Lukács sobre Goethe
Verinotio NOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, pp. 343-430 - mar. 2022 | 345
burguesa pré-guerra. Segundo Lukács, pode-se localizar a origem de tais descaminhos
em “teóricos “liberais” como Simmel ou Gundolf”, autores esses que “desempenham
um papel importante (muitas vezes não reconhecido) na construção da imagem fascista
de Goethe”.
Defender Goethe contra seus detratores e deformadores não significa, no
entanto, colocar-se ao lado de seus apologistas, ainda que dentre esses últimos se
encontre uma figura marxista de relevância como Franz Mehring. Lukács não pode
concordar com a posição expressa por este segundo a qual, a revolução implicaria o
encontro definitivo do proletariado com Goethe**. A rigor, sem desconsiderar a
importância do poeta alemão, não se pode ficar incólume e negligenciar a posição de
classe de Goethe, que faz com que ele expresse em sua obra sempre uma posição
crítica da situação de seu tempo do ponto de vista privilegiado do indivíduo,
escamoteando desse modo, análises que deveriam levar em conta não a
unilateralidade da “da vida privada do indivíduo burguês”, mas o tratamento “de todas
as questões do ser social [...] do ponto de vista da vida pública, geral e política da
classe; portanto, do ponto de vista da burguesia e não dos citoyens”.
Nesse sentido, outro aspecto relevante destes artigos que os diferenciam dos
escritos posteriores, reside no fato de que eles não se limitam à crítica dos desvios
das interpretações de Goethe. Outra dimensão importante comparece em tais escritos,
em particular no artigo
Goethe e a Dialética
. O leitor mais familiarizado com as
elaborações de Lukács acerca de Goethe, poderá observar o tom crítico dirigido contra
o próprio escritor alemão. Por meio de uma análise rigorosa e profunda nosso autor
percorre diversos momentos da obra goethiana, desde suas obras literárias até seus
textos científicos, estéticos etc., demonstrando a grandeza e os limites de seu
pensamento. Nesse artigo se encontra a análise comparativa entre a concepção
dialética hegeliana e a refutação, por parte de Goethe, da dialética. Esse tratamento
do problema em Goethe é provavelmente a grande novidade das análises de Lukács,
e – salvo melhor juízo – não se apresenta em suas obras posteriores. As insuficiências
** Cabe aqui lembrar das considerações de Lukács acerca de Mehring presentes em seu livro
Pensamento
Vivido
[São Paulo: Ad Hominen; Viçosa: Editora da UFV, 1999; p. 87-8) em que destaca as tendências
do crítico marxista em tomar a obra de Marx como insubsistente no que tange ao tema da estética,
propondo a tarefa de suprir as insuficiências a partir de Kant. Lukács sempre considerou que “o
marxismo não é uma teoria econômico-social, junto à qual há lugar também para outras coisas, mas
uma visão universal do mundo. Logo, devia haver uma estética marxista própria, que o marxismo não
tomava nem de Kant nem de nenhum outro” [idem, ibidem].