ISSN 1981-061X, v. 28.1, “30 anos de
O futuro ausente
- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023
Verinotio
nova fase
Editorial
Vitor Bartoletti Sartori
Publicamos o atual número no momento em que a esquerda brasileira comemora
o início do terceiro mandato de Lula. Do ponto de vista da maioria daqueles que
apoiaram a candidatura, qualquer tom crítico quanto ao presente poderia parecer
“fazer o jogo da direita”; a primeira coisa a se dizer é: não nos enquadramos entre
esses setores. Este número duplo da
Verinotio
(relativo ao segundo semestre de 2022
e ao primeiro de 2023) é uma denúncia da miséria intelectual em que nos encontramos
hoje. E, assim, essa publicação que sai ao mesmo tempo em que o primeiro livro das
Edições Verinotio,
O futuro ausente
, de J. Chasin parte da convicção que a capitulação
diante do presente está no cerceamento da crítica e em fechar os olhos diante da
ausência de perspectivas e de posicionamentos teoricamente fundamentados.
É necessário dizer de modo explícito: as chamadas esquerdas foram essenciais
para a derrota eleitoral e destacamos o “eleitoral” do projeto de extrema-direita
de Bolsonaro, dos militares etc. Isso não é pouco, certamente. Sem o protagonismo
daqueles à esquerda, a vitória bolsonarista seria certa. Nesse sentido, tem-se um
respiro.
O respiro diante de uma situação sufocante, porém, traz também a urgente
necessidade de preparação para o que se segue e que ainda precisa ser compreendido
com cuidado. Ou seja, o alívio imediato não pode se confundir com o caminho para
que se rompa com a miséria material e intelectual que marca o Brasil e o mundo atuais.
A embriaguez com a vitória eleitoral corre sempre o risco de encobrir a derrota social
a que a perspectiva do trabalho vem sendo submetidas diuturnamente muito tempo.
Nesse sentido, a atitude mais perigosa no momento é acreditar que, agora, as coisas
se colocam nos eixos, depois de um desvio meramente circunstancial. Tal ilusão pode
ser muito perigosa. Acreditamos que este número duplo da revista também é um alerta
sobre isso, e sobre o modo insuficiente, por vezes descuidado, pelo qual pensamos
(nós todos inclusos, evidentemente) o modo de produção capitalista em sua figura
contemporânea.
DOI 10.36638/1981-061X.2020.28.1.677
Editorial
VIII | ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. VII-X - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023
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nova fase
Os textos da presente
Verinotio
estão divididos em três sessões: 1) dossiê sobre
O futuro ausente
, de J. Chasin; 2) Tradução de um texto de Walter Benjamin sobre a
literatura soviética posterior à Revolução Russa de 1917; 3) Artigos de tema livre. Os
textos falam por si mesmos, de modo que não cabe resumi-los ou explaná-los nesse
espaço. Porém, há de se destacar alguns pontos mais gerais sobre a nossa orientação
editorial.
O primeiro deles é a necessidade de publicação dos clássicos do marxismo, como
Walter Benjamin. Mesmo que a revista não se alinhe diretamente com a teorização
benjaminiana, é necessário reconhecer a qualidade do autor, sua seriedade e o
comprometimento de seus textos com a escavação da realidade do capitalismo. Ou
seja, o clubismo, o Fla-Flu”, inerente a grande parte da academia nacional e
internacional, não pode ter espaço quando se trata de tentar manter o primor na
qualidade editorial.
Segundo ponto: a discussão e o embate de qualidade precisam ser estimulados.
Os dois textos de tema livre que publicamos tratam de debates estéticos, os quais
poderiam ser julgados muito distantes das classes trabalhadoras; e, novamente, é
preciso pontuar: não compartilhamos de quaisquer ímpetos imediatistas quanto à
função social das formações ideais. Somos partidários dos debates de qualidade sobre
os grandes problemas que marcam os rumos do gênero humano, como aqueles
colocados na arte.
Por fim, deve-se dizer que, no dossiê que aqui publicamos, o presente número
traz debates que partem das teorizações de J. Chasin. Trata-se de um autor que muitas
vezes é criticado sem qualquer conhecimento sobre sua obra. Não raro, confunde-se,
por exemplo, determinação ontonegativa da politicidade com o abandono da política,
com o abstencionismo e com uma espécie de consciência infeliz (mesmo que os
detratores do autor, não raro, nem sequer saibam alguma coisa sobre essa figura
mencionada). Sobre isso, acreditamos que qualquer pessoa que se disponha a ler esse
número e o livro
O futuro ausente
percebe que tais posicionamentos carecem
completamente de fundamento.
Os textos aqui reunidos mostram como as determinações do pensamento
chasiniano estão, em seus fundamentos, no próprio Marx. E mais: o nas obras
dos anos 1843-44, para as quais os marxistas althusserianos torcem o nariz, mas
também em textos como os
Grundrisse
,
A guerra civil na França
e
O capital
, dentre
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outros. Que seja possível discordar disso, não achamos impossível. Porém, para fazer
isso, é necessário confrontar as citações marxianas, o estudo do pensamento de Marx
e os desenvolvimentos que foram propiciados pela pessoa e pela obra de Chasin, bem
como por aqueles que o seguiram.
Até agora, no entanto, a tática adotada diante do filósofo paulista e de suas
teorizações foi quase unânime: trata-se de uma conjunção de ataque a um espantalho
dolosa e vergonhosamente construído e da guerra do silêncio, que, não raro, passa
longe de ser inocente. Ou seja, para dizer o mínimo: o rechaço da posição chasiniana
não foi realizado com honestidade intelectual e com o crivo do debate público de
qualidade.
Dentre outras coisas, acreditamos que esse debate que precisa ser resgatado; a
regeneração (para que se use uma expressão de Marx, que quase nunca é lembrada)
dos embates de qualidade na esquerda é uma necessidade do presente. Sem ela, na
melhor das hipóteses, gira-se em falso, enquanto a direita e extrema-direita ganham
fôlego, ocupam espaços e tomam a dianteira na formação de uma consciência de
massa. Se o velho mouro disse que é necessária a formação de uma consciência
comunista de massa, é preciso que reconheçamos que estamos muito longe disso.
Certamente, isso ocorre devido à configuração do capitalismo atual, que ainda precisa
ser compreendido devidamente. Porém, dentro dessa configuração, estão também as
posições desenvolvidas à esquerda. Até agora, elas vêm sendo parte do problema, de
modo que Chasin foi duro: trata-se da pseudoesquerda, da esquerda morta. Talvez
seja preciso digerir essa enorme derrota sem nunca recair em abstencionismo para
que possamos avançar.
Para que isso seja possível, de se destacar, também, como os textos aqui
trazidos deixam claro: desenvolvimentos originais do autor de
Marx:
estatuto
ontológico e resolução metodológica que precisam ser debatidos. Seria possível trazer
vários exemplos, mas o momento atual de nosso país faz com que mencionemos a
teorização chasiniana sobre a miséria brasileira. Ela tem especificidades que fazem
com que precise ser estudada a fundo; também é uma exclamação contra a adoção
acrítica de modelos prontos para se tratar da realidade e da particularidade nacional
do capitalismo brasileiro.
Por isso, acreditamos que a leitura do presente volume duplo, bem como de
O
futuro ausente
, pode ser uma modesta contribuição diante da situação em que se
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encontra o Brasil. Debates teóricos de qualidade, estudo da obra do próprio Marx,
bem como dos clássicos, compreensão do ser-propriamente-assim do capitalismo
contemporâneo, nacional e internacional, são o mínimo para que possamos avançar.
Caso fiquemos repetindo as cantilenas do passado e torcendo para que finalmente
tenham efeito, não nos diferenciaremos muito de religiosos, na melhor das hipóteses,
heréticos. Também não teremos moral alguma para criticar aqueles que procuram
retomar de modo acrítico ídolos do passado e momentos do passado. É preciso atacar
a tentativa de resgatar a ditadura militar de 1964, bem como os militares: é óbvio.
Porém, fazer isso com uma espécie de oscilação entre a esperança e o medo, oscilação
essa que se nutre da nostalgia quanto aos momentos supostamente áureos da
esquerda do século XX é, no mínimo, ilusório. Não queremos simplesmente jogar um
balde de água fria naqueles que estão esperançosos quanto ao presente; intentamos
o mínimo que se pode exigir da esquerda: autocrítica, debate de qualidade,
compreensão fundamentada sobre o passado e sobre o presente e, por fim, um
posicionamento firme contra o sistema capitalista de produção. Tomar os anos de
2002 a 2016 como um modelo é a antítese direta disso. Tentar simplesmente resgatar
os bons tempos do marxismo do século XX também não é solução. Para que se possa
refletir sobre um futuro ausente, sobre a crítica da política e a necessidade da luta pela
emancipação humana, oferecemos ao público o presente número, bem como o texto
de J. Chasin.
Belo Horizonte, março de 2023