“A casa está em chamas”: apresentação à conferência de Lukács sobre “O espírito europeu”
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 1-08 - jan./jun. 2021 | 7
barbárie hitlerista) nem situa a gênese do fascismo tão recuada no tempo, fixando
como marco, conforme já mencionado, a Revolução Francesa. Para o húngaro,
iluminismo e razão não resultam em tendências autoritárias, e aquilo que ele busca
demonstrar, diversamente à tese defendida pelos frankfurtianos, é justamente como
as concepções aristocráticas e reacionárias, em verdade, dirigiram-se “contra o
racionalismo da filosofia do Iluminismo”. Sem deixar de denunciar o empobrecimento
e a estreiteza de uma noção de razão destinada tão somente a fazer racional o mundo
burguês, hipostasiando a pessoa privada, o marxista reivindica “um conhecimento do
homem, com vistas à defesa de sua dignidade e de seus direitos”, em síntese, o
humanismo. A última crise abordada por Lukács diz respeito à transformação dessa
concepção em um “utopismo pálido”, cujo “verdadeiro caminho para a realização”
assusta os partidários de seus ideais.
Para fazer frente ao fascismo, é preciso que os adeptos de uma visão de mundo
democrática e humanista sejam verdadeiramente combativos. Não à toa, uma vez
esboçados os traços decisivos da situação europeia a partir da identificação das quatro
crises, Lukács encerra sua conferência levantando o problema de uma nova Europa,
que só poderá surgir se “extirpar as raízes do fascismo, até o plano ideológico, de
forma a impossibilitar o seu regresso”. Essa questão, certamente, ultrapassa as
fronteiras do velho continente: “Nós estamos falando aqui sobre visão de mundo, mas
não sem propósito. É necessário que esta visão de mundo seja eficaz para salvar o
mundo”, resume em sua intervenção final. Não resta dúvidas de que, oito décadas
depois, o mundo ainda precisa ser salvo.
Por isso, encerramos esta apresentação – que, esperamos, seja acima de tudo
um convite à leitura – com as considerações do próprio autor sobre as contribuições
e limites de sua intervenção, quando da republicação na Hungria, em 1947:
Quase todos os ensaios aqui publicados [na antologia
A polgári filozófia
válsága
] nasceram de uma ocasião concreta, que lhes determinou a forma de
tratamento.
Isso aparece da maneira mais clara no meu ensaio “Visão de mundo
aristocrática e democrática”, que contém o texto de minha palestra nos
“Rencontres Internationales” de Genebra, em setembro de 1946; e aparece
precisamente nas observações, nele contidas, concernentes à aliança de
1941 entre o socialismo e a democracia, e em cuja renovação essa
conferência insistia. Na situação política atual, talvez pareçam desatualizadas,
pois todas as notícias parecem indicar a ruptura cada vez maior entre
“Oriente” e “Ocidente”, entre o socialismo e a velha democracia burguesa.
Publico-o, mesmo assim, sem alterações no texto da minha conferência, faço-
o sobretudo porque aqui não há mal nenhum em apontar que tal ruptura não
foi iniciada pela parte comunista, e que são precisamente os comunistas os