DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.685  
Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia  
do ser social de G. Lukács: novos comentários  
sobre o tema1  
About “The ideal and ideology” in The ontology of social being by G.  
Lukács: new comments on the topic  
Ester Vaisman*  
Resumo: Ainda que a autora tenha se debruçado,  
em várias ocasiões desde 1984, sobre o  
problema da ideologia na obra postumamente  
publicada por Lukács, o objetivo geral do  
presente artigo é trazer comentários adicionais  
sobre o tema, decorrência de pesquisa mais  
profunda não só da Ontologia do ser social, mas  
também do próprio itinerário intelectual do  
filósofo húngaro. Autores que abordaram o tema  
são revisitados, configurando-se assim um  
quadro geral mais complexo da questão em tela.  
Abstract: Although the author has addressed,  
on several occasions since 1984, the problem  
of ideology in the Lukács’ work posthumously  
published, the general objective of this article is  
to provide additional comments on the topic,  
resulting from deeper research not only about  
The Ontology of social being, but also from the  
Hungarian philosopher's own intellectual  
itinerary. Authors who addressed the topic are  
revisited, thus configuring a more complex  
general picture of the issue at hand.  
Palavras-chave: György Lukács, ontologia,  
ideologia  
Keywords: György Lukács, ontology, ideology  
O capítulo intitulado “O ideal e a ideologia” se reveste de importância ímpar no  
contexto da obra de Lukács postumamente publicada. Muito já se falou desse esforço  
de final de vida, mas ainda o que foi dito e escrito não é suficiente para identificar  
devidamente o sentido que tal empreitada final representou no itinerário intelectual  
do autor. De fato, isolado em seu apartamento em Budapeste, sendo discriminado de  
todos os lados, conseguiu reunir forças tanto físicas quanto intelectuais para elaborar  
uma obra magna que marca de modo definitivo a história do marxismo. Ademais, é  
leitura obrigatória para todos aqueles que, de uma forma ou de outra, se interessam  
pelo tema que dá título ao capítulo, mas também para aqueles que buscam as vias de  
superação de uma série de problemas teóricos e práticos que marcam o mundo  
contemporâneo.  
1 Artigo publicado originalmente em NACIF, C. & KAWAHARA, I.Z. Introdução à ontologia do ser social  
de Georg Lukács. Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2022, p. 63-97.  
* Professora titular aposentada do Departamento de filosofia UFMG, e-mail: evaisman@fafich.ufmg.br.  
Verinotio ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2 jul-dez, 2023  
nova fase  
   
Ester Vaisman  
Evidentemente, não será possível, nos limites do presente texto, deslindar todo  
o conjunto de problemas que Lukács enfrenta, nem muito menos evidenciar, por meio  
de uma análise comparativa, as contribuições e avanços do autor em relação a  
estudiosos marxistas e não marxistas que, direta ou indiretamente, se debruçaram  
sobre problemas ontológicos em geral e, em particular, sobre o papel do momento  
ideal e da ideologia. O que se pretende aqui é algo muito mais modesto: traçar em  
linhas gerais as principais características da reflexão lukácsiana sobre o problema, em  
especial a sua tematização sobre a ideologia. É evidente, contudo, que o  
esclarecimento da questão ideológica não teria condições de avançar, sem que Lukács  
não tivesse tratado mais detidamente das especificidades do “momento ideal” e de  
suas relações com o momento material na esfera da prática. Mesmo ciente dessa  
necessidade, a ênfase do presente texto irá recair sobre a ideologia, ficando para outro  
momento uma apresentação mais ampla e profunda sobre o problema do momento  
ideal.  
Nessa direção, as indagações a serem colocadas agora são as seguintes: qual é  
a importância do tema e quais são os traços mais distintivos da análise que Lukács  
oferece ao leitor?  
Em primeiro lugar, é necessário recordar que, desde pelo menos a sua fase de  
transição ao marxismo, com a publicação de História e consciência de classe, Lukács  
esteve às voltas com o estatuto filosófico da subjetividade. De fato, por ter se  
debruçado, ao longo de seu profícuo itinerário intelectual, sobre literatura e estética  
em geral, os problemas atinentes à subjetividade, bem como sua devida relação com  
a objetividade, sempre estiveram presentes, com maior ou menor intensidade. Talvez,  
insatisfeito com o que ele próprio produziu a respeito, ou o que é mais provável –  
retendo os resultados mais expressivos de seus trabalhos anteriores, se dedicou a  
sistematizar tais conquistas, do que resultaram as suas obras de maturidade como a  
Estética e a Ontologia.  
Em segundo lugar, o tratamento que ele dá à questão destoa radicalmente do  
modo com que autores das mais variadas tendências abordaram o tema. Entretanto,  
como se trata de assunto que interessou principalmente aos marxistas, é possível  
constatar no tratamento que Lukács dá ao tema uma linha de análise completamente  
original, e, amparando-se em evidências textuais de Marx, ele acaba por refutar as  
abordagens mais disseminadas nesse campo. Como se poderá observar nas linhas que  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
se seguem, tais abordagens procuraram explicar o fenômeno ideológico a partir do  
critério gnosiológico, ao aproximarem-no, de modo mais ou menos explícito, às  
problemáticas atinentes à teoria do conhecimento e à filosofia da ciência.  
Nesse sentido, é oportuno lembrar que a linha de tematização do problema da  
ideologia a partir do viés gnosiológico tem uma tradição já consolidada entre os  
estudiosos do assunto. Nesse sentido, em artigo publicado no ano de 2010, eu já  
advertia para o fato de que  
autores que procuram constituir uma seriação histórica do problema  
a partir das origens remotas da preocupação filosófica com a questão  
da ideologia, como Kurt Lenk (1971) e Hans Barth (1971), são  
unânimes em indicar que, sob determinado ângulo, esta preocupação  
já está presente no momento em que, a partir das exigências das  
ciências da natureza, a filosofia se volta àqueles elementos tidos como  
exteriores ao campo científico, mas que poderiam exercer perigosa  
influência nos caminhos da investigação científica (VAISMAN, 2010,  
p.41)  
Ou seja, desde seus primórdios, os estudos voltados ao tema, adotaram a ideia  
de que o fenômeno ideológico era algo, senão contraposto radicalmente à ciência,  
pelo menos consistia em um espaço onde se desenvolviam formulações danosas à  
apreensão correta dos fatos, identificando-o, assim, sem mais a algo atinente à  
falsidade.  
O que importa sublinhar aqui, é que esse modo de conceber a ideologia fez  
carreira não apenas nas abordagens de cunho filosófico, mas também, e,  
principalmente, no campo das ciências humanas em geral e, no marxismo, em  
particular. Em suma, o procedimento dominante no enfrentamento da questão tem se  
apresentado, em maior ou menor monta, a partir do estabelecimento de um vínculo  
estreito entre ideologia e a problemática do conhecimento, justamente porque tem se  
valido do critério gnosiológico como orientador analítico básico.  
Na direção oposta a tal tendência, vale ressaltar mais uma vez, Lukács confere  
um tratamento teórico diferencial ao problema ideológico, distinto inclusive, como já  
tivemos oportunidade de salientar, daquele que é possível identificar em História e  
Consciência de Classe. Ou seja, Lukács, nos últimos anos de sua vida se dedica a uma  
empreitada que se nega à utilização do critério gnosiológico na determinação do  
fenômeno ideológico, propondo, em contrapartida, a utilização do critério onto-  
prático.  
Logo no início do capítulo, é possível perceber que os argumentos que Lukács  
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desenvolve podem, em certa medida, ser considerados como um acerto de contas (no  
fundo, também um acerto de contas com ele mesmo, com a sua trajetória anterior) de  
um lado, com o marxismo vulgar, com o stalinismo, e, de outro, com as vertentes  
idealistas. Ao se contrapor contra uma e outra, ele coloca sua própria formulação  
como um tertium datur. Ou seja, ele rejeita o marxismo vulgar, que consagrou o  
mecanicismo, o economicismo, e, simultaneamente, as vertentes idealistas, que,  
também teriam unilateralizado o problema, ao conceberem o homem como  
fundamentalmente um ser abstrato, um mero produtor de ideias, para colocar a coisa  
em termos breves.  
Essa dupla rejeição, tanto do marxismo vulgar quanto do idealismo pode ser  
vislumbrada já no início do capítulo em que, não por acaso, aparece o subtítulo “O  
ideal na economia”, em que Lukács retoma de modo sintético os resultados  
desenvolvidos nos capítulos anteriores da obra. Ele diz: “Nossas investigações até aqui  
mostraram que o fato básico mais material, mais fundamental, da economia, o trabalho,  
possui o caráter de um pôr teleológico” (LUKÁCS, 2013, p.355) para, em seguida,  
depois de buscar amparo textual em uma famosa passagem de O Capital, sublinhar  
que o fato mais fundamental da esfera econômica, isto é, o trabalho, só se realiza  
enquanto tal a partir do movimento de uma cadeia causal posta em ação no interior  
de uma intrincada relação indissolúvel com a teleologia.  
A esse respeito, o que importa ressaltar aqui, é o completo distanciamento de  
Lukács no que diz respeito ao modo como tradicionalmente a esfera econômica, bem  
como suas relações com a esfera ideológica foram concebidas pelos marxistas.  
Segundo suas próprias palavras, no marxismo predominou um  
certo dualismo metodológico, pelo qual o campo da economia foi  
apresentado como uma legalidade, necessidade etc., formulada de  
modo mais ou menos mecânico, ao passo que o da superestrutura, da  
ideologia, revelava-se como uma área em que começavam a aflorar as  
forças motrizes ideais, com muita frequência concebidas em termos  
psicológicos (LUKÁCS, 2013, pp.356-7).  
A denúncia acima é clara: de acordo Lukács o uso da fórmula base e  
superestrutura, em que pese a existência de exceções e/ou abordagens até certo ponto  
válidas, levou a uma deformação da própria natureza da sociabilidade por meio de  
uma aproximação demasiada com a esfera biológica, como é o caso específico de  
Kautsky. Mas, a avaliação crítica lukácsiana não para por aí, ao contrário, ela acerta  
precisamente o que parece ser o ápice do “dualismo metodológico”, nomeadamente  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
a economia e a teoria social stalinista operam em parte com categorias  
idealistas subjetivas, voluntaristas, sendo que a objetividade social  
aparece, em última análise, como resultado das resoluções do partido,  
e em parte, onde a pressão dos fatos impôs certo reconhecimento da  
validade objetiva da teoria dos valores, com um dualismo de  
"necessidade" mecânico-materialista e resoluções voluntaristas. De  
qualquer modo, todas essas teorias não fizeram jus nem à  
unitariedade e peculiaridade dinâmico-estrutural do ser social, nem às  
diferenciações e contradições que surgiram dentro desse âmbito  
(LUKÁCS, 2013, p. 357).  
Não será a primeira nem a última vez, que o filósofo húngaro ataca  
explicitamente o modo como a esfera ideológica foi (des)tratada no interior do  
chamado “marxismo oficial” ou marxismo vulgar, como queiram. De fato, comentários  
como os acima referidos, parecem revelar a magnitude dos antagonistas, que podem,  
em certos momentos, como é o caso específico de Stalin, assumir a proeza de combinar  
o “necessitarismo” com o voluntarismo político.  
Portanto, o embate do autor assume dificuldades de grande monta, pois se volta  
contra um certo número de abordagens amplamente disseminadas e que usufruem de  
prestígio, contando com isso, com grande adesão, tanto no meio acadêmico quanto  
no interior dos “guetos ideológicos”.  
Em síntese, retomando os achados expostos nos capítulos anteriores, em que o  
empenho foi demonstrar à exaustão o caráter teleológico da atividade laborativa, no  
capítulo sobre o momento ideal e a ideologia, como o próprio título indica, o objetivo  
principal do autor é demonstrar que a prática social, em sua imensa diversidade,  
compartilha de certas características comuns com a atividade que se põe no âmbito  
do trabalho.  
Mas o desafio teórico não para por ai, ou seja, se no seu empenho de abordar  
a sociabilidade a partir do critério ontológico, Lukács desvelou o pôr teleológico do  
trabalho, a tarefa agora é expor a tese de que os vários tipos da prática social, mesmo  
aquelas mais evanescentes, como a prática moral por exemplo, apresentam aspectos  
semelhantes, ou seja, são também pores teleológicos que, do mesmo modo que no  
trabalho, implicam na presença de uma prévia-ideação, como também, - que é o outro  
lado da mesma moeda - no desencadeamento de determinadas cadeias causais  
específicas, resultantes típicas da prática humana. Ou seja, são práticas que  
apresentam a interveniência de um momento ideal, tanto no sentido de um pôr de fins  
seja no sentido receptivo, sob forma cognitiva.  
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Ainda em outras palavras “tanto no trabalho, no intercâmbio orgânico com a  
natureza, quanto nas outras esferas da prática social, o que há de comum nessas ações  
é o fato de que em todas elas se encontra uma tomada de decisão entre alternativas,  
o que implica a existência de um momento ideal, de uma prévia-ideação como  
denominador comum a todas elas” (Vaisman, 2010, p.46).  
Mas, atenção! Lukács ressalta várias vezes no decorrer do livro que a dimensão  
ideal, sempre como algo cuja gênese se dá no âmbito da prática humana, e o  
consequente desencadeamento de cadeias causais, não constituem dois atos  
autônomos. Ao contrário, do ponto de vista ontológico, são dimensões inseparáveis  
no interior de um só e único complexo e o seu isolamento apenas pode ser cogitado  
no pensamento, jamais se apresentando de modo dissociado na realidade efetiva ela  
mesma. A mesma advertência vale para a tomada de decisão entre alternativas, pois  
além de se constituírem “fundamentos insuprimíveis do tipo de práxis humano-social  
e somente de modo abstrato, nunca realmente, podem ser separadas da decisão  
individual”. (LUKÁCS, 2013, 123).  
Vale a pena insistir: não é possível separá-los, na medida em que  
ontologicamente, de fato, na realidade, um depende do outro para existir. "Isso quer  
dizer que o ato do pôr teleológico só se torna um ato teleológico autêntico através da  
efetuação real de sua realização material” (LUKÁCS, 2013, p. 356).  
Entretanto, vale lembrar também um outro aspecto decisivo da relação indivíduo  
que trabalha e o meio como também o objeto em que recai a sua ação. Lukács já no  
capítulo I enfatiza que  
que a necessária ocorrência de decisões entre alternativas não implica  
conhecimento e controle completos do indivíduo sobre as  
circunstâncias da sua vida e do meio circundante. Examinando, pois,  
o processo global do trabalho, tem-se que o homem, que põe  
determinados pores teleológicos, sempre o faz de modo, sem dúvida,  
consciente, mas nunca em condições de um conhecimento pleno de  
todos os aspectos e características envolvidas. Para a realização do  
trabalho ele deve conhecer a legalidade fundamental do processo,  
caso contrário, a sua ação não atingiria o fim proposto. Um trabalho  
só pode ser frutífero se posto em movimento por uma colocação  
teleológica compatível com a ordem causal real. O sujeito do trabalho  
conhece, mas não se encontra em condições de dominar todo o  
complexo de determinações e circunstâncias que marcam o campo  
sobre o qual atua, restando sempre um espaço desconhecido.  
(Vaisman, 2010, p.47)  
Como veremos mais à frente, a dimensão do desconhecido, no contexto dos  
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pores teleológicos secundários, assume proporções distintas do que ocorre na esfera  
do trabalho, adquirindo amplitude, conotações e, em suma, características bem  
diversas.  
De todo modo, no capítulo em questão, Lukács se dedica a reconhecer e a  
analisar um certo tipo de pôr teleológico que, diferentemente do que ocorre no  
trabalho, não se volta à objetividade natural. Trata-se de analisar os pores teleológicos  
que têm como objeto uma outra pessoa, um outro homem, uma outra consciência. Em  
outros termos, têm como objeto modificar e intervir no comportamento de outrem, e  
é justamente esse conjunto de problemas que, em verdade, interessa ao autor.  
Entretanto, será útil observar que gradativamente, Lukács, ao longo de sua  
cuidadosa argumentação, vai se afastando do âmbito específico do trabalho, ou seja,  
do pôr teleológico primário, para se dedicar, até o final do livro, à análise dos  
processos que se dão, com grau de complexidade cada vez maior, no terreno do que  
ele denomina de pores teleológicos secundários. Justamente aí, diante de um tipo  
específico de objetividade, que é de natureza puramente social, aquilo que Marx  
denominou em O Capital, referindo-se ao valor, de "sensível-suprassensível". Esse fato  
indica, por seu turno, que Lukács se depara com um problema muito mais intrincado  
do que aqueles sobre os quais ele voltou a atenção no início da chamada parte  
“sistemática” de sua Ontologia. E por quê? Porque o objeto sobre o qual recaem os  
pores teleológicos secundários, que ele quer agora identificar e apresentar, é o  
comportamento humano em todas as suas variantes. Ora, se está diante de algo que  
é mais oscilante e mais imprevisível do que objetividade sobre a qual o trabalho incide  
sua ação, algo, portanto, mais difícil de agarrar ou mesmo reconhecer sua presença.  
Nesse sentido, me atrevo a dizer que o capítulo sobre o trabalho, não obstante a sua  
importância por si evidente, pode ser considerado o grande momento inicial e  
preparatório, para que Lukács pudesse chegar ao ponto que realmente lhe importava.  
É evidente, que não é esse o lugar para se discutir o que seria a Ética, que Lukács  
acabou por não escrever, mas há indícios razoáveis que sua preocupação girou em  
torno do tema, nunca tomado de modo isolado e autônomo, em alguns momentos de  
seu itinerário. Ou seja, em princípio, pode ser considerada como uma indagação  
pertinente, se levarmos em conta, o caminho teórico que ele mesmo percorreu.  
Ainda mais, se avaliarmos o modo como ele introduz o vínculo entre o momento  
real e o momento ideal no início do capítulo em destaque, onde se vale de passagens  
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específicas de O capital, a partir das quais Lukács avança suas considerações sobre os  
aspectos similares entre os dois tipos de pôr, o primário e o secundário, mas,  
sobretudo, para poder afirmar a peculiaridade do último. Ele diz:  
O desdobramento da esfera econômica da produção no seu sentido  
mais estrito e próprio, desde o metabolismo da sociedade com a  
natureza até as formas mais mediadas e complexas nas quais e pelas  
quais se dá a socialização da sociedade, torna essa relação do ideal e  
do real cada vez mais dinâmica e dialética. Já vimos que os atos  
teleológicos que se reportam de modo apenas mediato ao  
metabolismo com a natureza têm por fim influenciar diretamente a  
consciência, as resoluções de outros. Aqui, portanto, o ideal está  
contido como motivo e objeto tanto no pôr quanto no objeto por ele  
intencionado; o papel do ideal se intensifica, portanto, em comparação  
com os pores originais do trabalho, cujo objeto por necessidade é  
puramente e ideal (LUKÁCS, 2013, PP.359-60).  
Vê-se que, nesse momento do livro, o acento recai sobre o aumento do elenco  
de mediações na relação com objetos puramente naturais, que vão se apartando da  
prática, à medida em que a sociedade vai se tornando cada vez mais social. Isto é, se  
diversifica e se amplia o elenco de mediações de caráter eminentemente sociais no  
metabolismo com a natureza. Como resultado, tem-se, sempre de acordo com Lukács,  
a intensificação e o alargamento do papel do momento ideal. Ou seja, a partir de um  
determinado momento do processo de socialização da sociedade, (o que, de fato,  
ocorre muito cedo) um pôr teleológico passa a ser objeto para outro pôr, o que torna  
a relação entre momento real e ideal mais complexa do que se vista apenas sob o  
prisma do pôr teleológico primário. Neste, analisado isoladamente, o objeto do pôr,  
como já visto, tem caráter eminentemente material, ao passo que, agora, sob o prisma  
da diversificação ampliação dos pores teleológicos secundários, a relação não é mais  
material-ideal, mas, ideal-ideal, visto que a objetividade social, para utilizar os termos  
de Marx, se torna sensível-suprassensível como resultado do afastamento das barreiras  
naturais.  
Evidentemente, não há por parte de Lukács o intento de estabelecer uma linha  
do tempo, em que os pores teleológicos secundários teriam surgido, hipoteticamente  
na sequência de um amplo aprimoramento dos atos envolvidos no complexo do  
trabalho. Muito ao contrário, os pores teleológicos secundários se manifestam  
no nível mais incipiente do desenvolvimento das forças produtivas, na  
medida em que o processo laborativo coloca aos homens tarefas que  
só podem ser cumpridas se elas forem acompanhadas por posturas e  
afetividades adequadas à sua execução. Essa função desempenhada  
pelos pores teleológicos secundários é tanto mais fundamental quanto  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
mais complexa for a divisão do trabalho (VAISMAN, 2010, p.47)  
A título de exemplificação, com o objetivo de caracterizar a natureza daqueles  
pores, a partir dos quais se abre o caminho para a determinação da ideologia, vale a  
pena mencionar que se trata  
das atividades não econômicas, “organizadoras da sociedade”, que  
constituem a superestrutura social, particularmente a esfera jurídico-  
política, cujo conteúdo pode estar voltado tanto para a manutenção  
quanto para o desenvolvimento ou destruição do status quo, mas cuja  
existência é determinada, através de múltiplas mediações, pelas  
necessidades postas pelo desenvolvimento material da sociedade  
(VAISMAN, 2010, p. 47).  
Feito esse esclarecimento, é necessário atentar para o que está em jogo nesse  
momento da exposição de Lukács. Trata-se, a meu ver, de algo de vital importância  
para se compreender a linha analítica do autor, bem como o devido papel que o  
momento ideal assume em sua reflexão. Nesse sentido, o autor adverte:  
Por conseguinte, se a esfera econômica for analisada ontologicamente  
sem preconceitos, facilmente se revela como é importante tomar  
complexos de funcionamento elementar como ponto de partida para  
compreender sua totalidade e seus complexos parciais maiores, em  
vez de querer apreender as leis da economia com o auxílio de  
"elementos" artificialmente isolados e de seu contexto metafísico-  
mecânico (LUKÁCS, 2013, p. 362).  
Fica evidenciado assim, o “roteiro metodológico” (na falta de outra expressão  
para designar o procedimento utilizado) do autor: o fato de ter iniciado a parte  
“sistemática” da Ontologia valendo-se de uma “abstração isoladora”, e tomando o  
Trabalho, como ponto de partida, “como complexos de funcionamento elementar”, mas  
sem deixar de inseri-los em complexos, que embora parciais, são de maior  
envergadura.2 É exatamente no que consiste o procedimento de Lukács ao desfazer a  
abstração isoladora, que lhe permitiu delimitar e identificar no pôr teleológico primário  
o modelo da prática social, mas que, em seguida, deve ser reconhecido enquanto  
complexo parcial de uma totalidade mais abrangente, ou seja, o complexo da  
reprodução. Vencida essa etapa, trata-se de tomar complexos que se constituíram no  
processo de “afastamento das barreiras naturais”, ou seja, no interior complexos ainda  
mais abrangentes, em cujo seio as interrelações entre ideal e material ganham novas  
e diferentes configurações.  
Mais à frente, pode-se identificar no texto, um argumento de talhe conclusivo  
2 Referir artigo de Ronaldo sobre a descentralidade do trabalho.  
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que parece validar o destaque atribuído ao “momento ideal”, justamente quando é  
reconhecido de maneira enfática que, embora seu “campo de ação” apenas pode se  
dar no ser social e não fora dele, simultaneamente, é afirmado que o momento ideal  
“constitui o pressuposto insubstituível de tudo o que surge e existe socialmente”  
(LUKÁCS, 2013, p. 406). E de fato, ele mesmo reconhece, que “para chamar a atenção  
do leitor para essa factualidade, nem sempre reconhecida, tentamos mostrar,  
exatamente com relação à esfera econômica, que tudo o que nela acontece tem como  
pressuposto momentos ideais” (LUKÁCS, 2013, p. 406).  
O argumento acima confirma a ponderação que fizemos no início do presente  
artigo, isto é, o objetivo de Lukács é o de evidenciar o caráter decisivo do momento  
ideal no processo de constituição e desenvolvimento da sociabilidade, reconhecendo,  
ao mesmo tempo que esta última é o único “lugar” em que sua atuação pode se dar.  
Em outros termos, distanciando-se dos modos prevalentes com que o problema foi  
abordado ao longo de séculos, o critério ontológico permitiu ao nosso autor tematizar  
a relação efetivamente existente entre momento real e momento ideal, ao se afastar  
de modo decidido e convincente do modo unilateral com que o tema tem sido tratado,  
sobretudo no interior do marxismo. Consequentemente, parece claro que essa  
conquista teórica irá repercutir decisivamente no modo que o tema da ideologia será  
abordado nas páginas seguintes.  
Nesse sentido, na sequência de sua argumentação, o autor recupera momentos  
de sua análise desenvolvidos no primeiro e no segundo capítulos com o objetivo de,  
mais uma vez, esclarecer o que está em jogo quando o foco recai sobre a natureza do  
momento ideal característico dos pores teleológicos secundários. Tudo,  
evidentemente, com a pretensão de preparar o caminho para a determinação  
ontológica da ideologia. Na citação abaixo, Lukács reafirma uma das teses mais  
importantes que nasceram da sua empreitada de final de vida. Ele diz:  
Assim, o conjunto do ser social, nos seus traços ontológicos  
fundamentais, está construído em cima dos pores teleológicos da  
práxis humana, formalmente sem levar em conta em que medida os  
conteúdos teóricos de tais pores, em termos gerais, captam  
corretamente o ser, bastando que estejam em condições de realizar  
suas finalidades imediatamente almejadas, obviamente tampouco  
levando em conta se suas consequências causais ulteriores  
correspondem às intenções dos sujeitos dos pores. (LUKÁCS, 2013,  
p.368)  
A dimensão do momento ideal dos pores teleológicos secundários, que entra em  
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cena agora, diz respeito àquilo que tem sido, entre os estudiosos do assunto, o critério  
básico para se avaliar se algo é ideologia ou não: a sua correção ou falsidade. Lukács,  
no sentido oposto a tais tendências, já adianta que a avaliação de tipo gnosiológica,  
ou seja, se o conteúdo dos momentos ideais é correto ou falso, não tem maior  
importância, tendo em vista que o que importa, pelo menos nesse momento de sua  
argumentação, isto é, no instante em que o interesse é determinar o “ser” desse  
fenômeno, é a verificação se esses momentos são capazes de orientar a ação no  
sentido de efetivá-las.  
Preparando o caminho para o devido tratamento do problema da ideologia, como  
é característico do modo como Lukács articula sua argumentação, ele dirige o foco não  
apenas a categoria da liberdade, remetendo-a ao campo das decisões alternativas,  
contido já no pôr teleológico primário, mas também um outro par categorial de suma  
importância: essência e fenômeno. Também, nesse caso específico, procura evidenciar  
que sua análise se distancia do modo como a tradição filosófica procurou contemplá-  
la, ainda que reconheça em Hegel, a despeito de todas as suas limitações de caráter  
idealista, um grande avanço, sobretudo no reconhecimento da autonomia relativa do  
mundo fenomênico em relação à essência, da qual o fenômeno não pode emergir como  
um produto mecânico, mas, além disso, é preciso notar que  
essa autonomia existe exclusivamente no quadro da interação com a  
essência; mesmo que seja como campo de ação de amplo alcance,  
multiestratificado e multifacetado, o é apenas como campo de ação  
do auto desdobramento dentro de uma interação na qual a essência  
possui a função do momento predominante (Lukács, 2013, p. 396)  
Mais uma vez, Lukács, ao trabalhar do ponto de vista ontológico com pares  
categoriais de larga tradição na história da filosofia, procura mostrar que sua análise  
se distancia do modo como foram tratados, sobretudo no interior de tendências  
idealistas, mas não isenta, quanto a isso, o materialismo vulgar, ainda que, em seus  
próprios termos, “mesmo que ele se chame de marxismo”, ao denunciar a “completa  
caducidade das duas concepções” (idem).  
Depois de demonstrar as semelhanças entre os dois tipos de pores teleológicos,  
o primário e o secundário, e referir as categorias mais decisivas que entram em jogo  
nesse âmbito da existência humana, Lukács se apressa, mais uma vez, com o objetivo  
de evitar distorções a respeito, em retomar aquilo que diferencia ambos os tipos de  
prática, pois nunca é demais repetir. Enquanto “os pores direcionados imediatamente  
para o metabolismo entre sociedade e natureza se diferenciam em essência, tanto  
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subjetiva como objetivamente, daqueles cuja intenção direta é a mudança de  
consciência de outros homens” (LUKÁCS, 2013, p. 399). Ou seja,  
ao lado da identidade abstrata entre os pores teleológicos primários  
e aqueles que compõem a base sobre a qual se estruturam os  
fenômenos ideológicos, que se verifica pelo fato de que os dois tipos  
são rigorosamente teleologias, tomadas de decisão entre alternativas,  
deve-se ressaltar sua diferença básica, pois não constituem pores do  
mesmo gênero (VAISMAN, 2010, p. 48).  
Ressaltando, entre outros aspectos decisivos, também o papel da linguagem3,  
principalmente na produção e aprimoramento das condições e relações com o meio  
ambiente, por meio da “autonomização” da imagem e da representação, Lukács chega  
a um momento crucial de sua reflexão, mas sobre o qual não temos como contemplar  
com o devido detalhe nesse instante, ainda que seja necessário referi-lo mesmo que  
rapidamente: trata-se das noções de “objetivação [Vergegenständlichung] do objeto e  
a alienação [Entäußerung] do sujeito, [que] como processo unitário compõem o  
fundamento da práxis e teoria humanas.” (LUKÁCS, 2013, p.417). O que Lukács tem  
em mente nessa altura do texto, é despojar da noção de objetivação todo e qualquer  
resquício da forma como Hegel tratou do tema, de modo a compreender devidamente,  
não apenas a crítica que Marx lhe dirige nos afamados manuscritos de Paris, mas,  
sobretudo, do reconhecimento que  
a objetivação perfaz a essência realmente objetivada real e, por isso,  
a essência realmente objetiva do ser social, de toda praxis social, e ao  
mesmo tempo, de modo inseparável dela, revela uma atividade dos  
sujeitos sociais, que - exatamente em sua atividade - não só atuam de  
modo objetivador sobre o mundo objetivo, mas, ao mesmo tempo, de  
modo inseparável, reformam o seu próprio ser enquanto sujeitos que  
põem objetivações. (LUKÁCS, 2013, p. 422).  
A recuperação da crítica marxiana a Hegel, bem como o seu devido  
entendimento, acerca da relação das duas categorias acima referidas, proporcionou ao  
nosso autor avançar em um terreno particularmente sinuoso e difícil: o das complexas  
relações indivíduo e gênero (de vital importância, como veremos a seguir, para a  
determinação das formas puras de ideologia), mas, também do par categorial sujeito-  
objeto, sempre presente nas reflexões lukácsianas desde o capítulo sobre o trabalho.  
Nesse momento, no entanto, a retomada dessa discussão se apresenta como crucial  
para agregar novos elementos analíticos, o par objetivação-alienação (sempre  
3 Não é possível nos deter nessa análise, mas é interessante observar que se trata de um dos momentos  
mais fecundos e originais da reflexão do filósofo de Budapest.Ver dissertação de Myreli  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
concebidas como elementos de um ato unitário), de modo a ampliar e adensar o papel  
das objetivações ideais, o que permite ao nosso autor afirmar que  
na relação "sujeito-objeto" enquanto relação típica entre o homem e  
o mundo, o seu mundo, constitui uma inter-relação, na qual o sujeito  
atua permanentemente sobre o objeto, o objeto sobre o sujeito,  
conferindo nova forma, produzindo coisas novas, na qual nenhum dos  
dois componentes pode ser compreendido isoladamente separado  
por antagonismos e, portanto, de modo independente (LUKÁCS,  
2013, pp. 422-23)  
Embora não seja o caso aqui de nos determos mais longamente sobre o tema,  
fica claro, entretanto, que o esforço de Lukács, nesse momento de sua exposição, é o  
de demonstrar, de um lado, o caráter inextrincável da relação indivíduo-gênero e, de  
outro, como tal relação, marcada pela reciprocidade entre seus polos, se modifica  
permanentemente na medida em que os pores teleológicos retroagem sobre os  
sujeitos que os põem.  
Vejamos agora como a caracterização dos vários papéis desempenhados pelo  
“momento ideal” no âmbito do ser social é crucial para a determinação ontológica da  
ideologia e como, a contribuição de Lukács a respeito coloca em suspenso as análises  
que o precederam ou que lhe são contemporâneas.  
Desde logo, Lukács é enfático ao afirmar que  
é errôneo compreender o conceito de ideologia em seu uso pejorativo,  
que representa uma realidade social indubitavelmente existente, como  
formação arbitrária do pensamento de pessoas singulares. Antes de  
qualquer coisa: enquanto alguma ideia permanecer o produto do  
pensamento ou a alienação do pensamento de um indivíduo, por mais  
que seja dotada de valor ou de desvalor, ela não pode ser considerada  
como ideologia. Nem mesmo uma difusão social relativamente mais  
ampla tem condições de transformar um complexo de ideias  
diretamente em ideologia. Para que isso aconteça, é necessária uma  
função determinada com muita precisão, a qual Marx descreve de  
modo a fazer uma diferenciação precisa entre as revoluções materiais  
das condições econômicas de produção e "as formas jurídicas,  
políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma, ideológicas, nas  
quais os homens se conscientizam desse conflito e o enfrentam até  
solucioná-lo” (LUKÁCS, 2013, p. 464).  
Tomando como ponto de apoio os dizeres de Marx, e reafirmando o lugar  
fundamental que a vida cotidiana ocupa no ser social, pode-se afirmar que a tese de  
Lukács a respeito da ideologia se assenta na constatação de que a  
cotidianidade social apresenta problemas que continuamente devem  
ser conscientizados e resolvidos: de modo que a presença das formas  
ideológicas não se manifesta apenas em momentos de crise, mas  
permanentemente no próprio cotidiano. Estando sempre vinculada à  
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existência do ser social, /.../, ela é o momento ideal da ação prática  
dos homens, expressando o seu ponto de partida e destinação, bem  
como sua dinamicidade. (VAISMAN, 2010, p. 49)  
Ou nas palavras do próprio autor, “a ideologia é sobretudo a forma de  
elaboração ideal da realidade que serve para tornar a práxis social humana consciente  
e capaz de agir”, e, ademais,  
toda ideologia possui o seu ser-propriamente-assim social: ela tem  
sua origem imediata e necessariamente no hic et nunc social dos  
homens que agem socialmente em sociedade. Essa determinidade de  
todos os modos de exteriorização [Auflerungsweisen] humanos pelo  
hic et nunc do ser-propriamente-assim histórico-social de seu  
surgimento tem como consequência necessária que toda reação  
humana ao seu meio ambiente socioeconómico, sob certas  
circunstâncias, pode se tornar ideologia. Essa possibilidade universal  
de virar ideologia está ontologicamente baseada no fato de que o seu  
conteúdo (e, em muitos casos, também a sua forma) conserva dentro  
de si as marcas indeléveis de sua gênese (LUKÁCS, 2013, p. 465).  
A citação acima é de fundamental importância, na medida em que, entre outros  
aspectos, revela como o critério ontológico na determinação do que é ideologia  
permitiu ao autor vislumbrar o problema de um modo mais fecundo que as abordagens  
tradicionais, reafirmando para tanto a sua reflexão sobre a determinação social do  
pensamento. Nesse sentido, Lukács reconhece, sobretudo,  
que a ideologia só tem existência social e que ela se refere a um real  
específico, que é por ela pensado e sobre o qual atua. A existência  
social dos homens é implicada pela consciência, ou seja, por seres  
sociais que medeiam suas ações pela consciência, portanto, a  
ideologia tem sua gênese determinada pela atividade social dos  
homens e nasce exatamente aí. Ela surge do aqui e imediatamente  
que coloca problemas. Nesse processo, entre o lócus social específico  
da atividade humana e o homem sempre socialmente entendido, a  
forma consciência é a mediação da própria prática social. Do ponto  
de vista ontológico, estamos, pois, diante do seguinte: o produzido é  
determinado pela sua produção, o que significa que o ser da ideologia  
é determinado pela sua produção, que é e só pode ser social.  
(VAISMAN, 2010, p. 50).  
O reconhecimento da cotidianidade social como âmbito marcado por problemas  
que devem, de algum modo, receber uma resposta resolutiva, e, nesse sentido  
também, como lócus em que a ideologia tem sua gênese e seu campo de operações,  
oferece ao autor a possibilidade de caracterizar o fenômeno ideológico de modo  
amplo. Entretanto, essa caracterização é necessária, mas não suficiente. Tendo em vista  
que intuito de Lukács é seguir a caracterização marxiana de 1859, Lukács se volta  
então à sua caracterização restrita, tendo em vista que  
a existência social da ideologia parece pressupor os conflitos sociais,  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
que precisam ser travados, em última instância, em sua forma  
primordial, isto é, socioeconômica, mas que desenvolvem formas  
específicas em cada sociedade concreta: justamente as formas  
concretas da respectiva ideologia (LUKÁCS, 2013, p. 471).  
E conclui, “Em síntese: o surgimento e a disseminação de ideologias se  
manifestam como a marca registrada geral das sociedades de classes” (LUKÁCS, 2013,  
p.472). Em outras palavras, na medida em que o conflito social se apresenta “como  
problemática vital, a ideologia volta-se à resolução dos problemas agora  
transpassados por este conflito básico, ou seja, a ideologia passa a se manifestar como  
um instrumento ideal através do qual os homens e as classes se engajam nas lutas  
sociais, em diversos planos e níveis. (VAISMAN, 2010, p. 50).4  
As considerações realizadas por Lukács acerca de determinados  
comportamentos, atitudes, comportamentos e procedimentos, que provavelmente  
tiveram lugar antes mesmo que o conflito de classes tenha se tornado o problema  
social central, levam à conclusão que  
alguns tipos de produção de ideologias remontam aos primórdios do  
desenvolvimento social. Isso não contradiz o fato de que os problemas  
propriamente ditos da ideologia, oriundos da luta de classes, sejam  
resultados de tempos posteriores, mas requer, ao mesmo tempo, que  
sua função social e, por isso, sua gênese e seu efeito sejam  
determinados de modo um pouco mais amplo (LUKÁCS, 2013, P.  
478).  
É claro, no entanto, que as diferenciações que Lukács estabelece entre a  
concepção ampla e a restrita de ideologia “devem ser entendidas apenas como  
generalidade e particularização, seja como dimensões, estados ou momentos de um  
mesmo fenômeno” (VAISMAN, 2010, p.50), tendo em vista que diversos tipos de  
embates de natureza distinta que provocam respostas mediadas pela ideologia - não  
podem ser deduzidos mecanicamente da esfera econômica sem mais, mesmo que a  
luta entre as classes tenha se tornado o problema ideológico central.  
4
Em relação ainda à caracterização ampla de ideologia, é necessário assinalar que Lukács se dedica  
longamente a esclarecer que a ideologia não surge apenas em sociedades marcadas pelo antagonismo  
de classe, ao contrário. Segundo ele, ainda nas sociedades originárias, devem ter existido situações que  
requeriam a interveniência de pores teleológicos secundários. Ademais, esclarece também que “toda  
atividade assume uma forma objetivada, uma forma alienada, de modo que a esfera de vida abrangida  
de modo meramente pragmático-empiricista, por mais ampla que seja, é muito maior e mais diferenciada  
do que se poderia supor em razão da mera existência de instrumentos materiais de trabalho etc.”  
(LUKÁCS, 2013, p. 474). Ademais, em função da magnitude do desconhecido, é bem provável que  
tenham sido utilizados procedimentos como a analogia, por exemplo, como “forma elementar do  
espelhamento ideal da realidade”, diante dos desafios de sobrevivência. (Cf. LUKÁCS, 2013, p.475 e  
ss).  
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Esclarecidos os níveis em que as ideologias podem se manifestar, Lukács se  
dedica a demonstrar os equívocos gerados pelo uso do critério gnosiológico na  
determinação do que é ideologia5. Outrossim, reconhece que “a esmagadora maioria  
das ideologias se baseia em pressupostos que não conseguem resistir a uma crítica  
rigorosamente gnosiológica, especialmente quando esta toma como ponto de partida  
um intervalo vasto de tempo” (LUKÁCS, 2013, p. 480), mas, em seguida, aponta para  
um esclarecimento fundamental, qual seja,  
em primeiro lugar, há muitas realizações da falsa consciência que  
jamais se converteram em ideologias e, em segundo lugar, aquilo que  
se converteu em ideologia de modo algum é necessária e  
simplesmente idêntico à falsa consciência. Por essa razão, só é  
possível compreender o que realmente é ideologia a partir de sua  
atuação social, a partir de suas funções sociais. (LUKÁCS, 2013, p.  
480).  
Por via de consequência, “a condição eventual de produto de falsa consciência  
não identifica um pensamento à ideologia” (VAISMAN, 2010, p. 51), em contraste,  
para identificar um pensamento à ideologia, é necessário, inicialmente, avaliar se este  
desempenha uma função social precisa, um poder realmente operante. Ou seja, é  
necessário livrar “a existência e a atuação das ideologias de sua subordinação a juízos  
de valor gnosiológicos e histórico-filosóficos” para proceder uma investigação  
adequada do problema (LUKÁCS, 2013, p. 482).  
Como sublinhado anteriormente, é no interior de uma abordagem que reconhece  
o papel do momento ideal dos vários níveis em que se coloca a prática social,  
sobretudo, no que concerne às decisões entre alternativas na efetivação de  
possibilidades objetivas posta pela essência econômica, que Lukács elabora sua  
análise sobre as formas específicas de ideologia. Nesse contexto, a divisão do trabalho  
devém um importante campo para a especificação das ideologias de caráter restrito,  
na medida em que implica num movimento que autonomiza uma atividade peculiar,  
distante da produção material, mas por esta exigida a propósito de sua própria  
efetivação. Nesse sentido, o que caracteriza o movimento da essência coloca aos  
indivíduos eu agem as “possibilidades objetivas” sobre as quais recaem as decisões  
alternativas. Longe de tomar, portanto, a base da sociedade como uma “necessidade  
5
Observe-se que Engels é objeto da crítica lukácsiana justamente por ter não apenas por ter  
considerado a vigência da analogia em sociedades originárias como “asneira em estado primitivo”, mas,  
sobretudo por ter abordado o fenômeno ideológico da perspectiva gnosiológica.  
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fatal, que determina tudo de antemão”, mas como “campo de ação real para a práxis  
humana, que é o que existe em cada caso concreto” LUKÁCS, 2013, p. 494).  
Em suma, a relação essência e fenômeno assim entendida, ou seja, enquanto par  
categorial, desfaz a visão, muito disseminada entre os marxistas, que no mais das  
vezes concebem a tanto possibilidade objetiva quanto a necessidade como polos de  
uma relação antagônica”, na qual uma e outra se contrapõem, anulando-se toda e  
qualquer possibilidade de interrelação, ou seja, de acordo com o modo prevalente  
entre marxistas, ambas existem e permanecem de modo estanque e em constante  
oposição, sem nenhuma possibilidade de contato, ainda que contraditório.  
O primeiro tipo de ideologia específica analisada por Lukács é justamente o  
Direito, a prática jurídica, o que pressupõe a existência de um processo de  
complexificação da produção material que demanda operações que parecem ter pouco  
ou nada que ver com ela, mas que são indispensáveis para a sua consecução”  
(VAISMAN, 2013, p. 51). Ou em outras palavras, o regramento jurídico não é uma  
esfera de atividade inserida na produção econômica, mas seu andamento não poderia  
se dar sem a existência de normas jurídicas, assim, como da formação de um grupo de  
especialistas voltados à elaboração e fiscalização de tal regramento. Desse modo, a  
esfera jurídica e os juristas de profissão surgem para ordenar e regulamentar  
atividades materiais decisivas, cuja natureza dista muito do próprio universo jurídico  
(VAISMAN, P. 51)  
Ademais, considerar o direito como uma forma específica de ideologia não deriva  
do fato de se constituir em um reflexo deformado da realidade social conflituada. Ou  
seja, não é pelo fato de produzir enunciados falsos é que ela deve ser considerada  
uma ideologia. Lukács esclarece que  
nesse campo, não se trata de fazer uma separação abstrata de  
verdadeiro e falso na imagem ideal do econômico, mas de verificar se  
o ser-propriamente-assim de um espelhamento eventualmente falso é  
constituído de tal maneira que se torna apropriado para exercer  
funções sociais bem determinadas. Os critérios do processo de  
abstração objetivante que o pôr jurídico efetua no conjunto da  
realidade social consistem em se ele é capaz de ordenar, definir,  
sistematizar etc. os conflitos socialmente relevantes de tal maneira  
que seu sistema possa garantir a otimização relativa do respectivo  
estado do desenvolvimento da sua própria formação, visando ao  
enfrentamento e à resolução desses conflitos. (É óbvio que isso só  
pode ser efetuado em conformidade com os interesses da classe  
dominante em cada caso.) (LUKÁCS, 2013, p.499)  
De acordo com Lukács, a esfera jurídica emerge a um dando instante do processo  
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de complexificação da atividade econômica e da divisão social do trabalho, de modo  
a satisfazer a necessidade de regulação de certas operações econômicas e das próprias  
relações de trabalho. Para responder adequadamente às necessidades postas,  
sobretudo a partir dos conflitos que a cada momento se tornam mais drásticos, se dá  
a formação de grupos profissionais dedicados a essa tarefa.  
Ainda a respeito do tema, ou seja, da formação de grupos de especialistas que  
vivem da atividade jurídica, Lukács, a partir de considerações de Engels, afirma:  
justamente porque essa atividade retroage "novamente " sobre a  
base econômica, podendo modificá-la dentro de certos limites, o  
ponto de vista especificamente ideológico experimenta intensificações  
ininterruptas, a tal ponto que, na autoapresentação das  
especializações ulteriores que surgem nesse âmbito (ciência do  
direito, filosofia do direito etc.), o conteúdo e a forma do direito muitas  
vezes aparecem petrificadas de modo puramente fetichista como  
forças da humanidade. (LUKÁCS, 2013, p. 501)  
A análise lukácsiana do direito, enquanto forma específica de ideologia, também  
se detém em uma das operações que essa esfera de especialistas promove em relação  
às explicações por ela produzidas sobre o próprio fenômeno ideológico. Diz ele  
Notável nisso tudo continua sendo que as maiores resistências contra  
uma apreensão ontologicamente correta das ideologias costumam ser  
desencadeadas exatamente por esses estratos de especialistas. Por  
um lado, defende-se o ponto de vista de que o comportamento que  
determina o pôr teleológico como ideologia seria uma parte  
integrante do ser do homem enquanto homem e não um mero  
fenômeno decorrente da divisão social do trabalho em determinados  
estágios. Por outro lado, todavia em estreita conexão com isso, o  
vínculo real entre essência e fenômeno é posto de lado como não  
existente, devendo os comportamentos ideológicos "puramente  
espirituais" vigorar como essências, ao passo que a luta real dos  
homens reais por sua existência é posta em segundo plano como  
desprezível submundo da existência. Só assim as determinações de  
valor do direito se convertem em ideologia no sentido pejorativo. O  
caráter real do direito só pode ser evidenciado, portanto, quando se  
compreende essa deformação glorificadora como aquilo que ela de  
fato é, a saber, uma ideologização da ideologia que surge  
necessariamente quando a divisão social do trabalho delega sua  
manutenção a um estrato de especialistas. (LUKÁCS, 2013, pp. 501-  
02).  
Interessante observar ainda, de acordo com a análise crítica da esfera jurídica  
que  
Nessa operação escamoteadora da esfera jurídica, é sintomático que  
a escamoteada seja a dimensão ontológica do fenômeno e de sua  
análise. Para logo em seguida retornar acriticamente a uma  
“ontologia” meramente imputada, em que a mundaneidade real passa  
a “desprezível submundo da existência”, e uma pura espiritualidade  
passa à condição de essência real e explicativa. É dessa forma,  
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segundo Lukács, que o direito se transforma “em ideologia no sentido  
pejorativo” (VAISMAN, 2010, p.53).  
Os procedimentos abstrativantes típicos da área jurídica, com vistas a criação de  
normas e leis, procuram generalizar também normas espontaneamente produzidas,  
sobre as quais, inclusive, se apoia. É evidente, entretanto que tal processo ocorre na  
realidade por meio de múltiplas mediações, não podendo ser concebido de forma  
linear e mecânica. Ademais, a generalização abstrativante que lhe é típica tem por  
função tornar os regramentos aplicáveis, por princípio, a todos e em toda e qualquer  
circunstância.  
O direito como corpo coerente e sistemático, instrumento de  
resolução dos conflitos sociais cotidianos, reflete de forma  
aproximada as características da vida econômica, sem, no entanto,  
configurar um reflexo mecânico e deliberado desta; mas, precisamente  
para ser instrumento de resolução dos conflitos, cuja direção é dada  
pelos interesses da classe dominante, para sua real eficiência na  
resolução daqueles, deve pretender o máximo de universalidade  
possível naquele momento. Neste contexto, o direito não pode  
configurar uma reprodução fiel da realidade econômica. (VAISMAN,  
2010, p. 53).  
No caso da ideologia do direito, o que importa, de acordo com Lukács não é sua  
correção ou falsidade, em relação ao modo como retrata a vida, mas sim, se ainda que  
que falso, desempenha com eficiência a sua função regulatória dos conflitos.  
Ou dito em outros termos,  
O direito é um corpo coerente e sistemático, que serve de instrumento,  
pois, para a resolução dos conflitos sociais (em sentido amplo)  
cotidianos imediatos, derivados do contexto produtivo. Resolução  
essa que é dada a partir da perspectiva da classe dominante, numa  
expressão, todavia, maximamente generalizante, ao limite da  
sociabilização concreta alcançada. Assim, o direito, dentre as formas  
específicas de ideologia, é aquela que desempenha a função mais  
restrita, ou seja, mais colada à imediaticidade da vida cotidiana. Basta  
pensar que está voltado precisamente à regulagem dos conflitos  
cotidianos mais restritos e restringíveis, derivados dos processos de  
reprodução material (VAISMAN, 2010, p. 53)  
Além da análise do direito, outra forma específica de ideologia abordada por  
Lukács é a prática política. Desde logo, o autor reconhece a dificuldade de delimitar  
com exatidão seu âmbito como ideologia. Isso porque “Não pode haver nenhuma  
comunidade humana, por menor que seja, por incipiente que seja, na qual e em torno  
da qual não aflorassem ininterruptamente questões que, num nível desenvolvido,  
habituamo-nos a chamar de políticas” (LUKÁCS, 2013.p 502). Ou seja, trata-se de um  
modo de conscientizar e intervir junto a problemas que concernem à globalidade da  
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existência social. De acordo com as palavras do próprio autor “a política é uma práxis  
que, em última análise, está direcionada para a totalidade da sociedade, contudo, de  
tal maneira que ela põe em marcha de modo imediato o mundo fenomênico social  
como terreno do ato de mudar, isto é, de conservar ou destruir o existente em cada  
caso”. (LUKÁCS, 2013, p. 502).  
No caso da política, nosso autor se vale do par categorial essência-fenômeno  
com o objetivo de evidenciar que a “união indissolúvel e a unidade de essência e  
fenômeno são tanto seu ponto de partida inescapável como seu fim necessariamente  
posto” (LUKÁCS, 2013, p.503). Mas é claro, que tal união/unidade não pode ser  
tomada de forma simplista, pois nela podemos encontrar elementos contraditórios,  
caraterística já indicada por Lukács linhas acima, momento em que o autor sublinhou  
a impossibilidade de lidar com esse par categorial, como houvesse uma total  
autonomia do mundo fenomênico em relação à essência ou se a relação entre ambos  
fosse matrizada de maneira mecânica.  
Sendo a política um tipo de pôr que incide na esfera fenomênica permeada pelo  
conflito social, a situação que daí advém para o autor é a seguinte:  
Em todas as decisões políticas há dois motivos objetivamente  
distintos, ainda que, na realidade, muitas vezes estejam interligados,  
que podem servir de critérios. O primeiro é o que Lenin costumava  
chamar de o elo mais próximo da corrente, a saber, aquele ponto  
nodal de tendências atuais, cuja influência resoluta é capaz de ter um  
efeito decisivo sobre o acontecimento global (LUKÁCS, 2013, p. 505).  
Ao examinar dois casos concretos, em que a questão do “elo mais próximo da  
corrente” se colocou historicamente, isto é, a revolução russa e a unificação alemã,  
Lukács indica o critério da eficácia, ou seja, “eficácia imediata de uma decisão política  
não pode ser o único critério para avaliar se efetivamente uma prática ideológico-  
política se identifica como política e se atinge o ser-precisamente-assim das tendências  
sociais; necessita-se, para tanto, de outro mais, que é justamente o da duração”  
(VAISMAN, 2010, p. 55). Tal cuidado na investigação se justifica, na medida em que  
a práxis política de fato está direcionada simultaneamente para a  
unidade de fenômeno e essência da realidade social como um todo,  
mas só pode apreender essa realidade em sua imediatidade, o que ao  
menos comporta em si a possibilidade de que tanto o objeto  
intencionado como o objeto atingido pelo pôr teleológico permaneça  
direcionado para o mundo do fenômeno que mais encobre que revela  
a essência. (LUKÁCS, 2013, p. 507)  
De acordo com a propositura lukácsiana, caso a análise ficasse limitada ao critério  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
da eficácia, sem levar em consideração o segundo critério, que é o da duração, se  
cairia numa posição típica da Realpolitik, o que implica, por seu turno, em uma análise  
superficial do problema. No entanto, ao fazer referência à duração,  
naturalmente não tínhamos em mente nenhum lapso de tempo  
abstrato, quantitativamente determinável, mas a questão referente a  
se os novos momentos causais postos em marcha no pôr teleológico,  
não importando com que grau de consciência isso seja feito, influem  
efetivamente nas tendências econômicas decisivas que entraram em  
crise (LUKÁCS, 2013, p. 507).  
Feito esse tipo de esclarecimento, “o critério da duração junta-se ao da eficácia,  
no sentido de que não entendido como um intervalo de tempo abstrato, mas sim em  
termos da profundidade da ação pode indicar se realmente a cadeia causal posta em  
movimento pela práxis política atingiu, no nível essencial, o desenvolvimento social  
(VAISMAN, 2013, p. 54).  
No caso específico da prática política, torna-se imprescindível a constatação de  
algo para o qual Lukács já havia advertido anteriormente, quando procurou  
estabelecer, ao lado das semelhanças, as diferenças entre os pôr teleológico primário  
e o pôr teleológico secundário, nomeadamente, o fato de que no pôr teleológico  
secundário, o campo do desconhecido se revestir de uma magnitude maior do que no  
primário. De fato, “o coeficiente de incerteza, como sabemos, não só é bem maior no  
segundo grupo, como também de uma grandeza que reverte para o plano qualitativo”  
(LUKÁCS, 2013, p. 509).  
Como resultado, tem-se o reconhecimento por parte do autor da existência de  
um processo contraditório, que permeia toda a práxis de tipo político, ou seja, a  
necessidade de dirimir o conflito, a crise em nível global, sem que se possa, na decisão  
política, no seu conteúdo ideológico, ter certeza acerca da eficácia e da duração  
daquelas séries causais postas em movimento” (VAISMAN, 2010, p. 55).  
Assinale-se, no entanto, que, embora o conhecimento que permitiria conferir  
certeza acerca da eficácia e da duração no momento da decisão política, ser algo  
possível apenas post festum, não significa que o fator subjetivo tenha sido  
subestimado pelo autor. Muito ao contrário. Já vimos qu ao rejeitar as postulações  
mecanicistas, típicas do marxismo vulgar, Lukács atribui ao fator subjetivo, ou seja, à  
prática social ideologicamente orientada, um papel de destaque ao afirmar com todas  
as letras que “A grande lição histórico-mundial das revoluções é que o ser social não  
só se modifica, mas reiteradamente é modificado”. (LUKÁCS, 2013, p. 524). Ou seja,  
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Ester Vaisman  
a argumentação desenvolvida por Lukács, ao mesmo tempo em que rejeita a visão  
determinista, afirma a possibilidade histórica de surgirem situações potencialmente  
revolucionárias, que só se efetivam graças à intervenção de pores teleológicos  
secundários, o que implica sempre em uma tomada de decisão entre alternativas.  
Dando continuidade à análise de formas específicas de ideologia, Lukács avança  
para um terreno que lhe é particularmente caro: a arte e a filosofia como formas “puras”  
de ideologia. Para o leitor desavisado, identificar a filosofia e arte como formas de  
ideologia, ainda que puras, pode causar estranheza e até certo tipo de rejeição, tendo  
em vista a existência no interior do marxismo, não apenas de uma visão mecanicista  
da relação infra e superestrutura (já mencionada linhas atrás), mas sobretudo de uma  
tendência igualmente nefasta de “politicizar” todo evento no campo filosófico e  
artístico de maneira desabrida e equivocada.  
Evidentemente, por tudo que aqui assinalamos, definitivamente não é o caso de  
Lukács. O que ocorre nesse ponto do argumento, é que o autor retoma a relação  
indivíduo-gênero como o âmbito das preocupações da arte e da filosofia.  
Evidentemente que, pelo menos desde a Estética de 1963, o autor aponta para a vida  
cotidiana, com todos os seus problemas e dilemas, como espaço genético de onde  
surgem e ganham autonomia as chamadas formações ideais, como a filosofia, a arte,  
a ciência e a religião. Mas adverte também que, com processos de autonomização  
distintos, a destinação de suas formulações é a própria cotidianidade, para o bem ou  
para o mal. Não é possível, nesse texto, recuperar minimamente a forma como Lukács  
mostra quais os processos que intervém nessa dinâmica. O que é possível aqui, assim  
como fizemos com o direito e a política, é simplesmente indicar os aspectos mais  
gerais da gênese e destinação dos produtos filosóficos e artísticos e quais foram as  
razões para que o filósofo húngaro das denominasse de formas puras de ideologia.  
Tomando para exame inicialmente o caso da filosofia, Lukács adverte o leitor  
para o seguinte esclarecimento acerca das relações entre filosofia e ciência. Diz ele:  
Ao voltar agora o nosso interesse para a gênese da filosofia, devemos  
tomar ciência, de início, que a priori não existe nenhum limite que  
possa ser traçado com precisão entre generalizações científicas e  
generalizações filosóficas; ainda hoje, numa época em que a divisão  
do trabalho leva à tendência de erigir barreiras artificiais, fetichizantes,  
entre os diversos ramos do saber, muitas vezes é difícil constatar, no  
caso de certas generalizações, se elas possuem um caráter científico  
ou filosófico (LUKÁCS, 2013, p. 540).  
Pelo menos desde a obra intitulada História e consciência de classe, Lukács  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
rejeita a separação entre as chamadas “ciências parcelares”, erigida como o dito acima  
de forma artificial, respondendo a requisitos acadêmicos fortemente questionáveis,  
mas também e, sobretudo, entre a filosofia e a ciência, num sentido contrário às  
tendências contemporâneas, sobretudo, as de caráter irracionalista.6  
Assim, de acordo com o autor em tela, longe de serem áreas do saber apartadas  
uma da outra,  
a filosofia aprofunda as generalizações das ciências, antes de tudo,  
por estabelecer uma relação inseparável com o nascimento histórico  
e o destino do gênero humano, com a essência, o ser e o devir  
humanos. Enquanto o método da generalização nas ciências se torna  
cada vez mais desantropomorfizador, a sua culminância na filosofia  
representa simultaneamente um antropocentrismo. Nesse caso, a  
palavra "simultaneamente" deve ser sublinhada. Porque em  
contraposição à tendência básica antropomorfizante das artes, o  
método da filosofia nunca representa uma ruptura com o das ciências  
(LUKÁCS, 2013, p.540).  
Fica, assim, esclarecido o motivo que levou o autor a se recusar estabelecer uma  
muralha divisória entre a filosofia e a ciência. Muito embora, a filosofia se aproxime de  
forma decida das preocupações que norteiam a atividade artística, que são  
essencialmente de caráter antropomorfizador, a filosofia se articula com os produtos  
da atividade científica, na exata medida em que, a partir do patamar científico, ela  
generaliza suas conquistas, sem desprezá-las, elevando-as ao nível do gênero humano.  
Mas, afinal, por que razão a filosofia e arte, cada uma à sua maneira, têm na  
relação indivíduo-gênero o seu campo de atuação? Como vimos, Lukács, em várias  
oportunidades do livro em questão, procura explicitar  
um aspecto ontológico fundamental do desenvolvimento humano-  
social. Este processo é um complexo dotado de dois polos em relação  
recíproca: de um lado, a universalidade do gênero, a generidade  
concreta de um dado momento, plataforma das possibilidades dos  
complexos singulares; de outro lado, o complexo constituído pelo  
indivíduo humano, a individualidade que forma a unidade mínima do  
processo. E ambos os polos, através de sua ação recíproca, enformam  
o processo no qual se realiza a humanização do homem. Além disso,  
no texto lukacsiano expressa-se uma tese fundamental do ponto de  
vista ontológico: o homem, na medida em que é homem, é um ente  
social, e em todo ato de sua vida, consciente ou inconscientemente,  
ele efetiva, simultaneamente embora, às vezes, de modo  
contraditório a si próprio e o nível de desenvolvimento humano  
possível naquele momento (VAISMAN, 2010, pp. 55-56).  
6 Como é sabido, no livro A destruição da razão, Lukács se debruça criticamente sobre essas tendências,  
denunciando o fato de que o irracionalismo tem como cerne a rejeição tout court da ciência e da técnica.  
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A longa citação acima é útil, tendo em vista que sintetiza uma conquista  
fundamental de Lukács em termos ontológicos e porque também evidencia a dimensão  
real, efetiva da relação dos dois polos do ser social (ou seja, não se trata de algo  
“imaginário”) e, ao mesmo tempo, explica as razões que a levam colocar problemas,  
cuja resolução cai no âmbito filosófico e artístico.  
Na citação abaixo, Lukács expõe o objeto de cada uma das formas de ideologia  
pura:  
O objeto central da filosofia é o gênero humano, isto é, uma imagem  
ontológica do universo e, dentro desta, da sociedade a partir do  
aspecto de como ela realmente foi, veio a ser e é para que produzisse  
como necessário e possível cada um dos tipos atuais de generidade;  
ela une, portanto, sinteticamente os dois poios: mundo e homem na  
imagem da generidade concreta. Em contraposição, no centro da arte  
se encontra o homem como ele se configura em individualidade  
genérica nos conflitos com o seu mundo e o seu meio ambiente. No  
meu livro A peculiaridade do estético, tentei expor e analisar as  
determinações gerais essenciais do modo artístico de pôr. Só o que  
interessa aqui são as suas relações com a ontologia do ser social.  
Nesse tocante, é importante, antes de tudo, que a antropomorfização  
da esfera estética constitua um pôr consciente, em contraposição à  
antropomorfização espontânea da vida cotidiana (LUKÁCS, 2013, p.  
543).  
Desse modo, pode-se compreender a importância das formas puras de ideologia,  
muito embora, como bem assinala Lukács, elas não disponham dos meios próprios  
necessários para colocar em prática de modo imediato seus conteúdos, ao contrário  
do que se passa no terreno do direito e da política. Mas ainda assim, ela são de  
fundamental importância para o desenvolvimento ao nível genérico e individual, pois  
São elas que podem conscientizar e mobilizar para a possibilidade da  
passagem do em-si da realização humana em seu para-si, ademais de  
representarem  
a
condição  
para  
que  
a
relação  
individualidade/generidade atinja seu ponto de autenticidade. Desse  
modo, as formas mais puras de ideologia relacionam-se com questões  
fundamentais do ser social, isto é, do homem: refletem um  
determinado nível evolutivo da relação individualidade/generidade –  
os dois polos fundamentais do ser social , ao mesmo tempo em que  
desempenham importante função subjetiva no processo de  
socialização enquanto tal (VAISMAN, 2010, p.56)  
Lukács procura deixar claro, é bom que se diga, que não pretende, por meio de  
suas considerações, pintar um quadro em que o filósofo ou o artista seriam  
configurados como “militantes políticos”. De fato, não o seriam, visto que não se  
debruçam sobre conflitos sociais imediatos, (que é o âmbito do direito e da política)  
mas sobre dilemas mais gerais que, embora se manifestem em termos históricos-  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
sociais de modo específico, dizem respeito a problemas universais atinentes às  
necessidades das individualidades e do gênero humano no seu conjunto. Assim sendo,  
A filosofia perfaz o exame e especificação da generidade, estando  
implicado, pois, a própria socialização da sociedade, o que  
compreende intelecções e posse de mundo. É sobre o que se  
pronuncia a filosofia, como prévia-ideação dos embates do homem em  
seu ‘de-onde para-onde’, enquanto generalidade humana no mundo.  
(VAISMAN, 2010, p.57)  
Ou nos termos do próprio autor:  
toda filosofia significativa está empenhada em oferecer um quadro  
geral do estado do mundo, que da cosmologia até a ética procura  
sintetizar todas as conexões de tal maneira que, a partir delas,  
também as decisões atuais se revelam como momentos necessários  
das decisões que determinam o destino do gênero humano (LUKÁCS,  
2013, p. 555).  
Se a filosofia tanto para o bem quanto para o mal desempenha seu papel de  
ideologia pura ao orientar tomadas de decisão, que se verificam na vida cotidiana, que  
de um modo ou de outro se refletem no nível do gênero, a arte, por seu turno,  
formula as suas questões num patamar parecido de intenção voltada  
para a generidade, com a diferença de que nela vêm para o primeiro  
plano, como polo oposto complementar concretizador, aqueles tipos  
de individualização do homem cujas atitudes e ações na crise atual  
podem liberar em termos histórico-universais a intenção voltada para  
generidade (LUKÁCS, 2013, P.555).  
Para chegar a tais conclusões, como lhe é típico, Lukács desenvolveu rica análise  
acerca de exemplos tanto no caso da filosofia quanto na arte que validam suas  
postulações a respeito das formas puras de ideologia. Dado o espaço que aqui  
dispomos, não será possível percorrer com detalhe todo esse trajeto analítico, nem  
mesmo aqueles passos em que as formulações de Marx a respeito são referidas.7  
Mas antes de passar para o outro tópico, em que o autor desenvolve  
considerações a respeito do marxismo enquanto ideologia e ciência, é fundamental  
citar uma passagem que tem estreita ligação com as teses desenvolvidas por Lukács  
no livro A destruição da Razão8. À certa altura do texto, em que o autor se põe a  
demonstrar a influência exercida pela filosofia na “ontologia da vida cotidiana”, é dito:  
7 Nesse sentido, recomendamos vivamente a leitura do capítulo “O ideal e a ideologia”.  
8
Cf LUKÁCS, G. A destruição da razão, São Paulo, Instituto Lukács, 2020 (trad. Bernard Hess, Rainer  
Patriota e Ronaldo Vielmi Fortes)  
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Os homens enredados em conflitos geralmente agem, antes, de modo  
espontâneo, motivados diretamente pelo que chamamos de a  
ontologia da vida cotidiana. Mas como surge esta? Indubitavelmente  
são decisivas nela as vivências primordialmente imediatas dos  
homens. O seu conteúdo e a sua forma, contudo, são influenciadas em  
ampla medida pelas ideologias - não por último também pelas  
ideologias puras -, cujas objetivações confluem para essa área. Não é  
preciso ter lido Marx para reagir em termos de classe aos  
acontecimentos do dia; não é preciso vivenciar artisticamente e Dom  
Quixote e ou Hamlet t para ser influenciado por eles em resoluções  
éticas. Isso é assim tanto no bem quanto no mal - o que, no campo  
ideológico, nem pode ser diferente; tampouco foi necessário estudar  
Nietzsche ou Chamberlain para tomar decisões s fascistas (LUKÁCS,  
2013, p. 561).  
Embora sejam sempre necessários estudos de fenômenos concretos para  
esclarecer de que modo esse “retorno” das produções filosóficas influenciam nas  
decisões humanas em plena vida cotidiana, aparentemente, tão distante do universo  
filosófico, não é possível subestimar ou mesmo desconhecer a presença, ainda que  
não seja possível também aqui pensar que tais efeitos se deem de forma automática  
ou mecânica. De todo modo, o que importa ressaltar “ao contrário do que é propalado  
nos ambientes acadêmicos, a influência ideológica da filosofia se faz presente na  
própria vida cotidiana, na medida em que as formulações filosóficas acabam  
inevitavelmente desaguando nessa esfera da vida, ainda que seu fazer  
pressuponha um certo tipo de distanciamento” (VAISMAN, 2021, p. 304).  
Consequentemente, a determinação ontológica da filosofia como  
forma de ideologia pura não a reduz, nem a desqualifica. Ao contrário,  
desvela sua eficácia própria, ao dar por conhecida sua gênese e sua  
finalidade, indissoluvelmente ligadas à humanidade urdida pela  
sociabilidade, as quais, a seu modo, mas de fato, ajuda a construir  
(VAISMAN, 2021, p. 305).  
Também no caso das relações entre ciência e ideologia, não se constatam  
considerações semelhantes ao modo como o tema é geralmente tratado. Longe de  
estabelecer uma muralha instransponível entre uma e outra, Lukács realiza um exame  
cuidadoso das formas específicas de cientificidade as ciências naturais e as ciências  
sociais e conclui que é possível encontrar vínculos entre ambas e a ideologia, sem,  
no entanto, reduzir uma à outra. Ou seja, não há uma muralha intransponível entre  
ciência e ideologia, mas também não há uma ideologização da ciência, em que tudo é  
considerado ideológico ou seja, o autor não reconhece o pan-ideologismo, que afirma  
que tudo é ideologia, muito comum naquelas abordagens que consideração a  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
sociabilidade como fundamentalmente simbólica.9  
Para Lukács, tais constatações se tornam possíveis, tendo em vista que “ser  
ideologia de modo algum constitui uma propriedade social fixa das formações  
espirituais, sendo, muito antes, por sua essência ontológica, uma função social e não  
um tipo de ser” (LUKÁCS, 2013, p. 564). Por via de consequência, “mais pura das  
verdades objetivas pode ser manejada como meio para dirimir conflitos sociais, ou  
seja, como ideologia” (Idem). Vê-se claramente aqui que o critério ontológico na  
determinação do fenômeno ideológico permite ao autor vislumbrar que os requisitos  
para um determinado tipo de conhecimento ser considerado científico não exclui, do  
corpo da ciência assim edificado, a possibilidade de que em algum momento ele venha  
a ser utilizado nos embates sociais. E essa utilização não o transforma em algo  
necessariamente falso. Em suas próprias palavras,  
Da neutralidade ontológica das ideologias perante a objetividade  
gnosiologicamente exigida não decorre nem que a correção científica  
deva inibir o poder de persuasão da ideologia como ideologia, nem  
que algo surgido de modo puramente científico não possa  
desempenhar um grande papel ideológico (LUKÁCS, 2013, p.565).  
Mais uma vez, Lukács demonstra a plausibilidade dessa tese ao referir inúmeros  
episódios históricos em que, tanto argumentos provindos das ciências naturais,  
quanto, principalmente, das ciências sociais, tanto na sua gênese quanto na ação no  
tempo, podem se transformar em ideologia. No caso dessas últimas, tendo em vista  
que seu campo de investigação é constituído pelos pores teleológicos secundários,  
aqueles que, como vimos, objetivam provocar mudanças no comportamento de  
outrem, a interrelação com a ideologia é quase inevitável.  
Com isso, Lukács passa a examinar as relações entre ciência e ideologia no campo  
do marxismo, pois aí desde o início assumiu o seu comprometimento, ou seja,  
jamais escondeu a sua gênese e função ideológicas: é possível  
encontrar em seus clássicos frequentes formulações no sentido de que  
ele justamente seria a ideologia do proletariado. Por outro lado, e  
simultaneamente, em todas as suas exposições teóricas, históricas e  
sociocríticas, ele sempre levanta a pretensão da cientificidade  
(LUKÁCS, 2013, p. 569).  
De acordo com a avaliação certeira de Lukács, sempre houve, por parte de Marx,  
a adoção de padrões científicos de investigação, inclusive na crítica dos erros e defeitos  
9 Cf. RICOEUR, R. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves Editora, 1977. (trad.  
Hilton Japiassú)  
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das teorias adversárias, ou seja, “a sua polêmica contra concepções falsas (por  
exemplo, as de Proudhon, Lassalle etc.) sempre se mantém, pela própria essência da  
coisa, num plano puramente científico, consistindo na comprovação racional e  
programática de incoerências na teoria, de imprecisões na exposição de fatos  
históricos etc” (LUKÁCS, 2013, pp. 569-70).  
Mas para além da denúncia de acusações de teor altamente questionável ao  
marxismo, professadas por intelectuais como Weber, defensor da “neutralidade  
axiológica da ciência”10, Lukács chama a atenção para a “peculiaridade do marxismo  
autêntico”, em que é possível identificar uma determinada relação entre ciência e  
ideologia. A esse respeito, o autor comenta acerca do princípio metodológico dessa  
relação que é  
por sua essência metodológica, uma crítica ontológica recíproca de  
filosofia e ciência, isto é, a ciência geralmente controla "a partir de  
baixo" se as generalizações ontológicas nas sínteses filosóficas se  
encontram em consonância com o movimento real do ser social, se  
elas não se distanciam do ser social de modo abstrativo. Por outro  
lado, a filosofia exerce uma crítica ontológica permanente das ciências  
"a partir de cima" , ao controlar continuamente em que medida cada  
questão singular é tratada, tanto no plano estrutural como no plano  
dinâmico, ontologicamente no lugar correto, no contexto correto, se e  
em que medida a submersão na riqueza das experiências concretas  
singulares não confunde, mas aumenta e aprofunda o conhecimento  
das tendências contraditórias e desiguais de desenvolvimento da  
totalidade do ser social (LUKÁCS, 2013, p. 570)  
De acordo com a análise encetada por Lukács a respeito dos vínculos e filosofia  
em Marx e no que ele denomina de “marxismo autêntico”, não haveria um  
antagonismo, descontinuidade ou mesmo ruptura entre essas esferas da produção  
ideal. Para justificar tal avaliação, afirma que, ao contrário, do que acontece com outras  
tendências no campo da produção de conhecimento, se instala uma crítica recíproca,  
de caráter ontológico, entre essas duas esferas da produção espiritual.  
Ou seja, cada uma, a partir das suas características específicas a  
ciência ao voltar-se diretamente à contraditoriedade do real, controla  
a filosofia para que esta não se distancie demasiadamente desta  
realidade, e a filosofia, por seu turno, exerce sobre a ciência um  
controle para que ela não se perca nesta mesma contraditoriedade e  
nem perca de vista a própria totalidade do ser social , persegue, ao  
se criticarem mutuamente, os contornos e os conteúdos decisivos do  
ser social. E é justamente por isso que estas críticas não estão apenas  
uma voltada à outra, mas ambas consideram também a ontologia da  
10  
Cf. WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo, Editora Cultrix, 1972. (trad. Leonidas  
Hegenberg e Octany Silveira da Mota)  
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Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G. Lukács  
vida cotidiana (VAISMAN, 2010, p. 63).  
Ademais, levando em conta momentos históricos, relevantes em que a filosofia  
chegou a exercer sua influência, como é o caso da Revolução francesa e o Iluminismo,  
Lukács conclui que  
O caráter peculiar da ligação entre a filosofia e a ciência instituída pelo  
marxismo tem para Lukács um significado decisivo não só no plano  
gnosiológico, mas também no plano ontológico prático. Isso porque  
essa ligação reflete toda uma trajetória evolutiva da filosofia /.../, e  
enquanto forma pura de ideologia, voltada que está aos problemas  
centrais do gênero humano, encontra agora na medida em que está  
fundada no mundo da materialidade social condições de  
possibilidade para dirimir de modo resolutivo problemas, na base de  
uma verdadeira cientificidade, atinentes à superação da pré-história  
da humanidade. Essa possibilidade, naturalmente, de um lado, só  
existe enquanto tal na medida em que o próprio desenvolvimento  
econômico coloque as condições para tanto; mas, de outro, é  
imprescindível um autêntico ontologismo social: para Lukács o  
marxismo é essa expressão ideológica e científica (VAISMAN, 2010,  
p.63).  
Referências bibliográficas:  
LUKÁCS, G. “O ideal e a ideologia”. Para uma ontologia do ser social. (trad. Nélio  
Schneider). São Paulo: Boitempoeditorial, 2013, vol.II.  
VAISMAN, E. “A ideologia e sua determinação ontológica”. Verinotio Revista de  
filosofia e ciências humanas. n. 12, Ano VI, out./2010 Publicação semestral ISSN  
1981-061X.  
VAISMAN, Ester. O que é possível dizer sobre as relações entre filosofia e sociedade  
em pleno século XXI?. Verinotio, Rio das Ostras, v. 27, n. 1, pp. 277-307,  
jan./jun2021  
Como citar:  
VAISMAN, Ester. Sobre “O ideal e a ideologia” em Para a ontologia do ser social de G.  
Lukács: novos comentários sobre o tema. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 2, pp.  
259-287; jul-dez, 202.  
Verinotio  
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