Elisabeth Hess e Paula Alves
por outro lado, fazer valer os princípios da estética de Marx e Lênin e
elaborar criativamente a teoria do realismo com base em análises
concretas, para poder avaliar a literatura e cultura clássicas de uma
maneira condizente com elas (SZIKLAI, 1978, p. 95).
Décadas depois, ao comentar o que o levou a alimentar “grandes esperanças”
no início dos anos 1930, Lukács menciona, justamente, a possibilidade de que com a
“libertação da ortodoxia de Plekhânov” fossem esclarecidas “as relações Hegel-Marx,
Feuerbach-Marx, Marx-Lenin” (LUKÁCS, 1970, p. 161). Parece-nos que é esse tipo de
motivação que atravessa, como um fio condutor, as suas publicações ao longo dos
anos 1930 e 1940 sobre literatura.
As posições críticas de Lukács enquanto teórico da literatura: o debate sobre
o romance
De acordo com Illés, o debate sobre o romance teria sido “em essência, um dos
primeiros confrontos entre o círculo em torno da Literaturnyi kritik e os sociólogos
vulgares que se reuniam em torno de Pereverzev” (ILLꢀS, 1993, p. 255)9. Por ocasião
desse debate, historiadores, estetas, críticos literários e filósofos se reuniram para
discutir problemas atuais da teoria do romance. Isso poderia parecer algo quase
natural, tendo em vista que o romance foi o gênero dominante no realismo socialista10.
O problema do romance, em virtude de sua atualidade, “estava por assim dizer no ar”,
como nota Sziklai (1978, p. 130), que recorda ainda outras duas discussões que
tangenciaram esse tema11. A julgar, contudo, pelo que afirma P. Keßler (1988, p. 287),
9 Vittorio Strada também destaca esse aspecto da confrontação entre esses mesmos atores, cf STRADA,
1987, p. 167.
10
Isso é notável, e pelo seguinte motivo: à literatura era atribuído um papel de proa na educação das
massas, mas, a certa altura, foi o drama, e não o romance, que foi considerado como o gênero literário
mais adequado para realizar essa função. De acordo com Gronsky, virtualmente o diretor da União dos
escritores, já que era o secretário da facção comunista, Stálin teria até mesmo declarado o drama como
o “gênero mais importante” (ERMOLAEV, 1963, p. 229). Assim, em uma plenária convocada pelo Comitê
organizacional da União dos escritores soviéticos em 1933, os escritores de prosa são instados a
também escreverem peças (cf. ERMOLAEV, 1963, p. 142). Mas que o romance fosse o gênero
privilegiado no período pós-revolucionário não é nada fortuito, como sintetiza Sziklai (1978, p. 131):
“enquanto a década de 1920 foi a época da ‘lírica revolucionária’, no sentido de que então a relação
do sujeito com a revolução estava no centro de todos os ramos e gêneros artísticos [...], o gênero
predominante dos anos 1930 foi a literatura e, dentro dela, o romance. O avanço das ‘grandes’ formas
pode ser igualmente encontrado na arquitetura soviética, que experimentou seu auge nessa época, bem
como nos romances, que resumiam o material de vivências e da NPE, representavam o romantismo e o
páthos da construção socialista e nos quais o ponto de vista esteticamente objetivo é de modo legítimo
o fator determinante”.
11
Sziklai (1978, p. 130) menciona a discussão sobre o romance histórico, a que Lukács também faz
alusão a certa altura de sua obra homônima. Essa discussão aconteceu na redação da revista Oktjabr,
levando o título “O realismo socialista e o romance histórico”. Foi I. Friedland, um historiador (e não um
historiador da literatura, como ressalta Sziklai), quem realizou a fala de abertura, defendendo, entre
outras coisas, que o cerne do romance histórico seria uma representação “epocal” de uma era,
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X v. 28, n. 2, pp. 71-107 - jul-dez, 2023
nova fase