DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.684  
A força de trabalho como forma de ser:  
protoforma da individualidade do Capital em Marx  
The workforce like form of being:  
protoforme of capital’s individuality in Marx  
Antônio José Lopes Alves*  
Resumo: No presente artigo se apresenta uma  
análise do conceito marxiano de força de  
trabalho como uma categoria, um referente ideal  
geral de natureza teórica, cuja elaboração por  
Marx potencialmente faculta o rastreamento de  
traços essenciais para a compreensão crítica do  
caráter particular assumido pela individualidade  
nos contornos das formas de sociabilidade do  
capital. Nesse sentido, a discussão dos textos  
marxianos, bem como de obras de outros  
autores que abordam o tema ou questões  
conexas a este, tem como objetivo enumerar  
analiticamente, de modo indiciário, as  
determinações que fazem da força de trabalho  
livre individual existente como mercadoria do  
capital uma verdadeira protoforma ou  
“paradigma” da individuação a partir da  
modernidade. Para tanto serão tratados quatro  
conjuntos conceituais, vetores da trajetória desse  
tipo histórico de elaboração social da  
individualidade, conforme pode se depreender  
do estudo das obras de Marx aqui abordadas: 1)  
a força de trabalho como Daseinsform do capital  
e força de sua produção; 2) o modo particular de  
alienação da força de trabalho (Veräußerung); 3)  
o caráter complexo do “objeto” do qual o capital  
se apropria; e 4) a relação que o indivíduo tem  
consigo mesmo como proprietário privado de  
força de trabalho.  
Abstract: This article presents an analysis of the  
Marxian concept of workforce as a category, a  
general ideal referent of a theoretical nature,  
whose elaboration by Marx potentially provides  
the tracing of essential traits for the critical  
understanding of the peculiar character  
assumed by individuality in the contours of  
forms of sociability of capital. In this sense, the  
discussion of Marxian texts, as well as works by  
other authors who address the theme or issues  
related to it, aims to analytically enumerate in  
an evidentiary way the determinations that  
make the individual free workforce existing as a  
commodity of capital a true protoforme or  
“paradigm” of individuation from modernity. To  
do so, four conceptual sets that vectors of the  
trajectory of this historical type of social  
elaboration of individuality will be treated, as  
can be deduced from the study of Marx's works  
discussed here: 1) the workforce as a  
Daseinsform of capital and the force of its  
production; 2) the particular mode of alienation  
of the workforce (Veräußerung); 3) the complex  
character of the “object” which capital  
appropriates; and 4) the relationship that the  
individual has with himself as a private owner of  
workforce.  
Keywords: Workforce, Capital, Individuality,  
Marx, Categorical Criticism.  
Palavras-chave: Força de Trabalho, Capital,  
Individualidade, Marx, Crítica Categorial.  
Introdução  
O presente artigo tem por tema o caráter de paradigma ou de protoforma que  
apresenta a categoria marxiana força de trabalho para o entendimento das  
determinações mais essenciais da forma social de existência da individualidade no  
*
Doutor em Filosofia, professor titular da UFMG, onde atua como docente no COLTEC, PPGE-FaE e  
PROMESTRE-FaE: ajlopesalves@gmail.com.  
Verinotio  
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A força de trabalho como forma de ser  
contexto da interatividade produtiva do capital e das formas de sociabilidade que lhe  
são correspondentes.  
Esta explicitação filosófico-categorial da força de trabalho, conceito-chave para a  
compreensão tanto do itinerário de elaboração do pensamento de Marx quanto da  
estruturação objetiva da realidade social, está vinculada a desenvolvimento de projeto  
de pesquisa. Intitulada Força de Trabalho, Individualidade e Capital, a ampla proposta  
de investigação conceitual e empírica é efetivada no contexto da atuação do autor  
como docente e orientador acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Educação  
da Universidade Federal de Minas Gerais. Ao projeto, por sua vez, relacionam-se outras  
iniciativas na forma de pesquisas de estudantes de ensino médio, graduação e pós-  
graduação, bem como de pesquisadores associados, cujos trabalhos se realizam sob  
os auspícios da universidade acima referida. Este projeto, inclusive por seu objeto  
inicial e principal de estudo e interrogação, a existência das potências de objetivação  
humana na forma de ser social da mercadoria capitalista força de trabalho, é uma  
iniciativa de caráter eminentemente transdisciplinar, abrangendo diversos campos de  
saber e conhecimento da área de humanas e sociais, tais como, além de educação e  
filosofia, antropologia, direito, economia e psicologia, ademais possui interface de  
contato com disciplinas de outras áreas do conhecimento e da prática, tanto das  
ciências da natureza (biologia e medicina social, em especial) quanto das tecnologias  
(como engenharia de produção, por exemplo).  
O esforço teórico que se leva a efeito neste trabalho possui um caráter conceitual,  
de identificação rigorosa de bases conceituais que podem servir ao desdobramento  
de questões teóricas relacionadas e de arrimo à aproximação empírico-crítica da  
realidade social cujos temas lhe são atinentes. Assim, o que se intenta aqui é discutir  
o caráter categorial da força de trabalho, em sua espessura de Daseinsform,  
Existenzbestimmung, conforme indicação fornecida pela própria obra marxiana (MARX,  
1983, p. 39-40, 80-81). No contexto delineado pelos parâmetros marxianos, as  
categorias, no que se refere ao conhecimento da realidade objetiva, têm um duplo  
estatuto de existência, existem tanto no cérebro, como Gedankenformen ou  
Gedankenkonkretum, formas de ideação, que são, precisam ser, apreensões de  
Daseinsformen objetivamente dadas na realidade “fora cabeça” (MARX, 1983, p. 36-  
40). Por conseguinte, o tratamento não é do termo conceitual como puro elemento  
teórico pertencente primeira e, menos ainda, unicamente ao escopo de uma elaboração  
ideal. Trata-se de tomá-la de maneira a que apareça, segundo a particularidade própria  
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de cada dimensão, ambos os aspectos em articulação, por isso, o termo categorial. A  
categoria tem assim sua medida para-além e para-aquém do conceito particular de um  
domínio qualquer do conhecimento. É um referencial geral, um delineamento teórico,  
um parâmetro, que obviamente, dentro de uma configuração que se pretenda  
materialista, tanto a de Marx quanto a que se intentará exercitar, exige também seu  
reexame constante à luz da diversidade dinâmica e histórica do objetivamente  
existente, o particular e o finito que define o ente e as formas objetivas de ser.  
Por isso, não se trata, contrariamente, em abstrato, de “extrair” ou “deduzir”  
formações particulares da categoria força de trabalho, mas de considerar seu estatuto  
de referente geral para o entendimento da particularidade da forma de individuação  
específica ao capital. É neste sentido bem delimitado que se dá a remissão às noções  
de “paradigma” ou protoforma (LUKÁCS, 2013, p. 88-89), como um referente genérico  
que apresenta em si, de modo sintético, articulado numa totalidade unitária de  
diferentes determinações, um conjunto de traços que caracterizam um ente em uma  
forma de ser particular, uma forma objetiva de existência ou uma inflexão processual.  
No caso, a categoria marxiana de força de trabalho, ao examiná-la analiticamente,  
parece facultar a aproximação crítica para a necessária compreensão do caráter  
peculiar que a individualidade humana assume no contexto do modo de produção  
capitalista e da sociabilidade que preponderantemente corresponde a este modo de  
produzir a vida.  
A elaboração dessa categoria, ademais, se revestiu de importância decisiva para  
o desenvolvimento teórico de Marx (MORILHART, 2017, p. 67-81), (NAPOLEONI,  
1978, p. 128-142). Uma vez que somente a distinção entre a) força de trabalho viva,  
b) trabalho como atuação e c) o resultado em valor desta atuação, permite entender  
como se dá o fenômeno da produção do excedente como riqueza. A riqueza não é  
mais um excedente da produção em relação a um consumo geral e sim com relação a  
um consumo de valor despendido no ato de alienação/aquisição de um usufruto de  
capacidade. Esta aquisição dá direito de factum ao proprietário capitalista dos meios  
de produção à apropriação de mais-tempo/mais-valor produzido em relação àquele  
pago pelo acesso ao valor de uso da Arbeitskraft em todas as suas dimensões  
facultado pela alienação de tipo Veräußerung.  
Essa operação específica de alienação na qual o sujeito que aluga suas  
Arbeitsvermögen constitui o fundamento de sua pessoalidade potencial e efetiva, daí  
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a liberdade "de" trabalho ser também uma pressuposição que se expressa inclusive  
juridicamente; a existência como pessoa de forças de trabalho que se encontram enfim  
"libertadas" de suas condições de objetivação (como Marx ironicamente frisa "livres  
como os pássaros") (MARX, 1993, p. 803-808). Apesar da ironia objetiva da situação,  
as novas modalidades de estranhamento para com as condições de objetivação  
existentes como capital constitui uma liberação relativa porquanto as personæ do  
trabalho existiam predominantemente submergidas e submersas no conjunto das  
condições objetivas de produção em formas anteriores e diferentes daquelas do  
capital. À esta liberação frente às condições corresponde a separação essencial e  
inescapável em relação a elas, a existência do trabalho objetivado como trabalho  
estranhado, como capital. A existência da pessoalidade como atributo em geral  
somente é possível de viger porquanto seja também um apanágio daqueles sem  
propriedade, muito embora sua aparição no mercado se travista com as indumentárias  
dos livres cambistas. O trabalhador, mais precisamente a força de trabalho viva que  
ele representa, existe num ato só então em-si, para-si, por-si e contra-si. Em-si como  
imanência corpórea imediata de suas qualidades cujo movimento pode se expressar  
em efeitos produtivos. Para-si como sujeito que dispõe de si na forma de um ente  
humano cuja atribuição de atividade não é mais, a princípio, assunto de mais ninguém.  
Por-si porquanto possua nessa condição objetiva a faculdade concreta e primária de  
continuar a existir. Contra-si porque a realização de sua livre disposição significa  
cessão de direito à atuação objetiva de suas potências e a criação de riqueza  
estranhada em sua máxima potenciação, um mais-tempo de trabalho que é apropriado  
sem troca e convertido num poder sobre ele próprio, sob a mediação de sua própria  
atuação.  
Apesar de uma aparência de “datação” do tema da força de trabalho e de suas  
relações dentro do complexo capitalistas de relações sociais de produção, de sua  
existência mesma como um elemento do processo social de produção do capital, é  
possível constatar, tanto na realidade social quanto no interior da academia um  
renovado interesse por sua dimensão conceitual, bem como das temáticas que podem  
ser relacionadas a ela. E isto, não somente na tradição circunscrita pelo pensamento  
que declara herdeiro daquele de Marx, mas mesmo no contexto de correntes e  
pesquisas que retomam a aparência livre da subsunção do trabalho ao capital como  
fundamento da sociabilidade e da própria liberdade dos indivíduos. Em especial, pode-  
se referir aqui a duas obras recentes, produzidas no âmbito acadêmico germânico que  
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ora flertam com a forma liberal de abordagem da temática ora remetem,  
implicitamente, à interpretação hegeliana da pessoa livre proprietária privada de si  
como fundamento insuperável da pessoalidade. Jürgen Ritsert em seu Gerechtigkeit,  
Gleichheit, Freiheit und Vernunft (2012) toma a igualdade em seu aspecto moderno  
como a realização de si dos indivíduos, não obstante tenha de ser complementada  
pela atuação da razão como política. Christian Schmitd, em sua obra de 2006,  
Individualität und Eigentum, pretende estatuir explicitamente o terreno da  
individualidade, e das formas pelas quais essa figura humana pode se realizar no  
mundo, expressando-se, objetivando-se, a partir de sua conexão com a propriedade  
privada como forma social essencial, inclusive referindo a propriedade de si mesmo  
como força de criação sob a forma de um fundamento irreversível do indivíduo. Contra  
o que pode ser considerado um tipo de desvio utópico do século, caberia recuperar  
de maneira diferenciada, “crítica”, esse fundamento da liberdade como tal.  
Entendimento de seu empreendimento teórico que é, ademais, anunciado pelo  
subtítulo da própria obra: Zur Rekonstruktion zweier Grundbegriffe der Moderne, Para  
reconstrução dos conceitos fundamentais da modernidade. Frente a isso, a retomada  
da forma pela qual Marx originalmente apreende e pensa a efetividade da  
individualidade produtora de si e de seu mundo nas formas correlatas da alienação e  
do estranhamento, bem como a exprime categorial e teoricamente, para compreender  
o caráter real da individualidade do capital, evidencia-se como uma tarefa necessária.  
Tanto teórica quanto praticamente. Teoricamente, para patentear seu potencial  
heurístico e no nível da prática, para subsidiar aproximações à particularidade  
contraditória atual da sociedade capitalista que não reduzam seu escopo a uma mera  
forma “corretiva” de supostas “anomias” de natureza “funcional” ou “pragmática”.  
Iniciando o tratamento das questões relativas à categoria marxiana força de  
trabalho é importante situar, antes de tudo, o que se entende pelo próprio termo  
conceitual em sua contextura propriamente categorial. Ou seja, para aquém e para  
além de um conceito ou ideia-chave de um approach particular, cabe delimitar o seu  
sentido como referencial ideal de caráter geral, que permite o remetimento de  
problemas e desafios teóricos específicos ao quadro da totalidade da produção social.  
Categoria como acima se referiu é, no pensamento marxiano, Daseinsform,  
Existenzbestimmung, suscintamente, forma de ser, determinação de existência, a qual  
sempre em relação a outras, portanto, no quadro de uma miríade de formas sociais de  
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existência, participa da articulação que delimita um dado real finito; no nosso caso,  
uma totalidade de relações sociais de produção e produção da vida humana  
historicamente determinado. Nesse sentido, a força de trabalho, simultaneamente à  
sua função heurística circunscrita pela crítica teórico-ontológica de Marx às  
formulações da economia política, em especial, no que se refere à questão da  
determinação da natureza do excedente, possui igualmente uma outra, aquela de  
remeter o problema como tal às diversas dimensões da totalidade social. Por  
conseguinte, como categoria, a força de trabalho pode ser abordada também a partir  
do tratamento marxiano, ela mesma como um referencial que auxilia na apreensão e  
no entendimento de diversos níveis e graus de constituição dos indivíduos vivos e  
ativos, que em torno de seu intercâmbio social se elaboram como tais. A força de  
trabalho, assim, permite vislumbrar um conjunto de nódulos ônticos ou determinações  
essenciais que delimitam a forma mesma da individualidade a ela remetida (seja de  
seu vendedor, seja a de seu comprador), iluminando certas mediações constitutivas  
dessa figura no contexto societário do capital.  
Para tanto, as análises e discussões da Arbeitskraft intentarão descortinar o  
caráter peculiar desta forma de ser em sua tipicidade concreta, conforme sua existência  
e vigência sociais no processo de produção do capital e das formas de sociabilidade  
que lhe correspondem.  
De início, ressalte-se já sua desconcertante forma social imediata de aparecer no  
processo de produção como mercadoria, uma mercadoria ou valor cuja peculiaridade  
a torna também um tanto desconcertante ao entendimento comum. A força de trabalho  
é, neste contexto, uma forma de aparição imediata e sintética de um conjunto de forças  
e disposições individuais existentes numa corporeidade humana real. Seu existir,  
conquanto venha a revestir-se da forma mercadoria, seja tratada e transacionada por  
este padrão social, apresenta uma differentia specifica decisiva: em momento nenhuma  
essa “mercadoria” como forma real de existência pode ser materialmente destacada  
de seu proprietário/alienador. É um ponto ontológico problemático e complexo que a  
determina objetivamente frente a todas as demais mercadorias.  
A potência de trabalho ou força de trabalho possui essa dupla particularidade  
dentre todas os demais elementos que aparecem na forma mercadoria. Esta assume a  
forma de ser social das condições objetivas da produção, não obstante ela seja uma  
forma objetiva de uma corporeidade subjetiva viva. Ela não possui uma realidade plena  
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e materialmente exterior aos indivíduos que a transacionam. Não por acaso, a  
cunhagem mesma de um termo conceitual não foi uma tarefa fácil ao próprio Marx  
quando, a partir da elaboração de seus Grundrisse, passa a se assenhorar teoricamente  
da distinção entre trabalho e força de trabalho como elemento central para a  
construção de sua crítica da economia política. Em diversos momentos e escritos  
anteriores e preparatórios a O Capital, seu autor oscila entre a utilização de  
Arbeitsvermögen (potências de trabalho) e Arbeitskraft (força de trabalho). Por exemplo,  
tanto em Theörien über den Mehrwert quanto no intitulado Kapitel VI – “inédito”, ele  
trata ambos os termos como sinônimos para a categoria que aparece na circulação  
como uma mercadoria sui generis: pelo fato de não ser produzida, social e  
tecnicamente, como mercadoria e ser a única a criar valor. A dificuldade teórico-  
conceitual deriva exatamente desse caráter real complexo observado, típico da força  
de trabalho como forma de ser, em cada momento constitutivo da totalidade do  
processo social de produção.  
Somente a partir da publicação do Livro I de O Capital, o termo força de trabalho  
vai assumir o papel de nomeador do conceito examinado por Marx na composição da  
primeira parte da crítica da economia política, que é a análise do processo de produção  
do próprio capital. Marx não se dedica a uma exposição categorial do próprio conceito  
em sua multilateralidade de modo autônomo em nenhuma parte de sua principal obra  
sobre a crítica da economia política. E isso por dois motivos. Por um lado, a obra não  
tem como alvo proceder a este tipo de análise, mas de compor analiticamente o quadro  
de determinações categoriais que articuladamente perfazem o modo de produção  
capitalista. Por outro lado, consequentemente, somente no contexto da análise dos  
momentos em que se dá a aparição da força de trabalho como determinante  
importante do processo é que possível remetê-la. Nesse sentido, a análise proposta  
da categorial da força de trabalho será empreendida a partir da apresentação que dela  
se configurou no capítulo IV (Transformação do Dinheiro em Capital) da segunda seção,  
em seu subcapítulo 3 Compra e Venda da Força de Trabalho. De certo modo, busca-  
se esquadrinhar os principais traços que a delimitam como categoria, a partir da  
análise da própria argumentação marxiana ali desenvolvida, remetendo, com o fito de  
auxílio ao esclarecimento de certos aspectos, tanto a alguns estudiosos quanto a  
outros escritos marxianos, anteriores à publicação do Livro I.  
Da pesquisa daquele momento específico da obra em remetimento crítico à  
totalidade da exposição marxiana, bem como em cruzamento com outros textos  
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anteriores, resultou a identificação de pelo menos quatro temas-chave que podem  
auxiliar na construção de uma compreensão da forma de ser da individualidade  
capitalista a partir da discussão da categoria força de trabalho: 1) a força de trabalho  
como Daseinsform do capital e força de sua produção; 2) o modo particular de  
alienação da força de trabalho (Veräußerung); 3) o caráter complexo do “objeto” do  
qual o capital se apropria; e 4) a relação que o indivíduo tem consigo mesmo como  
proprietário privado de força de trabalho. Cada um desses pontos será tratado  
pormenorizadamente nas seções que se seguem.  
Definição categorial da força de trabalho como Daseinsform do capital  
Como se indicou, somente no interior do exame da relação de troca entre  
capital e trabalho, a qual, por sua vez consta como um momento integrante da  
análise marxiana da transformação da forma dinheiro em forma capital, é que se  
encontra esboçada, em traços espargidos, a fisionomia da força de trabalho. Ali,  
Marx a define, no correr do exame da forma pela qual se dá a alienação do trabalho  
ao capital, e o início de sua subsunção à totalidade deste, como um epítome –  
Inbegriff – (1962, p. 181). Um “resumo” ou sumário social no qual se articulam imediata  
e sinteticamente todas as capacidades físicas e intelectuais existentes na  
corporeidade real do sujeito vivo. Figura sintética essa que se situa no próprio  
indivíduo vivo como concatenação de qualidades ou propriedades objetivamente dadas  
em seu corpo1 (MARX, 2013 p. 242). É deste último inseparável, é um momento  
concreto da subjetividade viva e particular coincidente com seu corpo. É uma potência  
de realização posta como virtualidade nas propriedades corporais (cabeça e mãos,  
pernas e pés) que podem ser mobilizadas na efetuação de uma atividade produtiva de  
valor de uso. Sediada, "dada", no corpo é uma potência virtual, realizando movimentos  
produtivos é atuação efetuadora de valor de uso e no contexto da produção do  
capital, simultaneamente, efetiva valores portando mais-valor.  
Este peculiar caráter, material concreto, desta “mercadoria” particular  
imediatamente a remete ao corpo efetivo, existente como tal do indivíduo do qual é  
uma síntese de potências. O ente vivo humano, em seu Gegenstand, seu ser  
1 Na tradução brasileira mais recente (Boitempo, 2013) usa-se o termo complexo para verter Inbegriff.  
A presente argumentação julga o vocábulo epítome como o mais adequado e fiel ao sentido original da  
caracterização marxiana, na medida em que sua significação, abrangendo o caráter de síntese imediata  
ou de forma resumida de um complexo de potências, parece aglutinar as acepções e aspectos da  
categoria real exprimidos por Marx em sua definição da força de trabalho.  
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materialmente configurado e concretamente existente frente a todos os demais  
existentes (entes físicos e/ou formas objetivas de existência), é o locus efetivo desta  
mercadoria. Por definição, é este ente, genealógica e ontologicamente um ser de  
carecimentos determinados, cujo ser aberto de natureza histórica (e histórica de si) faz  
continuamente no tempo aumentar e diversificar o sistema de carências. Carecimentos  
os quais, não obstante sua diversificação e complexidade crescentes em termos de sua  
existência histórico-social, perseveram em sua materialidade como de natureza  
essencial e eliminável para a sua existência como ente vivo. Determinação positiva,  
permanente, de sua existência real, a qual passa, contudo, pela mediação objetiva de  
cada forma social na qual produz os meios de satisfazer seus carecimentos. Por  
conseguinte, “e tal como nos primeiros dias de sua aparição sobre o palco da Terra, o  
homem tem de consumir a cada dia, tanto antes como no decorrer de seu ato de  
produção. Se os produtos são produzidos como mercadorias, eles têm de ser vendidos  
depois de produzidos, e somente depois de sua venda eles podem satisfazer as  
necessidades dos produtores” (MARX, 2013 p. 243). As condições sociais objetivas da  
existência da força de trabalho na forma mercadoria são originadas no processo  
histórico, o qual é sempre particular em seus eventos, dependendo da realidade da  
economia que transita para a produção de mais-valor.  
Analogicamente, é ela, como toda e qualquer mercadoria, o resultado do consumo  
determinado de valores de uso, de objetos que cumprem alguma finalidade humana;  
sua produção equivale a uma operação específica de consumo. Deste lado, aparece  
como outra qualquer. Entretanto, este consumo não é como tal um consumo de valor  
de uso como aquele que se dá no processo de produção das outras mercadorias. É a  
produção ela mesma de um valor de uso, a ser socialmente movimentado por meio do  
intercâmbio social até o local da atividade produtiva capitalista, que não transcorre  
como um consumo produtivo de caráter imediatamente capitalista. O que acentua e  
determina um pouco mais sua peculiaridade como Daseinsform do capital. Tal  
mercadoria ela mesma não é imediatamente produzida como um objeto mercantil, cujas  
determinidades de sua produção a façam aparecer como item simplesmente entre  
outros da ungeheure Warensammlung. Sua contabilidade dentro do conjunto de  
elementos que compõem aquela coletânea de riquezas em forma imediata de coisas e  
efeitos ponderáveis somente é possível pela própria existência social determinada de  
seu indivíduo. Indivíduo cuja determinação traveja sua forma de ser individual segundo  
uma relação ela também determinada histórica e socialmente. Assim, para que o resumo  
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sintético vivo de potências de objetivação tome lugar no processo de produção “seu  
possuidor, em vez de poder vender mercadorias em que se trabalho se objetivou, tenho  
antes, de oferecer como mercadoria à venda sua própria força de trabalho, que existe  
apenas em sua corporeidade viva” (MARX, 2013 p. 243). Ou seja, conquanto seja  
produzida pelo consumo orgânico e individualizado de valores de uso que permitem a  
continuidade da vida do sujeito real do qual é força, o processo social, sob  
determinadas condições históricas pôs, situou, um conjunto de indivíduos em uma  
situação na qual se veem obrigados a dar a sua força de trabalho a figuração de uma  
mercadoria. Deste modo, passam eles a se comportarem também frente a um momento  
de si mesmos como um “proprietário privado”. As implicações existenciais e sociais  
desta operação processual de natureza formal tanto para o indivíduo quanto para a  
determinação da própria alienação serão mais bem desdobradas em outro momento;  
por ora cabe reter como a força de trabalho assume socialmente essa figura  
determinada. Trata-se não de uma forma de existência imanente a seu processo de  
produção como tal, ainda que praticamente todos os valores de uso nela organicamente  
incorporados sejam dum modo outro produzidos como mercadoria, mas de uma  
operação de caráter social formal.  
Não por acaso, Marx se serve da conjunção modal “como” (als) para delinear e  
reforçar essa diferença. Frequentemente, a partícula de ligação como em Marx, não é  
apenas um recurso estilístico, mas demarcação de uma flutuação de sentido objetivo  
de uma categoria; do modo como ela na efetividade da produção assume um  
determinado caráter preponderante. A força de trabalho, um epítome real sediado na  
corporeidade do trabalhador, parte integrante e essencial de sua pessoalidade viva  
não é em sua produção mercadoria, não obstante ele as utilize em sua determinação  
de valor de uso para sua produção e reprodução sociais. O deslizamento de sentido,  
para o qual Marx aponta é exatamente o fato de esta se apresentar no mercado  
assumindo a forma de ser social mercadoria, mesmo que a rigor não o seja. Não por  
acaso, em diversos momentos faz uso também do verbo gelten, que significa vigorar  
ou passar por, e não tanto o werten que é valer no sentido do trabalho abstrato.  
De certo modo, a força de trabalho assume aqui de modo fantasmagórico, por  
analogia, a forma de existir das condições objetivas, as quais já estarão dispostas frente  
a ela ao modo do valor/mais-valor, como momentos do capital. É nessa função que ela  
se apresenta, por isso, seu próprio valor de uso será cifrado, traduzido, também nos  
termos da lógica da mercadoria. Portando valor e valor de uso, ainda que este último  
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igualmente deva ser apreendido a partir da cisão que a própria realidade econômica  
nele opera, em dois aspectos, distintos ainda que ontologicamente conexos: o material  
e o formal. O pôr valor numa forma determinada, como valor de uso produzido por  
trabalho de trabalho concreto e, principalmente, por ao fazê-lo, simultaneamente,  
ponha também um valor que excede o seu próprio valor. O seu uso se dá em termos  
imediatamente capitalistas no sentido de valorizar os valores, as condições objetivas,  
produzindo um excedente que se expresse como valorização do próprio capital  
invertido em relação ao capital variável. Uma vez que se trata, como Marx asseverará  
bem mais à frente, de uma força natural real, corpórea, fisicamente fundada na  
objetividade da biologia humana e condicionada por seus vários e variáveis  
carecimentos vitais.  
Tal determinação de caráter possui uma série de consequências impactantes para  
a compreensão crítica da própria forma segundo sua vigência na particularidade  
concreta dum determinado momento do processo de produção. No que se refere à  
força de trabalho como mercadoria do capital, a ser integrada no conjunto de suas  
condições reais, o valor da força de trabalho, embora dado nas mercadorias que  
garantam sua reprodução, não é senão valor mediado pela existência viva do indivíduo  
que a tem. Deste modo, “o tempo de trabalho necessário à produção da força de  
trabalho corresponde ao tempo de trabalho necessário à produção desses meios de  
subsistência, ou, dito de outro modo, o valor da força de trabalho é o valor dos meios  
de subsistência necessários à manutenção de seu possuidor” (MARX, 2013 p 245).  
Nota bene, não é valor diretamente produzido como individualidade, mas do que é  
necessário ao indivíduo ser como seu portador. Caso não fosse, não teríamos o  
indivíduo alienando sua força, mas alienado por outrem como uma força individual. O  
que determina novamente a individualidade viva do sujeito que trabalha ele igualmente  
como proprietário privado. Por isso, a força de trabalho é qualificada por Marx de  
eigentümliche Ware, mercadoria peculiar (MARX, 1962, p.190).  
Apesar de ser seu proprietário, para o indivíduo sua própria força de trabalho  
somente possui vigência de fato na medida em que se a ofereça como mercadoria. Na  
ausência desta relação é tão somente um conjunto potencial de virtualidades radicadas  
nas propriedades funcionalmente existentes em sua corporeidade pessoal. Nada  
realiza, nem permite sequer a sua sobrevivência no contexto social da propriedade  
privada capitalista. Porquanto sua falta de propriedade exterior, em especial (mas não  
somente), das condições de sua atividade, coaja-o à relação de troca com o capital, é  
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esta alienação específica, um ato formal de assumir o ser da mercadoria, uma  
necessidade exterior tornada pressuposto essencial. O que importa na força de  
trabalho como uma das Daseinsformen do capital, aparecendo aqui como uma  
condição real, mas subjetiva, da produção é sobretudo seu valor de uso específico.  
Uma vez tendo assumido a forma mercadoria, passando a valer (gelten) assim no  
processo de intercâmbio social específico, a mobilização produtiva de seu valor de uso  
é a finalidade pressuposta à relação de aparente troca simples. De tal modo que  
somente na utilização real, existe como ato de consumo produtivo “Por meio de seu  
acionamento, o trabalho, gasta-se determinada quantidade de músculos, nervos,  
cérebro etc. humanos que tem de ser reposta. Esse gasto aumentado implica uma  
renda aumentada” (MARX, 2013 p. 245). Atividade de produção, consumo produtivo  
da força de trabalho que é, entre outras coisas também, resultado relativo, aberto a  
transformações, da história de vida, aprendizado e atividade de cada indivíduo vivo. O  
predicado biológico humano pressuposto ao exercício da força de trabalho, em seu  
consumo, precisa ser continuamente mantido e reproduzido. Trata-se de um gasto  
objetivo de energia e do desgaste consequente de órgãos, tecidos, funções etc. Como  
se trata também de um exercício que deve ser cumprido de modo reprodutivo,  
segundo o contrato de aluguel de seu usufruto, a força de trabalho é uma mercadoria  
que necessita de permanente reconstituição, a não ser que se a dispense de modo  
definitivo.  
Em sua determinidade econômica mais imediata, pela qual defronta o capital, a  
força de trabalho viva é também valor. Valor que na aparência imediata da troca  
simples serve de mediação à apropriação do valor de uso particular da força de  
trabalho viva. Valor que abrange, como já se viu, a tautologia da soma dos valores dos  
itens de consumo que participam da produção reprodutiva da força de trabalho. Os  
quais são comumente identificados aos víveres, objetos de uso e meios de viver em  
geral e de reprodução da vida, tais como alimentação, vestimenta, moradia, transportes  
etc. Esses elementos possuem numa dada sociedade valores, cuja grandeza em tempo  
socialmente necessário de trabalho, exprimem dadas condições sociais objetivas nas  
quais se produz a vida numa dada quadra histórico-social. Entretanto, o conteúdo de  
tais valores de uso podem variar de modo bastante ponderável de uma sociedade ou  
de uma época para outra, em função dos costumes e de suas transformações no tempo,  
da fixação de tradições e das particularidades mais locais. Por conseguinte, “a extensão  
das assim chamadas necessidades imediatas, assim como o modo de sua satisfação, é  
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ela própria um produto histórico e, por isso, depende em grande medida do grau de  
cultura de um país, mas também depende, entre outros fatores, de sob quais condições  
e, por conseguinte, com quais costumes e exigências de vida se formou a classe dos  
trabalhadores livres num determinado local” (MARX, 2013 p. 245). Obviamente, a  
expressão Kulturstufe eines Landes remete a aspectos gerais do desenvolvimento  
particular de cada sociedade, assim como àqueles atinentes ao modo de exploração  
da própria força de trabalho; do quanto este modo efetive ou não as determinações  
formais específicas da força de trabalho como mercadoria moderna. Essa série de  
aspectos, que existem sempre de maneira articuladamente sintética na vida das  
populações reais, definem também parte ponderável da peculiaridade da força de  
trabalho, uma vez subsumida como mercadoria alugada pelo capital. As possibilidades  
de contornar a totalidade particular, ou alguns de seus aspectos que tendencialmente  
a tornam onerosa ou complexa a subsunção, são também variáveis, correspondendo a  
circunstâncias particulares espaciotemporais, nacionais e universais de cada economia  
na qual prepondera a forma capital. A relação de subsunção, em função desse caráter  
complexo específico, não é unívoca, nem estática, mas se realiza como totalidade cuja  
dinamicidade é aberta ao desdobramento histórico de certas contradições próprias.  
Entretanto, esse valor não reduz apenas àquele dos valores representados pelos  
objetos de consumo direto do indivíduo. O valor da força de trabalho igualmente  
abarca os custos com sua formação, geral ou específica, para seu uso num determinado  
ramo da produção. Da natureza complexa desse epítome de forças resulta igualmente  
que este não se identifique à mera existência imediata e abstrata de um indivíduo vivo.  
Ainda que seja ontologicamente força de um indivíduo vivo, a Arbeitskraft não se dá  
imediatamente na corporeidade dos indivíduos como seu mero corpo biológico  
inicialmente configurado. Tem-se aqui uma diferença importante entre propriedades  
corpóreas e potências de objetivação, onde a corporeidade concreta e efetiva do  
indivíduo somente se confirma como potência efetiva quando as virtualidades inscritas  
nas propriedades do corpo devêm movimento hábil. Deste modo, como mercadoria já  
disposta, a produção da força de trabalho pressupõe igualmente um conjunto de  
operações que a tornem potência sintética de produção. Por isso, “Para modificar a  
natureza humana de modo que ela possa adquirir habilidade e aptidão num  
determinado ramo do trabalho e se torne uma força de trabalho desenvolvida e  
especifica, faz-se necessária uma formação ou um treinamento determinados, que, por  
sua vez, custam uma soma maior ou menor de equivalentes de mercadorias” (MARX,  
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2013 p. 246). Não por acaso, a educação, assim como a saúde, deve ser um assunto  
tão "político" (relacionado agora concretamente à reprodução da vida social) quanto  
as questões da produção econômica, na modernidade. A educação se conta entre as  
componentes de valor da força de trabalho, bem como delimitam, ao menos  
inicialmente, o aspecto material e concreto, particular e sintético, de seu valor de uso.  
O que, por suposto, também tem repercussão para o aspecto formal, capacidade de  
pôr mais-valor ao pôr valor, do valor de uso da força de trabalho, porquanto a  
qualifique como potência a ser absorvida pelas condições objetivas de produção em  
sua valorização.  
Os termos da produção da própria força de trabalho, seja em seu sentido mais  
abstrato, geral, como produção de potência de objetivação humana, de realização de  
atividade produtiva, seja naquele mais determinado, como potência de produção de  
mercadorias, de valores de uso que portam valor/mais-valor evidenciam seu caráter  
eminentemente social. De uma parte, a corporeidade biológica humana possui ou  
comporta propriedades funcionais que virtualmente abrem ou podem abrir caminho à  
mobilização produtiva, na medida em que,  
(...) o trabalho implica, do ponto de vista humano, o fato de trabalhar:  
gestos, saber-fazer, um engajamento do corpo, a mobilização da  
inteligência, a capacidade de refletir, interpretar e reagir às situações,  
é o poder de sentir, pensar, inventar etc. Em outros termos, para o  
clínico, o trabalho não é antes de tudo uma relação salarial ou o  
emprego, mas “o trabalhar”, isto é, um certo modo de engajamento  
da personalidade para fazer frente a uma tarefa enquadrada por  
coações (materiais e sociais)2 (DEJOURS, 2013, p. 20).  
Assim, esse conjunto real corpóreo é um pressuposto ineliminável, uma condição  
necessária, da existência real da força de trabalho. Entretanto, não é por si mesmo  
uma condição suficiente para que haja força de trabalho como tal. Na medida em que  
a atividade produtiva é um pôr em movimento forças corporalmente situadas em um  
contexto particular qualquer (levantar uma pedra ou conduzir uma sonda espacial à  
distância), trata-se sempre de esforço e mobilização particular de virtualidades  
convertidas em potências reais de produção. Trata-se de uma força num contexto  
2 (…) le travail est ce qu’implique, du point de vue humain, le fait de travailler : des gestes, des savoir-  
faire, un engagement du corps, la mobilisation de l’intelligence, la capacité de réfléchir, d’interpréter et  
de réagir à des situations, c’est le pouvoir de sentir, de penser, d’inventer, etc. En d’autres termes, pour  
le clinicien, le travail n’est pas avant tout la relation salariale ou l’emploi, mais le « travailler », c’est-à-  
dire un certain mode d’engagement la personnalité pour faire face à une tâche encadrée par des  
contraintes (matérielles et sociales).  
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especificado de atividade, o corpo que a executa já é ele mesmo, por assim dizer, um  
corpo trabalhado. Inteligência de movimento que é da alçada do movimento  
inteligente, da execução de finalidades, da atividade como ato e não como  
consequência de si, de sua conformação biológica diretamente natural. O que ato ou  
atuação não somente de um outro órgão sob padrões evolucionários, nem muito  
menos de um “cérebro” tomado em isolamento kantiano, como um sujeito  
transcendental. A este respeito, como igualmente observa Dejours:  
Uma longa discussão seria necessária para explicitar as relações entre  
a inteligência no trabalho e o corpo. A habilidade, a destreza, a  
virtuosidade e a sensibilidade técnicas passam pelo corpo,  
capitalizam-se e se memorizam no corpo e se desdobram a partir do  
corpo. O corpo inteiro, e não somente o cérebro, é a sede da  
inteligência e da habilidade no trabalho. O trabalho revela que é no  
próprio corpo que reside a inteligência e a habilidade no trabalho. O  
trabalho revela que é no corpo mesmo que reside a inteligência do  
mundo, e que é inicialmente por seu corpo que o sujeito investe o  
mundo para fazê-lo seu, para o habitar3 (DEJOURS, 2009, p. 23).  
Indicação que é tanto mais importante quanto mais se verifica uma tendência a  
tratar a totalidade da corporeidade ativa como uma mera consequência de um sistema  
nervoso central abstratamente considerado. De fato, grande parte dos representantes  
e pesquisadores das chamadas neurociências tendem a interpretar de maneira  
neotranscendental as conexões complexas de via dupla entre partes da corporeidade  
ativa.  
Umas vezes, tratam cada um destes "momentos" (em sentido hegeliano) como se  
fossem dois corpos em separado, abstraindo a atividade sensível daquela de  
coordenação do cérebro, como se este último pudesse ser o que é em autonomia das  
afecções que lhe chegam e provocam determinadas respostas do sistema  
neurotransmissores/hormônios. Outras vezes, transformam este órgão de coordenação  
ativa geral em uma versão biológica do sujeito transcendental kantiano, com todos os  
traços que aquele carrega na tradição idealista da modernidade à contemporaneidade:  
inatismo, formalismo, destinação genética, autonomia em relação às experiências  
sensíveis, poder de fundamentação das próprias experiências da sensibilidade,  
3 Une longue discussion serait nécessaire pour expliciter les rapports entre l’intelligence au travail et le  
corps. L’habileté, la dextérité, la virtuosité et la sensibilité technique passent par le corps, se capitalisent  
et se mémorisent dans le corps et déploient à partir du corps. Le corps tout entier, et non le seul le  
cerveau, est le siège de l’intelligence et de l’habileté au travail. Le travail révèle que c’est dans le corps  
lui-même que réside l’intelligence du monde, et que c’est d’abord par son corps que le sujet investit le  
monde pour le faire sien, pour l’habiter.  
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estrutura a-histórica (tanto no nível de cada individualidade quanto naquele das  
determinações sociais compartilhadas em dada momento) etc. (VIANA, 2010).  
Amiúde afirma-se sem muito cuidado ou ponderação a absurdidade de que "o"  
senhor "Cérebro" engendra, não somente as condições internas da experiência no  
mundo, mas "a própria realidade". Neste sentido, a absurdidade reside em diferentes  
níveis que repisam o pior da tradição do transcendentalismo kantiano. Confunde-se  
condicionamento com origem, distorcem a interação complexa entre atuação  
sensível/sensibilidade ativa/coordenação em uma causalidade unívoca. Daí resultam  
várias aporias algumas divertidas outras canhestras. Por exemplo, a abstração do fato  
de que o cérebro está num corpo real que já está imerso na própria realidade objetiva  
como corpo objetivo; a tendência a formalizar o cérebro que é um órgão vivo como  
qualquer outro, malgrado suas funções específicas, em uma fantasmagoria incorpórea;  
e, por fim, a pôr questões bizarras tais como se existiria ou não um "livre arbítrio" em  
termos de suposto "eu" frente aos disparos neuronais que "antecederiam" –  
temporalmente as decisões daquele self4. Sobre esta última questão, é curioso, mas  
não surpreendente, o quanto toda forma de transcendentalismo, às vezes na forma,  
mas outras também no conteúdo, retoma pseudoquerelas de caráter teológico. Ora,  
não há um "eu" que possa ser separado dos disparos, que existiria em autonomia. O  
eu real é este corpo consciente cuja atividade de seu cérebro, deste corpo humano, é  
em seus pressupostos materiais corpóreos, ontologicamente, eletricidade e  
bioquímica. Mas uma eletricidade e bioquímica que sinteticamente se expressam e  
suportam formas teleológicas de atividade. Não haveria um suposto self autônomo em  
relação ao corpo do qual é forma individual social e historicamente conformada senão  
nas diabruras falaciosas da especulação teológica! O cérebro, por assim dizer, "está"  
no corpo como um todo e o corpo em sua totalidade age cerebralmente (VIDAL;  
ORTEGA, 2020).  
O que é decisivo é indicar esse teor eminentemente corpóreo da força de  
trabalho, não obstante esta não se confunda com a existência imediata do corpo, uma  
vez que se trata sempre de potências reais de elaboração material e objetiva da  
realidade. Corporeidade que é ela mesma modificada pelo exercício que converte,  
inicialmente, virtualidades em potências, e estas em movimento real de alteração da  
4
Cf., por exemplo, SHARIFF, Azim F.; VOHS, Kathleen D. What Happens to a Society That Does Not  
Believe in Free Wıll?. Scientific American, 310, 6, 76-79 (June 2014).  
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forma de existência da materialidade natural em materialidade socialmente configurada  
(MARX, 2013 p. 255-256). Tema este também ressaltado por Dejours ao salientar a  
produção de um segundo corpo produzido a partir do aprendizado e do próprio  
trabalho (DEJOURS 2013, p. 26-28). Entretanto, dele se discorda aqui porquanto  
pareça remeter imediata e necessariamente a uma instância de interioridade do sujeito  
corporal concreto. Do modo como o processo de co-apropriação é apreendido e  
concebido, seguindo as trilhas conceituais de Michel Henry, pode soçobrar-se de um  
golpe na instauração de uma fenomenologia do corpo que trabalha e não de uma  
análise do corpo humano trabalhando (DEJOURS 2013, p. 26-27). Uma apreciação que  
pressupõe a priori a existência de uma subjetividade qualquer pronta (ou elaborada  
como tal) independentemente das relações que o indivíduo vivo e ativo, este corpo  
humano real em sua integralidade, possa ter com os objetos de sua afecção e atividade.  
Um corpo que soçobre na fantasmagoria. Quando o que se trata, talvez, é da  
elaboração do corpo humanizado a partir de biologia inicialmente não humana, de  
uma reelaboração da própria biologia em termos humanos, uma biologia que se  
comporta humanamente; um biológico não necessariamente mais natural. Ressoa  
especialmente a pressuposição silenciosa de que o corpo biológico seja  
irredutivelmente pura naturalidade, ou não humanizado ou passível de devir humano  
de si. Algo que, aliás, a parte não transcendentalista dos estudos em neurociências  
desmentem veementemente, ao aportar o conhecimento como tanto as terminações  
nervosas da musculatura por assim dizer “pensam” (NEUWEILLER, 2005), quanto são  
os padrões cerebrais como tais também resultado de formas particulares de atividade  
(STOUT, 2016). O que não invalida a posição do segundo corpo, mas pondera-o num  
sentido mais materialista, o qual, evidentemente, conhece uma série de expressões  
internas à subjetividade, as quais impactam igualmente a objetividade do corpo.  
A aproximação ainda inicial, e necessariamente abstrata, da força de trabalho  
como Daseinsform do processo de produção, conquanto sua generalidade consigna o  
apontamento de problemas que se desdobram em forma de determinação mais  
particularizada. É de certo modo, igualmente impressionante como a categoria força  
de trabalho na forma da mercadoria possui uma importância central, tanto para o  
desenvolvimento da realidade social capitalista quanto para o entendimento teórico  
dela. Algo que Marx assinala numa nota (41) interna à seção em análise, nos seguintes  
termos: O que caracteriza a época capitalista é, portanto, que a força de trabalho  
assume para o próprio trabalhador a forma de uma mercadoria que lhe pertence, razão  
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pela qual seu trabalho assume a forma do trabalho assalariado. Por outro lado, apenas  
a partir desse momento universaliza-se a forma-mercadoria dos produtos do trabalho”  
(MARX, 2013 p. 245). Pois, a instauração desta relação do trabalhador consigo  
mesmo, como proprietário, como pessoa livre, possui o caráter de eine historische  
Bedingung umschließt eine Weltgeschichte, uma condição histórica que encerra uma  
história universal. Ou seja, é um ponto de inflexão de monta dentro do itinerário que  
das diferentes formas de propriedade privada. É somente aqui que o próprio indivíduo  
em geral pode assumir a posição do quem como indivíduo se refere apenas a si mesmo  
(er als Vereinzelter nur mehr sich auf sich bezieht), está ocupado somente consigo  
próprio (cf. MARX, 1983, p.404). De certa maneira, reaparece a mesma tese marxiana  
que é possível inferir do estudo das Formen: todas os modos sociais de organização  
da produção anteriores e/ou diferentes do capitalista, em especial aqueles já de  
propriedade privada de alguma condição essencial de produção, principalmente da  
terra e de seus elementos, são caracterizados ainda por um desenvolvimento limitado  
da individuação. O processo de formação da individualidade ocorre na forma duma  
subsunção absoluta em relação à generidade imediata (famílias, clãs, tribos, póleis,  
reinos, feudos, corporações etc.), na medida em que correspondem também a uma  
subsunção do principal elemento vivo de sua reprodução no processo social, o  
produtor efetivo, como uma coisa ou subsumido a uma coisa ou complexo de coisas  
(cf. MARX, 1983, p.409-421). Já no capital, é um momento do produtor real que se  
converte formal e objetivamente numa "coisa" da qual ele pode dispor e negociar seu  
usufruto. Nesse sentido, é essencial para se aprofundar na determinação da própria  
categoria força de trabalho como mercadoria capitalista a delimitação da forma  
específica de sua alienação ao capital, do modo efetivo pelo qual se dá a cessão da  
força de trabalho, e consequentemente de sua utilização in actu, no processo de  
produção do capital.  
O caráter particular da Veräußerung da força de trabalho  
Partindo da configuração altamente complexa da força de trabalho como epítome  
de potências vivas de objetivação que assume a forma mercadoria frente ao capital, é  
importante agora compreender o tipo de alienação pela qual passa essa mercadoria  
peculiar para que se tenha o entendimento de outros tantos problemas. Porquanto  
não seja materialmente separável de seu proprietário privado, a força de trabalho como  
mercadoria deve possuir igualmente uma forma determinada de cessão que a  
particulariza. Assim, ante às formas mais genéricas de alienação das demais  
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mercadorias do processo de produção do capital, aquela da condição subjetiva da  
riqueza apresenta, como se verá, uma configuração de complexidade peculiar  
correspondente em termos de contradição interna entre suas determinações. Algo que  
terá um impacto importante no que se refere à determinação da relação da própria  
individualidade sujeito com as demais figurações da forma capital. Ver-se-á emergir  
uma duplicação, diferente daquela tradicionalmente identificada entre homem e  
cidadão, na medida em que é imanente à vida mesma da sociedade civil, e não mais  
na relação desta com sua instância expressiva de poder, a política e o Estado.  
Tema espinhoso da marxologia em termos históricos porquanto repouse sobre  
a determinação de conteúdo de termos conceituais cujo itinerário, tanto em Marx  
quanto no marxismo, conheceu vários e diferentes percalços. Preponderantemente  
vertidos do alemão por um só vocábulo em grande parte de traduções e de  
tematizações, o problema categorial assim nomeado e conhecido como tal e o conjunto  
de questões que lhe são pressupostas e por este implicadas, em geral é “resolvido”  
por estratagemas de caráter epistêmico que o reduzem ou bem ao nível de  
esquematismo ou bem ao de simples palavras. Refere-se aqui à “dupla” problemática  
composta pelos conceitos de Entfremdung e Entäußerung, os quais como acima  
aludido não são normalmente tomados sequer como par, quanto mais por conceitos  
diferentes, embora, evidentemente conexos.  
Tais categorias são dominantemente renegadas pelo recurso da denegação de  
sua suposta invalidade conceitual. Pelo concurso de duas circunstâncias diferentes,  
uma acadêmica, outra pertencente à história da formação do próprio pensamento  
marxiano. Por um lado, apresenta-se uma tradição de leituras e interpretações  
consagradas a partir da fixação da posição althusseriana como um verdadeiro ponto  
de partida auto-evidente, as quais, independentemente de se filiarem ou não às linhas-  
mestras do autor de Pour Marx e Lire Le Capital, tomam como ponto pacífico uma  
oposição qualquer entre “o jovem” Marx e o Marx da maturidade. O primeiro, “jovem”,  
epiteto normalmente tomado de igual maneira como auto-evidente, “ainda”  
demasiadamente “filosófico”, curiosamente filiado a um tempo à dialeticidade  
hegeliana e ao naturalismo feuerbachiano. O que é tanto mais estranho quanto mais  
excludentes o são ambos referenciais um ao outro. O outro, “o cientista”, rapidamente  
identificado este último com o da crítica da economia política dos três livros publicados  
de O Capital. E isso sem que se consiga muito bem ajustar as visões dominantes de  
“ciência” nas epistemologias da moda em cada momento à espécie mesma à qual Marx  
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identifica seu empreendimento teórico crítica anunciada como subtítulo geral de  
toda a obra. Quando muito, também seguindo as trilhas de Althusser, põe-se o acento  
sobre a crítica que Marx dirige à economia política como disciplina e como linha  
teórica. Todos os problemas são colocados aqui sob as lentes da epistemologia e da  
metodologia, pelas interrogações de como e a partir de quando Marx começa a fazer  
“sua ciência”5. Frente a tal dominância, poucas vozes são dissonantes, em especial,  
destacam-se as de Lukács (2013, p. 577-636) e de Sève (1974). A primeira não sem  
problemas, logrou encontrar eco nas páginas de Para uma Ontologia do Ser Social,  
sob uma forma que aproxima demasiadamente Marx a Hegel, ao tentar fazer ressoar  
a diferenciação entre alienação e estranhamento, em termos de positividade e  
negatividade ontológicas de imanência em relação à atividade produtiva.  
Suscintamente, a alienação seria o nome conceitual a remeter universalmente a  
quaisquer formas de objetivação humana, já estranhamento remeteria ao caráter que  
tais formas ganham nos contornos da propriedade privada capitalista6. A segunda voz,  
a de Sève, buscou emitir o rastro de diferenças peculiares das elaborações marxianas  
em relação ao seu léxico, dando, de um modo que parece bastante acertado, destaque  
ao fato de que Entäußerung, por sua contextura demasiadamente geral, cederá lugar  
progressivamente à Veräußerung, uma vez este termo aglutinar articuladamente certos  
traços particularizados da operação de alienação própria à força de trabalho ao  
capital7. De outra parte, como circunstância histórica, o problema se torna escabroso  
também pelas dificuldades inerentes e imanentes ao texto marxiano no qual aparecem  
pela primeira vez (Ökonomisch-philosophische Manuskripte aus dem Jahre 1844), a  
primeira incursão marxiana pelo terreno minado pelas contradições da economia  
capitalista expressas em contradições e aporias da economia política como disciplina.  
O que mormente se traduz, em consonância com a hermenêutica dominante, na  
consideração de que tais conceitos pertenceriam exclusivamente a este texto ou  
somente àqueles de quadra histórica próxima. Coisa não infirmada por estudos mais  
recentes junto à própria obra de maturidade. Não somente os termos continuam a ser  
5
Com relação a esse conjunto de problemas implicados pela tradição que se tornou dominante, uma  
vez que este artigo não tem o escopo de se aprofundar nesta discussão, remete-se o leitor novamente,  
aqui a: ALVES, A. J. L. Marx e a analítica do capital: uma teoria das Daseinsformen. 1. ed. Saarbrücken,  
Alemanha: Novas Edições Acadêmicas - OmniScriptum GmbH & Co. KG, 2013, p. 349-371.  
6
Cf. HALLAK, M.: “Alienação do trabalho em Marx: dos Manuscritos de 1844 a O capital”. Verinotio –  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 24, n. 1, pp. 58-73, abr./2018; bem  
como “De como Lukács chegou à distinção entre alienação e estranhamento para depois abandoná-la”.  
Verinotio Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 14, pp. 58-73, out./2012.  
7 SÈVE, L. Marxisme et théorie de la personnalité. Paris : Éditions Sociales, 1974.  
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usados pós-1857, quanto sua ocorrência, não obstante as alterações importantes, que  
mais à frente serão indicadas, dá-se com relação aos mesmos problemas levantados  
na economia política entre 1844-1848 (ALVES, 2017).  
Trate-se de uma preponderância hermenêutica cujo peso é tão portentoso e a  
consistência inercial tão robusta que obsta mesmo as tentativas de maior fôlego de  
alcançar um discernimento mais imanente ao texto marxiano. Tome-se, de maneira  
igualmente sumarizada um caso recente. Stéphane Haber em uma de suas obras de  
grande fôlego teórico, L'aliénation: vie sociale et expérience de la dépossession,  
termina ele repisando também os mesmos limites de entendimento, conquanto sua  
proposta inicial de recuperação do conceito de “alienação” (HABER, 2007, p. 9-40).  
Livro que contempla um pormenorizado apanhado crítico em termos da história das  
elaborações terminológicas das quais Marx seria tributário (HABER, 2007, p. 47-58).  
Entretanto, malgrado a importância arqueológica da questão, acaba servindo  
sintomaticamente para reduzir a querela mesma à produção de esquemas conceituais  
e/ou metodológicos de aproximação a problemas particulares. No caso de Marx,  
daqueles levantados na e pela economia política ilustrada. Toma para tanto, nas sendas  
de Althusser, incialmente Entfremdung e Entäußerung sob o signo da indistinção e  
partir daí procura rastrear a permanência relativa ou não do “esquematismo da  
alienação” e das heranças malcozidas de Feuerbach e Hegel na composição de um viés  
crítico de feitio antropológico (HABER, 2007, p. 43-44, 50-51, 64-65 e 72-93). Algo  
que denomina, ao longo do texto, de modelo da alienação (HABER, 2007, p. 41-96).  
Esta forma de procedimento crítico, inclusive faz com Haber conquanto acerte  
em seu diagnóstico de aspectos mais pontuais com relação a 1844, por exemplo, as  
frequentes ambiguidades quando Marx busca discernir tanto o objeto real da  
Entäußerung quanto as diversas modalidades particulares que dela resultam no  
complexo social objetivo do entfremdete Arbeit, da riqueza estranhada, o motivo de  
tais lacunas parece escapar-lhe. Em geral, o estudioso termina por responsabilizar o  
peso da filosofia e de seus esquemas (filosofemas) pelas insuficiências. Tal modo de  
abordar não mais será sumarizado aqui, por duas razões básicas: 1) escapa ao escopo  
limitado do presente trabalho e 2) esta obra merece, inclusive pela seriedade e  
erudição com a qual é elaborada, uma interlocução crítica imanente e comparativa para  
com o texto de Marx, algo impossível de se proceder neste momento, mas que fica  
desde já fixada como compromisso para futuro próximo.  
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A força de trabalho como forma de ser  
O que pode tirar-se desse itinerário complicado acima sumarizado? Que, talvez,  
fosse mais produtivo, do ponto de vista compreensivo, ao invés de remeter  
imediatamente a heranças reais ou aparentes às quais Marx pagaria tributo, tomar  
a analítica marxiana em sua imanência problemática, pela propositura crítica que  
enuncia e pelo resultado ainda necessariamente insatisfatório que alcança. Marx  
pretende tracejar o caráter mais essencial da vida social, tarefa anunciada em 1843 na  
forma do entendimento crítico da anatomia da sociedade civil (MARX, 1976, p. 380).  
Para tanto, precisa discernir as relações sociais que a constituem em totalidade e cada  
uma delas em sua particularidade. E é neste particular que a insuficiente aproximação  
crítica da economia política exercitada neste primeiro momento deixa transparecer o  
peso real de sua natureza lacunar. O que a analítica marxiana ainda não consegue  
lograr é essencialmente a determinação do objeto real que sich entäußert, que se  
aliena, bem como, por conseguinte, a natureza particular mesma da principal relação  
de alienação do processo capitalista de produção. Tomando a economia política em  
seus próprios termos, de um modo ainda demasiadamente positivo, imediato, Marx  
ainda trafega conceitualmente pelo que poderia se denominar de polissemia do  
trabalho. Afinal, o que é “vender” ou “alienar” “trabalho”? A coisa produzida no  
trabalho? Um direito sobre os materiais de trabalho? A atividade trabalho? (O que  
Marx mesmo denunciará depois como puro non sense) O controle sobre o trabalho? É  
desta indeterminação que parece provir grande parte das oscilações, ambiguidades e,  
mesmo certas aporias, marxianas que, por exemplo, Haber corretamente aponta em  
seu tratamento (HABER, 2007, p. 58-65), e não propriamente de um suposto excesso  
“de filosofia” com sua contraparte de lacunosidade cientifica.  
Neste sentido, os textos da maturidade incluem esse momento essencial de  
determinação, representado pela aparentemente singela diferença conceitual entre  
trabalho e força de trabalho. Esta distinção possui um caráter simultaneamente  
conceitual (atinente a um problema teórico particular) e categorial (na medida em que  
possibilita o manejo adequado das referências mais gerais), pois possibilita a Marx  
concomitantemente à determinação do objeto da alienação igualmente o  
discernimento da forma particular desta operação de cessão, cuja referência categorial  
não será mais a generalidade da Entäußerung, uma alienação que pode referir-se a  
coisas em geral que são por si totalmente exteriores ao proprietário. Emerge o uso  
recorrente e meandrado de Veräußerung (SÈVE, 1974) para indicar a especificidade  
de uma relação na qual se transaciona não uma coisa, mas o direito de usufruto, o  
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aluguel do uso produtivo, de um conjunto sintético de potências de objetivação, da  
força de trabalho do indivíduo vivo, ativo e socialmente existente em relações  
determinadas.  
A este respeito, em seu estudo sobre a formação do conceito de força de trabalho  
no pensamento de Marx, Claude Morilhart ressalta também este mesmo aspecto  
essencial da relação específica de alienação da força de trabalho. Em especial quando  
comenta uma passagem de um texto posterior aos Grundrisse, no qual Marx analisa a  
forma da relação de troca entre capital e trabalho em sua peculiaridade8, ele observa  
que:  
Nenhuma ambiguidade subsiste, o trabalho não é mercadoria, o  
operário não vende seu trabalho, mas a capacidade de trabalho  
existente em “seu corpo vivo”, a única propriedade da qual ele é  
mestre, da qual é “o livre proprietário”. Do artesão pode ser dito que  
vende seu trabalho na medida em que através de seu produto é  
indiretamente seu trabalho que ele vende, não se pode dizer o mesmo  
do operário. Este não dispõe das condições objetivas de sua atividade  
laboriosa, as condições de materialização de seu trabalho que lhe  
fazem frente como propriedade de outrem. Também essa atividade  
laboriosa não existe antes da ativação desta capacidade, da força de  
trabalho, pelo capital, aquela não seria vendida pelo trabalhador9  
(MORILHART, 2017, p. 104).  
O que, como se trata de uma força ou potência de fazer algo, é da alçada do  
acesso ao uso de capacidade de trabalho, de realização de movimento produtivo.  
Daí que Marx será forçado a caracterizar sinteticamente essa relação não tanto  
mais fazendo recurso à Entäußerung e sim propriamente ao termo Veräußerung.  
É um contrato cujo objeto de posse é o controle disciplinado de uma potência de  
8
O valor de uso pelo qual o dinheiro, capital virtual, pode se trocar apenas pode ser aquele do qual  
nasça o próprio valor de troca, a partir do qual este se engendra e se se acresce. Este é unicamente o  
trabalho. [...] A condição para que o dinheiro se transforme em capital é que o possuidor de dinheiro  
possa trocar dinheiro pela capacidade de trabalho de outrem, enquanto mercadoria. [...] é preciso que  
ele [o trabalhador] não tenha mais para trocar seu trabalho sob a forma de uma outra mercadoria, sob  
forma de trabalho materializado, mas que a única mercadoria que tenha a oferecer, vender, seja  
precisamente sua capacidade de trabalho viva [...]. No quadro desta circulação [simples], e considerando  
a troca capital-trabalho, tal qual existe como simples relação de circulação não se trata da troca de  
dinheiro e de trabalho, mas entre dinheiro e capacidade de trabalho viva. Valor de uso, a capacidade  
de trabalho se realiza apenas na própria atividade laboriosa. (tradução do autor). MARX, K. fragment  
de la version primitive « de la Contribution à la critique de l’économie politique. In Contribution à la  
critique de l’économie politique. Paris : Éditions sociales, 1972, p. 222-224.  
9 Nulle ambiguïté ne subsiste, le travail n’est pas marchandise, l’ouvrier ne vend pas son travail mais la  
capacité de travail existant dans « son corps vivant », la seule propriété dont il est maître, dont il est «  
le libre propriétaire ». Si l’artisan peut être dit vendre son travail dans la mesure où à travers son produit  
c’est indirectement son travail qu’il vend, il n’en est pas de même de l’ouvrier. Celui-ci ne dispose pas  
des conditions objectives de son activité laborieuse, les conditions de matérialisation de son travail lui  
font face comme propriété d’autrui. Aussi cette activité laborieuse n’existe pas avant la mise en œuvre  
de la capacité, de la puissance de travail par le capital, elle ne saurait donc être vendue par le travailleur.  
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movimento, de realização de trabalho, para se apoiar no jargão da física. Claro,  
não se trata de um movimento qualquer, mas do movimento de produzir  
valor/mais-valor de alguma forma particular na produção capitalista. E mesmo  
assim, nem se trata propriamente de uma "venda", mas de uma forma peculiar de  
arrendamento, de cessão de usufruto, sobre capacidades de objetivação. Trata-se  
de um "direito" de acesso ou de controle de uso - um usufruto. O exercício deste  
“direito” pelo comprador redunda necessariamente na reprodução de sua  
propriedade na forma de capital, portanto excluindo da relação de apropriação o  
vendedor da força de trabalho. A riqueza resulta capital, propriedade privada,  
riqueza estranhada, ou... entfremdete Arbeit, riqueza na forma de condições  
objetivas, elas mesmas originadas de algum tipo de processo de produção social  
(processo de trabalho/valorização) que as põe como mercadorias.  
Como se viu anteriormente, é um dos pressupostos sociais objetivos a existência  
de uma forma de individualidade configurada em uma situação na qual o sujeito real  
tenha de alienar, de ceder, como mercadoria a sua força de trabalho. A ocorrência  
desta coação e sua reprodução no tempo como contrato com o capital, por meio de  
sua persona, faz com que a força de trabalho apareça objetiva e socialmente como  
uma mercadoria “qualquer”, apesar dela não o ser. O seu aparecer como mercadoria  
é uma determinação imediata da própria relação na qual ela é transacionada e assim  
se oferece aos seus operadores vendedor e comprador, na aparente simplicidade de  
figuras de cambistas que permutam valores dados: dinheiro e “trabalho”. Trata-se do  
terreno cuja topografia da circulação imediata das mercadorias, no qual se dá a “troca  
de mercadorias, em cujos limites se move a compra e a venda da força de trabalho, é,  
de fato, um verdadeiro Éden dos direitos inatos do homem. Ela é o reino exclusivo da  
liberdade, da igualdade, da propriedade e de Bentham” (MARX, 2013 p. 251). O  
terreno o qual aos agentes econômicos se sentem em casa, como em seu meio  
ambiente ecossistêmico próprio e natural. É onde as suas Gedankenformen parecem  
espelhar de maneira fiel e adequada a própria essência real das suas relações (MARX,  
1962, p. 90). É o espaço da movimentação pragmática e operatória em sua dimensão  
mais imediata, por isso também a referência explícita a Jeremy Bentham. Porquanto a  
única coisa que os une num todo seja exatamente o exercício egoísta e em isolamento  
de suas igualdade e liberdade naturais de transacionar mercadorias. Isto constitui o  
fundamento da "fraternidade" peculiar à sociabilidade diária do capital: fazer parte de  
uma totalidade orgânica de relações sociais de interdependência cuja démarche é  
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travejada pela indiferença recíproca entre entes humanos autocentrados. O nível mais  
imediato da própria aparência da produção capitalista, no qual as determinidades se  
exibem numa clareza que é ao mesmo tempo patente e enganosa.  
O terreno no qual os valores em jogo estão como que dados, não carregando em  
sua fisionomia visível senão traços fugidios e embaçados das determinações que os  
definem. Como proprietários cada qual de sua mercadoria, defrontam-se na esfera mais  
aparente, a da circulação simples, como perfeitamente iguais em substância e direitos.  
Vontades livres isoladas que apenas se encontram em virtude da efetividade desta  
mesma essência, seu encontro, embora necessário, tem, no fundo, o caráter de uma  
necessidade puramente externa. A fraternidade da interdependência recíproca  
indiferente ou a indiferença recíproca interdependente.  
Na medida em que a meta aqui é a compreensão da relação em sua determinação  
essencial, aquilo que a define em sua contextura própria, pura, sem a interveniência de  
outros elementos que, conquanto possam interferir, não alteram a forma de ser, toma-  
se como pressuposição a equivalência entre os valores de face da força de trabalho e  
aquele pago pelo seu usufruto. Algo que já se depreende na aproximação crítico-  
imanente, categorial, da forma mesma da alienação mercantil em sua aparência, uma  
vez que nessa relação “o dinheiro funciona como meio de compra ou meio de  
pagamento, isso é algo que não altera em nada a natureza da troca de mercadorias.  
O preço da força de trabalho está fixado por contrato, embora ele só seja realizado  
posteriormente, como o preço do aluguel de uma casa” (MARX, 2013 p. 250). Um  
primeiro indício, uma determinidade, condicional da particularidade da alienação: não  
se trata de uma venda na qual o vendedor se desfaz permanentemente de sua  
mercadoria. Por razões de ordem ontológica, mas também econômicas em sentido  
lato. Primeiramente, não é uma coisa materialmente externa a si. Em segundo lugar, a  
venda não reprodutível significaria uma relação de alienação do próprio vendedor em  
pessoa. Neste sentido, a venda é limitada a um período de tempo determinado e  
precisa ser reproduzida a cada ciclo temporal de produção das coisas que a atuação  
da força de trabalho produz. Não por acaso, Marx utiliza o termo Mietpreis (preço de  
aluguel). Diversamente do que pretendia o compromisso de Schylock aqui não é  
possível tirar uma lasca, como de um pedaço do corpo, ter a posse da atuação, sem  
denegar tanto o ente quanto a forma da relação. O trabalhador não tem outra forma  
de dar objetividade material ao objeto transacionado senão a da sua atuação, uma vez  
que se trata de uma potência, de uma força, por definição sintética, um epitomado de  
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A força de trabalho como forma de ser  
virtualidades de atuação produtiva; e não de uma parte do corpo. Braços e pernas,  
cabeça e mãos, nada produzem senão como corpo vivo e funcionalmente atuante.  
Esta forma determinada de cessão da força de trabalho, a sua posição como uma  
mercadoria externa, conquanto apenas formalmente exterior, auxilia também na  
compreensão da relação os próprios indivíduos têm para com as condições objetivas  
de produção. O caráter estranhado, capital, é uma contraparte necessária da cessão  
mercantil de um momento de si que passa a ser ele mesmo, como tal, sem deixar de  
ser momento pessoal corpóreo seu, um componente do capital, força do capital. Assim,  
é possível discernir, em parte, a origem do caráter de estranhamento, Entfremdung,  
das coisas produzidas e daquelas que são meios de produção, do modo objetivo pelo  
qual tanto a riqueza quanto suas condições defrontam os indivíduos no processo  
social. Esse caráter é também ressaltado em Teorias do Mais-valor, quando Marx  
observa que:  
(…) a unidade na cooperação, a combinação na divisão do trabalho,  
o emprego, para a produção, das forças naturais e da ciência,  
igualmente dos produtos do trabalho no mecanismo, tudo isso  
defronta os próprios trabalhadores individuais como ente também  
estranho [fremd] e coisificado [sachlich], simples forma de ser  
[Daseinsform] do meio de trabalho independente deles e os  
dominando, enquanto esse meio de trabalho mesmo que, sob sua  
simples figura visível de material, de instrumento etc., [lhes] fazem  
frente como funções do capital e, por conseguinte, do capitalista  
(MARX, 1974, p. 457-458).  
Os próprios nexos e comportamentos técnicos e de interdependência produtiva,  
o conjunto de relações e processos de interatividade social, apresentam-se frente à  
força de trabalho livre como formas de existência do capital, trabalho pretérito  
estranhado. Não somente pela de sua objetivação em coisas, mas acima de tudo pela  
qualidade estranhada destas próprias coisas, a qual exprime a Entfremdung específica  
do capital. As coisas, e relações/processos, são estranhadas porque o nexo social no  
contexto do qual são produzidas e vivenciadas se origina de uma relação de alienação,  
de uma cessão de usufruto em troca de uma parte do capital (a parte variável). O  
aluguel (Miet), Veräßerung, da força de trabalho faz com que esta, ao assumir  
formalmente o modo de ser da mercadoria, seja assimilada e subsumida ao capital  
total. Daí que suas relações práticas com os elementos objetivos e demais subjetivos  
do processo de trabalho sejam demarcadas pelo estranhamento, pelo não  
pertencimento ou não remetimento a si como sujeito humano, mas como força de  
trabalho alienada, alugada, cedida, penhorada, no processo de produção capitalista.  
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Algo que em 1844, seria impossível de se determinar adequadamente, uma vez que  
a categoria força de trabalho não havia ainda sido elaborada em distinção de trabalho  
tout curt.  
A outra determinidade indiciária importante se refere à forma determinada da  
relação. Não é da posse de um ser humano na forma da coisa, o que significaria a  
denegação de uma differentia specifica pertencente ao trabalho assalariado em seu  
modo especificamente moderno, capitalista (MARX, 2013 p. 242). Ademais, a compra  
do escravo significaria o pagamento de todo o trabalho por ele feito, não obstante a  
um terceiro. Um terceiro indício determinativo: é uma cessão provisória. Trata-se de  
uma alienação parcial no tempo e no objeto. No tempo, a princípio, apenas pela  
duração da jornada de trabalho, e no objeto, somente da força de trabalho em seu uso  
capitalisticamente produtivo. Essa determinidade aparece como um momento de  
desdobramento categorial da própria definição de pessoa, agora extensível ao  
indivíduo que trabalha. As condições objetivas de trabalho, os elementos que são  
transformados e que medeiam a transformação têm de estar já apartados da força de  
trabalho viva, esta não figura mais, ao início formal do processo, dentro do conjunto  
das condições gerais. É uma differentia specifica do capital que o modo de existência  
do trabalhador vivo não seja mais nem o do escravo nem aquele comum nas diversas  
formas de servidão. Menos ainda que o trabalhador os possua ou tenha com estes  
uma relação direta e livre. Mas ele, como tal, isoladamente, é "livre" frente aos  
conjuntos de produção que possam existir, ao mesmo tempo em que estes existem  
autonomamente frente a ele. Sua liberdade está fundada na sua despossessão da  
objetividade, reduz-se então à posse subjetiva da objetividade de suas potências de  
objetivação, mas somente se efetiva pondo-as formalmente ao modo das mercadorias.  
A categoria força de trabalho sofre uma modulação ontológica de natureza  
histórica, o que, evidentemente, traz consequências reais para o sujeito de carne e  
osso, socialmente determinado, do qual ela é uma força sintética. O indivíduo que  
efetivamente produz também ascende ao nível da pessoa, entretanto, sob a  
determinação essencial que passa a circunscrever a existência da pessoalidade no  
capital: a de vontade livre que se efetiva na posse de algo, que por meio disto afirma  
o seu próprio ser. À sua afirmação de ser pessoa corresponde a conversão de um  
aspecto essencial à forma social de ser da mercadoria em geral. Essa cessão livre de  
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usufruto temporalmente definido, alugar10, e, portanto, sob condições bem específicas,  
de uma parte de mim, configura uma exteriorização por meio de ein äußerliches  
Verhältnis para com essa parte (MARX, 1962, p.182), como uma propriedade minha,  
entre outras, o que impediria de remeter a totalidade à mesma relação e de me tornar  
escravo, subsumindo-me de maneira integral e indistinta a outrem, o que me negaria  
absolutamente como vontade livre.  
Tal relação conquanto sua aparência simples e imediata não é um dado primário  
da sociabilidade humana historicamente configurada, pois, “a natureza não produz  
possuidores de dinheiro e de mercadorias, de um lado, e simples possuidores de suas  
próprias forças de trabalho, de outro. Essa não é uma relação histórico-natural  
[naturgeschichtliches], tampouco uma relação social comum a todos os períodos  
históricos” (MARX, 2013 p. 244). Não é nem dação natural biológica, nem é um traço  
antropológico de todas as culturas humanas. É antes resultante do processo histórico  
e societário que produziu e reproduz continuamente a força de trabalho como  
mercadoria, conforme os parâmetros acima descritos, é uma realidade objetiva,  
independentemente das representações ideais das ideologias científicas ou  
pragmáticas que façam as personæ da economia do capital.  
Relação que em sua trama contraditória entre corporeidade socialmente  
individual e forma social de relação de produção entre os indivíduos, na medida em  
que os cinde em, de um lado, unidade materialmente viva e insuprimível, e, de outro,  
individualidade que formalmente dá exterioridade a um momento, funda-se na própria  
contextura ontológica do ente humano. Ente que é como tal corporeidade viva e ativa,  
da qual as forças de objetivação são, por assim dizer, “uma função” ou “atribuição”  
concreta de si. Assim, “A força de trabalho existe apenas como disposição do indivíduo  
vivo. A sua produção pressupõe, portanto, a existência dele” (MARX, 2013, p. 245). A  
força de trabalho não é ente, mas uma potência sintética, algo que se determina como  
um tipo de disposição, Anlage, cuja conexão com o ente efetivo, o ser humano vivo, é  
ineliminável. Não é um “sujeito” real senão na seu defrontamento com uma relação  
10  
É ao mesmo tempo instrutivo das dificuldades, quanto mesmo curioso, notar que anteriormente a  
reflexão filosófica, mesmo não materialista, de certo modo, “pressentia” este caráter mais complexo.  
Hegel usa a forma verbal veräußern quando aborda a relação de alienação, cessão mercantil, por  
dinheiro dos usos das capacidades (Cf. HEGEL, G. Grundlinien der Philosophie des Rechts Oder  
Naturrecht und Staatswissenschafl im Grundrisse. Georg Wilhelm Friedrich Hegel Werke 7. Frankfurt:  
Suhrkamp-Taschenbuch Wissenschaft, 1989, p. 103). Como aliás Marx faz indicar em nota ao texto de  
O Capital (MARX 2013, p. 243).  
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Antônio José Lopes Alves  
social assumida como forma de ser das condições objetivas de produção, meios de  
produção como capital. E mesmo assim, onticamente, um sujeito por figuração de  
linguagem, como um conjunto de potenciais que somente vige no mundo em sua  
atuação, seu movimento produtivo. Por isso, a única forma de relação do capital (e sua  
persona) com ela é pela mediação do indivíduo real da qual é força. Ou seja, o capital  
como tal é uma forma objetiva de relação de produção decorrendo entre indivíduos,  
os quais são determinados por seu remetimento ao controle social da propriedade das  
condições objetivas de produção. Não é uma “coisa”, nem uma forma eidética pura,  
flutuando acima do processo de vida social real ou mesmo “animando-o” como sua  
“alma”.  
Daí que seja falso, ou no mínimo uma ilusão especulativa, que o desvendamento  
da forma de ser das relações precise levar a uma denegação do entendimento dos  
antagonismos de classes. Tal como parece ser o caso de algumas das asserções de  
Moishe Postone, por exemplo, para quem a dominância sobre o tempo exercida pela  
relação capital como que se desprende das próprias personæ do capital; em particular  
em sua interpretação dos Grundrisse (POSTONE, 1993, p. 21-42). Postone parece ser  
traído pela questão representada pelo ponto de partida da exposição analítica  
marxiana, uma elaboração que não se concluiu como tal, ademais, a forma dinheiro.  
Forma derivada da mercadoria que existe imediatamente na esfera da circulação, por  
isso a aparência de tratar-se ali da análise de uma forma desprovida de material. O  
que equivaleria a uma versão semipoética, sui generis, especulativa, de estruturalismo,  
agora, fantasmagórico. Neste, "os homens" em geral enfrentam "potências estranhas"  
igualmente em geral. Um tipo de logicismo ontológico embebido de criticismo de  
conceitos. Ora, essas potências “têm”, por assim dizer, “suas” pessoas, conquanto  
essas últimas também não tenham para com as potências que manejam na exploração  
das pessoas do outro tipo, uma relação de simples "pessoas". O estranhamento, apesar  
de ser um caráter geral do resultado do trabalho, como processo de valorização, não  
tem os mesmos conteúdo e forma dos dois lados da relação (trabalhador e capitalista;  
trabalho e capital).  
Não se trata de ter de escolher entre "paradigmas" conceituais: luta de classes  
ou produção de mais-tempo fora do controle dos produtores, mas de capturar estas  
duas delimitações como aspectos de uma mesma efetividade. E não afeta em nada a  
natureza do problema o fato de que os proprietários entabulem relações com os meios  
de produção somente na assunção necessária dessa forma e não de simples indivíduos.  
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A força de trabalho como forma de ser  
Isso não altera o fato de que tais grupos efetivamente se comportem como  
proprietários reais, estão sempre, assim como os trabalhadores, num dado Standpunkt  
real em relação às condições de produção de riqueza. O combate contra a acumulação  
de mais-tempo que sempre um acumular-se em perpétua reprodução é  
simultaneamente um combate contra os acumuladores do mais-tempo. Por isso, trata-  
se de luta de classes e não apenas das classes. Por isso também sua resolução é a  
abolição dessa forma social e não o aniquilamento físico de grupos.  
Essas especificidades da relação, desdobramentos da forma mesma de  
existência da força de trabalho como forma de ser no processo de produção do capital,  
afeta também o modo como a dimensão temporal vige na relação econômica como tal.  
Pois, “Se os produtos são produzidos como mercadorias, eles têm de ser vendidos  
depois de produzidos, e somente depois de sua venda eles podem satisfazer as  
necessidades dos produtores” (MARX, 2013 p. 243-244). A temporalidade aqui se  
complexifica para a própria forma mercantil uma vez assumida objetivamente pela  
força de trabalho. Não é somente o tempo social de produzir os meios de subsistir  
dos indivíduos que efetivamente produzem e sim também aquele da realização destes  
na forma mercadoria. A temporalidade do tempo social é igualmente tão aberta e  
desdobrável quanto a vivência do e no tempo que a do ente vivo humano. E isso de  
modo objetivo, não obstante formalmente configurado. Assim, para a compreensão da  
estrutura do Dasein humano não cabe falar em die Zeit, assim em generalidade, em  
termos absolutos, e sim em des Zeiten. Tempos que são desdobrados pelo processo  
real de vida social e, principalmente, pelas variações das condições reais - materiais e  
formais - de sua produção. Não é o tempo em sua aparente uniformidade dada e  
natural, mas como instância na qual transcorre a atividade, em suas diversas formas  
de atividade, que é também trabalhado ou desdobrado diferentemente segundo as  
operações e suas condições objetivas de realização. Tempo socialmente necessário de  
produção, que é ele mesmo também de existência peculiar, como tempo de  
reprodução.  
De todas essas delimitações resulta que, além de não ser alienação direta do  
indivíduo, de sua corporeidade total, não se trata igualmente da venda de algo  
produzido pelo trabalho dele e da qual ele possa seja desfrutar ou se alienar. Portanto,  
é necessário que ele seja “uma pessoa livre, que dispõe de sua força de trabalho como  
sua mercadoria, e de, por outro lado, ser alguém que não tem outra mercadoria para  
vender, livre e solto, carecendo absolutamente de todas as coisas necessárias à  
Verinotio  
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Antônio José Lopes Alves  
realização de sua força de trabalho” (MARX, 2013 p. 244). Porque senão ao invés da  
Veräußerung de um usufruto de um conjunto de potências teríamos uma comum  
Entäußerung de um produto feito. Que de certa maneira, esteja o proprietário de força  
de trabalho completamente desembaraçado de tudo o que carece, seja para viver seja  
para produzir. O que corresponde à contraparte da relação também uma forma  
bastante específica de atuação, aquela do papel que desempenha como proprietário  
das condições de produção e, aqui, um sujeito que adquire uma mercadoria. Ao  
possuidor de dinheiro, na função de capitalizá-lo, diz respeito apenas as questões das  
tratativas de aquisição do usufruto dessa "mercadoria", não, a princípio, o modo como  
aparece no mercado (MARX, 1993, p. 244). Trata-se do típico positivismo prático e  
pragmático dos negócios, nível no qual, os elementos aparecem em sua figuração  
funcional como dados por sua natureza, ou até mesmo pela natureza. A formatação na  
qual se apresentam corresponde a maneiras naturais, dadas, sem história, de existir.  
Ao comprador da força de trabalho, como adquirente de mercadorias interessa  
sobretudo, e antes de tudo, suas qualidades estabelecidas em conteúdo e forma, seu  
valor pelo qual terá de pagar e seu valor de uso do qual poderá desfrutar, aqui  
como capitalista. Trata-se mais uma vez de uma differentia specifica da produção do  
capital, não é nem uma forma determinada pela naturalidade, nem é um modo trans-  
histórico de existência.  
O que é abstraído pela economia política, uma vez que é ciência situada no limite  
do Standpunkt do capital. Esse posicionamento, no que refere à produção das ideias,  
articula de modo contraditório uma intentio recta para com a realidade objetiva com  
uma visão natural e positivista da realidade social como dada. Ou seja, a afirmação da  
objetividade se dá na forma duma coisa naturalmente estabelecida, por meio da  
indiferença teórica para com seu processo de gênese histórica. Quando muito, a  
história como processo é reduzida a rumo mais ou menos linear ou acidentado de  
afirmação da natureza humana dentro de um lapso temporal. Como se o  
desenvolvimento da história desse azo à afirmação do que já estaria estabelecido pela  
natureza, não obstante as negações que o próprio fizesse de sua natureza. É uma  
história para a natureza, ou uma história natural da natureza humana. A realidade  
objetiva peculiar às relações de produção, relações sociais, é tomada de modo  
positivista por seu valor de face, aparente e imediato, como um pressuposto aquém  
de qualquer entendimento teórico- crítico. A abstração é tomada como existência total  
e natural da relação. Portam todas as relações de produção essa geschichtliche Spur,  
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A força de trabalho como forma de ser  
marcação histórica11.  
É importante nesse sentido fixar que a mercadoria como forma celular do capital  
não é ela mesma um modo de existência mercantil idêntico em todos os contextos  
históricos de produção social. Certamente, essa possui como determinação geral e  
abstrata o não ser não é imediatamente valor de uso senão no remetimento à troca.  
Entretanto, chama a atenção Marx para o fato de existir uma peculiaridade no capital:  
“Ele só surge quando o possuidor de meios de produção e de subsistência encontra  
no mercado o trabalhador livre como vendedor de sua força de trabalho, e essa  
condição histórica compreende toda uma história mundial. O capital anuncia, portanto,  
desde seu primeiro surgimento, uma nova época no processo social de produção”  
(MARX, 2013 p. 245). Não se trata, nota bene, da forma mercadoria em geral, mas  
uma vez integrando o modo de produção do capital, um modo histórico-social  
particular e bem determinado de produção. A forma mercadoria em sua figuração  
genérica, unidade de valor de uso e de troca, pode ser identificada em diversos  
momentos e configurações histórico-sociais diferentes daquele do capital. É tributária  
genealogicamente do próprio desenvolvimento da produção configurando um  
excedente material e do incremento do sistema de trocas, sem que necessariamente o  
mercado e a circulação dentro delas exista como necessidade interna e efetiva. Uma  
mesma categoria, mediando relações aparentemente idênticas, pode fazer parte de  
modos de produção e configurações sociais bem variados e essencialmente diferentes.  
O centro do problema reside em como essa forma é modulada segundo a  
preponderância de outra dentro da totalidade do processo social de produção,  
segundo o que defina a particularidade da forma de ser das próprias relações sob as  
quais transcorre o processo social de produção.  
A especificidade do modo do capital é exatamente aquela condição formal  
objetiva da força de trabalho existir em separação total para com as condições de  
produção, nem ser ela mesma como tal uma condição objetiva entre outras (como na  
11 Expressão que é vertida inadequadamente na tradução mais recente do Livro I de O Capital publicada  
no Brasil por: marcas da história (cf. MARX, 2013 p.). O equívoco se patenteia uma vez que o termo  
referido à historicidade não é um substantivo e sim adjetivo. O substantivo é Spur, marca ou marcação.  
Por conseguinte, Marx não parece estar remetendo a um desenvolvimento histórico, empírico, da  
categoria e sim à differentia specifica que as categorias apresentam segundo o modo de produzir a vida  
no qual se encontram particularizadamente no tempo, em cada tipo de sociedade. A marcação histórica  
é exatamente a diferença ou particularidade que define sua existência como forma de um modo finito,  
atual e peculiar de produzir a vida.  
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escravidão, por exemplo). Em outras formas de sociabilidade, a emergência da forma  
mercadoria se dava mesmo na vigência circunstancial da circulação, Anders mit dem  
Kapital, outra coisa se dá com o capital. A mercadoria é como tal mercadoria, mas o é  
de modo diverso. Assim, as formas possuem variação histórica, uma vez que são  
objetivas Daseinsformen. São antes formas, ou categorias sociais da produção,  
determinadas e não determinantes da existência do capital, muito embora sejam uma  
necessidade interna à sua efetivação.  
Como mercadoria, formalmente apresentada no cenário social da circulação, a  
força de trabalho aparece ela mesma também portando valor, em referência ao qual  
certos preços também se dão. Imediatamente, como grandeza de valor, não se  
diferencia das demais: “O valor da força de trabalho, como o de todas as outras  
mercadorias, é determinado pelo tempo de trabalho necessário para a produção - e,  
consequentemente, também para a reprodução desse artigo específico. Como valor,  
a força de trabalho representa apenas uma quantidade determinada do trabalho social  
médio nela objetivado” (MARX, 2013 p. 245). É esta relação que determina no fundo  
a differentia specifica para a existência da força de trabalho em sua forma capitalista,  
bem como torna possível a capitalização, ou seja, a produção como produção de  
excedente em valor. O excedente em valor se origina como diferença em grandeza do  
tempo social que requer a produção/reprodução da força viva que produz e aquele  
objetivado na mercadoria produzida. Fornecendo ao capital sua differentia specifica  
frente aos demais modos anteriores e/ou diferentes de produzir. Por isso, também,  
segundo Marx, somente a forma mercadoria pode ser aquela preponderantemente  
atribuível a todas as produções, na medida em que tudo que é produzido o é para ser  
mediação de realização de seu valor/mais-valor gerado pela única "mercadoria" capaz  
de tudo valorizar.  
Uma questão importante é que ao contrário das demais mercadorias, que são  
criadas no processo de produção, o valor da força de trabalho como se apresenta na  
relação de Veräußerung é no fundo uma determinação tautológica. Sim, aqui valor =  
valor, porquanto não se pressuponha que a força de trabalho seja uma mercadoria  
como qualquer outra, que seja inclusive produzida como as demais que assim  
aparecem no mercado, mas que apenas funcione socialmente assim, faça as vezes,  
valha, geltet, por uma mercadoria. Somente na sua aparência imediata a força de  
trabalho é igual às demais, sua diferença, entretanto, se patenteia tão logo ela  
apresente ou não seu valor de uso frente às demais que compõe a forma material do  
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capital. A tautologia não é da teoria marxiana, é antes uma redundância prática real. A  
mercadoria, como toda categoria no pensamento de Marx, não é uma forma unívoca,  
mas um complexo de identidade/desidentidade. Não se trata de definir de antemão o  
que é mercadoria "em geral" e depois reduzir tudo a um conceito idêntico, mas de  
capturar as nuances da diferenciação finita nas profundezas da aparência imediata e  
abstrata, na identidade.  
Assim, o entendimento da força de trabalho não é traduzido pela sua redução  
simples a uma definição dada de mercadoria, mas na captura e discussão do seu  
caráter peculiar como mercadoria. Inclusive explicitando o teor de sua incompletude,  
daquilo que não se subsume absoluta e de maneira incontrastável à forma mercadoria.  
Por isso, é essa forma extremamente desconcertante, e de um tal modo que mesmo  
as aproximações anteriores na história do pensamento a apreenderam de maneira  
distorcida, por exemplo, imputando à forma geral o que vale apenas para a força de  
trabalho. Isso pode ser observado, por exemplo, na nota 42, na qual Marx cita Hobbes  
(MARX, 2013 p. 245). O mais divertido é que Hobbes somente acerta para o caso dos  
homens errando, cum grano salis, para as demais coisas, em termos modernos.  
O valor da força humana de produzir é realmente o quanto custa para usá-la,  
pois trata-se exatamente do quanto em valor é necessário para mantê-la operante  
como tal, o quanto custa para reproduzi-la continuamente. Não é, pois, o quanto é  
necessário de trabalho para produzi-la, como valor dado, mas como valor operando,  
ainda que ela se apresente como um valor dado frente ao seu comprador: “O valor da  
força de trabalho se reduz ao valor de uma quantidade determinada de meios de  
subsistência e varia, portanto, com o valor desses meios de subsistência, isto é, de  
acordo com a magnitude do tempo de trabalho requerido para a sua produção” (MARX,  
2013 p. 247). É um valor o qual, conquanto apareça como “dado”, realizado,  
corresponde na verdade à grandeza em valor do tempo necessário para reproduzi-la,  
para mantê-la operante. Por isso trata-se de um valor pelo uso, não de um valor  
simplesmente cristalizado. É um valor de reprodução da coisa usada e em vista de seu  
uso, por isso é uma cessão de direito, de usufruto e não, a rigor, uma aquisição que  
se resolva no momento formal da troca como tal. Nesse sentido, o ato mesmo deve  
ser reproduzido, porquanto se considere a continuidade de sua utilização.  
Para o comum das mercadorias, em sentido estrito, o valor é medido pelo quanto  
se gasta para a sua produção e não para seu uso, não é o valor de uso que se paga,  
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mas este mediado pelo valor. Valor de uso que é também tão dado quanto o valor. O  
seu uso não pressupõe, não obstante tecnicamente garanta, a sua reprodução útil no  
tempo.  
A forma mercadoria força de trabalho exibe-se em sua identidade/desidentidade  
essencial de valor dado/valor de uso a ser continuamente reproduzido por meio de  
seu valor. Exatamente porque ela não é a rigor produzida como mercadoria, mas  
assume esta forma. O que a forma de ser das mercadorias em sentido estrito não  
comporta, uma vez que sua existência de valor é valor posto, cuja variação temporal e  
espacial é compreendida entre as possibilidades de sua realização mercantil, de um  
lado, e a sua depreciação econômica relativa e/ou advindas das entropias de cada  
materialidade que suporta o valor, por outro lado. A composição do valor,  
sumariamente, se reduz ou se resolve (löst sich), é composto e pode ser analiticamente  
decomposto, naquela dos meios que traduzem em efetividade a existência da força de  
trabalho e de seu proprietário, sob a condição do trabalho assalariado. Sua produção  
coincide com a produção do seu proprietário como proprietário livre unicamente de  
sua própria força, daí que a grandeza do salário, variável não somente por conta de  
cada composição de valor, mas também em razão da necessidade interna do  
assalariamento: remuneração unicamente do usufruto da força de trabalho que aparece  
"casualmente", do Standpunkt do capital, sediada num indivíduo vivo e ativo que  
precisa ser reproduzido intensiva e extensivamente.  
A efetividade da Veräußerung não é imediatamente posse do efeito de  
valorização por seu uso. A temporalidade específica que decorre do caráter peculiar da  
existência da força de trabalho como mercadoria também se explicita como mais uma  
differentia specifica. Por isso, Marx utiliza aqui o termo Veräußerung para nomear o  
conceito desta relação e não simplesmente Entäußerung, que seria o caso de uma  
alienação na qual o ato formal de ceder já configura o acesso do comprado ao valor  
de uso, uma vez que mercadoria discreta, materialmente exterior a ambos, é transferida.  
No caso específico, a mercadoria não possui a virtus de ser fisicamente desligada de  
seu proprietário. Por analogia aproximativa, configura essa cessão um aluguel, uma vez  
que a propriedade transacionada persevera em seu vínculo essencial com o  
proprietário. O caráter de “aluguel” está definido reine Auffassung des  
Verhältnisses.  
Deste modo, a transação pela qual o trabalho, como força de trabalho,  
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A força de trabalho como forma de ser  
potência de produção, é assimilado pelo seu aluguel ao capital, corresponde à sua  
entrada no rol de condições reais da riqueza material. Somente sob essa rubrica,  
como produtor/reprodutor de valor valorizado, o trabalhador atua, põe valor por  
meio do pôr em atividade de suas capacidades de trabalho, conforme Marx  
desdobra em outro lugar:  
Pela primeira transação, o trabalho mesmo tornou-se uma porção  
da riqueza material. É o trabalhador que efetua o trabalho, mas  
aquele pertence ao capital e deste é tão somente uma função. Isto  
porque se cumpre diretamente sob seu controle e sua direção e o  
produto no qual se objetiva é a nova forma sob a qual o capital  
aparece, ou antes, sob a qual se realiza [em ato] como capital.  
Neste processo, o trabalho se objetiva, portanto, diretamente,  
transforma-se imediatamente em capital, após ter sido já  
incorporado formalmente ao capital pela primeira transação  
(MARX, 1974, p. 466).  
A atividade de objetivação somente é possível ao trabalhador pela mediação  
da negação determinada do controle sobre sua própria atuação. A afirmação de  
sua pessoa, de si como vontade livre sobre a porção do mundo que o pertence,  
realiza-se como assujeitamento ao capital pela mediação do controle do  
capitalista. O ato de autodeterminação da vontade redunda no final do processo  
em negação determinada, delimitada, particularizada, de sua própria autonomia. A  
autonomia contingente como cambista mascara a sujeição necessária como  
produtor. A realização ou efetivação da força de trabalho, o pôr-se como  
objetivação, o devir em forma ente da forma de seu movimento, somente se dá  
sob a condição de que esta objetivação se dê numa forma estranhada, decorrência  
categorial da própria forma social de relação pela qual ela acessa o contexto  
socialmente determinado da produção de riqueza. A mediação necessária da  
atividade, posta pela alienação do usufruto da força de trabalho, seu aluguel, é o  
estranhamento para com suas condições objetivas, de seus produtos e de si  
mesma como capital, como momentos determinados do capital. A evidenciação  
desta determinação contraditória remete, por sua vez, à necessária compreensão  
daquilo que constitui o objeto ao qual o capital tem acesso ao obter a cessão de  
controle do uso da força de trabalho; o valor de uso em sua especificidade  
socialmente eficiente: o trabalho produzindo riqueza na forma capital.  
O usufruto determinado do capital: dimensões material e formal do valor de  
uso da força de trabalho  
Considerando as delimitações até aqui feitas, a determinação da força de trabalho  
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tanto em sua integração como elemento do processo de produção do capital quanto  
em sua forma de alienação particular ao capital, o desdobramento seguinte diz respeito  
à natureza particular do “objeto” ao qual o capital tem acesso ao adquirir o direito do  
usufruto desta mercadoria particular. Trata-se, por conseguinte, do processo de  
consumo, mas de um ato de utilização bem específico se cotejado àquele das demais  
mercadorias, mesmo daquelas que se destinam à produção do próprio capital. Com  
relação a isto, Marx observa que: “O processo de consumo da força de trabalho é  
simultaneamente o processo de produção da mercadoria e do mais-valor. O consumo  
da força de trabalho, assim como o consumo de qualquer outra mercadoria, tem lugar  
fora do mercado ou da esfera da circulação” (MARX, 2013 p. 250). Um momento não  
somente diferente, mas que transcorre sempre a posteriori e num espaço, material e/ou  
formalmente, diverso daquele no qual se deu a operação de troca pela qual se inicia a  
operação de subsunção ao capital, pela troca com a parte variável do capital. Assim  
como em Orfeu, às portas dos infernos se estampava lasciate qui ogni speranza, o No  
admittance except on businessadverte que não se trata mais das tratativas entre  
pessoas formalmente livres e iguais, vontades que se afirmam reciprocamente em sua  
natureza de proprietários de mercadorias (MARX, 2013 p. 250). É neste terreno  
lúgubre, o qual a partir do posicionamento (Standpunkt) da vida imediata das  
mercadorias é não visível, uma depressão no relevo do processo social aparente, é  
que transcorre o uso efetivo da força de trabalho não apenas em seu caráter  
diretamente empírico, como criação de algo de uso real, mas, sobretudo, pela  
determinação de sua forma de ser social como força capitalisticamente utilizada.  
Neste sentido, na apreensão desse processo se pode observar não só como o capital  
produz, “mas como ele mesmo, o capital, é produzido. O segredo da criação de mais-  
valor [Plusmacherei]12 tem, enfim, de ser revelado” (MARX, 1993, p. 197). Agora, o  
terreno do entendimento, longe das luzes se encontra nas profundezas do processo de  
produção do capital, do qual o resultado é em sua forma de aparição a imensa coleção  
de mercadorias. Produção que é concreta e simultaneamente elaboração do mais-valor,  
engendramento do excedente em valor frente àquele desembolsado na aquisição do  
usufruto da força de trabalho. Por isso, trata-se também pari passu processo de  
12  
Observe-se que, para ser fiel à marcha da argumentação marxiana, não se pode ainda aqui nomear  
diretamente o mais-valor como tal, Mehrwert, mas sim usa-se, no original, uma fórmula mais abrangente,  
simples, abstrata, Plusmacherei, um fazer a mais ou fazer um plus, enfim, o excedente buscado pelo  
“comprador”, locatário, o “inquilino”, da força de trabalho.  
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A força de trabalho como forma de ser  
produção continuada do capital e de sua reprodução como tal, do incremento da  
grandeza de valor cristalizada nas condições objetivas, nos meios de produção.  
Ademais, essa passagem, conquanto sua curta extensão, é decisiva para nosso  
problema, porque não se trata apenas de valor de uso material e particular das  
potências individuais de objetivação. Muito embora a aquisição desta mercadoria  
central se dê por uma propriedade cujas dimensões são material e formal que é  
realizar uma atividade produtiva; a produção de um novo valor num corpo de valor de  
uso. No entanto, como o valor de uso é tido em vista de saída para assumir a forma de  
valor, ou seja, trata-se de produzir valor de uso que se expressará ao final do processo  
de trabalho como valor de troca frente a outros.  
Ainda que transcorram em lapsos temporais sequenciais e separados, do  
Standpunkt da determinação da forma social, o artigo não é mercadoria apenas quando  
depois que adentra à troca, já o é para adentrar. É produzido sob a determinidade  
essencial da forma mercadoria, tanto extensiva quanto intensivamente; seja na  
quantidade discreta de itens, seja no modo técnico-administrativo como se organiza a  
sua produção. Apesar de ser imediatamente valor de uso, e ser vendável apenas sob  
essa condição, o artigo discreto, o objeto ou efeito produzido, somente vale para o  
processo de produção do capital na função de sua forma social mercadoria completa,  
cujo momento preponderante é o valor. E isso no nível da determinidade, porque para  
a produção do capital, a determinação essencial é o mais-valor, a qual se expressa no  
valor da própria mercadoria. Porquanto não se tenha em vista o valor de uso desta  
mercadoria específica e peculiar senão por essa característica de produzir valor novo  
frente aos demais que compõem o capital (dinheiro e meios de produção) antes desta  
troca. Esses elementos não apenas têm valor, mas são valores dados a priori, cujo uso  
necessita resultar em novos valores para que não se percam.  
Nessa mediação se antecipa de certa forma que não é compra propriamente "de  
trabalho", mas aquisição de um elemento real que se objetiva como trabalho, numa  
atuação que cria valor. Na medida em que não é como as demais mercadorias o  
produto de um processo específico de trabalho/ valorização, a força de trabalho  
somente é o que é como potência em movimento, em produção, em uso. É Kraft de  
uma coisa viva, por conseguinte, efetivamente somente se dá porquanto se a utilize.  
Em função da determinação pela forma de ser social da própria produção, o  
princípio diretivo e o alvo do processo social não é como tal, tão somente, a produção  
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de mercadorias. É a criação produtiva do mais-valor, que somente se realiza pela  
mediação necessária da existência desta relação social capital numa outra forma  
efetiva de existir, algo que se configure como um Dasein de fato. Entretanto, este  
Dasein factual tem de possuir a virtude de ser transformável em valor em sua forma  
pura, na coincidência imediata entre valor e valor de uso dinheiro. Por seu  
fundamento, este dinheiro mesmo precisa aparecer ao final relativo do processo de  
circulação, quando a mercadoria de uso pessoal é adquirida, num montante que supere  
em valor àquele desembolsado, ao menos, na aquisição do usufruto da força de  
trabalho. Portanto, a mercadoria, conquanto seja um caráter necessário que os  
produtos do trabalho tenham de assumir, pois é nesta existência que são possíveis o  
intercâmbio social privado e a objetivação final de seu valor em valor autonomizado,  
dinheiro, não é por si mesma o fundamento e a meta da produção capitalista. A  
mercadoria é a forma de mediação multilateral do capital, mas o é sempre em  
subsunção determinada ao ditame da valorização do valor das condições objetivas de  
produção.  
Este ponto possui um peso categorial considerável e têm implicações inclusive  
para a compreensão de uma série de fenômenos determinados da sociabilidade  
capitalista em geral. Por exemplo, o fato de a mercadoria ser uma forma transiente do  
capital, de transição e ela mesma transitória, impacta o entendimento que se deve  
alcançar das modalidades típicas de fetichismo da vida social capitalista. O fetiche da  
forma mercadoria não é o único, nem é o mais decisivo dentro da totalidade de  
relações societárias, apesar de ser aquele mais vivaz no nível do cotidiano. Pode-se  
apontar também aquele ligado à forma juros, em que o dinheiro, capital ou meio de  
acumulação individual, aparece fantasmagoricamente “se reproduzindo” numa cópula  
mística com o tempo, o plus em dinheiro aparece como filho de um casal inusitado: o  
vil-metal e Chronos. Ou ainda, um que tem relação direta com o uso da força de  
trabalho no processo de produção do capital (simultaneamente trabalho e valorização),  
aquele ligado à própria forma capital como tal. A forma de ser social da atividade e de  
seus produtos, uma vez remetidos ao incremento do valor das condições objetivas da  
produção e determinados em sua existência como elementos do capital.  
O uso da força de trabalho aqui aparece então em sua dimensão particular  
multilateral e especificada em função da valorização do valor inicialmente dado no  
corpo dos meios de produção (corpo que pode ser tanto material, uma máquina ou  
um polímero, quanto formal, um processo tecnológico ou um algoritmo). O capital  
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A força de trabalho como forma de ser  
defronta a força de trabalho imediatamente como coisa material ou forma objetiva de  
existência (normalmente nas duas modalidades) que existem como propriedade da  
qual está excluído o proprietário da força de trabalho. Objetos físicos e formais,  
materiais e meios de trabalho, conquanto perseverem em sua existência empírica  
concomitantemente são objetivamente o capital in rebus, dado como pressuposto ao  
exercício da força de trabalho. E este é um dos traços de sua determinação como  
momento preponderante do processo e engendra ele mesmo um fetiche próprio.  
Com pelo menos duas frontes: 1) aparece como coisa ou forma objetiva, neste sentido,  
em determinação reflexa, coisas e formas objetivas aparecem também como sendo por  
si capital; 2) aparece a relação capital nessa forma objetiva como ela mesmo tendo em  
si as condições de sua produção.  
Em Teorias do Mais-Valor, Marx, ao discutir a natureza da própria relação pela  
qual no processo de produção a força de trabalho é assumida, caracteriza com mais  
detalhamento este aspecto determinante do qual se revestem as condições objetivas  
que defrontam o sujeito e a sua força de trabalho. Servindo-se da expressão  
gesellschaftliche Bildungen, formações sociais, intenta determinar a duplicidade de  
determinação social das condições. Estas são como tais resultado também de  
atividades socialmente determinadas, mas aparecem frente à força de trabalho viva,  
igualmente delimitadas em essência pela sua forma de ser capital, uma vez,  
“subsumidos ao capital, os trabalhadores tornam-se os elementos dessas formações  
sociais, mas tais formações sociais não lhes pertencem. Elas os defrontam, portanto,  
como figuras do próprio capital, como combinações que, diferentemente de sua  
potência de trabalho isolada pertencem ao capital, nascem dele e a este são  
incorporadas” (MARX, 1974, p. 458). O capital aparece aqui como a forma social da  
totalidade dos elementos materiais e formais (relacionais) da produção de riqueza. O  
processo de trabalho é despido de sua operosidade real, ou é esta mesma subsumida  
à forma abstrata do processo de produção. Esta subsunção dos construtos (Bildungen)  
socialmente criados e determinados apresenta, por sua vez, implicações também para  
a própria forma de ser real da força de trabalho, uma vez este operando na produção  
capitalista de mercadorias. Nesse sentido, a “potência de trabalho é ela própria antes  
de tudo modificada por essas formas a tal ponto que, em autonomia, por conseguinte,  
fora desta relação capitalista, torna-se impotente, sua capacidade de produção  
autônoma está denegada [gebrochen wird]” (MARX, 1974, p.458). A subsunção do  
trabalho se completa categorialmente na medida em que este passe a aparecer não  
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Antônio José Lopes Alves  
somente como subordinado e determinado, mas igualmente como um elemento não  
essencial da relação, tomado evidentemente em sua forma de ser imediata, no  
trabalhador individual, na força de trabalho assimilada ao processo. Vale apenas  
porquanto esteja já submetida aos nexos da produção de mais-valor. A inversão se  
consuma na medida em que o meio de trabalho se transubstancia em forma objetiva  
do capital, convertendo suas mediações tecnológicas em modos de controle e de  
substituição do trabalho vivo. E isso, não apenas no que diz respeito ao modo de sua  
alocação burocrática ou formal no local de trabalho, mas acima de tudo no aspecto da  
redução de sua operosidade de controle dos construtos, que seria a princípio aquele  
do acompanhamento, à dimensão mais abstrata dele, como “apêndice” à atividade  
“da” máquina, por exemplo: “com o desenvolvimento do maquinismo, as condições do  
trabalho aparecem dominando o trabalho também tecnologicamente e ao mesmo  
tempo o substituem, o suprimem [unterdrücken], fazendo dele supérfluo em suas  
formas autônomas” (MARX, 1974, p.458). A subsunção também se traduz como  
expulsão potencial do processo: substituição da força de trabalho, sua transformação  
em elemento virtualmente dispensável. O resultado da força de trabalho como potência  
real in actu é no fundo a potencialização de sua indigência ontológica originária e a  
consequentemente virtual miserabilidade multiforme do indivíduo do qual é potência:  
o desemprego.  
É exatamente desta virtualidade constante convertida em possibilidade é que se  
nutre o capital em sua investida de subsunção submissiva da força de trabalho a si.  
Uma vez que engendra em dois movimentos uma indigência social real, conquanto não  
necessariamente dada sempre empiricamente. Por um lado, tende continuamente a  
transformar a força de trabalho concreta, materialmente disposta segundo uma  
particularidade de uso, em força de trabalho formal ou socialmente abstrata. O que  
realiza tendencialmente a preponderância da dimensão abstrata de seu valor de uso –  
a produção de mais-valor em relação àquela de caráter material a produção de um  
Warencorps particular que é da alçada da especificidade de um dado conjunto de  
operações concretas.  
A produtividade da força de trabalho, seu uso, o que o capital acessa é por isso  
um complexo contraditoriamente posto em termos sociais. Contraditoriedade  
imanente, que tem na coexistência imediata das duas dimensões na atuação produtiva,  
na qual reside a efetividade da mercadoria força de trabalho. Assim, a força de trabalho  
é produtiva quando opera a “metamorfose do dinheiro ou da mercadoria em capital,  
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A força de trabalho como forma de ser  
isto é, que conserva ou acresce o valor do trabalho objetivado devindo autônomo  
frente à potência de trabalho, é o trabalho produtivo. Trabalho produtivo é apenas  
uma abreviação para designar o conjunto da relação e do modo segundo os quais a  
potência de trabalho figura no processo de produção capitalista” (MARX, 1974, p.  
463). Por isso, trabalho produtivo corresponde a um determinado comportamento, ao  
Verhalten, das capacidades de trabalho atuando produtivamente no contexto em que  
foram inseridas formalmente pela troca com a parte variável do capital. É importante  
notar como a valorização não é, em Marx, uma atividade substantivada como ocorre  
normalmente na forma especulativa de analítica , mas um comportamento real de uma  
entidade corporalmente configurada, o conjunto teleologicamente articulado de atos  
pelos quais a força de trabalho viva, que somente é efetivamente como individualidade  
em movimento, atua e produz valores. Mais uma vez que o pôr, não é o sujeito (so ist  
nicht das Setzen Subjekt) (MARX, 1962, p. 577), o sujeito é um ente real com uma  
atuação igualmente real e corporalmente condicionada que age duma ou doutra forma  
socialmente determinada pondo outros tantos entes ou formas de existência  
igualmente objetivas. Que sua atividade exista como atividade estranhada não a torna  
por isso sujeito efetivo senão na criticidade discursiva. É a forma dum ato, uma forma  
social e historicamente configurada de agir; mas, não uma suposta ação "pura", sem  
sujeito. É uma maneira determinada de ser do indivíduo real vivo e ativo, não obstante  
contraditoriamente resulta na sua sujeição no ato mesmo. Aqui, novamente, não há  
espaço para fantasmagorias, seja aquelas do estruturalismo, por exemplo. O domínio  
do tempo mediado pela produção privatizada do mais-tempo ou do tempo  
potencialmente disponível privadamente apropriado e controlado, riqueza capitalista,  
decorre necessariamente entre grupos reais que, certamente, incorporam ou assumem  
formas de ser, mas que ao fazerem, continuam sendo.  
Como apropriação de força de produção humana numa relação social  
determinada, o uso capitalista da força de trabalho se configura na sua efetividade  
como o exato oposto da tratativa aparente de intercâmbio de equivalentes. O valor de  
uso da força de trabalho, como o de qualquer mercadoria, não se resolve no seu valor,  
mas na sua mobilização concreta, num consumo real. Ocorre que o consumo real é,  
neste contexto, criação de valor em grandeza superior àquela pela qual seu uso foi  
adquirido. Deste modo, o processo de trabalho é que passa a aparecer como uma  
forma circunstancial do processo de valorização, e este último, conquanto seja tão  
somente de caráter real formal, aparece como o elemento condicionante efetivo do  
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processo de produção. Trata-se de uma inversão dada de forma concretamente  
imanente e objetiva ao processo como tal. Não é uma inversão subjetiva, um logro ou  
uma “falsa consciência”. Invertem-se socialmente ordens de determinação ontológica  
do próprio ato humano de produzir. A forma social, uma relação que organiza o  
processo de realização de trabalhos, torna-se a determinação preponderante frente à  
efetividade material e da multidiversidade dos trabalhos. A este respeito, Marx é levado  
a afirmar a certa altura da análise do trabalho produtivo capitalisticamente  
determinado, por exemplo, o do alfaiate trabalhando para uma alfaiataria, o seguinte:  
“que isto se passe sob a forma de confecção de calças apenas dissimula a relação real.  
Isto porque, na medida em que se possa, o merchant-tailor busca retransformar as  
calças em dinheiro, isto é, em uma forma na qual o caráter determinado do trabalho  
do alfaiate completamente tenha desaparecido” (MARX, 1974, p. 472). Ou seja,  
engendra-se uma inversão característica da forma capital, é o processo de trabalho  
real, a utilização concreta e particular da força de trabalho num sentido objetivo  
determinado, que passa a figurar como mera forma de aparição, uma existência  
aparente, a qual “dissimula” (versteckt) empiricamente a relação efetiva.  
Por conseguinte, é sempre importante levar em conta que se trata de um  
processo social unitário de produção socialmente efetivado, o do capital, de um modo  
histórico-social de produzir, cujos momentos, no caso, produção e circulação de  
valores, constituem uma unidade diferenciada. São momentos constitutivos e  
constituintes que se remetem. Nesse caso em específico, malgrado a distinção real, as  
distintas operações de subsunção possuem uma conexão interna, a forma  
preponderante capital, que faz da força de trabalho em sua vigência operativa um  
elemento que efetiva seu caráter de figura também do próprio capital, a condição  
subjetiva de sua produção. Essa maneira unitarista de existir dos momentos é a típica  
de uma totalidade orgânica, não necessariamente sistêmica em sentido “forte”, como  
derivação unívoca de um ou dum conjunto de princípios autônomos à sua própria  
existência real; como se decorressem por algum tipo de “dedução” ontológica.  
Diversamente, é uma tessitura cuja trama das malhas depende das condições –  
inclusive “exteriores” e mesmo casuais – de seu tecer. É uma totalidade de relações  
sociais que se remetem e se expressam em níveis e figurações variadas, por vezes sob  
o modo de espelhamentos, de referenciamentos que refletem até de modo invertido  
determinações de umas formas às outras. Assim, é também que o uso da força de  
trabalho espelha de maneira invertida a relação inicial de subsunção na medida em  
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que simultaneamente continua a reproduzir a forma determinante da própria relação,  
o capital. O desigual, o mais-valor, espelha de maneira peculiar a equivalência abstrata  
pela qual a força de trabalho é assumida no processo.  
Na primeira operação que se situa no terreno da circulação simples decorre um  
ato de cessão formal de usufruto ou de empenhamento da força de trabalho. É o acerto  
por meio do qual a força de trabalho assume efetivamente sua figuração de  
mercadoria, uma vez que seu possuidor explicitamente cede por aluguel  
(Veräußerung/Miet) acesso ao valor de uso. Já a segunda, a de uso concreto da  
mercadoria peculiar (processo de trabalho/valorização), está localizada no âmbito do  
processo de produção do capital, simultaneamente trabalho e valorização, e dista no  
tempo em relação àquela primeira transação. Primeiramente, em razão de sua  
particularidade de residir no corpo vivo de uma pessoalidade individualmente  
configurada, materialmente discreta, singularizada como esse ou aquele sujeito. A  
exterioridade em relação ao proprietário, por um limite ontológico, possui um caráter  
formal e não material.  
Nesse sentido, o capital configura na exploração da força de trabalho livre, cujo  
indivíduo trabalhador se apresenta imediatamente como proprietário privado e, por  
isso, também pessoa, instaura historicamente uma relação de domínio particular. Um  
domínio que não é, senão muito mediatamente, político, ainda que se expresse, por  
exemplo, em várias das formas democráticas (de certo modo, a igualdade perante a lei  
exprime igualmente, entre outras coisas, a abstração em que se encontram as figuras  
do trabalho e do capital na aparência imediata da troca simples). E não se trata de um  
domínio pessoal ou individual, não obstante seja sempre de indivíduos ou grupos de  
indivíduos uns sobre os outros. Porquanto, “o que distingue, com efeito, esta forma  
de todas as precedentes, é que o capitalista não domina o trabalhador em virtude de  
uma qualidade qualquer de sua pessoa, mas unicamente na medida em que ele seja  
‘capital’, sua dominação é somente aquela do trabalho objetivado sobre o trabalho  
vivo, do produto do trabalhador sobre o próprio trabalhador” (MARX, 1974, p. 457).  
A differentia specifica do capital como Produktionsweise = o domínio de sujeito sobre  
o outro do capitalista sobre o trabalhador não se dá mediado por uma qualidade  
pessoal sua, mas por sua determinação social como personificação do capital  
objetivado como condições objetivas e materiais de produção, de produção do mais-  
valor. O capitalista é uma função social, antes de o ser uma identidade pessoal. Aliás,  
só se torna identidade pessoa, uma forma de existência individual, sendo assumida de  
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modo socialmente objetivo. Por isso, é, a princípio e no limite, absolutamente  
indiferente qual individualidade singular venha a personificar a propriedade privada  
capitalista; assim como qual seria, do outro lado, o indivíduo que se apresenta como  
força de trabalho viva a ser subsumida no processo social. Essa determinação posta  
tanto pela troca aparente, mas, principalmente, pelo controle sobre o uso produtivo  
da força de trabalho apresenta uma gama diversificada de consequências potenciais e  
efetivas para o desenho da individualidade que se elabora na gravitação em torno da  
força de trabalho como força produtiva do capital.  
Nesse sentido, a análise marxiana, muito embora não ignore as dimensões morais  
postas pela exploração do mais-valor/mais-tempo-de-trabalho, não assume uma  
posição moral na crítica imanente das relações sociais. Pois, não se trata de avaliar  
simples opções dos indivíduos ou escolhas entre valores a serem acatados ou  
denegados, segundo uma regra supostamente universal, senão já num dado  
posicionamento social objetivo em relação à produção do valor valorizado. A tarefa é  
antes a compreensão crítica da totalidade e dos posicionamentos sociais nas quais os  
indivíduos estão situados nas escolhas e ações. Por isso, nunca se trata de ponderar  
moral ou eticamente “o trabalho’, por exemplo, com referência ao salário. O que pode  
ser observado claramente quando Marx critica o sentimentalismo barato wohlfeile –  
da objeção moralista de Rossi às implicações que Natur der Sache fließende se funda  
na distinção categorial central para a compreensão marxiana da economia entre  
trabalho e força de trabalho. Quem "diz um" não "diz o outro", senão pela mediação da  
existência do operador em proprietário de uma mercadoria específica e da operação de  
seu valor de uso necessariamente subsumido à valorização (MARX, 1974, p. 194-195).  
Na medida em que se trata de uma força, de uma potência de ação, de produção,  
sediada no irredutível corpo de um outro, e não de uma coisa, a simples operação de  
compra e venda não põe imediatamente o valor de uso efetivamente em posse do  
comprador.  
Outra peculiaridade contraditória da força de trabalho como mercadoria que  
simultaneamente a põe como não idêntica a todas as demais: ser valor posto não é  
imediatamente ser valor de uso posto em efetividade. Não há uma identidade nem  
temporal nem formal, e muito menos material, naqueles dois pôres. O pôr em  
efetividade de seu valor de uso, para o capital, somente devem porquanto a força se  
exteriorize em movimento concreto de produção, no contexto de um processo de  
trabalho determinado e particular. O que se encontra assim delineado em O Capital:  
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Da natureza peculiar dessa mercadoria específica, a força de trabalho,  
resulta que, com a conclusão do contrato entre comprador e  
vendedor, seu valor de uso ainda não tenha passado efetivamente às  
mãos do comprador. Seu valor, como o de qualquer outra mercadoria,  
estava fixado antes de ela entrar em circulação, pois uma determinada  
quantidade de trabalho social foi gasta na produção da força de  
trabalho, porém seu valor de uso consiste apenas na exteriorização  
posterior dessa força (MARX, 2013 p. 248).  
Uma curiosidade categorial é que a aparência mesma da relação, a troca simples  
de equivalentes, no qual o trabalho assim indistintamente figura como uma das  
mercadorias, abre às avessas um espaço à compreensão crítica. Porquanto somente se  
tenha acesso ao dinheiro uma vez se entregue a coisa transacionada, neste acaso,  
aparentemente "o trabalho", apenas após transcorrida a atividade é que se paga por  
ela. Ora, como se pode comprar uma atividade? Esse é o contrassenso ontológico no  
qual acriticamente a economia política, em alguns casos de boa-fé por suas diferentes  
dimensões limitantes , já em outros de má-fé, acaba por incorrer. Uma atividade não  
é uma coisa senão formalmente ou por liberdade poética. Hegel, que era um exímio  
transformador de atividades e processos em entes ou formas autossustentadas de  
entificação, não caiu nessa esparrela, ao perceber corretamente que se tratava da  
cessão de direito a um ganho advindo de uma atividade e não da venda da atividade.  
O que ainda é incompleto, na medida em que não se tematiza toda complexidade  
envolvida na cessão de um usufruto de atividade realizada por um indivíduo que o  
cede monetariamente a outrem.  
Outro aspecto decisivo do problema é que o ato formal de posse não se  
identifica necessariamente ao caráter do uso que se faça de uma mercadoria, nem  
decorre obrigatoriamente dele. O que no caso da especificidade da força de trabalho,  
a peculiar alienação de seu usufruto, de certo modo, provoca outra inversão relacional  
à troca simples: o vendedor somente recebe o que, em tese, seria o equivalente em  
valor após seu uso. Logo, “o trabalhador adianta ao capitalista o valor de uso da força  
de trabalho; ele a entrega ao consumo do comprador antes de receber o pagamento  
de seu preço e, com isso, dá um crédito ao capitalista” (MARX, 2013 p.248-249). De  
uma parte, reforçando a natureza da apropriação muito específica do trabalho pelo  
capital, tudo transcorre aproximativamente à maneira de um aluguel do uso de um  
bem, paga-se após decorrido certo lapso periódico de tempo de seu emprego ou gozo.  
De outra parte, na análise do uso em correspondência àquela específica forma de  
alienação, Marx delineia analiticamente um tipo curioso de "usura" de usufruto. A  
função do proprietário de si da sua força de trabalho assume formalmente a figura  
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de alguém que fornece antecipadamente um valor, mas em função de seu valor de uso,  
para poder receber pela utilização a posteriori em relação ao usufruto. A analogia  
usurária, contudo, cessa ao se perceber que o trabalhador não receberá mais que o  
valor cedido pela sua face dada. Por esta aparência real, de valor cristalizado numa  
individualidade viva e ativa, receberá, em tese, um preço correspondente. No entanto,  
la mise en œuvre de seu valor de uso engendrará um valor que suplanta em grandeza  
o quantum de trabalho incorporado no epítome de capacidades. Aqui, os juros são  
pagos pelo "agiota"; trata-se de uma agiotagem às avessas, porquanto a troca de  
equivalentes seja apenas a forma de aparição formal, mero primeiro passo, da  
subsunção da força de trabalho ao capital. O passo meramente formal, mas necessário,  
da subsunção. O comprador tem acesso ao valor/valor de uso antes de sua  
remuneração, seu proprietário original somente vê esse a grandeza desse valor em  
dinheiro somente após seu uso. E mesmo assim, o valor que chega a seu bolso não  
corresponde ao valor gerado pelo uso da cessão de controle que efetuou. No fundo, o  
tomador de crédito é que curiosamente embolsa os juros. Uma usura sui generis, usura  
de tolo. Usura às avessas à qual, em função de sua situação de ontologicamente pauper,  
o proprietário da força de trabalho não tem como se furtar.  
Não por acaso, dentre as que Marx enumera em nota (MARX, 2013 p. 249-250)  
a essa passagem, o assalariamento mensal deveio um procedimento que traduzira  
praticamente uma suposta regra universal de uma aparência tal, que porta hoje o  
caráter de forma axiomática, que prescinde de demonstração prévia de sua  
procedência, portadora de um caráter auto-evidente e natural. O pagamento mensal,  
aliás, desnuda à contrapelo de sua aparência inversão dos termos entre quem se  
apropria da valorização sem gerá-la e daquele que a gera sem dela se apropriar. No  
nível em que se passa a efetividade do capital desfazem-se todas as aparências da  
igualdade e da liberdade próprias ao capital, revelando o conteúdo da fraternidade de  
interdependência que conecta os indivíduos assim socialmente determinados: “O  
antigo possuidor de dinheiro se apresenta agora como capitalista, e o possuidor de  
força de trabalho, como seu trabalhador. O primeiro, com um ar de importância,  
confiante e ávido por negócios; o segundo, tímido e hesitante, como alguém que  
trouxe sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da ...  
despela” (MARX, 2013, p. 251). Neste âmbito, onde se dá a sua produção real como  
resultado do trabalho/valorização, a mobilização do caráter material ao valor de uso da  
força de trabalho em vista de seu formal, enfim, as duas personagens abandonam a  
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máscara abstrata e passam a portar aquelas correspondentes às particularidades reais  
de suas funções econômicas. À uma, cabe o controle do processo, seu regramento,  
como pessoa do capital, a realização de seu negócio próprio: zelar para que a  
valorização transcorra sem maiores sobressaltos. À outra, efetivar a potencialidade de  
sua liberdade como subsunção formal ou real de suas força e atividade ao capital.  
Objetivar-se em sua atuação produtiva, criando uma mercadoria estrito senso, assim  
produzida desde o início, para portar valor/mais-valor a ser realizado ulteriormente. A  
submissão do tempo de vida como tempo de produção, o tempo de sua (re)produção  
como tempo de sua exploração, a despensa do tempo pessoal como tempo socialmente  
determinado, como criação do sobretempo. Temporalidade social na qual sua pele  
entregue ao Gerberei do capital.  
Desempenhar seu papel als sein Arbeiter, pontua criticamente também o fato de  
que, não obstante o assujeitamento do trabalho assalariado seja essencialmente  
diverso daquele no qual o próprio indivíduo do qual a força de trabalho é uma potência  
sintética seja o objeto da alienação, instaura-se uma forma peculiar, nova, de  
submissão econômica, que se expressa também numa modalidade de dependência  
distinta das anteriores, do trabalhador em relação ao mestre das condições objetivas  
de produção. Os termos aqui não têm, comme d'habitude, em Marx, função apenas  
estilística, ou a têm na exata medida em que podem ser mediações explicitadoras de  
conteúdo. Ele é seu trabalhador, essa condição vai, na infinitude da duração temporal  
do contrato, defini-lo em essência, moldando igualmente as demais dimensões de sua  
vivência real como sujeito concreto. O ser proprietário de força de trabalho em  
efetividade, negociá-la, alugá-la, no contexto real das relações mercantis, dar a ela não  
somente a forma da mercadoria, mas realizar essa forma, cedendo de facto o usufruto  
de sua atuação, resultará na negação determinada, obviamente delimitada, de sua  
personalidade livre. Eis que o exercício da liberdade privada, pela qual "afinal" agora  
em termos de história universal todos são livres, redunda na sua denegação  
determinada como efetividade contraditória.  
A evidenciação desse conjunto complexo de inversões socialmente objetivas,  
algumas delas na inerência das relações e até das atuações produtivas, atinentes à força  
de trabalho unicamente se torna possível na medida em que a análise da anatomia da  
sociedade civil, o conjunto de relações de produção do capital, pode arrimar-se no  
entendimento distintivo da categoria força de trabalho. Não se configuraria, ademais,  
indicar essa distinção como um ponto nevrálgico da inflexão verificada na tematização  
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marxiana tanto do capital como totalidade orgânica quanto da sociabilidade capitalista,  
e da individuação a esta correspondente, que emergem a partir de 1857 e se espraia  
de maneira diversificada pelos diferentes registros problemáticos aos quais aquela se  
voltou. Explicitando essa importância imanente à construção do pensamento de Marx,  
discutindo uma passagem dos Manuscritos de 1861-63, Morilhart observa,  
acertadamente:  
Assim sendo, “as condições objetivas da realização de sua potência  
de trabalho, as condições da objetivação de seu trabalho” lhe são  
estranhas, fazem-lhe face como propriedade de outrem. Portanto, a  
força de produtiva social nascida da cooperação das potências de  
trabalho operada por meio da divisão do trabalho aparece aos  
operários “como uma potência exterior, que os domina e os engloba,  
e, em realidade, como potência e forma do capital mesmo, sob o qual  
eles são individualmente subsumidos e ao qual pertence a relação  
social de produção deles” (p. 290). Essa submissão do trabalho ao  
capital se revelando “como processo de alienação do trabalho como  
processo que o torna estranho a si mesmo, evidenciando formas  
sociais do trabalho como potências estranhas” (p. 328). A potência  
produtiva do trabalho social aparece aos membros da sociedade  
capitalista como potência produtiva do capital13 (MORILHART, 2017,  
p. 105-106).  
Veja-se como Marx retoma aqui o problema de 1844, obviamente, já totalmente  
mediado de modo diferente, pela distinção crucial entre Arbeit und Arbeitskraft, que  
torna possível expor de forma também mais precisa a conexão entre a Entäußerung  
des Arbeit, relação social de apropriação, como cessão de usufruto (Veräußerung), e o  
entfremdet Arbeit, como capital, as condições objetivas de produção, e a resultante  
riqueza produzida pela transformação delas na atividade produtiva, na forma do  
estranhamento. Um mérito deste autor reside no fato de que em boa parte de sua  
exploração do conceito particular de força de trabalho, ele termine por explicitar, muito  
embora sem o destacar, a diferença fundamental existente entre os diferentes termos  
(notadamente, estranhamento e alienação, e suas variações) que gravitam em torno da  
força de trabalho conforme sua existência no capital. Morilhart não os trata na ligeira  
13  
Ceci étant, « les conditions objectives de la réalisation de sa puissance de travail, les conditions de  
l’objectivation de son travail » lui sont étrangères, lui font face comme propriété d’autrui. Partant, la  
force productive sociale née de la coopération des puissances de travail mise en œuvre à travers la  
division du travail apparaît aux ouvriers « comme une puissance extérieure, qui les domine et les  
englobe, et, en réalité, comme puissance et forme du capital lui-même, sous lequel ils sont  
individuellement subsumés et auquel appartient leur rapport social de production » (p. 290). Cette  
soumission du travail au capital se révélant « comme processus d’aliénation du travail, comme un  
processus qui le rend étranger à lui-même, comme mise en évidence des formes sociales du travail  
comme d’autant de puissances étrangères » (p. 328). La puissance productive du travail social apparaît  
aux membres de la société capitaliste comme puissance productive du capital.  
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e enganosamente simploriedade de uma aparente sinonímia, maneira pela qual parte  
considerável da tradição marxista, acadêmica e politicamente dominante, o fez e ainda  
o faz, ao abordar de tais questões. Somente sob a vigência da intelecção das distinções  
é possível compreender as inversões de determinação, que Marx evidencia no decorrer  
de sua análise, em seu sentido ao mesmo tempo objetivo e multifacetado. O  
entendimento de todos esses processos de inversão se torna tanto mais urgente  
quanto mais se demande, enquanto complemento necessário, o tratamento das  
questões atinentes ao modo como essa totalidade de relações sociais se expressa na  
forma do remetimento do indivíduo vivo e ativo a si mesmo.  
Da relação social determinada do indivíduo para com sua própria força de  
trabalho  
Com a finalidade de delimitar de maneira mais explícita o esforço teórico que se  
vislumbra como tarefa a ser cumprida, é necessário situar desde o início seu escopo  
analítico e o grau de amplitude que dele deriva. A problemática da relação determinada  
do indivíduo de si a si, mediada pela sua forma de existência como proprietário privado  
de força de trabalho, de suas próprias forças de objetivação, não remete  
imediatamente nem reduz àquelas de caráter psicológico ou existencial. Não obstante,  
a forma de existência de si do indivíduo como proprietário livre e privado de si tenha,  
evidentemente, um conjunto de implicações reais que se exprimem também naquelas  
instâncias, a discussão do texto marxiano que se efetiva não tem essa natureza. Frise-  
se isso, conquanto de maneira alguma se negue a possibilidade de que a partir de  
certos traços daquela relação social e objetiva de si a si, que podem ser de maneira  
indiciária levantados na argumentação marxiana, tenham a potencialidade de devir  
parâmetros categoriais pelos quais se enfrentem certos problemas teóricos (e até  
práticos) de disciplinas como a psicologia ou as ciências sociais14. Aqui, trata-se, pois,  
de algo diferente.  
De saída, a pretensão seria classificável como uma exploração filosófico-  
categorial da individuação do proprietário privado de si mesmo. Classificação que  
ironicamente já indicaria uma duplicidade dessa forma de remetimento do indivíduo  
14  
E mais uma vez vale aqui referir o trabalho empreendido por Stéphane Haber em sua obra, da qual  
antes se referiram algumas poucas questões. Tome-se a este respeito, os momentos em que o autor se  
volta aos aspectos desafiadores de possíveis relações conceituais a serem elaboradas relações entre  
conteúdo e forma das categorias marxianas, por um lado, e determinados problemas teóricos e práticos  
de diferentes disciplinas científicas das humanidades. Particularmente, a argumentação analítica  
desenvolvida em seu extenso e denso terceiro capítulo. Cf. HABER, 2007, pp. 239-320.  
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aos diversos momentos reais que o constituem. O termo “privado”15 possui, ademais,  
uma equivocidade semântica a qual, no presente contexto teórico, mais auxilia que  
obsta o entendimento da complexidade efetiva da conexão do indivíduo do capital  
consigo mesmo e com as formas diferenciadas de expressão desta individualidade. A  
ironia reside no fato de que, em relação à sua própria força de trabalho, ser  
proprietário privado redunda, pelo que se pode depreender daquilo que até o  
momento se desdobrou, dois sentidos objetivamente cravados na forma de  
individuação humana típica do capital. Por um lado, fato sempre bem documentado  
por toda tradição moderna da filosofia e das ciências do social, o ser proprietário único  
de si emerge claramente como forma de ser social imediatamente dada, a qual se  
expressa com clareza resplandecente no trato que mesmo o indivíduo sujeito a  
trabalhar para outrem pode estabelecer para si mesmo. A real universalização da figura  
da pessoa, do referir-se e responder-se livremente a si e por si, é certamente uma das  
diferenças específicas da época histórica do capital. Isso, tanto em sua consideração  
como um fato, em boa parte das primeiras versões filosóficas disso, até “natural”,  
quanto em sua consagração como princípio, retomado e reelaborado estatal e  
juridicamente nas mais diversas declarações de princípio, políticas e legais. Entretanto,  
por outro lado, o que veio se esboçando na presente análise imanente dos textos  
marxianos é que essa forma de relação de si a si é o fato deste exercício de propriedade  
sobre as forças de objetivação de si como mercadoria somente se efetiva na cessão  
radical de controle sobre o próprio exercício. Exercício que, como regra, amiúde,  
resulta em diversas formas e níveis de objetivação estranhada, de riqueza estranhada,  
de realização humana na forma do estranhamento. Algo por si desconcertante, uma  
vez que essa forma de ser, consagra em um sem-número de fórmulas filosóficas e  
jurídicas, matriza inclusive as figurações, pertinentes ou puramente ilusórias, acerca da  
natureza e dos graus de autodeterminação da pessoalidade dos indivíduos a partir da  
modernidade. Na posição objetiva de si a si como proprietário, único, de si mesmo,  
resulta na livre disposição que a dá o capital, na realidade potencial da despossessão  
de si mesmo, do controle social sobre as objetivações que sua atividade engendra.  
Aparecer como capital é imediatamente aparecer como estranhamento, como  
entfremdete Arbeit.  
15  
Equivocidade vernacular que, desconfia-se aqui, não seja um apanágio somente das línguas latinas,  
mas que nestas, certamente, é possível flagrar-se com uma rápida consulta aos verbetes dos dicionários  
vocabulares.  
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A força de trabalho como forma de ser  
O rastreamento dos traços fundamentais desta relação de remissão a si como  
proprietário será a seguir empreendido a partir também da argumentação marxiana  
constante do mesmo subcapítulo de O Capital no qual trata da operação de compra e  
venda da força de trabalho. Frise-se, de passagem, algo que normalmente nunca é  
meramente casual ou estilístico em Marx: a ordem em que se põe as determinidades  
da operação de troca, inclusive no título desta passagem da obra. A compra  
antecedendo na explicitação sumária à venda, um procedimento contraintuitivo,  
exprime nessa simplicidade mesma a determinação real da demanda do capital pela  
força de trabalho, uma vez que os elementos objetivos os quais assumem sua forma,  
somente o são capital em efetividade na condição de fazerem frente, de modo  
estranhado, à força de trabalho, ao trabalho vivo. Em outras palavras, é a atuação da  
força de trabalho que faz com que as condições de objetivação em qualidade de  
capital, e não somente de meios de produção em geral, possam se exprimir na prática,  
na efetividade, como elementos do capital. Uma determinação concreta que, contudo,  
na sua própria efetuação, como se viu apareça objetivamente invertido: a força de  
trabalho é que aparece no contexto das forças do capital como elemento dependente  
e subordinado. Quais as consequências desta, e outras tantas, inversões reais para a  
elaboração da individualidade? Como o indivíduo se comporta consigo mesmo no  
quadro de relações contraditórias deste naipe?  
Em segundo lugar, importa, por conseguinte, explicitar como Marx entende a  
conexão determinada entre formas de relações e formas de individuação. Os modos  
pelos quais os indivíduos tomam lugar, segundo certas formas de atuação, dentro de  
um quadro particular de relações sociais depende, ou corresponde, ao caráter  
preponderante da própria relação. A atuação, ou o comportamento, sociais não é uma  
derivação natural de simples disposições supostamente inatas aos indivíduos, mas  
expressam de seus posicionamentos sociais objetivos, relativos à propriedade que se  
tenha ou não dos meios de se produzir. Desta maneira, “A troca de mercadorias por  
si só não implica quaisquer outras relações de dependência além daquelas que  
resultam de sua própria natureza. Sob esse pressuposto, a força de trabalho só pode  
aparecer como mercadoria no mercado na medida em que é colocada à venda ou é  
vendida pelo seu próprio possuidor, pela pessoa da qual ela é a força de trabalho”  
(MARX, 2013 p. 242). Relações sociais que, por sua vez, são correspondentes à  
existência do indivíduo produtor, o trabalhador vivo, na figura de um proprietário  
apenas de sua força de trabalho. Não se tratando mais da sua subsunção como uma  
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dentre várias condições objetivas de trabalho; nem na forma em que vale como coisa  
de valor, na escravidão, nem naquela em que um nexo extraeconômico de caráter  
societário real ou imaginário o ligue às condições objetivas, nas formas servis de  
sujeição do trabalho. A forma social de ser objetiva de existência da força de trabalho  
viva, entregue a apenas a si mesma, abandonada e liberta de todas as conexões  
essenciais para com as condições de sua objetivação, determinará as relações sob as  
quais se dará essa subsunção particular no processo de produção. Por esta mesma  
determinação se funda a ironia real na qual ser socialmente determinado proprietário  
privado de si e apenas de si, em tese, significa estar privado de todo o resto. O  
remetimento ao self não é positivo senão num ironismo tipicamente spinozista: só se  
assim se determina como único proprietário de si a quem é negado todo resto. Uma  
vez que “Para vendê-la como mercadoria, seu possuidor tem de poder dispor dela  
portanto, ser o livre proprietário de sua capacidade de trabalho, de sua pessoa” (MARX,  
2013 p. 242). A força de trabalho somente é mercadoria na medida em que seu  
possuidor, a individualidade corpórea real da qual é momento, tem sobre ela um dado  
controle como pura potência de produzir.  
A força de trabalho em termos abstratos, simples, é, foi e sempre será uma  
potencialidade sintética dada no corpo do indivíduo vivo. Entretanto, nem sempre,  
historicamente, o controle sobre a disposição de seu uso, de sua mobilização produtiva,  
esteve na alçada desse mesmo corpo; quase nunca pertenceu essa decisão à pessoa  
viva. A relação de exterioridade do mando sobre o movimento produtivo do corpo  
individual era, em momentos diferentes daquele da produção capitalista, a de uma  
redução da própria individualidade inteira à natureza objetal, como coisa. Incluindo-se  
aí, evidentemente, esse epítome vivo de capacidades e forças residente nessa  
corporeidade.  
Não tinha ele, o produtor, uma relação de proprietário, de possuidor pessoal,  
também para com essa figura sintética. Não era proprietário de si. A relação de  
alienação de mediação do uso de sua força de trabalho não passava pelo seu próprio  
controle, como pessoa, mas de seu corpo como momento da propriedade privada de  
outrem; seja como propriedade física imediata de outrem, seja como elemento  
constante de uma totalidade de propriedade privada à qual estava atado. A alienação  
fazia de sua totalidade viva inteira seu objeto. Ele não se alienava, mas era, imediata  
ou mediatamente, alienado por outrem. Por isso, a relação de sich entäußert/veräußert  
de se alienar é uma conexão de si a si tipicamente moderna, capitalista. A conversão  
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da pessoalidade em caráter universalmente atribuível tem nesta possibilidade social  
objetiva de autoalienação de momentos de si seu fundamento material. O indivíduo  
que produz põe um momento de sua personalidade real na forma da mercadoria. Ele  
a aliena, a cede, de um modo bem determinado a outrem. E é nessa condição social  
real que a força de trabalho é incorporada pelo capital à sua totalidade por meio da  
sua aquisição privada.  
Natureza privada que comporta, ao menos, dois sentidos. De um lado, é o  
trabalhador um proprietário privado de sua força de trabalho. De outro lado, em  
situações “normais”, como indivíduo ele a cede como um ato seu, que diz respeito  
unicamente a si.  
É essencial aqui o liame determinativo que liga pessoalidade e proprietário  
privado. A pessoalidade deriva de o ter, ou poder ter, pelo menos, a propriedade sobre  
algo, nem que seja sobre si mesmo e tudo que o constitui como indivíduo corpóreo.  
A remissão implícita à definição que pessoa moderna, efetiva. O fundamento da  
pessoalidade em sentido social moderno é a universalização da propriedade,  
universalidade esta que passa em termos extensivos pela existência do trabalhador  
livre e intensivos pela disposição sobre si que ele agora possui. A pessoalidade é uma  
determinação deste indivíduo real, cuja atividade volitiva se dirige a tudo como seu  
conteúdo, nem que esse material se resuma, no fim das contas, ao que somente existe  
nele mesmo, em seu corpo, como resultado do que ele foi e vem sendo. O ser pessoa  
tem arrimo nesta remissão às coisas e, principalmente, a si pela via da mediação do  
ser proprietário privado. Dar inclusive às figuras constituintes de sua existência a forma  
da propriedade objetal, exterior. Como observa Marx, em outro escrito, este mesmo  
caráter ganha expressão de universalidade inclusive filosófica: “A venda da potência  
de trabalho tem lugar, do ponto de vista das ideias ou do direito neste primeiro  
processo, ainda que o trabalho seja pago somente após ter sido efetuado, ao fim da  
jornada da semana etc. Isso não altera nada com relação a esta transação na qual a  
potência de trabalho é vendida” (MARX, 1974, p. 465). Os termos não poderiam ser  
mais evidentes: Der Verkauf des Arbeitsvermögens findet ideell oder juristisch statt in  
diesem ersten Prozeß, A venda da potência de trabalho se dá ideal e juridicamente  
nesse primeiro processo. E é dessa aparência imediata que vivem as doutrinas  
modernas da autodeterminação da vontade. Novamente, o fundamento da  
pessoalidade reside na virtualidade de ser proprietário. Nessa qualidade, inclusive  
juristisch gleiche Personen sind (MARX, 1962, p.182). A distinção reside somente na  
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posição relativa que estes indivíduos tomam um frente ao outro. A igualdade formal  
dos contratantes, expressa igualmente em vários estatutos jurídicos historicamente  
elaborados e transformados no curso do ir-sendo da produção capitalista, é aqui uma  
componente da relação de trabalho que particulariza o capitalismo. Sua abolição, seja  
em termos relativos, seja pelo revolucionamento cabal da própria interatividade,  
portaria o sentido objetivo de negação da própria possibilidade de produção do mais-  
valor.  
A exterioridade que o indivíduo deve fazer assumir um momento seu para se  
efetive como proprietário de si é real conquanto sua natureza puramente formal. Uma  
operação na qual um constituinte-chave de sua pessoalidade adquire certa  
independência com relação a ele mesmo. Independência que não nem é ilusão, nem  
efeito de algum tipo de anormalidade, psíquica ou existencialmente engendrada, mas  
sua forma cotidiana de socialização. A força de trabalho é alienada pelo trabalhador  
como ou na forma de uma coisa dada, materializada, em sua corporeidade. Sua  
grandeza de valor é formalmente estabelecida pelo quantum de tempo de trabalho  
social - necessário e dado - que nela se incorpora, traduz-se economicamente pela  
quantidade de valor das mercadorias necessárias à sua reprodução produtiva, à  
reprodução de seu "proprietário" como trabalhador assalariado. A força de trabalho  
como categoria, Daseinsform, contém sinteticamente a determinação essencial da  
forma pela qual os sujeitos reais, vivos e ativos, são empuxados a se comportar vis a  
vis a si mesmos na época do capital. É a forma preponderante de relação para a quase  
totalidade dos sujeitos humanos.  
O aparecer concreto da atividade humana como ato pelo qual os seres humanos  
criam ser ou dão ser social efetivo ao que era materialidade natural e potencialidade  
subjetiva faz com que no nível da idealidade, das expressões ideológicas do modo de  
ser social, trabalhar aparece, necessariamente de forma abstrata, como sendo a  
dignidade própria ou a própria dignidade individual. Não por acaso, ideologicamente,  
assistir-se-á da exaltação abstrata do ser ativo à laudatio falsificadora do agir em geral  
como estrutura universalmente atribuível à individualidade humana; abrangendo não  
apenas o indivíduo que realmente efetiva o trabalho, mas também as personæ que  
medeiam socialmente a produção na forma privada capitalista.  
A discussão econômica em torno da produtividade em geral, sans phrase, "do  
trabalho", de qualquer atuação que resulte em algo ou alguma coisa, exprime no fundo  
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a forma estranhada da percepção da atividade produtiva como produção e  
autoprodução do humano em seu estranhamento concreto, proveniente da, e  
determinado pela, forma real de sua alienação à propriedade privada. Por esta razão,  
Hegel, em seus Princípios da Filosofia do Direito, nos parágrafos 42 a 46, atina para  
essa questão e a expressa de um modo tipicamente burguês, moderno, ao delimitar a  
forma da liberdade da vontade, que seria a justificação "conceitual" primeira e última  
da propriedade privada moderna (HEGEL, 2013). Como o ato pelo qual a vontade se  
deposita sobre o mundo, nem que seja sobre a efetividade do sujeito do qual é ato de  
vontade, e diz isso é meu. Ser pessoa é, em seu formato mais geral e generalizável,  
poder se dispor e dispor-se de si livremente. Ser livre, na vontade referida a si como  
objeto de si, é, no fundo possuir a condição de alienar-se, e não mais ser alienado.  
Nisto constitui o limite da liberdade no mundo do capital, o que encontra uma  
variedade de expressões políticas, exprimidas tanto em princípios legiferantes quanto  
de pugnas ideológicas (ALVES, 2021, p. 138-155). Desta maneira, “Como pessoa, ele  
tem constantemente de se relacionar com sua força de trabalho como sua propriedade  
e, assim, como sua própria mercadoria e isso ele só pode fazer na medida em que a  
coloca à disposição do comprador apenas transitoriamente, oferecendo-a ao consumo  
por um período determinado, portanto, sem renunciar, no momento em que vende sua  
força de trabalho, a seus direitos de propriedade sobre ela” (MARX, 2013, p. 242-  
243). O conjunto de suas capacidades de trabalho em epítome assume a forma de ser  
da propriedade privada. É a propriedade privada do trabalhador, na medida em que  
este se relaciona, tem para com esta um comportamento de proprietário, de um  
possuidor de mercadoria. Aqui, além da relação de autarquia para com o outro sujeito,  
na qual, a princípio, não seria subsumido como condição objetiva de produção (como  
um meio de produção entre outros), o trabalhador também tem uma peculiar relação  
consigo mediada pela conexão estabelecida com sua própria força de trabalho. A  
delimitação de si como proprietário de si mesmo é como tal uma determinação social  
particular e não uma dação natural ou mesmo de segunda natureza em sentido  
ontológico positivo, como uma forma irreversível. Por esta razão, tanto aquém do  
assalariamento, um retorno à subsunção material do próprio trabalhador ao conjunto  
de condições objetivas, quanto além dele, a transformação revolucionária das relações  
sociais de produção, estar-se-ia por definição fora do âmbito do capital. No primeiro  
caso, dentro do contexto capitalista é possível operar de maneira acessória com  
relações escravistas, como, por exemplo, meio de expropriação original, o que ocorreu  
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nas empresas coloniais. Mas isto, sob o preço de contradições e incompletudes  
econômicas sistêmicas que ganharam expressão política gravosa. O segundo caso,  
significaria na prática a negação do princípio social privado da produção, bem como  
de suas formas corriqueiras e típicas de propriedade de meios de produção e de  
produtos; a socialização livre dos indivíduos em suas atuações interdependentes. Tais  
indivíduos não se elaborariam reciprocamente como sujeitos privados indiferentes uns  
aos outros, conectados somente por suas objetivações estranhadas, e sim como  
individualidades que livremente exercem atividades recíprocas cujo desenvolvimento  
levaria em conta tanto as condições reais quanto as demandas diversificadas de todos  
(MARX, 2013, p. 153-154).  
No contexto da produção social do capital, a liberdade aqui é a da figura isolada  
de tudo, principalmente dos objetos dos quais precisa de modo vital para sua própria  
figuração. É um ente, ou figuração, social despossuído de condições, fora de si, de  
confirmar seu ser e seu saber, tendo apenas a si mesmo como única condição. É o ente  
lançado no mundo, confrontando-o segundo a própria medida de si, em  
correspondência com a maior ou menor estreiteza de seu metro, para se realizar como  
força in actu. Diferentemente da figura clássica do burguês, à qual silenciosa e  
tacitamente eram remetidas as suas posses por natureza, a força de trabalho livre é  
assumida a um dado momento do desenvolvimento das leituras filosóficas a partir do  
século XIX. Principalmente à medida em que vai se tornando patente a particular  
centralidade no horizonte social capital, tanto do ato de pôr, quanto da figura humana  
que a este corresponde. Figura que é estendida e se torna atribuível universalmente  
na abstração que fazem aquelas leituras da própria noção de atividade, seja como  
operar, agir, manusear, fazer, obrar e por aí vai abrindo-se num leque de versões  
bastante numeroso e diverso, mas que contêm todas em maior ou menor medida este  
tipo de mediação conceitual: a abstração para com a atividade sensível e produtiva.  
Assim, todos fazem, acontecem, produzem mundos, mas sempre na pressuposição de  
sua suposta estrutura assentada no apartamento para com o mundo objetivo e suas  
condições, particularidade eminentemente burguesa da forma de existir da força de  
trabalho. Isto já se anuncia até mesmo nos limites do iluminismo alemão do qual Marx  
foi contemporâneo e fazia dele um dos objetos de sua crítica. A relação do indivíduo  
produtor com suas potências corpóreas de objetivação, aqui, ao contrário do que  
ocorria (e ocorre ainda) nas grandes narrativas filosóficas, e mesmo nas tematizações  
da economia política e de mainstream, que bem ou nem aparece, ou aparece de forma  
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A força de trabalho como forma de ser  
abstrata e indeterminada, é explicitada em sua dimensão de categoria central da  
produção e reprodução da vida humana em sua concretude.  
A contraditoriedade imanente à forma de ser da força de trabalho como categoria  
do capital se expressa igualmente pelo fato de que se o indivíduo somente se efetiva  
na medida em que cede o controle do exercício de suas forças, ainda assim ele se  
confirma como produtor, não obstante, de riqueza estranhada. Produção esta que  
requer do próprio indivíduo um dado desenvolvimento qualquer de competência  
efetiva. Neste sentido, o caráter próximo ao aluguel faz pender relativamente também  
para o lado da força de trabalho um certo grau de apropriação do mundo e de suas  
relações a si. Para tanto se retome aqui uma passagem já referida e desdobrada  
anteriormente, mas, agora, num registro diferente: , “a extensão das assim chamadas  
necessidades imediatas, assim como o modo de sua satisfação, é ela própria um  
produto histórico e, por isso, depende em grande medida do grau de cultura de um  
país, mas também depende, entre outros fatores, de sob quais condições e, por  
conseguinte, com quais costumes e exigências de vida se formou a classe dos  
trabalhadores livres num determinado local” (MARX, 2013, p. 246). Há outro ponto  
fundamental: não se trata apenas de (ou mesmo da) sobrevivência física do indivíduo  
imediato senão na medida em que seja o de sua força de trabalho. Não obstante a  
dotação de exterioridade da força de trabalho, como mercadoria, em relação ao si  
próprio seja de natureza formal, esta formalidade não se resume a uma mera  
convenção. Aqui, formal diz respeito à forma social objetiva determinada da relação  
força de trabalho na figura da mercadoria. Ou seja, o trabalhador vivo entra como  
elemento a ser reproduzido na medida de sua força de trabalho, als arbeitendes  
Individuum, daí que o capital não assimile propriamente a individualidade inteira do  
sujeito e nem tenha para com ela, por sua natureza relacional específica, uma conexão  
direta, mas mediada pelo aluguel que paga pelo usufruto da força. Manter um indivíduo  
vivo sem pressupô-lo como indivíduo trabalhando não pertence à alçada da relação  
de produção do capital. Mesmo a dotação de valor em vista de gerações futuras de  
trabalhadores, a reprodução familiar da força de trabalho, somente se dá em função  
desta reprodução de largo tempo de uma potencialidade a ser explorada como  
substituta geracional. O capital não reconhece a humanidade do indivíduo senão na  
medida de sua valorização. Daí que mesmo este tipo de "investimento" virtual em  
futuras forças de trabalho estará sempre na dependência dos fundos gerais de  
exploração e das necessidades internas ao processo efetivo de valorização, as quais  
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podem conhecer uma série de eventualidades e circunstâncias casuais adversas,  
provenientes de diferentes contextos socioambientais. A força de trabalho  
capitalisticamente conta como capital variável, trata-se da parte indefinida e  
infinitamente flutuante do processo em termos de grandeza de valor em proporção ao  
capital como totalidade. É por seu contingente materialmente dado nas populações  
sempre tendencialmente excedente, principalmente segundo o desenvolvimento das  
condições objetivas de produção como capital; especialmente dos meios de trabalho  
em sua configuração tecnológica incrementada.  
A expansão das capacidades expressas sinteticamente na força de trabalho por  
meio de um processo educativo geral ou mesmo especializado passa a contar, no  
desenvolvimento do próprio modo de produção capitalista, como uma componente  
necessária da elaboração da força de trabalho. O que se dá, de uma parte, em termos  
imanentes ao processo de produção do capital pela inerente expansão da integração  
dos processos tecnológicos, e das ciências neles pressupostas, como suas forças  
produtivas. Por outro lado, igualmente, como impulso dado aos indivíduos na busca  
por sua manutenção como forças empregáveis no processo, na competição a que são  
impelidos pela forma atomizada como o capital dispõe as diversas forças de trabalho  
individualmente dadas. Assim, “se eu compro o serviço de um professor ou que  
outros comprem para mim este serviço não para desenvolver minhas capacidades,  
mas adquirir aptidões graças às quais eu possa ganhar dinheiro, e se aprendo  
efetivamente alguma coisa, o que em si não depende de modo algum do pagamento  
do serviço, esses custos de estudo fazem parte dos custos de produção de minha  
potência de trabalho, assim como meus custos de subsistência” (MARX, 1974, p.474).  
A educação do trabalhador, sua qualificação, geral ou específica, pode ser, e é, uma  
componente de valor da força de trabalho, o que não faz da relação de ensino-  
aprendizagem um trabalho produtivo do Standpunkt social do capital, ainda que ele  
possa ser, dependendo, do estágio de desenvolvimento das forças produtivas,  
materialmente importante para o incremento da produção do valor e extorsão  
aprimorada do mais- valor. Independentemente dos motivos circunstanciais, elevação  
de conhecimento ou competição no mercado, é de todo modo inegável que o processo  
de formação, bem ou mal cumprido, efetiva um conjunto de alterações determinadas  
na existência do indivíduo vivo e ativo e na sua força de trabalho oferecida por ele  
como mercadoria peculiar, força de valorização do valor.  
Ademais, como se trata de uma subsunção mediada de um momento de si, na  
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A força de trabalho como forma de ser  
forma de um aluguel de usufruto, as transformações mesmas, positivas ou negativas,  
trazidas pela integração da força de trabalho viva no processo igualmente se  
cristalizam como alterações objetivas da morfologia biológico-material e subjetiva do  
indivíduo. A atividade não apenas altera a forma da materialidade externa ao sujeito,  
mas igualmente aquela que lhe é inerente e imanente. Algo notado e frisado por Marx  
em uma das seções mais conhecidas de O Capital (MARX, 1993, p. 199), indicação  
essa que é atualmente infirmada tanto no âmbito das ciências sociais (DEJOURS, 2013)  
quanto das ciências biológicas (STOUT 2016; NEWEILLER, 2015). A particularidade de  
tal processo de transformação e de elaboração objetiva de si por meio e na imanência  
da atividade produtiva transcorrer no contexto da propriedade privada capitalista e da  
criação da riqueza em sua forma estranhada não nega, ainda que especifique a forma  
contraditória, pela qual se dá na concretude social o desenvolvimento da força de  
trabalho individual em sua história singularmente vivida. De toda maneira, tais  
alterações morfológicas, nervosas, intelectivas, de habilidade, existenciais etc., são  
objetivadas num corpo humano vivo e ativo e assumem por isso, independentemente  
de seu caráter mais ou menos estranhado, a forma de um “patrimônio” fixado na  
individualidade da força de trabalho e na força de trabalho do indivíduo.  
De certo modo, esse efeito transformativo é um aspecto existente em permanente  
contradição com a indigência ontológica inerente à força de trabalho livre assalariada.  
O fato de ver-se de fato sempre na iminência de ejeção do mercado e  
permanentemente ser movida entre diversos setores de um mesmo ramo ou até  
mesmo em braços muito diversos da produção e realização do capital, traz como  
consequência contraditoriamente vivida um contato mais variado com a diversidade e  
multilateralidade da própria produção. Trata-se aqui, bem entendido, de um processo  
de elaboração altamente complexo por sua contraditoriedade imanente. Não é o  
indivíduo enriquecido pela diversidade integrada do diverso da produção em função  
do desenvolvimento livre de suas potências, mas a individualidade que tem insertada  
em si de maneira, ora desconexa ora exteriormente articulada, uma miríade de vetores  
formativos da própria atividade produtiva. Entretanto, nesta mesma contradição, e por  
meio dela, a individualidade portadora de força de trabalho como propriedade privada  
de fato pode e abrange mais que aquela submetida diretamente a um jugo particular  
e definido de antemão por seu pertencimento a um senhor ou a uma totalidade social  
ainda sem muitas mediações (famílias, clãs, tribos) ou mesmo aquelas cuja sujeição  
social se dava ao modo da aparente dependência técnica e de ofício. O quanto de  
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elementos virtuais de autoconstrução livre da individualidade do produtor da riqueza  
que pode comportar o desenvolvimento social dos sujeitos, mesmo no quadro de  
determinações do estranhamento capitalista de si, era um ponto de reflexão ao qual  
Marx também se voltou em diversas ocasiões. Fato documentado nas diversas  
manifestações por ele expressas quando, principalmente em intervenções de natureza  
prático-política (MARX, 2010, 185-190), porém também em amplos contextos das  
análises da forma social de existência dos processos tecnológicos (MARX, 2013, p.  
443-452/542-550). Em tais formulações as questões do processo formativo, e mesmo  
de autoformação, mediado pela educação institucionalmente organizada é um tema  
central para o entendimento de como a determinação da forma capital vigora nesse  
terreno, tanto com relação à existência da força de trabalho como mercadoria do  
processo de produção, quanto com referência aos seus sentidos objetivos reais e  
possíveis com relação à totalidade da individualidade dos sujeitos. A análise crítica  
marxiana se pauta pela identificação do caráter imanentemente contraditório das  
conexões, indicando como simultaneamente se processa a formação desta  
individualidade humana em seu multiverso de relações na própria forma do  
estranhamento16. É a existência de uma fortuna em potência (Vermögen), no sentido  
de recurso real ou riqueza instalada no e do indivíduo vivo.  
Nesse sentido, é sempre importante ressaltar que o procedimento teórico de  
Marx intenta nas construções de síntese, por vezes difíceis de apreender em seu  
significado preciso, apresentar a complexidade da articulação real que perfaz a  
individualidade. Com relação a este tema particular, mas não apenas, a analítica  
marxiana das formas sociais de ser buscam explicitar como na própria finitude  
estranhada da propriedade privada capitalista, no interior mesmo de suas delimitações,  
dá-se a elaboração de uma individuação tanto mais social quanto mais individualizada  
e isto na imanência mesma dos nexos societários contraditórios, cuja existência é  
histórica e processual, portanto, aberta e em permanente construção e reconstrução  
no devir real do próprio modo de produção social da vida.  
É uma contradição social imanentemente objetiva, por exemplo, que a expansão  
16Para o melhor dimensionamento de como Marx pensa as questões e os desafios da educação formal,  
de maneira determinada pela crítica da economia política e da própria política (supostamente tomada  
pela tradição do pensamento como forma realmente resolutiva dos antagonismos), sugere-se: SILVA,  
M.S.; ALVES, A.J.L. O ofício técnico como mediação educativa em O Capital de Marx. Trabalho &  
Educação, volume 29 nº 2, maio-agosto/2020, p. 29-46.  
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A força de trabalho como forma de ser  
das carências e dos meios de satisfazê-las se dê, em sua imediaticidade, na forma  
indiferente e abstrata, mercantil, e, em sua determinação mais profunda, dê-se sob a  
forma capital das forças produtivas e da elaboração dos indivíduos. Este é outro  
aspecto a ser destacado desta totalidade de determinações contraditoriamente  
articuladas diz respeito à expansão do sistema de carecimentos. O que se dá tanto em  
seu conteúdo ampliado, abrangendo crescentemente em seu círculo uma variedade  
impensável em outros tempos, quanto em termos da fixação das carências como  
carecimentos socialmente essenciais. Uma expansão que não somente se dá  
extensivamente e intensivamente, pela quantidade e pela disponibilidade de  
carecimentos e meios de os satisfazer, mas simultaneamente como sofisticação das  
carências e das satisfações como tais. De uma parte, tomar a forma imediata da  
mercadoria, portanto, de valores que expressam como coisas relações de produção de  
riqueza estranhada baseada na alienação de usufruto da força de trabalho, é existir  
como um item de mercado cuja marca essencial é a de realizar-se como valor/mais-  
valor em forma autonomizada, um “mais-dinheiro”. Suprir e atender carecimentos  
humanos é uma função imanente e real, a qual, contudo, encontra-se subsumida como  
mediação determinada e não momento determinante do processo de intercâmbio  
societário. De outra parte, aparecer como forma celular da riqueza capitalista é  
imediatamente se pôr como mediação de reprodução do processo de produção da  
riqueza estranhada no nível da singularidade do consumo individual. A forma tanto da  
circulação quanto do consumo assume por isso, na articulação imanente e objetiva de  
ambos os aspectos da determinação, o caráter de vida social matrizada pelo capital.  
Daí que o consumo apareça, por vezes, como superconsumo, consumismo,  
desperdício de matéria e de tempo, e principalmente como consumo sem sentido de  
tempo de vida individual, cujo impulso motriz ou estímulo provenha de formas  
derivadas de promoção da mercadoria: publicidade, crédito direto etc. O que não  
significa, ao menos do Standpunkt tomado explicitamente por Marx e por sua  
argumentação, numa recusa do consumo como tal, nem mesmo de sua ampliação  
relativa, por si mesmos. Tem-se ao contrário, a tentativa de apreender nas conexões  
contraditórias entre elaboração concreta da individualidade e forma social objetiva de  
produção da vida virtualidades que possam devir possibilidades de transformação pela  
atuação concreta dentro do próprio contexto do estranhamento (ALVES, 2021, p. 155-  
168). Esse aspecto da argumentação crítica típica de Marx é também ressaltado por  
Morilhart quando discute exatamente o caráter contraditório da expansão do sistema  
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dos carecimentos para a existência da força de trabalho:  
Que a lógica do capital se oponha à verdadeira satisfação do “sistema  
de carecimentos sempre mais rico e sempre ampliado”, que engendra,  
dele resta apenas “os carecimentos físicos, sociais etc.”, os quais  
determinam a reprodução normal da potência de trabalho, encontrem-  
se social e historicamente definidos, que estes se modifiquem  
fortemente com o evolver do capitalismo longe de se limitar à simples  
sobrevivência. A venda da força de trabalho supõe indivíduos livres,  
isto é, liberados dos liames de dependência pessoal tais quais os da  
escravidão ou da servidão característicos de relações sociais de  
produção anteriores, as igualmente desprovidos de meios de  
existência próprios, separados das condições de trabalho. Entretanto,  
malgrado esta situação de dependência, eles não estão condenados à  
passividade, os trabalhadores assalariados se esforçam para opor-se  
ao alongamento da jornada de trabalho, à redução dos salários  
perseguida pelos capitalistas, ou nas conjunturas favoráveis para  
melhorar sua situação, suas lutas intervêm ativamente na  
determinação do que é o nível das subsistências necessárias17 (2017,  
93).  
É a abertura do complexo de carecimentos em termos qualitativos sob a vigência  
das exigências de expansão do círculo de realização do valor/mais-valor se dá  
necessariamente na forma do automatismo da relação de (re)produção da própria  
valorização, com toda a sorte de contradições internas à totalidade do processo e de  
aporias cotidianas. Não se trata da complexidade do valor de uso como princípio, mas  
de seu incremento como Wertträger (portador de valor), como portador imediato de  
valor, cuja determinação preponderante mais interna - oculta - é a de ser mais-valor  
dentro da massa de valor produzido. Portanto, a questão da expansão do complexo  
das carências não tem seu ponto determinante em supostos exageros do círculo de  
consumo, e sim da expansão deste em nome da valorização. A solução social real, para  
além do Standpunkt do capital, não é simplesmente um pretenso "encolhimento" dos  
círculos do consumo, o que equivale à defesa da rusticidade pura para os grandes  
contingentes populacionais, que são tão somente produtores subsumidos. A questão  
17  
Que la logique du capital s’oppose à la satisfaction véritable du « système de besoins toujours plus  
riche et toujours élargi » qu’il engendre, il n’en reste pas moins que « les besoins physiques, sociaux,  
etc. » qui déterminent la reproduction normale de la puissance de travail se trouvent socialement et  
historiquement définis, qu’ils se modifient fortement avec l’essor du capitalisme, loin de se borner à la  
simple subsistance. La vente de la force de travail suppose des individus libres, i.e. affranchis des liens  
de dépendance personnels tels que l’esclavage ou le servage caractéristiques de rapports sociaux de  
production antérieurs, mais également dépourvus de moyens d’existence propres, séparés des  
conditions de travail. Toutefois malgré cette situation de dépendance ils ne sont pas condamnés à la  
passivité, les travailleurs salariés s’efforcent de s’opposer à l’allongement de la journée de travail, à la  
réduction des salaires poursuivis par les capitalistes, ou dans les conjonctures favorables d’améliorer  
leur situation, leurs luttes interviennent activement dans la détermination de ce qu’est le niveau des  
subsistances nécessaires.  
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é encontrar no horizonte de atuação tanto a força quanto o "mandato" sociais  
históricos e concretos de transição para além da organização da própria produção  
como processo de produção total do capital. Somente uma efetiva racionalização  
técnico-tecnológica da produção, sob a base do domínio prático de seus produtores  
livremente associados, poderia também se desenvolver como incremento razoável do  
complexo de carecimentos, expresso em valores de uso correspondentes.  
Conclusões provisórias: para além do “burguês” ou de como “trabalhar” se  
tornou autoimagem do capital...  
O conjunto de elementos que emergiu da análise dos quatro aspectos  
determinantes da força de trabalho para o desenho geral da individualidade típica da  
sociabilidade capitalista permitem em alguma medida situar com mais precisão a  
natureza da propositura de investigação que se intentou desdobrar. A força de  
trabalho, tomada em sua dimensão de Daseinsform do capital, descrição de uma forma  
social objetiva de um dado elemento real do processo de produção, a força de  
valorização, faculta igualmente apreendê-la como um “paradigma” ou “protoforma” da  
própria individuação humana nos termos da propriedade privada capitalista.  
Suscintamente, uma vez sendo o capital não apenas uma forma nova de propriedade,  
de organização e de controle privados social da produção, mas também como tal o  
momento preponderante da produção, que este modo se consolide como tal, a forma  
de individuação que lhe corresponde é exatamente a da força de trabalho livre como  
propriedade privada (privada em si e para si e, ao mesmo tempo, de todo resto).  
Certamente, a anatomia da sociedade civil tanto em seus aspectos mais  
imediatos, “dados”, suas determinidades, quanto no que concerne aqueles mais  
essenciais, não apreensíveis ao nível da interatividade social cotidiana, suas  
determinações, exibe como morfologia peculiar uma divisão principal entre  
proprietários e não-proprietários de meios de produção, das condições objetivas de  
produzir. Essa divisão, que implica necessariamente num antagonismo igualmente  
essencial, indica diretamente que evidentemente nem todos participam do processo  
efetivamente trabalhando, produzindo diretamente o mais-valor, valorizando ao  
trabalhar os meios de produção. Então por que se poderia sustentar ser a força de  
trabalho uma espécie de paradigma ou forma de ser generalizável? Primeiramente, há  
que notar um fato importante assinalado por Marx, em diversos momentos nos quais  
ele evoca a figura do capitalista.  
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O proprietário não é como tal, senão na aparência imediata de sua realidade, um  
simples possuidor individual dos meios de produção. Ele o como tal na função social  
de capitalista, como personificação do capital, como persona do próprio capital (MARX,  
1993, p. 6). Como individualidade não é ele que determina em última instância a  
direção do processo, mas a própria forma capital que modula e sujeita todas as demais  
formas dos elementos reais (objetivos e subjetivos) ao mando da valorização do valor.  
E isto é decisivo, na medida em que Marx observa que, por conseguinte, segundo um  
tal entendimento, “pode menos do que qualquer outro responsabilizar o indivíduo por  
relações das quais ele continua a ser socialmente uma criatura, por mais que,  
subjetivamente, ele possa se colocar acima delas” (MARX, 2013, p. 80). Proprietário e  
não-proprietário são revelados pela analítica das formas sociais objetivas de ser do  
capital como duas contrapartes, dois “partners” de um mesmo processo de produção  
conectados por liames contraditórios de interdependência produtiva: “o capitalista  
como tal é apenas uma função do capital e o trabalhador, uma função da potência de  
trabalho” (MARX, 1974, p. 478). Os termos são claríssimos: der Kapitalist als solcher  
nur Funktion des Kapitals, der Arbeiter Funktion des Arbeitsvermögens ist. O que os  
torna figurações assimetricamente existentes e distribuídas antagonicamente pela  
relação que cada qual tem para com a propriedade e o controle sobre o uso dos meios  
de produção, no entanto, figuras que se remetem reciprocamente na totalidade e por  
meio desse pertencimento estão obrigatoriamente conectadas. Essa determinação  
objetiva tem consequências importantes não somente no nível teórico, mas igualmente  
o extravasam para o nível prático das lutas sociais inscritas nesse mesmo quadro  
antagônico de relações. Capitalistas e trabalhadores assalariados são duas formas  
sociais de existência da individualidade no contexto do capital. Assim, estão ambas de  
modo essencial determinados por este conjunto de relações e são dele formas  
individuais. Por isso, a superação mesma, a transformação revolucionária da totalidade  
de relações, significou sempre no pensamento marxiano a superação de ambas as  
formas sociais de ser sujeito e de suas figurações cotidianas individuais. A poesia do  
futuro, ao menos em Marx, nunca teve sua métrica e sua rima esboçadas pelo trabalho  
assalariado, o horizonte não é da classe assalariada senão como negação concreta,  
por suas relações negativas para com o capital, em referência à propriedade da qual é  
excluída; nunca como determinação positiva, de conteúdo. Isso é tanto mais importante  
quanto se tem vista que não se trata de simples ligações entre indivíduos e grupos,  
não obstante o sejam conexões determinadas entre estes, mas de relações recíprocas  
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de proporcionalidade contraditória, uma vez mediadas pela forma de ser  
preponderante de coisas, sujeitos, atividades, processos, a forma da valorização do  
valor.  
Neste sentido, conquanto sua inegável dimensão ideal, no limite, falsificadora,  
uma vez que o capital, segundo seu fetiche peculiar, aparece ele mesmo como um  
sujeito social “trabalhando”, amiúde a própria figura de sua persona aparece no limite  
da superfície do processo também “trabalhando”. Por certo, o capitalista como  
personificação do capital possui como tal um tipo específico de atividade (MARX,  
1970, p. 20 e 45), esta figura é também uma negação, conquanto aparente, do ócio;  
a ela pertence é importantíssima função de comandar a totalidade das determinações  
de coação social sobre a figura que lhe é antagônica. Não por acaso, a história do  
modo de produção capitalista em suas dimensões ideológicas18 construções literárias  
e filosóficas que imputavam à figura genérica do burguês a “virtude” do trabalho, de  
Hobbes às tendências liberais, o proprietário de si aparece imediatamente em  
atividade de apropriação de tudo, seja por um impulso quase inercial de sua natureza  
seja operando o “milagre” da transformação do mundo pelo “trabalho de seu corpo e  
pela obra de suas mãos”. Na atualidade inclusive reemergem com forças e fisionomias  
variadas os discursos e práticas vinculados a tal imagem. Como se pode observar, por  
exemplo, nas diversas modalidades de ideologia do empreendedor, em que o ser  
proprietário da riqueza aparece conectado com o “trabalhar” em geral, atividade cuja  
condição necessária e suficiente seria a aquela de ser proprietário de si mesmo e de  
suas forças.  
É bastante instrutivo a este respeito figurações ideais vinculadas ao indivíduo  
burguês de modo antediluviano na história do próprio capitalismo, conquanto sua  
evidente e inegavelmente real função político-ideológica de suavização e falsificação  
dos antagonismos, não são simplesmente imposturas fabricadas sob medida (ainda  
que sua produção on demand também se verifique tanto no ambiente midiático quanto  
18  
Ideologia, aqui não remete necessariamente ao conceito de “falsa consciência” ou de “falsidade”  
contrapostas abstrata e absolutamente ao entendimento científico e conceitual, mas antes às diversas  
formas de ideação nas quais sujeitos e grupos fixam na forma de ideais gerais certos traços de sua  
situação objetiva, de modo que estas lhes sirvam até mesmo como orientações práticas na luta social.  
A ideologia pode ser entendida assim de uma maneira, cum granu salis, também “neutra” em relação  
ao seu conteúdo, ainda que nunca com relação aos indivíduos e grupos dos quais é uma forma ideal  
de identidade social. A este respeito, nos aproximamos aqui um tanto da tematização lukacsiana  
desenvolvida no segundo volume de seu Para uma ontologia do ser social (LUKÁCS, 2013, P. 464-575).  
não obstante não necessariamente se alinhe com esta de modo integral.  
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acadêmico). Curiosamente, mas de maneira alguma casualmente, aquelas autoimagens  
correspondem a uma forma social transitiva da própria força de trabalho moderna;  
àquela do artesão e do camponês recém liberados das conexões de assujeitamento  
imediato às formas de propriedade privada características do mundo feudal em  
dissolução. A este respeito Marx destaca um aspecto desta forma transicional  
rapidamente superada como momento preponderante da força de trabalho no capital  
assinalando acerca do artesão que “ele pode se pagar uma terceira parte como  
proprietário fundiários, assim como o capitalista industrial quando ele trabalho com  
seu próprio capital, paga-se a si mesmo um lucro e considera isso como alguma coisa  
que ele se deve não como capitalista industrial, mas [enquanto] capitalista tout court”  
(MARX, 1974, p. 477). A antiga imagem heroica do burguês dos inícios do capital, não  
obstante expressando na aparência muito do funcionamento do capital comercial  
independente, tem a ver com essa figuração exótica. A aparência expressiva da figura  
burguesa real que se vale do trabalhador capitalista de si como imagem de si mesma.  
Nesse sentido,  
A determinação (econômica) social dos meios de produção na  
produção capitalista que deles faz a expressão de uma relação de  
produção determinada está a tal ponto imbricada com a existência  
material desses meios de produção como meios de produção, e a tal  
ponto inseparável daquela no modo de representação da sociedade  
burguesa, que esta determinação (esta categoria) é igualmente  
utilizada mesma lá onde a relação a contradiz diretamente (MARX,  
1974, p. 477).  
Essa determinação como capital aparece como forma imediata da existência dos  
meios de produção como condições objetivas do trabalho e, por isso, apareça como  
um aspecto imanente delas como coisas ou formas de existências objetivas úteis ao  
trabalho; por efeito reverso a própria persona do capital é transfigurada ideal e  
praticamente na sociabilidade ela mesma trabalhando de forma geral, não obstante  
não seja sua função real a produção objetiva do valor/mais-valor como tal. Conquanto  
não se passe de fato uma relação entre trabalho e capital em sentido estrito, a vigência  
contraditória da gesellschaftliche Bestimmtheit der Produktionsmittel faz com que tal  
aparência tenha igual afirmação.  
Em termos das expressões ideológicas da propriedade privada capitalista, tudo  
se passa, ou é assim apresentado, como se a totalidade dos indivíduos tivesse uma  
relação social deste tipo com as condições de sua objetivação. Como se a sociabilidade  
fosse constituída por indivíduos de uma grande família Robinson, os quais ao final de  
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suas operações de intercâmbio contabilizassem em solidão a grandeza de seus  
despojos. Riqueza que seria obtida por cada em “seu” trabalho. Novamente, a  
figuração artesã desempenha aqui um papel proeminente de referencial:  
Mas, se ele mesmo pode se apropriar do produto inteiro de seu  
próprio trabalho, ao invés de um terceiro, um mestre [patrão] que se  
apropria do excedente em valor de seu produto a partir do preço  
médio, f.i. [por exemplo] de sua jornada de trabalho, ele deve isto não  
a seu trabalho o que não diferencia de outros trabalhadores mas  
à possessão dos meios de produção. É somente graças ao fato de ele  
ser proprietário daqueles é que se ele se apodera de seu próprio  
trabalho, e se comporta assim, frente a si mesmo como trabalhador  
assalariado, como seu próprio capitalista (MARX, 1974, p. 478).  
Nos terrenos expressivos da imediaticidade, objetiva e subjetivamente, ocorre  
uma inversão característica na qual a relação dominante se apresenta por aquela que  
é progressivamente uma exceção econômica em termos da história do  
desenvolvimento do modo de produção. A vigência individual das figuras é  
socialmente determinada, corresponde a um determinado Standpunkt objetivo. Como  
Marx aponta em outro manuscrito importante, Resultate des unmittelbaren  
Produktionsprozesses, ao observar a existência de uma mistificação imanente à relação  
capital como tal: “A força de preservação de valor do trabalho aparece como a força  
de autopreservação do capital, a força de criação de valor do trabalho como a força  
de autovalorização do capital e, em geral, conceitualmente, o trabalho objetivado como  
o usuário do trabalho vivo” (MARX, 2022, p. 89). É bastante elucidativo como Marx  
indica aqui o trabalho a produção como o elemento categorial em torno do qual  
passa a girar a relação entre as figuras pessoais (MARX, 2022, p. 89-90). Trabalho  
evidentemente na forma social determinada de processo de valorização e não em seu  
caráter social de produção de valores de uso ou de atividade de objetivação humana.  
Não obstante, mesmo de maneira subsumida, pela primeira vez a atividade de  
produção da vida toma o lugar central da vida social à luz do dia, como assunto  
principal da ágora. Não mais delimitado como esfera à parte dos assuntos gerais e sim  
como o assunto geral por excelência. É neste sentido que se pode inclusive nomear o  
entendimento da produção como economia política. Coisa que na Antiguidade seria  
necessariamente um oximoro; lá, a produção, como esfera apartada da polis, reduzida  
ao oikos, seria assunto de uma oikonomos que a pensa, claro, submetida à ordem da  
comunidade política, mas como um assunto externo a ela. O capitalista personifica a  
nomos da acumulação como processo que se reproduz no tempo de maneira  
indefinida, ao menos a priori, e determina o ritmo e os modos de organização do  
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trabalho para que nele se verifique a produção do mais-valor. A existência em  
gegenüber da atividade humana e condições objetivas são indicados aqui por Marx  
como jedem historischen und spezifisch gesellschaftlichen Charakter des  
Produktionsprozesses (MARX, 1970, p. 46), uma vez que poderiam verificar-se até  
mesmo nas formas de atividade produtiva mais simples ou próximas à pura  
determinação biológica. Esta unidade interativa diferenciada, uma relação entre termos  
que não se identificam nem perdem seu caráter próprio, poderia ser observada, por  
exemplo, na atuação pragmática de macacos-prego que repetem o mesmo  
comportamento de quebrar o coquinho com a pedra uma vez se dê neles a percepção  
do sucesso operativo. Evidentemente, não se percebe ainda traços propriamente  
teleológicos, mas antes de operações eficientes sobre um material usando outro, sem  
que necessariamente se instaure alguma técnica propriamente dita, o domínio  
consciente e em desenvolvimento de estratégias de utilização.  
A atuação teleológica como tal, que molda material e objetivamente tanto o atuar  
quanto os meios de sua atuação, é uma característica especificamente humana. Nela  
se fundamenta o desenvolvimento histórico diferenciado da própria interatividade  
social. Uma função diretiva que não necessariamente se identifica ou se confunde com  
a administração direta, não obstante, em suas origens históricas, dependendo dos  
ramos da produção capitalistas, tanto remotas quanto mais recentes, a figura do  
"empreendedor" fosse presente de maneira importante. Tanto é que no  
desenvolvimento capitalista, cada vez mais tais funções diretivas imediatas são  
tornadas ofícios intermediários entre o exercício da propriedade capitalista como tal e  
aquele da produção do valor/mais-valor propriamente dita. No seu desdobramento  
histórico mais recente, da passagem do século XIX para o XX, viu-se emergir uma  
figuração um tanto quanto desconcertante: o corretor ou investidor que não é  
propriamente ainda o detentor direto da propriedade, mas nem tampouco é mais o  
simples administrador remunerado academicamente formado. É de certo modo um  
"híbrido" social que vive da administração das finanças e da movimentação dos títulos  
de propriedade - ações - nas bolsas, detendo um dado quinhão da valorização na  
forma quase amorfa dos "bônus". Aqui, o mais-valor, ao menos em parte, passa de  
uma mão a outra: do comprador capitalista da força de trabalho às figuras que  
negociam dinheiro na função capital, na forma de juros.  
Todo este conjunto de determinações intrincadas de remetimento objetivo entre  
indivíduos vivos e ativos em relações sociais determinadas, formas socialmente  
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objetivas de sua atividade e das condições reais desta atuação produtiva e os meios  
de produção em sua materialidade, conforme se articulam como um modo de produção  
da vida histórico específico é também aquele fez emergir a possibilidade de intelecção  
do ente humano como produtor de sua própria existência. E isso como um caráter tão  
universalizável quanto o de pessoa. Como bem nota o estudioso brasileiro da obra  
marxiana, J. Chasin, ao comentar um trecho já referido do capítulo 5 de O Capital, se  
indaga o porquê de Marx considera de saída o trabalho independente de qualquer  
forma social determinada:  
Para não ser perdida a natureza do trabalho, sua positividade  
enquanto atividade humana vital.  
(...) a positividade (sua efetividade ou operosidade) universal do  
trabalho enquanto atributo vital inalienável do homem,  
independentemente de suas formas concretas, que se apresentam na  
forma do trabalho alienado.  
É a determinação universal do trabalho, o traço de sua legalidade  
última, sua determinação mais geral e essencial, dimensão que não  
desaparece nem mesmo sob suas formas concretas mais negativas.  
(CHASIN APUD VAISMAN, 2006, p. 25).  
Deste modo, a sociabilidade capitalista, em e por seus nexos de contraditória  
complexidade é o primeiro modo social no qual emerge como caráter geral o ser ativo  
dos indivíduos humanos frente às forças e aos elementos naturais. Assim, “(...) ao  
trabalhar, ao mudar a forma da natureza, ao construir sua própria mundaneidade, o  
homem, ele próprio, por meio de seu próprio trabalho, transforma a sua própria  
natureza. Ou seja, de ser natural para social (...)” (CHASIN APUD VAISMAN, 2006, p.  
27). O que de modo prático e refletido se torna verdadeiro senso-comum aparece  
caracterizado de maneira realmente determinada na imanência de suas determinações  
contraditórias no pensamento marxiano como entendimento categorial que matriza e  
orienta conceitualmente aqueles das diferentes dimensões e momentos da vida social.  
Categorialmente, a relação humana com o mundo aparece como eminentemente  
prática em seus contornos gerais e particulares, articulados na apreensão crítica de um  
modo histórico-social de produzir a própria vida, um dado conjunto de relações de  
mediação objetiva e sensível da atividade produtiva das coisas e de si mesmo, mesmo  
sob a vigência das formas de estranhamento típicas do capital. Por isso, “(...) dizer,  
pois que o homem e o mundo são atividade sensível, que por criar seu mundo cria a  
si mesmo, é determinar o homem como a criatura criadora de seres (...) na plenitude  
da produção da riqueza, entendida por sua essência subjetiva que é o trabalho”  
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(CHASIN APUD VAISMAN, 2006, p. 30). Deste modo Chasin indica aqui a emergência  
social contraditória a si do ser humano como um ente que cria entes, no contexto da  
emergência da forma capitalista de propriedade privada, o que representou prática e  
cientificamente foi exequível “à reflexão pode se dar conta, potencialmente da  
verdadeira problemática do ser” (CHASIN APUD VAISMAN, 2006, p. 30). Este ente que  
se expressa na sua atividade fundamental, no sentido primário da qual todas as outras  
não existem, que é produzindo e reproduzindo o seu corpo materialmente. Assim foi  
facultado ao pensar uma forma que está, portanto, baseada não em conceitos sobre  
uma concepção genérica, transcendental ou naturalista de ser humano, mas sustentada  
na compreensão crítica da forma social da atividade dos indivíduos humanos  
constituindo-se a si mesmos a partir das suas diversificadas condições objetivas de  
existência.  
O ente humano assim se constrói em sua relação determinada com os elementos  
da natureza, estabelecendo certos padrões de atividade, segundo condições  
socialmente elaboradas e delimitadas em seu remetimento com a organização da  
formação societária particular nos quais vivem e atuam conjuntamente os indivíduos.  
Formas de sociedade que acabaram por se desenvolver consoante a dados modos de  
apropriação e controle privados das condições objetivas de produção, do qual a  
capitalista constitui uma de suas modalidades mais recentes. Neste modo específico  
de propriedade privada se observa como desdobramento bastante característico uma  
forma de expressividade social das relações contraditórias de interpendência societária  
como propriedades das próprias coisas; os produtos materiais espelham relações  
humanas como se fossem características delas mesmas e modulam o comportamento  
dos indivíduos consoante tal espelhamento. Forma de expressividade estranhada que  
se realiza como como uma espécie peculiar de tomar pelo avesso a determinação  
materialmente existente. Assim, retomando uma passagem acima tratada, “Essa relação  
é já, na sua simplicidade, uma inversão: personificação da coisa e coisificação da  
pessoa; o que distingue, com efeito, esta forma de todas as precedentes, é que o  
capitalista não o trabalhador em virtude de alguma qualidade de sua pessoa, mas  
unicamente na medida em que ele é ‘capital’, sua dominação é somente aquela do  
trabalho objetivado sobre o trabalho vivo, do produto do trabalhador sobre o próprio  
trabalhador” (MARX, 1974, p. 457). Como desde 1844, vê-se também na fase madura  
de elaboração da crítica da economia política, o tema da inversão entre os  
comportamentos sociais de sujeito e objeto como expressões da forma peculiar de  
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A força de trabalho como forma de ser  
relação social de produção é uma questão central. Delimitada pelas proposituras de  
apreensão e explicitação da totalidade na qual estão imersos os termos (indivíduo  
produtor e meios de produção), bem como de esclarecimento dos momentos  
particulares dentro dos marcos dos quais concretamente "funcionam", assumindo esta  
ou aquela forma social objetiva de ser. No caso, uma forma preponderantemente  
estranhada, não mais apenas, e primeiramente como se dava para Marx em 1844 –  
, para com a riqueza produzida. Este estranhamento tem origem num outro, fundado  
na relação pela qual o conjunto de capacidades de produção do sujeito vivo  
transmutado em mercadoria, a Arbeitskraft, é alienada num modo bem peculiar em  
comparação com os demais elementos do processo de produção do capital (meios de  
produção, as condições objetivas de realização de processo de trabalho/valorização.  
Quais as consequências para a estrutura da individuação humana são possíveis  
de reconhecer nessa processualidade estranhada? A alienação de si, ou de uma parte  
essencialíssima de si - suas condições reais e corpóreas de interagir no e com o mundo  
-, traz quais implicações para a constituição da forma moderna de ser social dos  
indivíduos vivos e ativos? Esta série de questões reais que se desdobram em  
interrogações em contextos diferentes, ainda que originariamente tributários, dos  
debates em torno das aporias da economia política e de suas consequências de caráter  
geral. É possível mesmo rastrear, de modo indiciário, os ecos dessas questões mesmo  
em formulações que por sua aparência estariam bem distantes deste espaço  
conceitual. Existem determinados elementos que se consubstancial como indicações  
da presença da categoria força de trabalho alienada (veräußertete) e do entfremdete  
Arbeit em algumas das mais importantes formulações filosóficas posteriores a Marx.  
Duas, em especial, situadas no registro teórico-metodológico da fenomenologia,  
que se constituíram em proposituras de construção ontológica das relações entre  
individualidade e mundo. Ambas, não casualmente, abrigaram em alguma medida  
problemáticas que tocam em momentos centrais da integração ativa do humano no  
mundo e na elaboração de um mundo próprio ao humano. Refere-se aqui a Heidegger  
e Sartre, autores que notadamente buscaram abranger também certos aspectos da  
atuação do humano em seu caráter moderno como demarcações, no fundo, existenciais  
e antropológicas. Uma tarefa que o deciframento da força de trabalho como  
Daseinsform do capital implica é igualmente o enfrentamento analítico de tais  
proposituras, tanto em função de sua importância inerente como construções  
filosóficas que se postularam como uma ontologia do humano, quanto também em  
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função de sua influência em cujo enraizamento muito da reflexão e da cientificidade  
sobre o social acabaram encontrando arrimo.  
A abordagem de tais configurações teóricas, como de outras de igual teor e  
consistência, não terá de maneira nenhuma a pretensão de reduzir ambas as  
proposituras a simples expressões filosóficas da força de trabalho como categoria  
filosófica. Esse tipo de procedimento configuraria tanto uma violência conceitual às  
elaborações heideggeriana e sartreana quanto um barateamento da configuração  
conceitual complexa da força de trabalho conforme tematizada por Marx, reduzindo-a  
a uma simples noção. Vislumbra-se, diferentemente, o levantamento de certos pontos  
característicos daquelas elaborações conceituais que, a seu modo e em sua  
consistência discursivos, expressam traços determinantes e essenciais que a categoria  
cunhada e delimitada por Marx permite inferir para a fisionomia dominante da  
individualidade do capital. Nesse sentido, somente como sinalização demasiadamente  
sumárias e ainda abstratas, podemos citar dois aspectos daquelas formulações  
filosóficas que apresentam esse potencial expressivo.  
De uma parte, temos a configuração do existir humano como Dasein em geral,  
ou melhor como considerado como único “ser-aí” lançado no mundo, que a partir de  
sua estruturação existencial, supostamente ontológica, porque apenas sustentada pelo  
um tipo de feeling intuitivo pré-teorético, é analiticamente privilegiado como centro  
de ontologia. Esse ente isolado e solitariamente tomado se articula com o mundo pela  
série de suas relações flagradas no aparecer mesmo dessas conexões existenciais. As  
condições de seu existir são tomadas já na positividade de seu aparecer, como  
fenômenos no fundo para o Dasein. Tal ente, ou forma-ente, estatui ou estabelece suas  
formas de relação a partir de si, tanto mais se afastando de seu sentido originário  
quanto mais se ligue aos entes em sua exterioridade. Como não ver aqui traços de  
uma crítica da inautenticidade, do mundo estranhado em coisas e relações de perda?  
Essa tematização, conquanto até acolha potencialmente a esfera de um imediato do  
existir, na pré-compreensão, o faz, primeiramente tomando-o já como da esfera  
puramente interior da estrutura do ente, como experiência estética, e, em segundo  
lugar, sem uma remissão à praticidade da relação como dado primário, a produção da  
vida comparece por isso no contexto circunscrito daquela interioridade. A existência  
primária desse Dasein, humano, é um tipo de pertencer a si mesmo. A crítica ao  
estranhamento, por não ser histórica ou não compreender a história de  
estranhamentos humanos, é feita com base no esquema genealógico do esquecimento  
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e da recuperação (HEIDEGGER, 1986, p. 64-65 e 79).  
De outra parte, temos uma propositura que toma a estrutura não como  
transcendentalmente dada ao existir, e sim sob a matriz da atuação, da ação situada  
frente à mundaneidade. Aqui, denominada de liberté, essa estrutura existente não é  
definida como ente. É antes uma existência pura, um ato-puro de ser, que define suas  
relações a partir de si como impulso, como pulsão pura, energia em movimento, e por  
meio dessa forma peculiar a ela de estar-aí se define a cada momento. É a ação humana  
o centro da análise do conjunto fenomênico que aparece e parece a esta existência de  
um presente permanente. Por isso, seu ser que não é uma propriamente uma estrutura,  
mas se estrutura ao ir-sendo, remete antes à compulsão por dar seu ser, um nada a  
priori, à esfera do mundo, aqui o terreno propriamente do ser. Até por imputar ao  
ontológico humano uma estrutura em construção e revolucionamento permanentes, a  
reflexão sartreana deixa antever o quanto exprime em alto grau de abstração certos  
traços da individuação típica do capital, convertida em condicionalidade dinâmica do  
humano como tal. Remissão imediata a si, relação de pura exterioridade com as coisas,  
o caráter estranho – “opaco” – do ser com o que se defronta, assim como uma  
Arbeitskraft abstratamente tomada somente pode ser concebida em termos de sua  
atuação e da atualidade de seu agir, a sua interioridade essencial imediatamente  
contraposta à mundaneidade como determinação particular de si (SARTRE, 1943, p.  
9-20 e 29-36).  
Um ponto saliente em ambos é tanto a interioridade radical do auto-fundamento  
do humano, um recesso do feeling, do intuir pré-teorético, pré-compreensão ou  
consciência, quanto, e principalmente, a instância realmente originária de ser corpo é  
reduzida imediatamente à corporeidade, ao sentir-se corpo de um self qualquer. Ser  
Gegenstand materialmente circunscrito só é admitido em segundo potência e a duras  
penas, pagando tributo já ao recurso metodológico à descrição fenomenológica da  
estrutura interiorizada.  
Desta maneira, poder-se-á melhor evidenciar o quanto a determinação da  
individualidade pela forma peculiar de estranhamento engendrado originariamente  
pelo modo peculiarmente moderno de alienação da força de trabalho reverbera em  
âmbitos diferentes e em múltiplas dimensões da vida social. Da maneira pela qual ecoa  
universalmente o caráter necessário da relação de proprietário privado de mercadoria  
em relação a um momento essencial de si é definido, no fundo, por uma penúria  
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Antônio José Lopes Alves  
essencial. Porquanto apenas sob a disposição de ceder o controle de seu uso, de  
aliená-lo, tem essa propriedade valor para o próprio trabalhador. O que se apresenta  
imediatamente como afirmação de uma livre vontade de si a si se desvela como  
realidade da derrelicção com respeito a sua própria condição real de objetivação. A  
propriedade somente vige como denegação virtual, mas que precisa se efetivar para  
ser ato soberano de proprietário, da posse de suas potências essenciais. O trabalhador-  
livre por isso é uma categoria que se define pela pauperização ontológica, uma  
determinação que, conquanto possa não aparentar esse potencial teor derrelito, por  
conta de variações em termos de grandeza relativa (o quantum de valor comparativo  
se afere de uma para outra força de trabalho), é por sua definição propriedade de sua  
própria pobreza.  
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Como citar:  
ALVES, Antônio José Lopes. A força de trabalho como forma de ser: protoforma da  
individualidade do Capital em Marx. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 2, pp. 156-  
231, jun-dez. 2023.  
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ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, pp. 156-231 - jul-dez, 2023 | 231  
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