologia racional desenvolverá a racionalidade = logicidade do mundo, descobrindo
assim a razão da correspondência entre as formas de pensamento e as formas de ser,
portanto, uma teoria do conhecimento realista, a possibilidade de um espelhamento
científico do mundo e o progresso sensatamente planificável:
por um lado, as verdadeiras conexões ontológicas recebem em Hegel sua
expressão adequada no pensamento tão somente na forma de categorias
lógicas; por outro, as categorias lógicas não são concebidas como simples
determinações do pensamento, mas devem ser entendidas como
componentes dinâmicos do movimento essencial da realidade, como graus
ou etapas no caminho do espírito para realizar a si mesmo.
42
No entanto, esse programa hegeliano pode mostrar, apenas em sua inversão
materialista e, portanto, em Marx, as suas reais consequências teórico-científicas e
teóricas do agir: depois, isto é, quando a práxis social é determinada como o lugar e
descrita em suas estruturas categoriais, em que aparece a lógica dialética (que inclui,
isto é, as contradições) do mundo e com isso a gênese das formas de pensamento a
partir das formas de ser. Assim, Lukács procede do movimento da própria coisa, de
Hegel a Marx a
a categoria ontológica central do trabalho
,
43
em que a relação sujeito-
40
Lukács,
Zur Ontologie...
- Hegel,
op. cit.
, p. 7; ed. bras.
Para uma ontologia...
.
op. cit.
p. 182.
41
Ibid
., p. 9; p. 184.
42
Ibid
., p. 26; pp. 197-8.
43
Lukács,G.
Zur Ontologie
... - Arbeit, Darmstadt - Neuwied, 1973, p. 13; ed. bras.
Para uma ontologia
Hans Heinz Holz
142 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
objeto recebe uma qualidade nova e se cria a premissa da possibilidade de uma
representação ontológica das condições ônticas (substanciais, essenciais e materiais).
7. Neste ponto, porém, não se pode ignorar que Lukács falhou em cumprir o seu
programa, ou seja, em estabelecer um fundamento ontológico para uma dialética
materialista, precisamente porque, no esforço de evitar a construção idealista de
identidade entre a forma do ser e a forma de conceito em Hegel, recaiu em posições
dualistas, sob a premissa de que ele ainda pode sustentar a racionalidade do mundo
apenas de um modo filosoficamente insatisfatório e ingênuo-realista. O dualismo
renovado encontra sua expressão na contraposição da função do pensamento de
tornar homogênea a multiplicidade da realidade, isto é, conduzi-la a uma sistemática
do universal e do particular, e na diversidade fundamental das entidades materiais,
singulares e, de vez em quando, de suas relações específicas incomensuráveis: a
lógica cria um meio homogêneo de pensamento, cuja estrutura deve ser
qualitativamente diversa da realidade, que é em si heterogênea.
44
A homogeneidade
do mundo conceitual é fundada (segundo a interpretação lukácsiana de Hegel) na
reflexão, na subsunção do singular heterogêneo sob as determinações da reflexão, que
Lukács denomina a “mais importante descoberta metodológica de Hegel".
45
Fazendo
Lukács da lógica da essência portanto a parte central da Ciência da Lógica a chave
para a compreensão de Hegel,
46
o processo do espelhamento da realidade através do
pensamento deve parecer idealista para ele; e esse idealismo certamente seria apenas
um ulterior desenvolvimento dialético da filosofia transcendental de Kant:
O procedimento natural do ser humano, nesse tocante, é que, encontrando
na realidade com que se defronta objetos singulares, busque apreendê-los
na forma imediata, dada, em que aparecem, isto é, isoladamente. Essa
tentativa, todavia, produz espontaneamente o seu contrário, o
do ser social
, II, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 47.
44
Lukács, G.
Zur Ontologie des geselischaftlichen Seins
. - Hegel,
op. cit.
, p. 103; ed.bras.
Para uma
ontologia...
,
op. cit.
, p. 221. O problema da unidade entre unidade e diferença foi tratado dialeticamente
por Lenin, "Zur Frage der Dialektik", e mais detalhadamente em Lênin,
Werke
(LW) vol. 38. Lenin
reconheceu (em concordância com Hegel) a generosidade do singular como ponto nodal de uma
compreensão dialética da realidade. Lukács, por outro lado, na rigorosa divisão da homogeneidade do
conceito e da heterogeneidade do ser, pode ter sido influenciado por reflexões neokantianas (Lask?).
Não se deve ignorar que a dificuldade de uma adequada concepção dialética do concreto geral entre
os filósofos marxistas quase sempre criou confusão, e a expressão mais significativa da qual talvez seja
a categoria dominante de ''tauto-eterologia'', não se trata de um dialeto, mas de um gêmeo siamês,
unido, imóvel e inútil, mas se dividido não pode sobreviver. Ver Della Volpe, G.
Logica come scienza
positive
, Messina-Florence, 1956.
45
Lukács, G.
Zur Ontologie...
, Hegel,
op. cit.
, p. 84; ed. bras.
Para uma ontologia...
;
op. cit.
, p. 246.
46
Minha opinião, que este é um caminho errado para Hegel, é expressa em ''Hegel - systematisch
gelesen', Dialektik 2, KöIn, 1981, p. 20 ff.; e mais detalhadamente em
Struktur und Aufbau des
hegelschen systems
, Köln. 1985.
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 143
relacionamento recíproco dos objetos que aparecem imediatamente.
47
Isso significa: reconhecendo, produzimos a unidade do mundo na reflexão, nós
o tornamos homogêneo.
A fim de manter essa concepção de uniformização conceitual de um mundo que
é inevitavelmente múltiplo (heterogêneo) em si mesmo, Lukács deve novamente
separar a lógica da ontologia, uma da outra (e ele também imputa a Hegel a dualidade
de uma ontologia prima, por assim dizer teórico-objetiva e uma segunda lógico-
conceitual). A unidade hegeliana da lógica e da ontologia, esta expressão da logicidade
do mundo, passa a ser criticada, pois Hegel teria sobrecarregado, na fusão das duas
ontologias,
as categorias lógicas de conteúdos ontológicos, englobando incorretamente
em suas articulações relações ontológicas, além de ter deformado de várias
maneiras os importantíssimos conhecimentos ontológicos novos ao forçar
seu enquadramento dentro de formas lógicas.
48
A objeção levantada à identificação hegeliana do conceito e do ser na ideia (como
unidade de conceito e realidade) agora leva a ter que separar ambos novamente a tal
ponto que a barricada ontológica contra o irracionalismo, em vista da categoria
decisiva da totalidade (ver parágrafo 6, teorema 1), começa a vacilar: “quanto mais o
pensamento elabora a racionalidade do real, tanto mais se acerca da ilusão de que é
possível captar a inteira realidade como sistema unitário, racional.
49
O fato que então,
como única racionalidade dialética possível do todo, resta apenas a totalização
teleológica do trabalho com uma superestimação da teleologia e uma negligência
do objeto natural do trabalho só pode ser mencionada aqui de maneira marginal. O
fato de Lukács se limitar a resgatar formas na dialética da natureza, sem colocar uma
47
Lukács, G.
Zur Ontologie...
- Hegel,
op. cit.
, p. 85; ed. bras.
Para uma ontologia...
;
op. cit.
, p. 247.
Lukács se equivoca na legitimidade de sua interpretação de Hegel, encontrando exposta em §419 da
Enciclopédia
(portanto da filosofia do espírito subjetivo e nesta da fenomenologia I grau: consciência)
ao ver não a gênese do conhecimento da reflexão (Reflexividade), mas (de modo ambíguo) ''a gênese
das determinações de reflexão''. As determinações de reflexão são, porém antes de serem
compreendidas momentos das estruturas do ser = da essência (como relação absoluta): "A
essência... é a referência a si mesma, apenas na medida em que é referência a outro... O ser não
desapareceu; mas primeiro, a essência como uma simples referência a si mesma é o ser; por outra parte,
porém, o ser é, de acordo com sua determinação unilateral de
imediatidade
,
rebaixado
a algo apenas
negativo, a uma
aparência
. - A essência é, portanto, o ser como um
aparecer
em si mesma... O ponto
de vista da essência é, em suma, o ponto de vista da reflexão”. Hegel, G.W.F
'Enzyklopädie der
philosophischen Wissenschaften
, §112 e mais, Frankfurt A.M. 1970,
Werkausgabe
vol. 8, pág. 231 sg.
Ver também
Enzyklopädie
§149 e em mais detalhes
Wissenschaft der Logik
II,
op. cit.
, vol. 6, Frankfurt
a.M. 1969, p. 217 sg. A gênese do conhecimento da reflexão (reflexividade) em Hegel não tem nenhum
papel para a constituição ontológica do ser como reflexivo.
48
Lukács,
Zur Ontologie... - Hegel
,
op. cit.
, p. 44; ed. bras.
Para uma ontologia...
;
op. cit.
, p. 212.
49
Ibid
., p. 109;
Para uma ontologia
...,
op. cit.
, p. 266.
Hans Heinz Holz
144 | Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021
dialética sistemática da natureza na base de sua ontologia, leva-o, a esse respeito,
contra sua vontade, próximo da Escola de Frankfurt e de outras correntes de
pensamento e à fundação da dialética única ou primariamente na relação de trabalho.
50
Sem considerar em particular muitas convicções importantes e corretas, parece-
me que a
Ontologia do ser social
perdeu seu propósito, isto é, a consolidação da crítica
do irracionalismo, portanto, propriamente seu objeto, isto é, a construção da estrutura
dialética do ser. Com isso, no entanto, a tarefa de uma ontologia marxista o é de
forma alguma rejeitada; e podemos considerar o mérito de Lukács por ter recordado
com firmeza esta tarefa no âmbito da questão da nossa consciência. Sim, acho que em
sua
Estética
, ele contribuiu mais para uma ontologia dialética, com a elaboração da
teoria da
mimesis
do que na própria Ontologia.
51
Visto que a constituição dialética do
ser pode ser descrita nos diferentes planos do ser, de cada vez como uma relação
particular de espelhamento, que se constitui através das diferentes formas de
movimento da matéria; e a reflexão, pela qual se define o espelhamento, nada mais é
do que a relação universal, na qual todas os entes estão em relação recíproca, e esta
constitui a unidade da multiplicidade;
52
e a reflexão, segundo o qual o reflexo é
definido, nada mais é do que a relação universal, na qual todas os entes se opõem e
que cria a unidade da multiplicidade. Portanto, foi necessário desenvolver uma
ontologia dialética como uma teoria da reflexão, no interior da qual (como a relação
mais genérica do ser ou da natureza) a práxis e a unidade de teoria e práxis encontram
como
modus
particular de reflexão o seu lugar sistemático (em vez de se tornarem
autônomas na forma de ontologia de trabalho). O grande filósofo búlgaro Todor
Pawlow, em 1936, projetou uma teoria do espelhamento como um sistema universal
da dialética da natureza e da teoria do conhecimento; obra considerada até agora um
modelo para a literatura marxista.
53
As análises de Lukács da
mimesis
podem ser
compreendidas como uma parte essencial de tal sistema, como uma representação da
gênese natural do trabalho social e a representação conceitual do mundo. Uma
ontologia materialista pode atrair convicções irrenunciáveis e múltiplos estímulos.
50
Até que ponto as velhas posições da
História e consciência de classe
persistem aqui é uma questão
que deixo em aberto.
51
Cf. Holz, H.H.
Il problema della mimesis nell’estetica di Lukács
, Convegno di Urbino,
op. cit.
52
Cf. Holz, H. H.
Dialektik und Widerspiegelung
, KöIn 1983.
53
Pawlow, T.
Die Widerspiegelungstheorie
, Berlim, 1973 (edição russa, Moscou, 1962).
György Lukács e o problema do irracionalismo
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 125-145 - jan./jun. 2021 | 145
Como citar:
HOLZ, Hans Heinz. György Lukács e o problema do irracionalismo. Tradução de
Ronaldo Vielmi Fortes.
Verinotio
, Rio das Ostras, v. 27, n. 1, pp. 125-145, jan./jun
2021.