Como bem analisa Enderle:
O esforço de Marx em Kreuznach rendera-lhe a preciosa noção de
"autodeterminação da sociedade civil". Subsistia, no entanto, uma
grave insuficiência: a contradição entre estado e sociedade civil
permanecia nos quadros de um problema de ordem política, uma
deficiência localizada no terreno da "vontade". Imediatamente após a
Crítica, nos
Anais Franco-alemães
, Marx tratará de superar essa
posição. A gênese da alienação política será detectada no seio da
sociedade civil, nas relações materiais fundadas na propriedade
privada. Consequentemente, não se tratará mais de buscar uma
resolução política para além da esfera do estado abstrato, mas sim
uma resolução social para além da esfera abstrata da política. Na
Crítica, Marx encontrou seu objeto. Faltava desvendar sua "anatomia”.
(2005, p. 26)
Ou seja, a partir de um certo momento do texto de Marx, o estado deixa de ser
uma presença espiritual, pairando sobre a sociedade civil, e esta "espiritualidade
universal" passa a ser entendido como uma necessidade vinculada aos interesses
materiais da sociedade civil. De acordo com Chasin,
em contraste radical com a concepção do estado como demiurgo
racional da sociabilidade, isto é, da universalidade humana, que
transpassa a tese doutoral e os artigos da GR, irrompe e domina
agora, para não mais ceder lugar, a “sociedade civil” – o campo da
interatividade contraditória dos agentes privados, a esfera do
metabolismo social – como demiurgo real que alinha o estado e as
relações jurídicas (CHASIN, 1995, p. 362).
A partir dessa consideração, Marx distingue entre o que seja a "emancipação
política" e a "emancipação humana", distinção que aponta para os limites da primeira,
enquanto forma parcial da liberdade, uma vez que
O estado político aperfeiçoado é, por natureza, a vida genérica do
homem em oposição à sua vida material. Onde o estado político
atingiu o pleno desenvolvimento, o homem leva, não só em
pensamento, na consciência, mas na realidade, na vida, uma dupla
existência – celeste e terrestre. Vive na comunidade política, em cujo
seio é considerado com ser comunitário, e na sociedade civil, onde
age como simples indivíduo privado, tratando os outros homens como
meios, degradando-se a si mesmo em puro meio e tornando-se
joguete de poderes estranhos. (MARX, 1989, p. 45)
Resgatadas essas passagens de Marx, podemos compreender melhor o termo
cunhado por Chasin de uma "determinação ontonegativa da politicidade", que aponta
no sentido de que a política não é um atributo intrínseco ao ser humano, mas sim que
ela é gerada como um subproduto de uma sociabilidade “antissocial”.
Para Marx, cobrar do estado uma efetivação de seu conteúdo universal é cobrar
a sua extinção, uma vez que ele se sustenta sobre a contradição entre o público e o