Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, Lukács: 50 anos depois - jan./jun. 2021
“A casa está em chamas”: apresentação à
conferência de Lukács sobre O espírito europeu”
Carolina Peters
*
& Murilo Leite Pereira Neto
**
teve aquele dia que o serviço secreto/
interceptou a marcha anti-nazi/ antes mesmo dela
começar/ e prendeu os ativistas/ em munique/ não
moramos em munique/ mas ficamos em silêncio,
no telefone/ [...] teve aquelas semanas/ que tinha
um nazi de bandana me seguindo/ pelo bairro/ e
eu parei de usar aquela parada de ônibus/ parece
que ele foi preso/ mas não tem nada a ver com o
fato de que ele era nazi/ talvez tenha sido pego
sem bilhete no metrô/ muitos nazis são muito
pobres
Adelaide Ivánova,
Chifre
(2021)
“O perigo é grande demais, a casa está em chamas, antes de qualquer outra coisa
devemos buscar água”, com essa afirmação contundente, alarmista, algm poderia
pensar, Lukács encerra sua participação na primeira edição dos
Rencontres
Internationales de Genève
, em 14 de setembro de 1946. Sua presença atendia a um
convite pessoal, sem qualquer relação com o Partido Comunista Húngaro (ele se
encontrava então de volta a Budapeste, após o exílio em Moscou), como nos conta em
Pensamento vivido
. O evento iniciara quase duas semanas antes, em 2 de setembro,
exatamente um ano após a assinatura do documento de rendição pelos japoneses,
marco derradeiro da Segunda Guerra Mundial. Estavam reunidos intelectuais de toda
Europa, entre conferencistas Julien Benda, Georges Bernanos, Karl Jaspers, Stephen
Spender, Jean Guéhenno, Francesco Flora, Denis de Rougemont e Jean-Rodolphe de
Salis, além, é claro, de Lukács e demais participantes, como Jean Wahl, Maurice
Merleau-Ponty, Jeanne Hersch...
Ao longo de doze dias, eles debateram “o espírito europeu”, ou o que sobrara,
*
Mestranda em Filosofia pela UFMG, graduada em Letras pela UFRJ. E-mail:
carolinapeters50@gmail.com.
**
Professor do Curso de Direito da UEMG campus Ituiutaba, doutorando em Direito pela UFMG. E-
mail: murilo.leite.pereira@gmail.com.
DOI 10.36638/1981-061X.2021.v27.619
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sob as ruínas da guerra, deste espírito e da própria ideia de uma unidade europeia,
em conferências e sessões acaloradas de discussão, como aquela em que se ouviu a
frase acima. Apesar da vitória militar sobre o Eixo, Lukács estava convencido de que
“produzir uma reação defensiva contra o fascismo” ainda era a tarefa prioritária de seu
tempo e, nessas condições, portanto, estabelecer o socialismo não poderia ser um
“objetivo imediato”. A guerra certamente havia acabado, mas o alarme de incêndio
ainda soava, mesmo que parte substantiva do pensamento europeu, ali representado,
parecesse não escutar.
O alerta do húngaro, expresso na conferência proferida cinco dias antes, em 9
de setembro, partia do diagnóstico de que, longe de representar “uma irrupção brusca
da barbárie na civilização europeia”, o nazifascismo deveria ser analisado como um
fenômeno orgânico do espírito europeu, cujas origens remontam a certas visões de
mundo que apareceram no pós-Revolução Francesa. Não é difícil perceber a íntima
relação entre essas considerações e alguns de seus escritos posteriores,
particularmente
A destruição da razão
, obra volumosa e densa, apenas recentemente
traduzida para a nossa língua. Mas se neste livro ele se ocupa da análise imanente de
obras e autores, função social e gênese de tais visões de mundo, no espaço limitado
da exposição oral Lukács não conseguiria abordar, “mesmo de passagem, o problema
filosófico do irracionalismo”. Não obstante, é tempo suficiente para explicitar a crise
ou, antes, as crises que possibilitaram o surgimento de uma visão de mundo fascista:
a crise da democracia, a crise da ideia de progresso, a crise da crea na razão e a
crise do humanismo.
Esses quatro complexos, que Lucs analisa separadamente, embora
inevitavelmente em muitos pontos se entrelacem, evocam uma situação social
engendrada pela Revolução Francesa, cujo triunfo, “e seu paralelismo não fortuito com
a revolução industrial”, a um só tempo realizou (formalmente) e refutou (efetivamente)
os ideais iluministas de
liberté
e
égalité
. É justamente no bojo do “caráter antitético
da liberdade e da igualdade humanas” que Lukács localizará o “o centro de
cristalização” das posições que passarão a disputar terreno social, político e ideológico
ao longo dos séculos XIX e XX de onde emergiu a barbárie fascista e, também, de
onde poderá emergir uma “nova concepção democrática de mundo”. Da vida cotidiana
para as teorias filosóficas, essa contradição entre realização e refutação da liberdade
e da igualdade suscitou três posturas fundamentais frente às questões, necessidades
e sofrimentos concretos dela decorrentes: uma que se esforça por realizar a liberdade
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e a igualdade na vida concreta de homens e mulheres concretos; outra que intenta
fixar juridicamente uma liberdade e uma igualdade, estabelecidas no plano ideal;
finalmente, uma terceira postura tendente a considerar como essenciais a desigualdade
e a ausência de liberdade humana efetivamente vivenciadas. Posturas que expressam
três visões de mundo distintas, uma radicalmente democrática, outra liberal e, por fim,
uma visão de mundo reacionária, na qual se pode situar o fascismo.
Contando com a decisiva contribuão da visão de mundo marxista, a primeira
postura, na qual se unem democratas radicais e socialistas, reivindica uma nova
concepção de democracia, para a qual liberdade e igualdade deixam de representar
ideias simples e tornam-se “formas de vida humana concretas”, implicando “que as
condições sociais das relações humanas” isto é, dos seres humanos entre si, nossa
com a sociedade e, por meio dela, entre nós e a natureza “sejam modificadas”. Se o
Cristianismo proclamara “a igualdade das almas humanas perante Deus” e “a
Revolução Francesa, a do homem abstrato perante a lei”, caberia então ao socialismo
realizar a terceira (e última) grande etapa da igualdade humana: “a igualdade humana
concreta na vida real”, tendo em conta não “a situação individual do homem agindo
isoladamente, mas a situação em que toda a humanidade se encontra hoje”, incluídas
as atuais desigualdades de “situação econômica, nacionalidade, raça, sexo etc.”.
Trata-se de uma passagem breve em sua conferência, que tem caráter sobretudo
analítico, não programático, como o próprio Lucs faz questão de notar, mas nos
parece relevante sublinhá-la aqui. Pois a afirmação de que a concretização da
igualdade e da liberdade humanas não pode prescindir dos problemas concernentes
à raça e ao nero, além da classe, rebate certas acusações correntes de que o
marxismo partiria unilateralmente da “situação econômica”, da classe. Vale ressaltar
ainda que a ênfase no caráter concreto da igualdade e liberdade não encontra qualquer
equivalente nas intervenções dos demais participantes do encontro.
Essa posição radicalmente democrática reivindica, no limite, o imprescindível
passo adiante, capaz de ir além da Revolução Francesa, que selou sua derrocada com
a Primavera dos Povos, quando a burguesia abandona efetivamente o polo
revolucionário e por encerrada sua revolução. Se pudermos recorrer à fórmula
lapidar de Marx sobre os eventos de 1848: a Revolução acabou, viva a Revolução! A
revolução que se esgotou não era outra senão a dos liberais, segundo Lukács, os
verdadeiros vitoriosos de 1789 e representantes da segunda concepção de mundo
acima aludida. Incapaz de radicalizar a democracia, o liberalismo se vê acuado atrás
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de uma concepção formalista de liberdade e igualdade que não encontra referente na
experiência empírica. A crise da democracia, portanto, coloca a própria visão de mundo
liberal em crise, “porque a situação econômica e social a que corresponde torna-se
cada vez mais irreal”.
Vale aqui um pequeno excurso para comentar certas escolhas de vocabulário
feitas por Lukács em suas intervenções no evento. Primeiramente, algo que deve ter
saltado aos olhos dos que conhecem sua obra, a profusão de meões à situação”
nas citações aqui elencadas, termo em voga junto ao existencialismo, mas que o
filósofo marxista tem o cuidado de usar em sentido oposto ao das filosofias da
derrelição ele, aliás, não deixa de provocar, respondendo a Karl Jaspers no debate,
que apela aos termos da moda a fim de seus colegas, digamos assim,
se situem
. Mas
outro recurso estilístico interessante, que diz respeito às recorrentes expressões e
jargões militares. Eles parecem querer reforçar, contra o alívio afobado da guerra
vencida, a batalha ainda em curso contra o fascismo. Nesse sentido, Lukács aponta
como a democracia liberal formalista, que toma por essencial a pessoa privada em
detrimento do cidadão e, centrada no individualismo burguês, mutila a personalidade
humana é capaz de considerar os fascistas como uma reserva (no sentido militar
literal quando necessário), enquanto enxergam nos comunistas e socialistas seu alvo
preferencial.
Não se trata de uma identificação entre liberais e fascistas, que fique claro, mas
de um vínculo orgânico entre a democracia burguesa formal e as soluções abertamente
antidemocráticas à “crise da democracia”. Lucs aponta como enfraquecimento da
posição democrática entre os liberais atingiu o ápice do formalismo na Reblica de
Weimar, “uma democracia sem democratas”, isto é, com pálidos defensores de uma
visão de mundo verdadeiramente democrática. Após o triunfo na Revolução Francesa,
os liberais assumem, cada vez mais, uma posição defensiva, apologética das
“deficiências indiscutíveis do presente”, afastando-se gradualmente de uma concepção
democrática em direção a um aristocratismo. Da crise da democracia resultante dos
próprios limites da visão de mundo liberal, origina-se uma “nova ideologia”, de matiz
aristocrático, que, diante do problema da liberdade e da igualdade, toma o lado de
uma fundamentação da desigualdade natural. Nesse caso, a biologia supostamente
científica e sua teoria das raças será o campo fértil para o crescimento dessa visão
antidemocrática de mundo.
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Com a crise da democracia, desaparece a crença na realização concreta do
progresso”, em outras palavras, crença na “descoberta, no seio da sociedade, de
tendências constantes, senão uniformes, para a melhoria dos valores humanos”. Eis a
segunda crise a que Lukács se refere, percebida no pessimismo cultural da elite
intelectual, na negação do progresso histórico e valorização do passado (não raro
fetichizado) e na resignação aristocrática. A história, por esse ponto de vista, é
sinônimo de corrupção, declínio, decadência, e o progresso, quando há, não passa de
um milagre, lapso ou, ainda, “um brusco salto qualitativo” na síntese de Lukács da
filosofia nietzschiana, o progresso se perde no puro mito. A ideologia fascista o
apenas toma como base essas posições como as eleva ao extremo.
Interessa aqui notar que a conferência proferida em 1946 e registrada nos anais
do evento em tradução francesa (feita por Ree Schidlof a partir das anotações do
filósofo, em alemão), inicialmente sem tulo, ganhou no ano seguinte uma edição
parisiense intitulada
La vision aristocratique et democratique du monde
”, destacando
como oposição fundamental a nova democracia, por um lado, e o aristocratismo, por
outro, em contraste com uma visão de mundo liberal cada vez mais anêmica. A
tradução ora publicada pela
Verinotio
, que traz pela primeira vez em língua
portuguesa, além da conferência, também as demais intervenções de Lukács durante
o evento,
1
busca em certa medida apresentar a conferência lukácsiana no contexto das
discussões ocorridas em Genebra, optando assim por manter “O espírito europeu”,
mote do encontro (e das manifestações de Lukács na circunstância), como título do
conjunto. Em todo caso, a escolha pelo título “Visão de mundo aristocrática e
democrática”, seguida pelas posteriores edições em coletâneas húngara (
A polgári
filozófia válsága
, 1947) e alemã (
Schriften zur Ideologie und Politik
, de 1967), é
bastante condizente à defesa de Lukács quanto à necessidade de, na esteira da aliança
de 1941 (que superou o falso dilema
bolchevismo ou fascismo?
), seguir fortalecendo
o polo democrático com verdadeiros democratas, evidentemente contra a visão
aristocrática de mundo, representada pelos fascistas, derrotados apenas militarmente.
Esse modo de considerar “o espírito europeu” valeu ao húngaro a acusação, por
parte de Jaspers, de falar apenas de política, esquivando-se do debate propriamente
1
O texto da conferência já havia sido publicado anteriormente como “Concepção aristocrática e
concepção democrática do mundo”, em LUKÁCS, G.
O jovem Marx e outros escritos de filosofia
. Org. e
trad. Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.
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filosófico pretendido pelo encontro. É certo que o próprio Lukács precavera seus
ouvintes acerca da impossibilidade de deter-se sobre o problema filosófico do
irracionalismo, não obstante, o dilema que opõe negação e afirmação da razão ocupa
um lugar importante em suas considerações, remetendo à terceira crise
supramencionada, a crise da crença na razão. Talvez a inconciliável divergência com
Jaspers, aqui explicitada, seja que Lukács não encara a questão como sendo imanente
à filosofia, mas ao próprio ser: é ele racional, apreensível em suas determinações
fundamentais, ou incognoscível
a priori
? A resposta a essa questão evidencia o
comportamento dos “pensadores diante de certas tenncias concretas do seu meio
social”, o modo como as interpretam e que posição (recordando as ts posturas acima
mencionadas) assumem em relação a essas tendências.
Na esteira dessa reflexão, vale a pena remeter brevemente a outro texto
contemporâneo à conferência lukácsiana, de muito maior difusão, e que de algum
modo também procurou abordar o espírito europeu e o problema do fascismo
referimo-nos à
Dialética do esclarecimento
, de Adorno e Horkheimer, publicada pela
primeira vez em 1947. Partindo de Bacon (século XVII), os frankfurtianos buscam
fundamentar o caráter alienante e totalitário do esclarecimento, pois, afinal, nada mais
lhe interessaria a o ser conhecer a natureza para dominá-la e, assim, dominar os
seres humanos. No entanto, a posição de ambos peca, de início, pela unilateralidade
com que encaram a proposição baconiana, segundo a qual a vitória sobre a natureza
demanda antes de tudo a obediência a ela. Adorno e Horkheimer parecem
simplesmente desconsiderar essa necessidade de conhecer suas leis e sujeitar-se a
elas, o que implica dizer que o domínio sobre a natureza é sempre relativo. Já aludimos
anteriormente a questão da necessária modificação na relação entre sociedade e
natureza, que não escapou à conferência lukácsiana. Cabe agora observar que quando
a dupla define o programa do esclarecimento como o “desencantamento do mundo”,
considerando este um processo no qual a natureza reduzida à mera objetividade
deve ser dominada, e a subjetividade falsamente identificada ao mito deve ser
sujeitada aos universais abstratos, não resta outra conclusão senão a de que o
esclarecimento não aniquila o mito, mas a autoconsciência, tornando-se ele próprio
um mito, simpático à coerção social que visa liquidar o indivíduo. Estabeleceu-se,
assim, na
Dialética do esclarecimento
, um vínculo entre esclarecimento e fascismo.
Lukács, por sua vez, nem reconhece na filosofia do esclarecimento uma tendência
única (que ademais representaria um traço de continuidade entre
Aufklärung
e
“A casa está em chamas”: apresentação à conferência de Lukács sobre “O espírito europeu”
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barbárie hitlerista) nem situa a nese do fascismo tão recuada no tempo, fixando
como marco, conforme mencionado, a Revolão Francesa. Para o húngaro,
iluminismo e razão não resultam em tendências autoritárias, e aquilo que ele busca
demonstrar, diversamente à tese defendida pelos frankfurtianos, é justamente como
as concepções aristocráticas e reacionárias, em verdade, dirigiram-se “contra o
racionalismo da filosofia do Iluminismo”. Sem deixar de denunciar o empobrecimento
e a estreiteza de uma noção de razão destinada tão somente a fazer racional o mundo
burguês, hipostasiando a pessoa privada, o marxista reivindica “um conhecimento do
homem, com vistas à defesa de sua dignidade e de seus direitos”, em síntese, o
humanismo. A última crise abordada por Lukács diz respeito à transformação dessa
concepção em um “utopismo pálido”, cujo “verdadeiro caminho para a realização”
assusta os partidários de seus ideais.
Para fazer frente ao fascismo, é preciso que os adeptos de uma visão de mundo
democrática e humanista sejam verdadeiramente combativos. Não à toa, uma vez
esboçados os traços decisivos da situação europeia a partir da identificação das quatro
crises, Lukács encerra sua conferência levantando o problema de uma nova Europa,
que podesurgir se “extirpar as raízes do fascismo, até o plano ideológico, de
forma a impossibilitar o seu regresso”. Essa questão, certamente, ultrapassa as
fronteiras do velho continente: “Nós estamos falando aqui sobre visão de mundo, mas
não sem propósito. É necessário que esta visão de mundo seja eficaz para salvar o
mundo”, resume em sua intervenção final. Não resta vidas de que, oito cadas
depois, o mundo ainda precisa ser salvo.
Por isso, encerramos esta apresentação que, esperamos, seja acima de tudo
um convite à leitura com as considerações do próprio autor sobre as contribuições
e limites de sua intervenção, quando da republicação na Hungria, em 1947:
Quase todos os ensaios aqui publicados [na antologia
A polgári filozófia
válsága
] nasceram de uma ocasião concreta, que lhes determinou a forma de
tratamento.
Isso aparece da maneira mais clara no meu ensaio “Visão de mundo
aristocrática e democrática”, que contém o texto de minha palestra nos
“Rencontres Internationales” de Genebra, em setembro de 1946; e aparece
precisamente nas observações, nele contidas, concernentes à aliança de
1941 entre o socialismo e a democracia, e em cuja renovação essa
conferência insistia. Na situação política atual, talvez param desatualizadas,
pois todas as notícias parecem indicar a ruptura cada vez maior entre
“Oriente” e Ocidente”, entre o socialismo e a velha democracia burguesa.
Publico-o, mesmo assim, sem alterações no texto da minha conferência, faço-
o sobretudo porque aqui não há mal nenhum em apontar que tal ruptura o
foi iniciada pela parte comunista, e que são precisamente os comunistas os
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mais dispostos à colaboração, em tempos de paz, entre os povos de
diferentes estruturas sociais, fundadas em diferentes visões de mundo, e
amantes da liberdade, que juntos lutaram contra o fascismo. E para a
preparação ideológica da atual situação política, também é muito instrutivo
o fato de que, na reunião de Genebra, esta conferência representou, pode-se
dizer, sozinha a possibilidade de colaboração, enquanto os representantes
da ciência e da literatura, que inescrupulosamente se autoproclamavam acima
dos partidos, já então se esforçavam para fundamentar, ideologicamente, o
pensamento da separão do mundo. Essa conferência insiste, no campo da
visão de mundo, na possibilidade de colaboração entre os povos amantes da
liberdade, mas também acentua nitidamente, é claro, as condições
preliminares no setor ideológico de acordo com o caráter da convenção
para que essa possibilidade se realize. Mas aqui também se manifesta o traço
comum com a evolução política, na qual o desenvolvimento da nova
democracia em luta contra o fascismo, a mais antiga democracia formal e,
principalmente, seus vestígios e suas tentativas de renascimento, aparece em
uma relação indissociável com essa evolução.
Muita coisa mudou desde então, mas o pensamento fundamental da
conferência permaneceu válido. Portanto, creio que sua publicação na forma
original se justifica.
2
Como citar:
PETERS, Carolina; PEREIRA NETO, Murilo Leite. “A casa está em chamas”: apresentação
à conferência de Lucs sobre O espírito europeu.
Verinotio
, Rio das Ostras, v. 27,
n. 1, pp. 1-8, jan./jun. 2021.
2
Em
A polgári filozófia lsága: Korach Mór olasz fordítása
(Manuscript) [A crise da filosofia civil:
tradão italiana de Mór Korach (Manuscrito)], disponível em: <http://real-ms.mtak.hu/21432/>.
Tradução nossa.