DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.1.663  
Problemas selecionados em determinação social  
do pensamento  
Selected problems in social determination of thought  
Elcemir Paço Cunha*  
Resumo: O artigo objetiva discutir alguns  
problemas avançados em determinação social do  
pensamento a partir das contribuições deixadas  
por J. Chasin tendo em vista a profícua  
Abstract: The article aims to discuss some  
advanced problems on social determination of  
thought based on the contributions left by J.  
Chasin in view of the fruitful grounding in Marx  
and Lukács. These selected problems are  
presented assuming as a common thread the  
possibilities of scientific research of ideological  
objects.  
fundamentação em Marx  
e
Lukács. Tais  
problemas selecionados são apresentados  
assumindo como fio condutor as possibilidades  
da pesquisa científica de objetos ideológicos.  
Palavras-chave: Determinação social do  
pensamento; formação ideal; ideologia.  
Keywords: Social determination of thought;  
ideal formation; ideology.  
Introdução  
A ocasião, de celebrada republicação de J. Chasin pela prestigiada Verinotio, traz  
consigo a oportunidade de revisitar alguns aspectos das contribuições à determinação  
social do pensamento realizadas pelo autor, entremeadas à ascendência a Marx e a  
Lukács.  
Trata-se de algo sempre marcante entre as preocupações do filósofo brasileiro,  
desde sua dissertação crítica a Mannheim, datada dos primeiros anos de 1960, até os  
estágios últimos de seu itinerário intelectual na década de 1990. No caminho, o  
trabalho de fôlego sintetizado em O integralismo de Plínio Salgado, de 1977, deixou  
elementos fundamentais ao estudo do pensamento político tomado analiticamente por  
“objeto ideológico”.  
Ficou patentemente registrado o valor do prolongado diálogo com Lukács  
iniciado antes, na dissertação, principalmente aquele moldado, a partir de A destruição  
da razão, sobre o “tríptico metodológico lukácsiano” constituído pela análise imanente  
*
Doutor em administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Programa  
de Pós-Graduação em Administração na Universidade Federal de Juiz de Fora PPGAdm/UFJF. Pós-  
doutorando em Economia no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional Cedeplar/UFMG.  
E-mail: paco.cunha@ufjf.br.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, 30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
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das doutrinas e pelas análises de gênese e da função social das “ideologias”. Trata-se  
de um aparato metodológico geral, não sistemático e, portanto, dependente das  
propriedades concretas do pensamento investigado e, por isso mesmo, decorrente  
diretamente da própria natureza geral dos “objetos ideológicos”, mais  
“desmaterializados” do que fatores superestruturais a exemplo da política e do direito.  
O diálogo foi criticamente esticado no notório posfácio, de 1995, intitulado Marx:  
estatuto ontológico e resolução metodológica, devidamente republicado como livro  
separado em 2009. Esse diálogo crítico foi virtuosamente lapidado pelos fundamentos  
diretamente remetidos a Marx, culminando nos lineamentos da fundamentação  
ontoprática do conhecimento, do devido lastreamento marxiano da determinação  
social do pensamento desprovido dos determinismos da moda e, igualmente  
embasada, da presença histórica do objeto (sua maturação objetiva).  
Tudo isso é conhecido, pelo menos por parte de grupos especializados.  
Uma vez enriquecido por esse itinerário, o estudo dos objetos ideológicos se  
mostra como uma suficientemente desenvolvida alternativa às tendências marcantes  
no século XX com respeito à investigação das “ideologias”, como o relativismo  
bastante acentuado nas variantes de sociologia do conhecimento das clássicas  
frequentemente visitadas às arqueologias do saber/poder hodiernamente repetidas à  
exaustão, passando pelas recorrentes alegações das crises paradigmáticas , como as  
meras relações entre ideias por aclamadas “afinidades eletivas” ou como as armadilhas  
do racionalismo constantes, dadas as exigências do epistemologismo, na autonomia  
do pensamento como “consciência pura”, supostamente sem qualquer  
condicionamento externo.  
No gradiente que se estende, então, da blindagem do pensamento em relação  
às suas condições objetivas de possibilidade ao completo contágio do pensamento  
pelos condicionantes sócio-políticos que levam as posições intelectuais, em última  
instância, ao ceticismo radical e ao relativismo, seu irmão xifópago, e, portanto, à  
impotência do pensamento diante da necessidade de reta apreensão da realidade, os  
pressupostos objetivos que se mostram a partir da determinação social do pensamento  
são mais consequentes diante da facticidade. Isso porque admitem de partida a não  
autonomia do pensamento diante de suas condições objetivas simultaneamente ao  
reconhecimento, fundado na práxis autoconstitutiva da humanidade, de que a  
capacidade de reproduzir, no pensamento, a lógica movente das coisas, é uma  
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resultante de fatores históricos. Na síntese de Chasin (2009, p. 121), a objetividade  
do conhecimento é um produto contingente de tempos e lugares, uma vez que a  
“conjunção cognitiva ideal depende do encontro entre um sujeito plasmado em  
posição adequada à objetivação científica, ou seja, portador de ótica social em  
condição subjetiva de isenção, e de um objeto desenvolvido, isto é, perfilado na  
energeia de seu complexo categorial estruturalmente arrematado”.  
Certamente que as ideias circulantes e herdadas são um desses fatores históricos  
condicionantes, que atuam sobre as “individualidades cognoscitivas”, no diapasão de  
Chasin (2009, p. 121). Lukács (2020, p. 352) também destacou a influência das ideias  
daqueles “pensadores do passado imediato ou remoto” as quais são retomadas por  
gerações seguintes de intelectuais dadas as não raras continuidades envolvidas no  
plano das formas de consciência. Entretanto, deixamos destacados aqui aqueles  
fatores designados anteriormente, igualmente fundamentais na linha de contribuição  
de Marx, Lukács e Chasin: condições de isenção subjetiva exigidas ao agente  
perscrutador, agente posicionado em sua classe social, em meio às inflexões societais,  
ao recrudescimento ou mitigação do antagonismo e o grau de maturação do objeto  
perscrutado.  
A posição de vantagem do estudo dos objetos ideológicos pela via da  
determinação social do pensamento segundo tais parâmetros, portanto, não demanda  
retoques. Outrossim, faz exigência de continuidade da escalada ao cume escarpado. A  
certa altura da subida, os estudantes são continuamente desafiados porquanto as  
questões mais comuns e introdutórias necessariamente cedem lugar aos problemas  
avançados. É preciso selecioná-los para tratá-los. Entre aqueles que figurariam  
certamente como de preocupação de todos os interessados na investigação dos  
objetos ideológicos, estão os diretamente referentes ao aludido “tríptico  
metodológico”. Deixando para melhor oportunidade a análise imanente – bem como  
os problemas do estudo teórico-histórico do grau de correção das formações ideais  
que escapa ao referido tríptico , ficam selecionados alguns e não todos os aspectos  
da análise de gênese e de função. Vejamos tal seleção mais de perto.  
Missão social e eficácia dos objetos ideológicos como função  
Na história do pensamento marxista, certa linha mais fraca de tendência recusou  
a identificação direta entre ideologia e falsidade. Essa tendência compareceu em germe  
em muitos momentos, como em Marx, Engels, Lênin, Gramsci etc. Parece ter  
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encontrado em Lukács (2010; 2012; 2013), no entanto, um ponto alto de  
desenvolvimento por via da posição central, clara e declarada de que as formações  
ideais não nascem como ideologias. Elas são socialmente processadas e, em  
circunstâncias habilitadoras, consequentemente convertidas em ideologias.  
Como sustentou Lukács, o critério epistemológico (do grau de correção das  
ideias, se falsas ou verdadeiras), por mais importante que seja para o estudo teórico-  
histórico das formas de consciência científicas sobretudo, não é satisfatório para  
discernir o que é ideologia. Dado o acento sobre a práxis, uma formação ideal adquire  
caráter de ideologia não por sua correção ou distorção, mas pela potência de seus  
efeitos sobre a realidade social, principalmente por sua potência em modificar e  
direcionar as condutas humanas. Já teria escrito Marx (2005, p. 151), não sem razão,  
que “a teoria também se torna força material quando se apodera das massas”. Ele não  
deixou de anotar, em outro lugar, a possibilidade de uma formação ideal promover  
direcionamentos sobre a vida econômica da sociedade. Ao comentar, por exemplo,  
sobre a economia política de Smith, Marx sugeriu que as ideias do referido escocês  
foram, ao mesmo tempo, “um produto da energia real e do movimento da propriedade  
privada (...), como produto da indústria moderna” nas condições históricas de sua  
gênese no período manufatureiro, e elemento que “acelera e enaltece a energia e o  
movimento dessa indústria, transformando-a numa força da consciência” (MARX, 1974,  
p. 9). Há, nessas passagens, um reconhecimento do lado ativo da economia política  
como forma de consciência. Não apenas como produto, mas igualmente como força  
atuante na expansão do modo de produção capitalista.  
Muitos outros exemplos desse lado ativo podem ser encontrados de modo  
espaçado no vasto material deixado por Marx, desde o papel de economistas no  
debate público a respeito das greves até a influência da economia vulgar sobre os  
agentes práticos (PAÇO CUNHA, 2022a). Uma amostra direta aqui é muito benéfica.  
Em consideração crítica contra Storch, Marx escreveu que “se não se concebe a própria  
produção material na forma histórica específica, é impossível entender o que é  
característico na produção intelectual correspondente e a interação entre ambas”  
(MARX, 1980, p. 267). O destaque fica com a reciprocidade entre os fatores  
relacionados, isto é, a produção intelectual é produto correspondente, mas produto  
ativo, interativo sobre as suas condições objetivas de possibilidade. Assim, o critério  
prático, que decorre precisamente do lado ativo, é mais adequado do que o  
epistemológico uma vez que o grau de correção das ideias não condiciona  
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necessariamente sua potência social.  
É verdade, entretanto, que um leitor isento deve necessariamente reconhecer que  
Marx acentuou muito mais o procedimento explicativo das formações ideais ao jogar  
luz sobre a gênese (o enraizamento nas condições histórico-concretas) e sobre a  
missão social do que a investigação daquele lado ativo. Com respeito o pensamento  
econômico, por exemplo, o acento foi maior em reconhecer os economistas como  
“representantes científicos” da economia burguesa, em uma acepção de produto, de  
porta-vozes dos agentes práticos.  
Não é sem propósito insistir nesse aspecto. Por volta de 1847, Marx sublinhou  
que “quanto mais se evidencia esse caráter antagônico, mais os economistas, os  
representantes científicos da produção burguesa, embaralham-se em sua própria  
teoria e formam diferentes escolas” (MARX, 1985, p. 117). Um rápido comparativo  
entre as escolas clássica e vulgar é bastante instrutivo à guisa de exemplo. Marx  
diferenciou mais detidamente a tendência vulgar no tratamento histórico do  
pensamento econômico em O capital e em Teorias da mais-valia conjuntamente às  
deficiências da própria economia política clássica. Esta teve gênese em condições  
históricas habilitadoras às questões de natureza científica em razão da passagem da  
luta entre capital e trabalho ao segundo plano e da necessidade de verdade diante do  
combate aos resquícios e entraves da feudalidade. Procurava-se demonstrar a  
superioridade do modo de produção capitalista. Essa era sua missão social. Não por  
acaso, Marx (2013, p. 85) registrou que, em geral, a economia política entendia a  
“ordem capitalista como a forma última e absoluta da produção social, em vez de um  
estágio historicamente transitório de desenvolvimento”. Por seu turno, a economia  
vulgar desenvolveu-se em circunstância adversa, com deflagração aberta da luta de  
classes e em contexto de uma simples apologia direta ao capital. A economia política,  
na qualidade de forma de consciência científica, perdia, assim, seu impulso inicial de  
verdade, passando a uma configuração vulgar e apologética do capitalismo,  
principalmente após 1848. “Não se tratava mais”, escreveu nosso autor de Trier, “de  
saber se este ou aquele teorema era verdadeiro, mas se, para o capital, ele era útil ou  
prejudicial” (MARX, 2013, p. 86). Tal processo de desdobramento do pensamento  
econômico o levou a ter que lidar e descrever contradições do modo de produção  
vigente. Essa forma de pensamento passou a ser confrontado, escreveu Marx, “por sua  
própria contradição simultaneamente com o desenvolvimento das contradições reais  
da vida econômica da sociedade”. Com efeito, a “economia vulgar se torna, de maneira  
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consciente, mais apologética e procura, à força de charlas, exorcizar as ideias que  
encerram as contradições” (MARX, 1980, p. 1539).  
Enquanto o enraizamento do pensamento econômico é muito claramente  
demarcado, ficamos com déficit demonstrativo quanto ao grau de eficácia das missões  
sociais evocadas, por um lado, no propósito clássico de apresentar o modo de  
produção capitalista como “forma última e absoluta da produção social” e não como  
um “estágio historicamente transitório” e, por outro, na finalidade vulgar de “exorcizar  
as ideias que encerram as contradições”. Tendemos, por óbvio, a considerar que tais  
formações ideais foram e são amplamente mobilizadas por grupos humanos com  
propósitos conservadores quando não reacionários. Certamente são ideias que  
circulam e que têm efeitos nas condutas humanas desde o século XIX. Marx tinha total  
clareza, como demonstrado antes, acerca das reciprocidades entre produção material  
e produção intelectual correspondente. Mas não foi alvo em seus escritos econômicos  
destrinchar essa circulação e seus efeitos em pormenores investigativos, por mais  
importante que seja, pois sua tarefa científica com tais escritos, como sabemos, era  
outra.  
Mas isso não torna a questão menos importante, passível de ser ignorada. Tanto  
que Lukács procurou retomar o lado ativo, o critério prático antes aludido. E essa  
posição se encontra claramente estabelecida no filósofo magiar. Sinteticamente, vemos  
isso no esforço do filósofo em estabelecer os fatores básicos de uma dialética objetiva  
a ser capturada e demonstrada por estudos concretos: a práxis do cotidiano da vida  
serve decididamente, seguindo Lukács (2013, p. 481), de “mediação” entre a estrutura  
econômica e a superestrutura ideológica. As ideologias nascem da práxis cotidiana  
que opera sobre aquela base. Tais ideologias, uma vez formadas e desenvolvidas,  
deságuam no mesmo cotidiano do qual tiveram arranque, potencialmente  
direcionando, modificando, retardando etc., tendências da práxis num tempo e lugar  
que, por sua vez, guarda sempre potência de alteração e conservação dos fatores da  
estrutura econômica a qual, de resto, possui lógica própria e é relativamente  
indiferente à consciência que os agentes portam em relação a ela.  
De maneira mais geral do que o filósofo magiar pôde fazer, Chasin (2009)  
também expressou o acento sobre a práxis ao estabelecer que é a prática social que  
converte a objetividade em subjetividade e vice-versa. Isso joga luz sobre um aspecto  
decisivo da facticidade: as formações ideais decorrem, em tempos e lugares diferentes,  
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da práxis sobre a objetividade natural/social. As formações ideais são produtos,  
subjetivações realizadas por meio da prática social e, nessa qualidade, são apenas  
potência, dependendo, pois, da prática social para verter essa potência em efetividade,  
isto é, uma objetivação das formações ideais por meio da práxis. As formações ideais  
precisam, portanto, de grupos humanos que, assenhorando-se de tais ideias, colocam-  
nas em funcionamento em meio às inflexões societais e aos conflitos fundamentais. E  
o critério delimitador da ideologia é precisamente essa efetividade, essa eficácia sobre  
o terreno social (há também a questão da duração em termos de profundidade de tais  
efeitos, como destacou Vaisman, 2010).  
Assim, é possível distinguir as formações ideais ou formas de consciência como  
respostas erigidas diante de tais inflexões e conflitos, de um lado, e, de outro, a  
conversão de tais ideias em ideologias com eficácia quando, por mediação da práxis  
social de grupos humanos, deságuam na vida social procurando dirigir as condutas  
humanas diante das inflexões e conflitos deflagrados. A conversão, entretanto, não  
retira da ideologia seu caráter também de resposta a tais conflitos por sua própria  
propriedade, antes de tudo, como formação ideal.  
Por decorrência, e esse é o ponto nefrálgico do problema avançado em destaque,  
o estudo dos objetos ideológicos termina por revelar seu duplo caráter como função  
ainda que o acento argumentativo, pelo menos, recaia mais sobre a eficácia, no caso  
de A destruição da razão, e mais sobre a formação ideal, no caso de O integralismo  
de Plínio Salgado. Entretanto, esse duplo caráter não foi integralmente sublinhado por  
Lukács ou Chasin. Nos materiais a questão tendeu a ficar subentendida.  
Lukács (2020), ao tratar da ideologia como função em termos de eficácia  
frequentemente aludiu, corretamente, ao propósito ou finalidade das ideologias sob  
análise (o irracionalismo, no caso). Nas análises, muitas vezes o isolamento do  
propósito era o bastante para o tratamento como ideologia na argumentação do autor.  
Nesse sentido, o acento recaiu sobre a missão social das ideologias. Algo semelhante  
vemos no caso da designada “ideologia da terceira via” em que o filósofo magiar  
sublinhou o propósito de evitar que se extraísse da crise a conclusão de que os  
problemas postos decorreriam dos aspectos estruturais do modo de produção  
capitalista (LUKÁCS, 1979). A função, nesse caso, se destaca pela missão social ou  
propósito, sua finalidade explícita ou não, em que as questões de eficácia ficaram, na  
análise, subordinadas a segundo plano embora seja precisamente o central (critério  
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prático) para a determinação da ideologia no quadro geral do argumento dado pelo  
filósofo.  
No material do filósofo brasileiro essa questão fica ainda mais patente.  
Comparada à ideologia da terceira via ou ao irracionalismo, não é possível dizer que  
o integralismo, tomado por objeto ideológico, tenha alcançado algum grau relevante  
de eficácia nas condições da particularidade brasileira. A missão social, em sua gênese  
na regressividade nacional, seria, como demonstrou brilhantemente o filósofo, retardar  
o processo de acumulação do capital, orientando a seta da história para condições  
ruralistas anteriores em termos econômicos, políticos e filosóficos. Mas essa missão  
social foi suplantada pela tendência histórica objetiva de forja de um capitalismo, ainda  
que precariamente desenvolvido num tipo de integração subordinada ao mercado  
mundial, nas condições atróficas brasileiras de então. Mas o fato de tomar apenas o  
aspecto como formação ideal, sem eficácia, não impediu Chasin de considerar o  
integralismo como ideologia inclusive, inadvertidamente, igualando de certa maneira  
ideologia e falsidade em dado momento da obra (CHASIN, 1978, p. 28).  
A questão não ficou inteiramente resolvida uma vez que o aspecto da missão  
social e da eficácia terminaram embaralhadas em graus variados no tratamento dado  
pelos autores em tela. Não é, obviamente, um aspecto de fraqueza das elaborações,  
mas índice de sua complexidade interna. Na linha de desenvolvimento dessa  
complexidade, o problema avançado sob consideração pode ser dissolvido pelas  
próprias lições deixadas pelos autores.  
Parece-nos ser chave, nessa direção, diferenciar base econômica, superestrutura  
ideológica e formas sociais de consciência uma vez que o “modo de produção da vida  
material condiciona o processo em geral da vida social, político e espiritual” (MARX,  
1974, p. 136). É importante destacar a heterogeneidade entre tais processos  
condicionados (“processo em geral da vida social, político e espiritual”). Ao isolar o  
processo espiritual, isto é, as formas sociais de consciência, podemos guardar então  
ideologia como designação para aquelas formações ideais que são ativadas por grupos  
humanos os quais, em termos práticos, retiram-nas do campo da possibilidade para o  
da efetividade diante das inflexões, crises e conflitos.  
É igualmente central sublinhar que toda formação ideal como resposta às  
condições de sua gênese apresenta, em graus específicos, uma missão social, uma  
finalidade, mas nem toda missão social apresenta eficácia objetiva como ideologia.  
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Igualmente, toda ideologia, no presente caso do processo espiritual analiticamente  
isolado, é também formação ideal com potência de eficácia que, no entanto, depende  
da práxis de grupos humanos para a conversão desse potencial em efetividade.  
São questões importantes explicitadas por Lukács e Chasin. Mas essas questões  
abrem outras potencialmente relevantes.  
Registramos, nessa última direção, que a eficácia de uma formação ideal como  
ideologia pode contrariar sua própria missão social original como resposta, insinuando  
que os grupos humanos não apenas tomam certas formações ideais, mas também as  
transformam em sentido diferente como serve de prova o marxismo como ideologia,  
originariamente proletária, sob a égide posterior do taticismo stalinista. Cabe dizer,  
em adição, que nem sempre as finalidades das formações ideais estão inteiramente  
claras aos agentes envolvidos a depender, também, do tipo de tais doutrinas (se  
política, filosófica, econômica etc.) uma vez que o pensamento econômico enquanto  
forma de consciência científica, por exemplo, que tem por material a produção da  
riqueza, como Marx registrou várias vezes, difere do pensamento filosófico ocupado  
com as grandes questões gerais da humanidade, como destacou Lukács. Haveria,  
portanto, uma especificidade do pensamento econômico como ideologia. O quanto  
essas diferenciações das “subnaturezas” das formações ideais comparadas implicam,  
por decorrência, possíveis modos diferenciados de efetivação como ideologias, é  
matéria a ser seriamente considerada, incluindo potenciais consequências para o  
“tríptico metodológico”.  
Há outras questões assemelhadas e que não devem ser deixadas de lado. Em um  
grupo de ideólogos, por exemplo, os quais formam, em conjunto, um objeto ideológico  
sob investigação, podem habitar discrepâncias de propósitos. Além disso, não é de  
menor importância a possibilidade segundo a qual os propósitos enunciados pelos  
mais destacados ideólogos divirjam da missão social efetivamente acionada e que  
anima ou animou certa formação ideal. Igualmente relevante é sublinhar que, como  
Lukács (2020, p. 182) demonstrou, a própria missão/função social pode sofrer  
alterações continuamente ao longo de estágios diferentes.  
Em suma, são questões que não devem ser ignoradas na tarefa de investigar os  
objetos ideológicos. De conjunto, a apreensão de que a função envolve tanto a missão  
social quanto a eficácia amplia, e não reduz, as possibilidades investigativas em  
determinação social do pensamento. Amplia não apenas tais possibilidades, mas  
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também as exigências.  
Aquém da eficácia, as minudências  
A diferenciação entre formas de consciência, de um lado, e formas de consciência  
vertidas em ideologias, de outro, auxilia na constatação de que as possibilidades dos  
estudos sobre objetos ideológicos são mais amplas do que inicialmente pode ser  
entrevisto. Isso porque, à primeira vista, o acento sobre a eficácia na determinação das  
ideologias, repitamos, como aspecto do condicionado “processo espiritual”, poderia  
sugerir que a preocupação científica estaria direcionada apenas para aquelas formas  
de consciência mobilizadas de fato por amplas expressões de classe.  
Entretanto, é perfeitamente admissível o estudo de objetos ideológicos que não  
obtiveram eficácia como ideologia. O próprio caso do integralismo no Brasil é um  
exemplo disso.  
Inicialmente, destaca-se a operação metodológica realizada por Chasin sobre o  
assunto. Diante do “tríptico metodológico lukácsiano”, o filósofo brasileiro adotou a  
resolução de “concretar efetiva análise imanente do discurso pliniano, deixando em  
graus mais abstratos as determinações relativas ao chão social em que aquele se pôs,  
e que no tríptico metodológico lukácsiano são designadas como análises de gênese e  
função social das ideologias” (CHASIN, 1978, p. 23). O operatório da análise respeita,  
como foi fartamente demonstrado pelo filósofo, a trama própria do objeto ideológico  
investigado, implicando, o que é aqui decisivo, a “necessidade de repetidas  
observações, cuidados, rastreamentos e precisas elaborações de minudências” (p. 24).  
Os fatores do “tríptico metodológico”, portanto, podem ser considerados  
separadamente. O que autoriza essa resolução é o próprio interesse de investigação  
porquanto ligado a problemáticas específicas segundo exigências do próprio campo  
científico. Expliquemos. O exemplo disso é o próprio material sobre o integralismo de  
P. Salgado. Ali a questão não parece ser de fato a eficácia (e duração) do integralismo  
na realidade brasileira. O material, é importante dizer, coleciona mais elementos da  
gênese do integralismo com base na regressividade das condições nacionais, do seu  
atraso, do que da funcionalidade objetiva dessa pretensa formação ideal que, como já  
indicamos, não parece ter sido vertida em ideologia no sentido da eficácia da missão  
social erigida de frear o processo de acumulação de capital no país e de retroceder  
segundo a utopia ruralista esboçada.  
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A resolução quanto à concreção da análise imanente correspondeu, nos termos  
do filósofo brasileiro, à problemática quanto à natureza específica do integralismo  
como formação ideal. Como “fragmento da consciência social no Brasil, o integralismo  
continuava indecifrado, oculto em convencional e abstrata definição como fascismo”,  
escreveu nosso autor. Diante dessa problemática, tratava-se então de “determinar sua  
efetiva natureza, especificá-la na especificidade brasileira” (CHASIN, 1978, p. 23). Tal  
era a necessidade científica que se impunha, e se impõe renovadamente, pela  
insistente identificação pura e direta, ainda corrente em muitos círculos intelectuais,  
entre integralismo e fascismo com base em certas características estéticas e discursivas  
superficiais. Aqui vale, portanto, o interesse no estabelecimento da verdade da coisa.  
A análise imanente levada adiante por nosso autor permitiu demonstrar o  
integralismo, em sua natureza específica, como expressão do atraso brasileiro, como  
fenômeno característico dessa particularidade regressiva. A utopia ruralista pliniana  
pretendeu inutilmente estancar o processo de acumulação de capital, orientando a seta  
da história para tendências mítico-reacionárias no plano político, econômico e  
filosófico de um “homem integral”, visceralmente ligado ao campo e sob tutela de um  
estado forte. O fascismo, como ideologia de mobilização para a guerra, distintamente,  
congregou regressividades que, no entanto, conviveram com a missão social,  
eficazmente realizada em seu tempo histórico, de continuidade do processo de  
acumulação daqueles países de formação tardia do capitalismo (Alemanha, Itália,  
Japão). Tratou-se de superar os obstáculos à acumulação do capital por via do  
expansionismo beligerante. O processo de objetivação do capitalismo hipertardio no  
Brasil por via colonial possibilitou uma configuração diferente, anti-industrialista, de  
negação reacionária do capitalismo, uma espécie de “romantismo dos trópicos”, a  
despeito de certas identidades quanto ao uso de símbolos, agremiações etc., e sem  
condições de acesso à negociação bélica imperialista já em sua segunda edição  
mundial.  
Essa conquista da análise imanente sobrevive à predileção por superficialidades  
com vasta penetração entre intelectuais no Brasil. Ao cabo, registra a possibilidade  
metodológica de considerar elementos do “tríptico metodológico” à luz das  
necessidades investigativas as quais são impostas ao interesse científico, isto é,  
configuram exigências ao conhecimento e não preferências subjetivas. Assim, a análise  
imanente, diante da tarefa de determinar a natureza de uma formação ideal, tem lugar  
sem os demais elementos metodológicos do tríptico a depender de problemáticas  
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específicas envolvidas. A mesma coisa se aplica às análises de gênese e de função.  
Uma vez mais, trata-se de uma ampliação das possibilidades investigativas.  
Da causalidade à preparação ideológica como campo investigativo  
Uma das dificuldades mais prementes no estudo da determinação social do  
pensamento está diretamente ligada ao estabelecimento das conexões entre  
determinada forma de consciência e seus efeitos objetivos uma vez vertida em  
ideologia. É um problema, na verdade, de grande parte do trabalho científico: o nexo  
causal. Talvez isso ajude a explicar o maior acento anteriormente destacado sobre o  
enraizamento histórico-social das formas de consciência do que sobre a eficácia das  
ideologias.  
Isso porque, em geral, parece que estudar a gênese, o aspecto condicionado do  
“processo espiritual”, apresenta menores obstáculos do que o movimento de deságue  
das formações ideais como ideologia naquele cotidiano que medeia, em termos  
práticos, tais formações e a estrutura econômica. Não é trivial estabelecer histórico-  
concretamente as reciprocidades envolvidas. A identificação anterior acerca do duplo  
caráter da função enquanto missão social e eficácia favoreceu essa constatação e,  
agora, nos coloca no plano dos nexos objetivos, das causalidades e reciprocidades  
indispensáveis ao próprio movimento de uma dialética a ser descoberta, trazida ao  
primeiríssimo plano em termos de conteúdos, detalhes, conexões. Aquele exemplo  
anterior de Marx é emblemático: as ideias de Smith como produto da manufatura e, ao  
mesmo tempo, como força de sua expansão. Como estabelecer o nexo expresso no  
segundo movimento?  
Um analista isento de A destruição da razão é levado a constatar essa dificuldade  
quanto à relação entre a potência do irracionalismo como ideologia do período  
imperialista e o nazifascismo alemão emanado da boca de Hitler e seus asseclas e  
confirmado em suas práticas vis, desumanizantes, bárbaras e horrendas. Há nesse nexo  
uma série de aspectos importantes.  
O primeiro deles é o post festum. Não configura qualquer novidade o lugar dessa  
questão para a análise científica das “formas da vida humana”, como escreveu Marx. A  
análise, segundo ele, “percorre um caminho contrário ao do desenvolvimento real”  
uma vez que ela “começa post festum e, por conseguinte, com os resultados prontos  
do processo de desenvolvimento” (MARX, 2013, p. 150). Em tais resultados prontos  
tendencialmente não está à mostra o processo histórico desdobrado. Em outros  
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termos, nas formas acabadas costumeiramente apagam-se os eventos, as contradições,  
o vai-e-vem, o acaso etc.  
Para o estudo do aspecto ativo da funcionalidade das ideologias, isto é, seu  
deságue e efeito na realidade social, essa questão precisa ser rigorosamente  
considerada. Como exemplo, Lukács nos deu o nazifascismo alemão. O estudo levado  
a cabo pelo filósofo magiar começou depois dos eventos que permitiram identificar  
aquilo pelo que se designa por nazifascismo como tal. Não significa que antes da coisa  
acabada, pronta, não se pudesse capturar e expressar tendências. Mas, como sabemos,  
são múltiplas as tendências e forças “contrarrestantes” no movimento histórico  
frequentemente efetivado “aos trancos e barrancos e ziguezagues” (ENGELS, 2010, p.  
475). Assim, a análise científica encontra condições mais adequadas com o objeto  
integralmente desenvolvido. Ou, como Chasin (2009) designou, a presença histórica  
do objeto, sua maturação objetiva.  
Diante do nazifascismo como objeto acabado, Lukács procurou traçar as linhas  
principais do irracionalismo alemão na transição entre os séculos XIX e XX como o  
fator ideológico de primeira ordem na explicação dos eventos que culminaram no  
nazifascismo naquele país. Aqui se encontra um “complexo de complexidades”, por  
assim dizer, que merecem consideração. Sobretudo por remeter diretamente ao  
problema do nexo objetivo entre a ideologia e seus efeitos, isto é, ao problema das  
causalidades objetivas, não imputadas pela subjetividade do analista.  
Quando o assunto são fatores superestruturais, tais como a política e o direito,  
a captura dos nexos e reciprocidades parece acomodar obstáculos de qualidade  
específica. Entre os muitos exemplos possíveis, cabe o destaque, em termos gerais,  
aos efeitos contraditórios das legislações sociais nos diversos países, sobretudo  
ocidentais, nas tarefas envolvidas simultaneamente na frenagem racional diante do  
impulso voraz e destrutivo do capital, parafraseando Marx (2013), na acomodação dos  
conflitos sociais, no desenvolvimento da própria classe de trabalhadores. No Brasil,  
em particular, a legislação trabalhista teve notórios efeitos sobre a organização,  
reivindicação e mesmo a forja daquela classe trabalhadora a partir dos anos de 1930.  
Além disso, essa legislação obteve efeitos profundos na mobilização dessa classe,  
alcançando o contexto de muitas décadas adiante. Embora persistam desafios da  
demonstração empírica da funcionalidade desse aspecto superestrutural, seu grau de  
materialidade serve como plataforma mais firme.  
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A natureza dos condicionados processos espirituais, por notório caráter mais  
abstrato e menos materializado, coloca obstáculos maiores ao estabelecimento de  
nexos. Ainda assim, aqui, como em qualquer outra parte, vale o peso dos casos  
concretos no quesito de tais nexos.  
O caso de A destruição da razão é ilustrativo. O conjunto dos ideólogos  
considerados por Lukács são aproximados principalmente de posições de intersecção  
entre a filosofia e a sociologia. Apesar das diferenças, havia no essencial elemento de  
identidade que, diante das condições históricas de crise, admitiu uma espécie de  
apologia indireta ao modo de produção capitalista. A missão social do irracionalismo  
como apologética indireta é capturada na comparação com a apologética direta:  
Enquanto que a apologética direta está empenhada em apagar as  
contradições do sistema capitalista, em refutá-las de maneira sofística,  
em fazê-las desaparecer, a apologética indireta irá partir justamente  
dessas contradições, reconhecendo sua existência factual, a  
impossibilidade de sua negação enquanto fato, mas dando-lhes uma  
interpretação que apesar disso tudo as torna vantajosas para a  
existência do capitalismo. Enquanto a apologética direta está  
empenhada em apresentar o capitalismo como a melhor das ordens,  
como o cume destacado e definitivo do desenvolvimento humano, a  
apologética indireta destaca, de modo grosseiro, os lados negativos  
e os horrores do capitalismo; mas não os declara como características  
do capitalismo, mas da vida humana, da existência em geral. Disso  
deriva, então, necessariamente, que uma luta contra esses horrores  
apareça de antemão não apenas como vã, mas como algo sem sentido,  
pois significaria a autossuperação da essência humana (LUKÁCS,  
2020, pp. 181-182).  
Tratou-se do anticapitalismo romântico surgido nesse ambiente de crise, como  
sugeriu o filósofo magiar, “procurando evitar que as tensões e explosões decorrentes  
disso se voltem contra o capitalismo” (LUKÁCS, 2020, p. 562).  
E como essa missão social foi efetivada? Por meio de um conjunto de mediações,  
respondeu Lukács, sem, contudo, grande envergadura em termos de demonstração  
por parte de nosso autor. Antes de considerar os motivos disso já aludidos por  
ensejo das dificuldades no estabelecimento de nexos , é decisivo destacar tais  
mediações indicadas no desdobramento da ideologia em tela:  
(...)a visão de mundo alemã do período imperialista avançou (...) de  
Nietzsche a Spengler e depois, no período de Weimar, de Spengler ao  
fascismo. Se remontarmos essa preparação ideológica da filosofia  
alemã até Schopenhauer e Nietzsche, poder-se-ia contestar que se  
tratava de doutrinas esotéricas difundidas apenas em círculos muito  
restritos. Acreditamos, porém, que não se pode subestimar o efeito  
indireto, subterrâneo das ideologias reacionárias ao novo modismo  
(...). Esse efeito não se limitava à influência exercida indiretamente  
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pelos livros dos filósofos, embora não se possa ignorar que as edições  
das obras de Schopenhauer e de Nietzsche alcançavam certamente  
muitas dezenas de milhares. Mas as universidades, as conferências, os  
jornais e outros meios de difusão faziam com que essas ideologias se  
estendessem às vastas massas, com certeza de modo vulgarizado,  
mas com isso seu conteúdo reacionário, seu íntimo irracionalismo e  
seu pessimismo, que se encontram em tais doutrinas, foram antes  
intensificados do que enfraquecidos, já que, assim, as teses centrais  
acabaram por predominar sobre as possíveis restrições e  
ponderações. As massas foram fortemente envenenadas por tais  
ideologias sem que jamais tenham colocado os olhos sobre a fonte  
direta do envenenamento. A barbarização nietzschiana dos instintos,  
sua filosofia da vida, seu “pessimismo heroico” etc. são produtos  
necessários do período imperialista, e o aceleramento desse processo  
provocado por Nietzsche pôde surtir efeito em milhares e milhares de  
pessoas que sequer conheciam o seu nome (LUKÁCS, 2020, p. 77).  
A ideologia circulou por meio dos livros publicados, das universidades, das  
conferências, dos jornais etc., e alcançaram os salões e cafés. A vulgarização ganhou  
contornos mais toscos pela mediação política. Como escreveu Lukács (2020, p. 78),  
“Hitler e Rosenberg levaram para as ruas tudo que foi dito sobre o pessimismo  
irracionalista desde Nietzsche e Dilthey até Heidegger e Jaspers em confortáveis  
poltronas de couro, em salões intelectuais e cafés”. A política atendeu, completou  
Lukács (2020, p. 627) mais adiante, às demandas dos “círculos mais reacionários dos  
Junkers e dos grandes capitalistas alemães”, uma vez que “retirou dos salões e levou  
para as ruas a ideologia reacionária mais extremista, modernizada sob medida para os  
novos tempos”. Por via da política, então, tal ideologia obteve condições de sedução  
e mobilização das massas. Teve, enfim, eficácia. Assim, há um tipo de nexo entre (1)  
os objetos ideológicos outrora produtos da economia imperialista que (2) circularam  
pelas mediações (universidades, conferências, jornais etc.), (3) atingindo os salões e os  
cafés e (4) alcançando as ruas e o cotidiano de modo massivo.  
Admitamos que esse nexo se equilibra com dificuldades probantes, cabendo  
inclusive investigação complementar para aprofundar esse movimento de deságue do  
irracionalismo na vida cotidiana e, daí, ao embaraço desumanizante do nazifascismo.  
A folga na amarração, que todo leitor rigoroso não pode ignorar, tem esse componente  
autêntico, demandando avanço na pesquisa histórica da funcionalidade da ideologia  
em tela. Trata-se de aprofundar a hipótese lançada sobre o papel das universidades,  
conferências, jornais etc.  
Mas, o que é mais importante, também tem um componente falso quando se  
poderia imaginar a possibilidade de obter uma causalidade linear. Assim como não  
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existe uma linha mecânica entre estrutura econômica, cotidiano e superestrutura  
ideológica, não existe também no movimento contrário. Para Lukács era muito clara a  
preparação ideológica, em seus termos, desempenhada por tal filosofia irracionalista,  
quer dizer, o papel desempenhado pela ideologia em questão na preparação do  
terreno, no fornecimento de matéria-prima ideal, por assim dizer, como um fator  
indispensável de articulação das condições subjetivas aos processos que levaram à  
visão nacional-socialista e, pois, ao nazifascismo alemão.  
O holocausto teria ocorrido sem a presença do irracionalismo alemão? Lukács  
responderia que seria muitíssimo improvável uma vez que lhe faltaria as condições  
subjetivas fornecidas como recurso. Mas ao mesmo tempo não foi o irracionalismo a  
causa do nazifascismo, que fique bem claro, uma vez que este encontrou sua raison  
d'etre em condicionantes objetivos do período imperialista, isto é, emergiu como  
resposta prática às necessidades de expansão dos capitais nacionais por via da  
mobilização de guerra de países de objetivação capitalista tardia e, portanto,  
constrangidos por uma dada repartição consolidada de mercados consumidores e  
fornecedores, principalmente por parte das economias estadunidense, francesa e  
inglesa. Mas, a compreensão de conjunto não dispensa, de modo algum, o papel da  
preparação ideológica, sobretudo para o caso Alemão que guarda especificidades  
nesse aspecto das condições subjetivas se comparado ao japonês, por exemplo, este  
constituindo-se um caso a ser investigado em razão da própria ausência de uma  
filosofia irracionalista na preparação ideológica.  
A hipótese lukácsiana relacionada às mediações que levaram ao deságue no  
cotidiano não parece ter recebido tanta investida por parte de seu propositor quanto  
a análise imanente realizada sobre o conjunto dos autores da filosofia irracionalista.  
Chasin (1978) se aproximou muito mais disso, como já anotado, deixando mais em  
abstrato as análises de gênese e de função quando o assunto foi a natureza específica  
do integralismo no Brasil. Abre-se sala para investigações aprofundadas, sobretudo  
no caso alemão, por se tratar de uma ideologia com eficácia a princípio, de fato,  
realizada. Tais investigações adicionais exigem, obviamente, uma coleção de  
evidências rigorosamente colhidas e apresentadas que permitam demonstrar tais  
nexos ainda que sejam de outra qualidade, sem necessariamente haver causalidades  
lineares. Tais evidências colecionadas devem romper, adicionalmente, com o limite  
meramente circunstancial, indicando a preparação ideológica para o caso concreto  
alemão. Igualmente, a recomendação tem validade para outros casos associados ou  
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não.  
Da localização clássica à classicidade movente e múltipla das ideologias  
Em seus estudos sobre o “modo de produção capitalista e suas correspondentes  
relações de produção e de circulação”, Marx (2013, p. 78) considerou explicitamente  
que, àquele tempo, sua “localização clássica é, até o momento, a Inglaterra”. Essa seria,  
explicou ele, a “razão pela qual ela serve de ilustração principal à minha exposição  
teórica”. Estamos diante de uma questão já aludida outras vezes, a partir das  
considerações de Chasin (2009), sobre a presença histórica do objeto, isto é, a forma  
mais desenvolvida do modo de produção permitiria seu estudo mais apurado  
precisamente por ser a forma historicamente mais acabada até dado momento,  
grifemos, seguindo Marx acima. A importância da matéria justifica a ênfase:  
Nenhum período da sociedade moderna é tão propício ao estudo da  
acumulação capitalista quanto o dos últimos 20 anos. (...). De todos  
os países, porém, é novamente a Inglaterra que oferece o exemplo  
clássico, e isso porque ela ocupa o primeiro lugar no mercado  
mundial, porque somente aqui o modo de produção capitalista se  
desenvolveu em sua plenitude e, finalmente, porque  
o
estabelecimento do reino milenar do livre-câmbio, a partir de 1846,  
privou a economia vulgar de seu último refúgio. (MARX, 2013, p. 723)  
Vê-se que o caso clássico é a reunião de condições e fatores que refletem o mais  
alto desenvolvimento do modo de produção capitalista.  
Por seu lado, o irracionalismo analiticamente considerado por Lukács (2020, p.  
20) encontrou seu “caso clássico na Alemanha”, onde esboçou traços específicos e  
grandes repercussões mundiais.  
Se a classicidade do modo de produção capitalista foi garantida, na década de  
1860, por uma reunião daquela qualidade de desenvolvimento mais avançado de  
diferentes fatores, a classicidade do irracionalismo foi condicionada, ao contrário, pelo  
atraso do contexto histórico alemão, pela “miséria alemã” frequentemente retratada  
por Marx ao longo de todo o seu itinerário intelectual. Tendo o condicionado processo  
espiritual em nossa mira, já na juventude Marx chegou a considerar que  
Só a Alemanha poderia produzir a filosofia especulativa do direito -  
este pensamento extravagante e abstrato acerca do estado moderno,  
cuja realidade permanece no além (mesmo se este além fica apenas  
do outro lado do Reno) (...). Em política, os alemães pensaram o que  
as outras nações fizeram. A Alemanha foi a sua consciência teórica. A  
abstração e a presunção da sua filosofia seguiam lado a lado com o  
caráter unilateral e atrofiado da sua realidade (MARX, 2005, p. 151).  
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Apesar desses lineamentos de Marx sugerirem a Alemanha como caso clássico  
do idealismo especulativo precisamente por suas condições regredidas, atrofiadas, não  
é uma posição tão explícita quando o foi para o caso da classicidade do modo de  
produção capitalista na Inglaterra à luz de O capital.  
Essa é uma constatação que todo estudioso isento se vê obrigado a fazer. Mesmo  
a busca de Lukács por fundamentação nas observações de Engels (2010, p. 475;  
1959, p. 348), a respeito do método lógico e histórico executado por Marx em  
Contribuição à crítica da economia política, teve que necessariamente remeter à análise  
do modo de produção em sua “plena maturidade, sua forma clássica” e não,  
explicitamente, à classicidade das formações ideais.  
A questão em tela é o reconhecimento de uma derivação do caso clássico do  
desenvolvimento do modo de produção capitalista para a designação da classicidade  
da ideologia tal como operada pelo filósofo magiar. Essa derivação não traz consigo  
qualquer invalidação ou obstrução. Ao contrário, abre para questões relevantes à  
análise de gênese das formações ideais e as decorrentes problemáticas para a  
classicidade das ideologias sem, porém, produzir uma identidade necessária entre  
gênese e caso clássico. Esse último aspecto esteve bem claro a Lukács quando indicou  
que o fascismo teve gênese na Itália, mas encontrou maior desenvolvimento na  
Alemanha.  
Uma dessas questões a serem consideradas, ainda que já aludida, é o duplo  
aspecto qualitativo da classicidade. De um lado, a consideração da reunião dos  
principais fatores objetivos habilitadores da determinação do caso clássico em sentido  
avançado e, de outro lado, em sentido regredido. Os estudos de gênese tanto do  
irracionalismo alemão quanto do integralismo no Brasil, por exemplo, extraíram as  
explicações para tais formações ideais (vertidas em ideologia ou não, não importa) a  
partir das condições atróficas e hipertróficas da objetivação do capitalismo em cada  
uma das particularidades envolvidas respectivamente. As chamadas via prussiana e via  
colonial, cada qual com suas especificidades a despeito de semelhanças,  
corresponderam precisamente às objetivações capitalistas tardias, em meio ao atraso,  
e sem os processos transformadores testemunhados na Inglaterra e na França, por  
exemplo, considerados como via clássica de tal objetivação.  
Não é pouca coisa, entretanto, sublinhar que a correspondência entre uma  
formação ideal e a regressividade objetiva das condições materiais em uma  
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particularidade decorre, nos casos aludidos, da investigação de objetos ideológicos  
específicos. A derivação da classicidade da ideologia tendo por eixo o caso clássico  
do modo de produção garante, por coerência, a possibilidade da análise de formações  
ideais correspondentes às condições objetivas mais avançadas. Do contrário, induziria  
à percepção, de resto equivocada, segundo a qual os objetos ideológicos  
necessariamente são colocados invariantemente como doutrinas adversárias, a serem  
combatidas, denunciadas. Essa é uma consideração relevante.  
Outra questão fundamental vai além da suposição de que a classicidade é apenas  
o arranque, coisa congelada e sem movimento. A despeito do fato de que o caso  
clássico do irracionalismo se materializou na Alemanha, particularidade histórica na  
qual foram esboçados os traços específicos, o irracionalismo é um “fenômeno  
internacional” tanto “na sua luta contra o conceito burguês de progresso, quanto  
também na luta contra o socialismo” (LUKÁCS, 2020, p. 20). Tratou-se de uma  
tendência identificável antes da primeira grande guerra, atingindo “formas altamente  
desenvolvidas em quase todos os países que ocupam as principais posições no  
período imperialista” (p. 21). Entretanto, em cada particularidade desdobraram-se  
modos diversos de sua ocorrência, sempre sob dependência das condições históricas  
concretas. Existem, portanto, traços específicos de cada ocorrência, dado o “processo  
de desenvolvimento desigual do imperialismo” (p. 21), mas também os traçados de  
identidades em consequência da circunstância de que em todos esses centros  
constituíram-se elementos comuns dessa mesma economia imperialista. Por isso vale  
o registro de que “necessidades ideológicas semelhantes, determinadas como tais pela  
economia imperialista, produzem, em condições sociais concretas distintas, variantes  
bem diferentes e até mesmo, se observadas superficialmente, contraditórias entre si”  
(p. 21). Assim, vemos o processo de difusão do irracionalismo desde o caso clássico  
alemão, atingindo, por exemplo, o intuicionismo na França (Bergson) e o pragmatismo  
nos Estados Unidos (James).  
Indo além dessa difusão, a lição preventiva de Marx sobre a classicidade do modo  
de produção na Inglaterra é perfeitamente aplicável à classicidade das formações  
ideais. Na medida em que a “localização clássica” desse modo de produção foi “até o  
momento, a Inglaterra” da década de 1860, deslocando-se adiante para os Estados  
Unidos no século XX, é coerente considerar, por extensão e como possibilidade, o  
caráter movente da classicidade das formações ideais.  
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Para isso, entretanto, não temos à disposição exemplos deixados pelos mestres.  
Devemos recorrer, para esse fim, à uma breve hipótese de trabalho sobre a ideologia  
do desenvolvimentismo a partir da inicial coleção de materiais. Seu núcleo guarda a  
missão social com tonalidade nacionalista de simultaneamente acelerar o processo de  
acumulação do capital e aplacar o conflito classista, sobretudo nas particularidades  
históricas de condições objetivas regredidas. Assim, é possível sublinhar sua gênese  
entre os protecionistas alemães, na figura emblemática de Friedrich List. A hipótese, a  
partir de certas evidências colecionadas, diz respeito à localização clássica da ideologia  
desenvolvimentista na Alemanha do período bismarckiano, porquanto estariam  
reunidos, dadas as bases sociais específicas, muitos aspectos bastante desenvolvidos  
tais como o industrialismo, legislações sociais, apelo nacionalista antirrevolucionário,  
sob as vestes de um prussianismo-burocrático refratário a qualquer socialização  
democrática (LUKÁCS, 2019). Tudo isso correspondente ao atraso alemão.  
Há muitas evidências históricas de que essa ideologia obteve eficácia se  
considerado o rápido avanço econômico, pelo menos, da Alemanha frente aos países  
mais avançados, como registram as mais diversas fontes históricas. Essa ideologia  
ramificou-se, no século XX, primeiro aos países do leste europeu até a Rússia e, depois,  
aos países latino-americanos. Naqueles, a ideologia teve curta duração uma vez que o  
caminho revolucionário foi trilhado e com os desfechos registrados na história. Mas na  
América Latina, sobretudo na Argentina e no Brasil, a ideologia obteve condições  
muito mais favoráveis de florescimento e efetividade diante da premente  
industrialização muito tardia em meio a conturbado processo de acomodação, pelo  
alto, do conflito social, em condições bélicas das quais não se pôde extrair alternativas  
expansionistas a tais países subordinados. Todas as condições retardatárias  
encontravam-se reunidas, com a diferença de que o colonialismo escravagista impunha  
particularidades importantes que não devem ser ignoradas. O desenvolvimentismo  
encontrou na via colonial de objetivação do capitalismo, como tal, uma trilha não  
expansionista e não revolucionária. Nesse último aspecto, tratou-se de acomodação  
do poder “pelo alto” entre agrarismo e industrialização fechada à participação popular.  
Encontrou por essa via certas condições para a mobilização de uma ideologia  
correspondente ao atraso, porém, modernizante dentro dos horizontes burgueses e  
com considerável protagonismo estatal. É notória a influência que essa ideologia  
obteve nesses países, sobretudo no desenho de políticas econômicas e sociais de  
ampla duração (inclusive sob as vestes mais recentes de um chamado  
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neodesenvolvimentismo, o que comprova quão longeva é essa ideologia e seus efeitos  
nas condições nacionais de integração subordinada ao mercado mundial).  
Portanto, a hipótese aventada é aquela segundo a qual a classicidade da  
ideologia em questão foi concretamente deslocada da Alemanha para a América Latina,  
com destaque ao Brasil. Essa possibilidade de deslocamento não deve ser ignorada  
na análise de gênese e da classicidade das formações ideais, levando-se em conta,  
como dissemos antes, a não exigência de identidade congelada entre gênese e caso  
clássico. Antes de tudo, a realidade objetiva é movimento, processo de lógica própria,  
como ensinou Marx, e, como tal, deve ser a fonte da palavra final.  
Vale o exemplo negativo do integralismo à hipótese do deslocamento. Podemos  
admitir que tal formação ideal, que jamais chegou a ser efetivamente vertida em  
ideologia (com eficácia e duração), teve gênese como fenômeno típico do processo de  
objetivação capitalista pela via colonial. Foi, como dissemos, resultante das  
regressividades nacionais. Estiveram reunidas as condições propícias àquela formação  
ideal, de talhe ruralista, expressando uma “crítica regressiva do liberalismo” (CHASIN,  
1978, p. 551). Não apenas foram condições propícias para a gênese, mas também  
para a designação de sua classicidade. Aqui, nesse caso, gênese e caso clássico  
parecem se identificar e não há, até o momento, evidências de deslocamento do  
integralismo para outros países, mesmo porque, como tudo indica, permaneceu como  
ideologia apenas em potência.  
Mas, como em qualquer caso, vale sempre o concreto e não uma teoria geral das  
ideologias. Essa lição é retirada da constatação de outra questão relevante para a  
análise de gênese a partir do estudo do irracionalismo alemão. Vimos que sua  
localização clássica foi a Alemanha. Difundiu-se em seguida, tornando-se “fenômeno  
internacional” ainda que não homogeneamente na medida do desenvolvimento  
desigual das economias imperialistas de então. Há evidências, entretanto, de que  
certas formações ideológicas de relevo eclodiram como fenômeno internacional de  
nascença.  
Tudo indica ser o caso, por exemplo, da economia política clássica. Marx (2013,  
p. 438) escreveu que ela teria surgido “como ciência própria no período da  
manufatura”, isto é, como específica forma de consciência científica. Considerou que  
sua gênese teve arranque na Inglaterra, com William Petty, e na França, com  
Boisguilebert” (MARX, 1961, p. 37; 2010, p. 292. Cf. também MARX, 2011, p. 27).  
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Em nota acrescentou que um trabalho comparativo sobre os escritos e personalidades  
de Petty e Boisguillebert, além de destacar os antagonismos sociais da Inglaterra e da  
França no final do século XVII e início do século XVIII, poderia ser a exposição genética  
do contraste nacional entre a economia política inglesa e francesa” (MARX, 1961, p.  
37-38). Salvaguardadas as diferenças, as condições gerais do período em ambos os  
países forneceram o “terreno vivo da economia política” (MARX, 2013, p. 84) e  
possibilitou o desenvolvimento daquela formação ideal.  
Devemos recorrer a outro exemplo complementar sintético. Há alguma discussão  
quanto à pureza do chamado “neoliberalismo” praticado pelas economias centrais  
desde o final da década de 1970 por haver evidências de hibridismo prático entre  
keynesianismo-escola austríaca-escola de Chicago na condução das políticas  
econômicas. Esse hibridismo decorreu do fato da renovação do liberalismo nos anos  
de 1930 que garantiu uma comunidade de princípios fundamentais acerca da  
conservação do capitalismo ainda que contrariamente à afetação de seus ideólogos  
mais destacados , mas com divergências, de superfície, quanto ao método de  
administração política do capital (PAÇO CUNHA, 2022b). Nesses termos, o  
“neoliberalismo” acomodou constitutivamente variantes renovadas do liberalismo  
diante da ortodoxia liberal e da alternativa socialista, divergindo sobre como produzir  
as melhores condições de expansão permanente do capital sob a administração ad  
infinitum das contradições envolvidas. Uma dessas variantes foi composta pela  
formação ideal que ganhou contornos mais acabados na experiência da Mont Pelèrin  
Society, inicialmente sob direção do professor Hayek, e depois efetivamente como  
elemento no hibridismo prático aludido. A análise de sua gênese sugere uma  
plataforma transnacional, no entanto, e não uma localização singular. Há evidências de  
uma articulação transatlântica para o seu desenvolvimento (MIROWSKI; PLEHWE, 2009,  
REINHOUDT; AUDIER, 2018).  
Com esses dois exemplos (da economia política clássica e do “neoliberalismo”)  
queremos sugerir que a classicidade das formações ideais e das ideologias pode não  
ter uma localização única, em “um só país”, mas múltipla, isto é, internacional de  
partida.  
Uma vez mais, a não identidade necessária entre gênese e caso clássico, o  
deslocamento da classicidade e a possibilidade da multiplicidade envolvida, ampliam  
as chances de investigação em determinação social do pensamento por ensejo das  
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nova fase  
Problemas selecionados em determinação social do pensamento  
vastas contribuições indicadas.  
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Depois das considerações realizadas e tendo observado alguns aspectos  
centrais, é imperativo registrar que a seleção aqui apresentada dos problemas em  
determinação social do pensamento não é exaustiva. Tampouco o é aquele tratamento  
dado a eles. O propósito foi sugerir problemas avançados no caminho ao cume  
escarpado. As melhores chances começam com identificação de alguns deles.  
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Elcemir Paço Cunha  
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Como citar:  
PAÇO CUNHA, Elcemir. Problemas selecionados em determinação social do  
pensamento. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 1, pp. 123-146, Edição Especial,  
2022/2023.  
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