Goethe: para além das aparências
Verinotio NOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, pp. 461-464 - mar. 2022 | 463
malefícios e problemas nodais da Era Moderna,
submetendo-os a uma crítica precisa e acurada
(as instituições impessoais, que parecem ganhar
vida própria e que se tornam hostis aos
homens; a redução dos indivíduos às suas
funções; o individualismo; o excesso como
medida, a veloz marcha “
velociférica
” em que
caminhava a modernidade etc.), Goethe não é
um romântico que idealiza um retorno ao
passado. Apesar dos graves problemas, ele não
perde de vista a existência de progressos e de
potencialidades que não devem ser
abandonadas, nas quais repousa uma pequena
centelha de esperança, praticamente utópica,
de dias melhores. Ainda que, enquanto
observador agudo e preciso da modernidade
estivesse desencantado com a possibilidade
efetiva da atualização dessas potências naquele
momento, o escritor alemão – que, como
destaca Vedda (2015, p. 184), “não pensava de
forma deliberada e consciente em termos de
emancipação humana” – soube enxergar “tanto
seus aspectos bárbaros e bestiais como suas
débeis, porém reais potencialidades de
liberação”.
Extremamente hábil para o reconhecimento
e a configuração da realidade de seu tempo,
para perceber seu caráter extremamente
fragmentário – oposto à unidade e harmonia do
período clássico – e seu potencial tanto
negativo como positivo – lembremo-nos da
ideia da polarização que já apontamos –, o
escritor alemão não capitula diante dos
problemas de sua época. Não cai na melancolia
mórbida e no lamento romântico, infrutíferos
para a ação, mas também não é um defensor
cego da causa dos modernos, nem celebra
incondicionalmente o triunfo do indivíduo.
Tampouco se aproxima de uma postura filisteia,
de adequação sem reservas à barbárie que se
instaurava. A mediação e o equilíbrio evocado
entre diferentes polos, bem como a esperança
de alcançá-lo, não adquire, no entanto,
contornos definidos, de modo que uma solução
unívoca para os problemas não é objetivamente
apresentada. Conforme observa Vedda, a obra
é muito mais frutífera na colocação das
questões do que no fornecimento de respostas.
E isso não constitui necessariamente uma falta,
pois, de fato, “a literatura cumpre muito melhor
com seu propósito quando configura de
maneira complexa um problema do que quando
se propõe a avançar soluções” (VEDDA, 2015,
p. 178). Ainda, o fato de permanecer vaga
quanto a este aspecto serve também como
indício de uma recusa às soluções ingênuas e
simplificadoras que, perante a complexidade do
problema e da variedade de elementos
envolvidos, acreditam que a “resposta certa” é
aquela que busca preservar o que é “bom” e
eliminar o que é “ruim”, a fim de otimizar o
resultado – à semelhança do otimismo filisteu
de Wagner, assistente de
Fausto
.
Antes de prosseguirmos, é preciso fazer
uma importante advertência: os traços do
Goethe descortinado por Miguel Vedda que
temos destacado até agora podem ter passado
a errônea impressão de que o catedrático
argentino estivesse tentando transformar o
autor de
Fausto
em um protomarxista,
restringindo a compreensão deste ao âmbito
dos debates estéticos travados nessa corrente.
Não se trata disso. Embora algumas afinidades
pontuais com o que posteriormente pensou
Marx sejam assinaladas no decorrer das
análises, Vedda reconhece igualmente a
existência de divergências que não podem ser
ignoradas. Aqui também é realizado o já
referido esforço de uma apreensão fiel do
conjunto que não busca suprimir a diversidade
e os elementos que se mostrariam
inconvenientes caso se pretendesse realizar tal
conversão e identificação direta – o que não é
o caso.
Passando, finalmente, ao período de
maturidade do escritor alemão, no qual se
encontram obras como
Os anos de aprendizado
de Wilhelm Meister
e o segundo
Fausto
,
encerraremos com alguns apontamentos sobre
o que ficou conhecido como
Altersstil
: o estilo
de velhice de Goethe. Esse é um período em
que se observam a concisão estilística, o
realismo, a propensão à ironia e a composição
de obras abertas. Ele é caracterizado, nas
palavras do autor da análise, por “sua
enigmática abstração, sua renúncia a toda
referencialidade direta, sua extrema distância
de qualquer expressão emocional imediata”
(VEDDA, 2015, p. 123).
Há, porém, ainda outro traço muito
importante desse período, para o qual
procuramos chamar a atenção já no título desta
resenha. Se, por um lado, nosso título faz uma
referência indireta à crítica e à incorreção da
mitificação e aparente unidade orgânica entre a
vida e a obra do escritor alemão, por outro lado,
ele está relacionado sobretudo ao fato de que
um dos principais traços de seu estilo de velhice
é a propensão ao genérico e ao essencial,
expressos por Vedda (2015, p. 124) como a
“vontade de remeter aos princípios essenciais
do real, por trás das fantasmagóricas
aparências”.
Conforme apontado pelo professor
argentino, o interesse prioritário pelo genérico
possui, no caso de Goethe, uma afinidade com
a identificação de traços essencialmente
humanos – como a “faculdade ética presente
como latência” apenas entre os seres humanos
e totalmente ausente na natureza, assim como
os ideais de justiça e felicidade. Esses traços
essenciais são representativos de “uma débil