dossiê  
DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.686  
Partidarismo e crítica literária: alguns elementos  
para a compreensão da “estética comunista” de  
Georg Lukács  
Partisanship and literary criticism: some elements to understanding  
Georg Lukács' “communist aesthetics”  
Elisabeth Hess*  
Paula Alves**  
Resumo: O presente artigo busca refletir sobre a  
especificidade da crítica literária desenvolvida  
por Georg Lukács. A literatura sempre foi um  
objeto privilegiado em toda sua trajetória  
Abstract: This article aims to address the  
specific nature of the literary criticism  
developed by Georg Lukács. Literature was  
always a privileged object throughout his  
intellectual career. However, there are  
considerable differences in the way he  
approaches it, which respond largely to political  
and historical injunctions. We begin with more  
intelectual.  
No  
entanto,  
há diferenças  
consideráveis no modo como ele a aborda,  
diferenças que respondem, em larga medida, a  
injunções políticas e históricas. Partimos de  
considerações mais gerais sobre a relação de  
Lukács com a literatura, em que se coloca o  
problema a respeito do papel da história como  
história literária e como reconciliação entre as  
general  
considerations  
about  
Lukács'  
relationship with literature, in which the  
problem arises of the role of history as literary  
history and as a reconciliation between artistic  
needs and those of the historical development.  
We then present some aspects of Lukács'  
"communist aesthetics" in more detail. At this  
point, this article will focus on the controversy  
against the vulgar sociologism, which marked  
the development of Soviet aesthetic thought  
necessidades  
artísticas  
e
aquelas  
do  
desenvolvimento  
histórico.  
Em seguida,  
apresentamos mais detidamente alguns aspectos  
da “estética comunista” de Lukács. Nesse ponto,  
esse artigo focará na controvérsia contra o  
sociologismo  
vulgar,  
que  
marcou  
o
desenvolvimento do pensamento estético  
soviético e teve um papel fundamental na  
constituição da crítica literária de Lukács. Alguns  
traços da maneira como Lukács se coloca como  
and played  
a
fundamental role in the  
constitution of Lukács' own literary criticism.  
Some traces of the way Lukács positions himself  
as a historian and literary critic appear clearly in  
his intervention in the debate on the novel, one  
of the episodes in the confrontation with vulgar  
sociologism, which will be commented on at the  
end.  
historiador  
e
crítico literário aparecem  
claramente na sua intervenção no debate sobre  
o romance, um dos episódios do enfrentamento  
do sociologismo vulgar, que será comentado ao  
final.  
Palavras-chave: Georg Lukács; crítica e história  
literária marxista; exílio moscovita; debate sobre  
o sociologismo vulgar.  
Keywords: Georg Lukács; Marxist literary  
criticism and history; Moscow exile; debate on  
vulgar sociologism.  
O desenvolvimento de uma crítica literária marxista percorre encadeamentos  
teóricos mais ou menos refinados. Um dos grandes expoentes dessa vertente é, sem  
*
Doutora em Literatura e práticas sociais pela Universidade de Brasília e integra a Comissão editorial  
do Anuário Lukács. E-mail: eishess@yahoo.com.br.  
** Mestre em Teoria literária e literatura comparada pela Universidade de São Paulo e integra a Comissão  
editorial do Anuário Lukács. E-mail: paulaama@hotmail.com.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2 jul-dez, 2023  
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dúvida, Georg Lukács. Se, de início, o filósofo húngaro se mostrava bastante reticente  
quanto ao que denominava como uma “sociologia marxista da arte”, a partir dos anos  
30, pelo contrário, ele não medirá esforços para reconstruir e desenvolver e isso até  
o fim de sua vida - uma estética marxista autônoma. Nesse longo percurso, o crivo  
constantemente reavaliado e deslocado é aquele que equaciona dois parâmetros. Por  
um lado, há aquilo que distingue a função da arte em relação a outras esferas de  
atividades humanas, tendências que apontam para as conquistas da estética  
autônoma, colocada como uma atividade relativa à generidade do ser humano. Por  
outro, reconhecê-las pressupõe algum conhecimento das condições materiais que as  
determinam, de maneiras mais ou menos perceptíveis. Tal equação parte sempre em  
Lukács da percepção e busca de uma síntese objetivamente verdadeira entre essas  
duas medidas de um mesmo fenômeno na arte em geral e, em especial, na literatura.  
Assim, a formulação de uma estética em dia com os dilemas do indivíduo na sociedade  
de seu tempo precisa levar em conta as relações sociais que mediam a atividade  
artística e a história dessa atividade de modo tal que elas sejam mais do que um  
panorama e alcancem uma compreensão aprofundada da relação entre a sociedade e  
a atividade artística concreta.  
No jovem Lukács, a busca por uma relação autêntica com o mundo passa pela  
reconstituição do fenômeno estético. Mas esse impulso de reconstituição, que diz  
respeito à própria tentativa de enfrentar as deformações da personalidade  
características do estágio avançado do capitalismo monopolista, não sugere para o  
filósofo uma atitude de defesa arbitrária da subjetividade artística. Pelo contrário, a  
relação entre vida e poesia assumiria a dimensão mais complexa dos problemas  
científicos, de modo que sua inicial disposição para a escrita fosse direcionada à busca  
de respostas para as contradições do capitalismo e de sua hostilidade à arte. Para Jörg  
Kammler, a aproximação aos problemas estéticos pelo jovem Lukács se desenvolve em  
dois níveis: em um, como análise histórico-sociológica e, em outro, como busca por  
uma visão de mundo que, nessa fase, assume o aspecto de crítica literária (cf.  
KAMMLER, 1973, p. 8). Tal relação ética com o objeto estético coloca em xeque a  
perspectiva da crítica literária como uma disciplina isolada em função de uma pretensa  
defesa da autonomia artística.  
Já então, Lukács não desconsidera a dimensão do social que se manifesta no  
fenômeno literário. Ainda que de maneira negativa, o próprio filósofo, em textos de  
juventude, coloca questões para as quais os estudiosos mais críticos aos escritos da  
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maturidade chamariam atenção, pois neles aparecem elementos que poderiam  
fundamentar de modo contundente suas ressalvas à abordagem marxista da forma  
pelo velho Lukács. Vale a pena tomarmos em particular o texto “Zur Theorie der  
Literaturgeschichte [Para uma teoria da história literária]”, que se ocupa de problemas  
da relação entre estética, sociologia e história. Estes serão constantemente  
recolocados, mesmo que em chave diferente, nos escritos marxistas do filósofo a partir  
da Revolução de Outubro, em 1917. Escreve o Lukács de 1910:  
É possível que o aspecto histórico-literário mencionado no início, a síntese  
dos aspectos sociológicos e estéticos, surja por si só. É uma síntese que  
conecta os conceitos mais pertinentes e profundos das duas áreas e constrói  
uma conexão entre sua essência mais íntima. A sociologia marxista da arte  
de fato consequente é inútil, devido às suas tentativas de fazer conexões que  
são demasiado simples e demasiado diretas. Uma ligação que reúna as  
condições econômicas com o conteúdo da literatura deve permanecer  
infrutífera. Por um lado, porque a suposição de que o “conteúdo” é mais real  
do que a forma é uma ilusão, pois a investigação das verdadeiras causas e  
consequências nele provocadas sempre levaria de volta às formas, e porque  
permanecer com o conteúdo seria apenas persistir na superfície. Por outro  
lado, porque as condições econômicas só têm sentido num quadro amplo  
(exemplo: o efeito dos preços baixos na distribuição de livros e as  
repercussões deste processo na literatura), mas também aqui - e ainda mais  
que em qualquer outra parte - apenas na medida em que influenciam a  
capacidade de vivência do produtor ou a receptividade do público. Mesmo  
um fato que parece puramente econômico, tal como o modo pelo qual a  
literatura evoca uma classe numa época, qual é a estrutura desta classe etc.,  
só tem significado na medida em que todas as relações sociais desta classe  
existem nela, por exemplo, evocam uma certa receptividade (ou seja, na  
medida em que se tornam fatos psicológicos), que então repercutem na  
literatura da maneira descrita acima (LUKÁCS, 2017, p. 147).  
Para além da referência ao que entende por “sociologia marxista da arte”, o  
jovem Lukács faz referência à questão da primazia da forma sobre o conteúdo e à  
criação de uma vivência formal cujo efeito se coloca essencialmente fora do alcance  
das condições econômicas. Essas referências bastante críticas a qualquer visão  
materialista da história sofrerão rápidas transformações. À época, contudo, elas fazem  
eco à reação contra o positivismo. Admitindo que há aspectos sociológicos que podem  
ser estudados nas determinações do fenômeno artístico, Lukács quer demonstrar  
nesse texto que um tratamento sociológico, ou puramente sociológico, não poderia  
alcançar a questão essencial à criação artística a avaliação, cujo objeto é a forma. Ele  
exemplifica:  
Uma literatura não avaliada, independente dos valores, não existe, é  
inimaginável. Não podemos imaginar um drama ou poema sem valoração;  
conhecemos um drama bom ou mau, não qualquer coisa de que, pelas  
características, podemos deduzir que é um drama e que pode ser apreendido  
com o conceito de drama. Algo só se torna um drama devido ao seu poder  
de desencadear sentimentos e vivências específicos (LUKÁCS, 2017, pp.  
137-8).  
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Apesar de que a sociologia só poderia ter contribuições parciais, reduzindo a  
objetividade estética a uma abstração, como sucederia nas ciências naturais (em  
oposição às ciências do espírito), a capacidade de vivenciar o efeito estético, em  
contrapartida, é para Lukács um fato sociológico. Tais relações entre formas e efeitos  
aparecem determinadas pelas mudanças que ocorrem na vida social, afetando a vida  
mental e, só a partir daí, o estilo de comunicação das vivências entre produtor e leitor  
de literatura em cada época:  
É aqui que emerge a primeira unificação de importância crucial das  
categorias estéticas e sociológicas. A sociologia - segundo Simmel, a  
ciência das "formas de socialização" - determina o tipo de andamento,  
sotaques e ritmos, que surgem através das relações econômicas e  
sociais e estão presentes no mundo emocional das pessoas e nas  
relações desses mundos uns com os outros etc. A sociologia também  
determina como se estabelecem os elementos sensoriais e outros  
elementos, que alternam certezas e as incertezas, como se  
estabelecem seus polos. Em uma palavra, a sociologia é responsável  
por tudo o que o marxismo chama de ideologia e pelo que chamamos  
da vida que está em questão para a literatura. Os trabalhos  
sociológicos de Simmel, principalmente A filosofia do dinheiro,  
provam que tal sociologia, embora não exista muito dela até hoje, não  
representa uma utopia. O primeiro grande aspecto da história literária  
é a vida, dado que ela é vista como material do ponto de vista das  
formas, em que, à primeira vista, emergem, por si mesmas,  
possibilidades de desenvolvimento, enquadramentos e direções,  
positivas e negativas (LUKÁCS, 2017, pp. 144-5).  
Dado que o texto literário se depuraria de suas relações com o entorno para ser  
lido de maneiras diversas nos diversos momentos, a relação da forma com o tempo  
não seria objetiva. A história literária seria apenas um método, ainda limitado, de  
captar um movimento que não é compreensível sem apreensão racional da posição da  
personalidade na obra. Assim, de um modo geral, o trabalho teórico que Lukács  
desenvolve então o levará a investigar justamente as consequências do pensamento  
marxista para a estética, na tentativa de embasar a relação entre as formas elegíveis  
em cada tempo e sua repercussão social de dissonância ou efetivo efeito.  
Ao se empenhar por superar o idealismo subjetivo, que distanciava fundamento  
econômico e sociologia, como se esta ciência fosse apenas um preâmbulo da história  
das formas, Lukács tende a reposicionar a questão do valor e da relação das formas  
com a sociedade, numa formulação dialética objetiva e, por fim, a perceber a existência  
de um materialismo dialético em oposição a um não dialético (cf. LUKÁCS, 1970a, p.  
9).  
Então, e particularmente a partir dos anos 1930, Lukács inicia uma investigação  
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sobre o movimento histórico tornado presente na própria forma da grande obra  
artística. A tentativa de formular de maneira dialética as contradições que envolvem a  
relação subjetividade-objetividade no capitalismo atravessarão seus estudos de Hegel  
e de Marx, com crescente concretização mediante a análise dos conflitos da vida. Ele  
procura, então, compreender a relação entre o homem e a sociedade como atividade  
e autoatividade. Isso permite que ele relacione conteúdo, forma e história, como por  
exemplo ao compreender o valor e permanente efeito da arte antiga por seu acordo  
simultâneo com as leis da beleza e da verdade, sem a dicotomia entre o mundo da  
representação artística e o conhecimento da verdade, que se intensifica nas teorias  
estéticas do capitalismo.  
Tal objetividade da ligação entre valor estético e relação dialética de forma e  
conteúdo só poderia ser fundamentada corretamente, segundo Lukács, com o  
desenvolvimento de uma estética marxista que colocasse em perspectiva a arte como  
autoconsciência do desenvolvimento humano. Ele divide essencialmente sua Estética  
(1963) em três partes, das quais apenas a primeira foi concluída. Esta, A peculiaridade  
do estético, trataria da determinação de seus princípios e categorias teóricas; A obra  
de arte e o comportamento estético, prevista como o segundo volume, de concretizar  
a estrutura específica das obras em suas específicas determinações mediante as  
categorias antes deduzidas. Ambas as partes teriam por método principal o  
materialismo dialético. Por fim, a terceira parte teria uma abordagem centrada no  
materialismo histórico. Com o título previsto de A arte como fenômeno histórico social,  
Lukács observa que, contrário ao que eventualmente acontecia com a rigidez da  
sistematização hegeliana,  
la complicada interacción entre materialismo dialéctico e materialismo  
histórico es ya en sí misma señal relevante de que el marxismo no  
pretende deducir fases históricas de desarollo partiendo del  
despliegue interno de la idea, sino que (...) tiende a captar el proceso  
real en sus complicadas determinaciones histórico-sistemáticas. La  
unidad de determinaciones teoréticas (en este caso estéticas) e  
históricas se realiza, en última instancia, de un modo sumamente  
contradictorio y, consiguientemente, no puede aclararse, ni en el  
terreno de los principios ni en el de los casos concretos, sino mediante  
una colaboración ininterrumpida del materialismo dialéctico con el  
materialismo histórico (LUKÁCS, 1966, p.13).  
E apesar de Lukács não ter escrito as duas últimas partes, essa relação dinâmica  
entre as obras concretas e o materialismo histórico pode talvez ser acompanhada e  
abstraída em seus vários escritos. Não apenas nas obras concebidas como apanhados  
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históricos, mas também naquelas em que a defesa de princípios se liga ativamente às  
possibilidades de desenvolvimento histórico e ético relevantes para uma construção  
autoconsciente da sociabilidade. Em linhas gerais, são esses os traços que  
caracterizam a “estética comunista” de Lukács.  
Com essa formulação, László Sziklai define de modo preciso sua atividade no  
campo da teoria literária a partir dos anos 1930. Nessa época, dirá ele, Lukács  
desenvolve uma “estética comunista”, já que “a força motriz da história da teoria  
filosófica e estética do marxista Lukács é a revolução socialista” (SZIKLAI, 1990, p.  
126). Sziklai procura dar conta de uma questão aparentemente paradoxal e que diz  
respeito à especificidade, ao caráter propriamente estético do que ele considera como  
uma das maiores realizações da estética marxista do século XX (cf. SZIKLAI, 1990, p.  
124). O que à primeira vista parece ser paradoxal no empenho do filósofo húngaro é  
que se trata de uma produção no campo da estética que, por ser ao mesmo tempo  
marxista, não se desenvolve de maneira estrita dentro dos paradigmas dessa  
disciplina. Sua estética dos anos 1930 e 1940 exigiria, para ser corretamente aferida,  
um “parâmetro histórico-mundial” (SZIKLAI, 1990, p. 125), cuja determinação concreta  
remete, como elucida Sziklai, justamente ao “movimento revolucionário prático”  
(SZIKLAI, 1990, p. 125).  
Desenvolvimento desigual e crítica literária  
Segundo Erich Auerbach, a forma da crítica estética moderna deriva do  
desmoronamento da antiga, rígida e aristocrática, com o advento do sentido histórico  
a partir do fim do século XVIII. Nas palavras do filólogo,  
[e]stá claro que diante dos fatos novos e do horizonte alargado, a  
antiga crítica estética não podia mais ser mantida e é indubitável que  
o sentido histórico que permite compreender e admirar a beleza das  
obras de arte estrangeiras e os monumentos do passado constitui  
uma aquisição preciosa do espírito humano (AUERBACH, 1987, p. 30).  
Essa transição é compreendida por Auerbach como desdobramento de múltiplos  
fatos sociais e filosóficos, que produzem irresistível efeito sobre os estudos linguísticos  
e a pesquisa literária, que se veem então livres da dominação das regras antigas e  
abertos ao diverso. A rigidez da crítica estética não tinha parâmetros para  
compreender Shakespeare senão como “feio, sem gosto e bárbaro”. Esse parâmetro  
aplicado na França ao bardo estrangeiro seria também inclemente com fenômenos  
literários do passado dados como primitivos. Tal anti-historicismo é entendido por  
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Auerbach como um fenômeno característico de diversas épocas, fossem relativos à  
Antiguidade, à Idade Média, à Renascença ou ao século XVII, apesar das divergências  
de modelos pertinentes a cada uma.  
Devemos assinalar também a importância que as contradições do  
desenvolvimento europeu tiveram para que a disciplina de crítica estética fosse  
submetida ao escrutínio do historicismo romântico e tratada por Auerbach como um  
processo de evolução científica. Para entender essa possibilidade de desenvolvimento  
da qualidade da crítica estética de modo geral, precisamos indagar a validade da  
avaliação objetiva das obras de arte em relação a sua transformação e permanência  
diante da atividade dos povos.  
A questão da racionalidade das formas e ao mesmo tempo a de sua historicidade  
concreta é posta em perspectiva mais dinâmica por Lukács em obras como O Romance  
histórico, quando ele compreende o historicismo romântico, contraditoriamente  
reacionário, em oposição à determinação histórica espontânea1 de fenômenos então  
estabelecidos como fatos naturais e necessários pelos escritores e filósofos do  
Iluminismo. Portanto, a deliberada defesa da história pode partir de seus mais  
enérgicos opositores práticos:  
A desumanidade do capitalismo, o caos da concorrência, a eliminação  
do pequeno pelo grande, o rebaixamento da cultura pelo fato de todas  
as coisas se tornarem mercadoria, tudo isso é contrastado, em geral  
de forma reacionária e tendenciosa, com o idílio social da Idade Média,  
como o período da cooperação pacífica de todas as classes, como a  
era do crescimento orgânico da cultura. Mas, se em geral a tendência  
reacionária predomina nesses escritos polêmicos, não devemos  
esquecer que é apenas nesse período que surge a primeira  
representação do capitalismo como um período historicamente  
determinado do desenvolvimento da humanidade, e isso não nos  
grandes teóricos do capitalismo, mas em seus oponentes (LUKÁCS,  
2011b, p. 41).  
Diferentemente dos românticos, os defensores da Revolução Burguesa podem,  
não obstante, defender o imobilismo em matéria de arte, como caracterizado nesse  
trecho a respeito da teoria do romance em “O romance como epopeia burguesa”:  
esta falta de atenção para o que é especificamente novo no  
desenvolvimento burguês da arte não é casual. O pensamento teórico  
1
Espontânea pela representação e investigação também histórica das formas antigas nos vínculos de  
legalidade em comum com as possibilidades modernas de realização da racionalidade humana. Guiados  
por esse interesse ativo, “a antiguidade se situa no centro da teoria e da práxis do Iluminismo. A  
investigação das causas da grandeza e do declínio dos Estados antigos é um dos mais importantes  
pressupostos teóricos para a futura reconfiguração da sociedade” (LUKÁCS, 2011b, p. 35).  
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Elisabeth Hess e Paula Alves  
da burguesia nascente, em todas as questões da estética e da cultura,  
tinha forçosamente de se manter o mais próximo possível de seu  
modelo antigo, no qual encontrara uma poderosa arma ideológica em  
sua luta pela cultura burguesa contra a cultura medieval. [...] Todas as  
formas de criação artística que haviam crescido organicamente da  
cultura medieval, assumindo um aspecto popular e até mesmo plebeu  
foram ignoradas pela teoria e, frequentemente, rechaçadas como “não  
artísticas” (LUKÁCS, 2011a, p.194).  
Não há, no quadro histórico de um tempo presente, possibilidade de estabelecer  
uma equiparação entre o desenvolvimento das formas e o das ideias revolucionárias.  
Também estas, por mais sôfregas de apreensão da realidade que estivessem, não  
conseguiam administrar todas as determinantes que atuam objetivamente sobre a  
realidade a ponto de conceber tão antecipadamente sua relação com aquelas formas.  
Assim, ainda que as condições sociais para o surgimento do sentimento histórico como  
“abertura seminal para a realidade”(LUKÁCS, 2011b, p. 34) se reflitam efetivamente  
nos grandes realistas do século XVIII, a teoria do romance que terá possibilidade de  
articular sua forma ao novo conteúdo da vida burguesa será posta na segunda metade  
do século XIX, segundo Lukács, mas já então desvinculada de sua linha de continuidade  
em relação às aspirações populares e revolucionárias que lhe deram origem e  
especificidade.  
Portanto, apesar da marca deixada pela história literária nas tendências da crítica  
estética, podemos dizer, acompanhando Lukács, que essa mudança de repertório fica  
sem suas consequências máximas em termos dos avanços atingidos. Somente a crítica  
materialista, notadamente possibilitada pelas contradições do desenvolvimento  
desigual na Alemanha, poderia dar as condições para a compreensão da relação entre  
o antigo e o moderno nas formas do romance. O fato dessas tendências  
intrinsecamente historicistas não aparecerem nas teorizações críticas ou passarem por  
elas sem serem aprofundadas em suas verdadeiras interações não significa que as  
contradições que possibilitam o gênero épico romanesco deixassem de produzir o  
efeito que segue dos horizontes abertos pelos desdobramentos revolucionários, assim  
como das novas e consequentes contradições do capitalismo em expansão global,  
como é o caso na formação de uma literatura brasileira em país colonial e ainda  
escravocrata. Para exemplificar esse ponto bastante mal compreendido, tratemos da  
percepção do “desenvolvimento desigual e combinado” e de sua conclusão crítica  
sobre a teoria do realismo de Lukács formulada por Roberto Schwarz:  
seria impensável no século XIX um fazendeiro escravista dar uma  
interpretação da Inglaterra em termos de relações escravistas. Se ele  
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Partidarismo e crítica literária  
fosse suficientemente maluco poderia tentar, é óbvio, mas seria algo  
sem nenhuma perspectiva histórica. Ao contrário, pareceria óbvio aos  
contemporâneos que ele tentasse explicar a sua fazenda com as  
categorias do capitalismo inglês. O que também conduz a um erro,  
mas, de qualquer maneira, fazendo isso, ele guarda contato com as  
evoluções ideológicas de seu tempo. Estas são as “ideias fora do  
lugar”, e esse é, mais ou menos, o âmbito da questão: o deslocamento  
de ideologias no interior da expansão histórica do capitalismo  
(SCHWARZ, 2019, p. 43).  
Não teremos condições de desenvolver aqui as diferenças da concepção de  
desenvolvimento uno e desigual de Lukács e a referência dessa contradição objetiva  
referida por Schwarz. Basta por enquanto considerar que a relação implícita com o  
caráter universal das categorias será diferente para cada uma, como percebemos na  
seguinte entrevista sobre Lukács:  
Lukács construiu um modelo para a história europeia das ideias e do  
romance que depende da evolução histórica geral do feudalismo para  
o capitalismo e para o socialismo. É uma construção poderosa. Ele  
mostra como esse desenvolvimento funciona ativamente na obra de  
filósofos e romancistas. Se nos voltarmos para a América Latina,  
observaremos que essa sequência não existe aqui e que, portanto, ela  
não é universal (SCHWARZ, 2019, p.128, grifo nosso).  
E, em outra passagem do mesmo texto, Schwarz chama atenção para a  
contradição de que “Lukács continuou um classicista (i.e., defensor da norma clássica)  
em meio à revolução social” e arremata com “isto é realmente intrigante e  
surpreendente, vindo de uma inteligência histórica tão notável, de um homem que  
entendeu e explicou melhor do que a maioria dos outros o caráter histórico das formas  
literárias” (2019, p.147).  
Essa contradição pode ser compreendida apenas se as relações entre as  
determinações sócio-históricas e a representação dos dramas humanos não forem  
colocadas em termos de modelo ideológico. Tais termos se formam a partir de uma  
falsa polêmica acerca da noção de progresso estar baseada em uma forma racional  
definitiva ou doutrinária, como acusaria Schwarz de história, e não na dinâmica do  
desenvolvimento uno e desigual. Tal relação não se resume à de infra e superestrutura,  
tampouco a um relativismo histórico. Significa antes uma dialética engendrada pela  
materialidade histórica a ser cuidadosamente observada.  
Claro, apesar do sentimento histórico da modernidade ser um fato filosófico  
amplamente reconhecido como elemento influenciador de avanços para além das  
fronteiras das revoluções burguesas, as conexões que tal percepção estabelece para a  
história da literatura não são simples ou diretas, nem em termos ideológicos, nem de  
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crítica, nem de produção literária. Negar isso seria uma proposição logicista disposta  
a deduzir consequências absolutas de uma legalidade apreendida em determinada  
situação histórica, ou seja, uma proposição mistificadora mascarada de materialismo  
histórico. A teorização do desenvolvimento clássico do capitalismo estudado por Marx  
apresentou fissuras em seu desdobramento, com consequências e contradições  
inesperadas, mas já era claro que seu desenvolvimento não poderia seguir em todos  
os percalços a mesma exemplaridade em relação a sua gênese, da qual Marx  
apreendeu leis determinantes em condições concretas. Ironicamente, Marx publica em  
uma revista russa uma crítica às tentativas de aplicação da legalidade descoberta por  
ele em circunstâncias específicas, ainda que típicas, ou particularmente favoráveis à  
abstração do fenômeno observado:  
Isso é tudo. Mas é pouco para o meu crítico. Ele tem absoluta  
necessidade de transformar o meu esboço histórico da gênese do  
capitalismo na Europa ocidental numa teoria histórico-filosófica do  
caminho geral do desenvolvimento, ao qual todos os povos estariam  
sujeitos, quaisquer que sejam as condições históricas em que eles se  
encontram, para chegar finalmente a essa formação econômica que  
assegura, com o maior desenvolvimento das capacidades produtivas  
do trabalho social, o desenvolvimento mais abrangente possível do  
homem (MARX apud LUKÁCS, 2018, p. 371).  
Voltando à oposição crítica entre estética antiga e historicismo, aquela  
desenvolve não unicamente conceitos eternos, mas tendências que permaneceram  
significativas diante das necessidades expressionais da complexificação posterior. Essa  
validade relativa coloca as formas e gêneros confirmados pelo presente em novos  
conflitos e possibilidades de inteligibilidade do que é, ao mesmo tempo, essencial à  
representação artística e reconhecível em um conteúdo particular que não foi reduzido  
à forma, mas iluminado por ela por uma relação que pode ser tanto causal, quanto  
casual. De qualquer forma, a conexão das duas legalidades, a estética e a do conteúdo  
humano novo, não é primeiramente uma coincidência de formas de apreensão  
desprovidas de necessidade. A forma estética e o gênero tradicional eleito para ampliar  
o sentido de determinado conteúdo são eles mesmos históricos em sua validade.  
Tomemos novamente o paralelo com o desenvolvimento clássico do capitalismo:  
Marx diz sobre o desenvolvimento capitalista: “Até agora, sua  
localização clássica é a Inglaterra”. Nessa determinação, merece  
destaque particular a restrição “até agora". Ela indica que a  
classicidade de um período econômico é uma caracterização  
puramente histórica: os componentes entre si heterogêneos do  
edifício social e de seu desenvolvimento produzem casualmente essas  
ou outras circunstâncias e condições (LUKÁCS, 2018, p.376).  
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Dessa maneira, podemos entender que esse edifício social pode mudar, tornando  
uma forma ou gênero improdutivos ou foscos para organizar determinado problema  
humano tomado pela arte por seu possível valor de generalidade naquele momento.  
Sua classicidade pode sumir e reaparecer em outra forma, como acontece com a  
epopeia e o romance. As leis do desenvolvimento desigual propõem uma nova  
colocação para a questão epistemológica da análise dos fenômenos como formas  
subjetivas apriorísticas. A relação ontológica de sujeito e objeto não se reduz à uma  
necessidade pura de um ou de outro, mas a uma combinação em vários níveis das  
atividades humanas, isto é, dos “componentes entre si heterogêneos do edifício social”  
que produzem não apenas consequências interiores a cada complexo de atividade,  
mas também entrecruzamentos acidentais, de modo a se desenvolverem daí  
necessidades e subjetividades novas que participarão da análise das condições dadas.  
Assim, mais do que uma casualidade ter um caráter marginal e desprezível para a  
compreensão das leis próprias de cada fenômeno específico, ela pode produzir  
respostas para as contradições essenciais ao desenvolvimento do todo, sem as quais  
as causalidades posteriores não poderiam ser compreendidas.  
No momento em que usamos o termo “casualmente”, devemos mais  
uma vez recordar o caráter dessa categoria: um caráter ontológico,  
objetivo e determinado em sentido rigorosamente causal. Como a  
presença da casualidade resulta sobretudo da natureza heterogênea  
das relações entre complexos sociais, só post festum é possível  
entender como rigorosamente fundado, como necessário e racional, o  
modo pelo qual ela se torna válida. E, tendo em vista que, nessa inter-  
relação entre complexos heterogêneos, o peso deles, o dinamismo, as  
proporções etc. sofrem contínuas modificações, as interações causais  
resultantes podem, em determinadas circunstâncias, afastar da  
classicidade do mesmo modo que haviam levado até ela. É por isso  
que o caráter histórico dessas constelações faz com que a  
classicidade, em primeiro lugar, não possa ser representada por um  
tipo “eterno”; ela o é, ao contrário, pelo modo de manifestação mais  
puro possível de determinada formação, e o modo possibilitador de  
uma fase determinada dela (LUKÁCS, 2018, p. 376).  
É interessante ressaltar que a dialética aqui descrita por Lukács não é baseada  
em uma autonomia, fundada epistemologicamente, nas quais se filiam a imanência  
lógica de cada disciplina sobre o fundo coercitivo de um grande tecido histórico  
caótico. Os acasos fundados, produzidos na interação dos diversos complexos  
heterogêneos, são compreendidos pela ação histórica, e, em longo termo, pelo ser  
social, não como um espírito supraindividual, mas como um acúmulo resultante de  
necessidades humanas que não retroagem simplesmente, sem vestígios, na  
objetividade una e desigual do desenvolvimento.  
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Mas, ainda que não seja possível nesse espaço observar a contento as  
consequências que essa dinâmica ontológica propõe para a configuração de novas e  
ricas relações entre sujeito e objeto, basta citar como exemplo as descobertas do  
Idealismo alemão, frente ao Idealismo francês, a respeito da atividade do sujeito na  
história, possibilitadas justamente pelo descompasso do desenvolvimento político  
entre os dois países. Esse descompasso político possui causalidades próprias que se  
entrecruzam com as causalidades do avanço científico incontestável da física e da  
filosofia na França. Aqui, para nossos objetivos, as consequências do desenvolvimento  
desigual se manifestam em uma constante mudança de pesos entre os vários campos  
de atividade, como reflexo contínuo da interação sujeito objeto.  
Diante desse movimento histórico, a depuração das forças motrizes de  
determinados fenômenos demanda a seleção correta da disposição clássica, já que  
diferentemente das leis naturais, as interações sociais, as quais incluem a natureza,  
não permitem um isolamento de laboratório dos fatores considerados externos ao  
fenômeno. Ainda partindo das comparações entre o desenvolvimento das contradições  
do capitalismo e as possibilidades de uma revolução em um país onde esse  
desenvolvimento avançado não impusesse políticas estranhas àquela necessidade  
interna, Lukács observa sobre o caso da difícil manutenção da revolução na Rússia e  
as distintas avaliações de Lênin e de Stalin:  
É preciso observar, porém, que Lênin via no comunismo de guerra  
uma medida de emergência imposta pelas circunstâncias e  
considerava a NPE [Nova Política Econômica] uma forma transitória  
provocada por uma situação particular. Stálin, ao contrário, atribui a  
todas as suas tentativas de reestruturar violentamente a distribuição  
da população, num país de capitalismo atrasado, o valor de modelo  
universal para todo desenvolvimento socialista. Assim em oposição  
a Lênin ele declarou que o desenvolvimento da União Soviética era  
o desenvolvimento clássico. Desse modo, enquanto vigorou essa  
concepção, foi impossível avaliar em termos teóricos corretos o  
desenvolvimento soviético e, portanto, tornar fecundas as importantes  
experiências desse período (2018, p. 380).  
Portanto, a compreensão dos desvios do clássico pode representar a correta e  
consciente posição de forças progressistas ou reacionárias para a superação das  
formas de conflito humano, a depender de como se trate a realidade objetiva  
investigada: como estranha à ação humana ou prenhe das contradições dela. Qualquer  
enrijecimento dos aspectos que a compõem coloca a perder a compreensão de suas  
possibilidades democráticas. Na crítica literária, as formas também podem ser vistas  
como construtos clássicos, próprios a uma certa necessidade interna, ou característicos  
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de uma nova configuração. Essa aproximação ou distanciamento não trazem uma  
escala de valor embutida, mas tratam também das tendências de desenvolvimento em  
condições de estranhamento da ação humana ou de apropriação de suas novas formas  
e tensões na elaboração artística e no trabalho do crítico. Como a história, como ciência  
unitária e a história literária estão emaranhadas nesses tipos de intervenção é algo  
que pode ser mais bem destrinchado em cada caso.  
Como tratamos anteriormente, a relação entre as diversas formas de elaboração  
e intervenção sobre a realidade não se justapõem mecanicamente, mas se integram  
em múltiplas relações de necessidade. Portanto, para estabelecer um marco mais claro,  
é interessante ter em vista dois polos. De um lado, assinalemos que a crítica da obra  
tem caráter objetivo, não sendo tão indefinível que reste a pura arbitrariedade genial  
ou sofisma. Os saltos e arrancadas interpretativas podem enriquecer de imagens o  
esforço analítico, mas não isentam o crítico da observação atenta das leis particulares  
de cada campo, tal como de cada gênero e obra. Assim, há aqui uma escuta atenta  
aos modos clássicos de representar certo conteúdo desenvolvido historicamente. Por  
outro lado, a relação entre cada campo de análise apresenta a necessidade de adoção  
de uma perspectiva. Essa perspectiva pode ser materialista ou idealista, mas as várias  
disputas que se impõem para o posicionamento do crítico terão necessariamente  
caráter histórico concreto. Suas descobertas podem produzir avanços inquestionáveis,  
mas volta e meia, as disputas podem voltar a ser travadas sob condições em que esteja  
em jogo uma necessidade mais básica e estratégica. Para Lukács, coloca-se a  
necessidade da correta compreensão da realidade em uma perspectiva mais ampla e  
essa perspectiva tem na arte sua mais inteira abrangência. E o caráter popular da forma  
artística entra aqui como possibilidade produtiva de compreensão desse valor  
amplificador da realidade humana, que se desenrola pelas leis da beleza; não uma  
perda de posição, como na política mais imediata:  
A oposição entre os modos de composição de Tolstói e Erckmann-  
Chatrian que concordam em certos pontos sobre a concepção  
histórica do papel das massas pode defender, por conseguinte, uma  
nova confirmação para a correção do modo clássico de construção do  
romance histórico. Nesse caso, trata-se mais uma vez da  
personalidade histórico-mundial como figura coadjuvante. Dissemos  
antes que, do ponto de vista abstrato, seria possível figurar a  
Revolução Francesa no romance histórico sem a inclusão de Danton e  
Robespierre. Isso está correto. Resta saber apenas se o escritor, ao  
tentar substituir os princípios políticos e sociais de Danton e  
Robespierre por personagens populares livremente inventadas, não  
se veria diante de uma tarefa ainda mais difícil de cumprir que aquela  
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colocada pelas tradições dos clássicos do romance histórico, pois tais  
personagens dão ao romance histórico a possibilidade e a medida  
para elevar a figuração dos movimentos populares à sua dimensão  
intelectual e politicamente consciente. Enquanto o “indivíduo  
histórico-mundial” como personagem central da figuração concreta,  
histórica e humana dos movimentos populares reais acaba por se  
tornar um estorvo para sua própria figuração, como figura coadjuvante  
ele ajuda o escritor a elevar sua personagem à sua elevação histórica  
concreta (LUKÁCS, 2011b, p. 259, grifos nosso).  
Do ponto de vista dessa “elevação histórica”, Lukács pode conceber a posição  
estética do escritor, que insere uma visão abstrata na continuidade do elemento  
representado. Porém, se essa visão abstrata pode ser objetivamente fundada nas  
tendências próprias da realidade representada, ela pode ser também uma posição  
subjetiva sem aderência verdadeiramente íntima com os problemas colocados em seu  
tempo. Lukács trata em seu livro sobre o romance histórico de como o  
desenvolvimento da sociedade em seu movimento desigual produz na vida das massas  
efeitos que não são diretos, mas tampouco lhes são indiferentes. Portanto, a  
interpretação imediatista de escritores sobre o caráter reacionário de determinada  
postura das massas e de sua desconfiança em relação às concepções vindas “do alto”  
acaba caindo em uma abstração sem respaldo no íntimo desenvolvimento político das  
necessidades progressivamente conscientes. Nesse sentido, Lukács esclarece:  
[à] diversidade das etapas singulares da evolução tem de  
corresponder, na vida das massas, um grau ainda maior de  
diversidade de reações a essa evolução, pois tais reações podem ser  
verdadeiras ou falsas do ponto de vista sócio-histórico. E justamente  
porque o eco dos grandes acontecimentos é necessariamente mais  
imediato entre as massas politicamente pouco desenvolvidas, as mais  
diversas reações falsas são o caminho inevitável que essas massas  
encontram para, a partir de suas próprias experiências, chegar ao  
ponto de vista que realmente corresponde aos interesses do povo  
(2011b, p. 256).  
Frente a essa desconfiança, Lukács percebe os diferentes tratamentos que  
ganham obras como a de Tolstói referido como o mais desconfiado escritor em  
relação a tudo que vem do alto , e a de Erckmann-Chatrian, que, ao extraírem  
quaisquer figuras históricas como as de Danton e Robespierre, rebaixam de maneira  
apolítica a vida do povo por procurarem manter a máxima proximidade com essa vida  
imediata, sem atenção a qualquer concretização dos movimentos “do alto”. Tolstói, ao  
contrário, não se detém nos personagens de “baixo”, ele “também retrata esse mundo  
do ‘alto’ e, com isso, dá à desconfiança e ao ódio do povo um objeto concreto, visível.”  
Para Lukács, diferentemente de Erckmann-Chatrian, a visão que emana da obra de  
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Tolstói não concebe o autêntico caráter popular como excludente do discurso  
histórico-universal, impossibilitando assim a elevação da percepção de baixo inclusive  
com vantagem possível sobre tal perspectiva. Tal movimento próprio é possível  
quando se representa, como Tolstói, “a existência concreta do objeto odiado já  
introduz, em si e para si, uma gradação, uma comparação, uma paixão no retratar dos  
sentimentos do povo em relação a esse mundo do ‘alto’” (LUKÁCS, 2011b, p.259).  
Assim, as posições que partem politicamente da mera espontaneidade das  
massas não se associam ao caráter popular típico do romance histórico em sua forma  
clássica. Essa forma faz com que a figuração própria do desenvolvimento desigual  
alcance os problemas concretos da vida dos personagens, enquanto a sua  
desconfiança responde de maneira formal ao processo histórico que produz nas várias  
realizações do romance sua continuidade peculiar: “Homero não mostra nenhum meio  
pelo qual o povo (ou uma parte do povo) possa ser obrigado a fazer algo contra sua  
própria vontade”, enquanto, no romance, a “unidade da vida do povo se tornou  
contraditória, pode ser representada apenas por meio da apreensão correta das  
oposições que a constituem, ou seja, como unidade dessas oposições” (LUKÁCS,  
2011a, p.206).  
O caráter “classista” de algumas das formulações de Lukács acerca do romance  
tem ligação com sua análise concreta das determinações históricas que alcançam mais  
concreção problemática nos achados formais, como o deslocamento dramático do  
herói mediano no romance histórico de Walter Scott ou a elevação do sentimento  
conservador em paixão por Tolstói. Apesar da necessária posição prosaica reafirmada  
pela passividade própria ao épico (cf. LUKÁCS, 2011a, p. 198), a organização realista  
dos elementos em movimento do romance depende de que o escritor estabeleça uma  
perspectiva “de fora” a partir de sua própria concepção como sujeito criador.  
Disso [aceitação tácita da reificação capitalista] resulta que, no  
domínio da arte e da teoria artística e, portanto, também no campo  
do romance , o romantismo não pode nem mesmo tentar superar o  
caráter prosaico da vida mediante um método criativo que permita  
descobrir na realidade social os elementos de uma atividade humana  
espontânea, que essa realidade ainda conserva, e de torná-los assim  
objeto de uma ampla figuração realista (LUKÁCS, 2011a, p. 223).  
O momento em que Lukács começa sua produção teórica é um momento em que  
se aprofunda a decadência ideológica de que ele trataria em detalhe mais tarde. A  
relação entre crítica literária, sociologia e história da literatura entram em  
desagregação acentuada, passível de combinações variadas, a depender de sua  
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finalidade mais circunstancial até o ponto de o próprio objeto estético não raro  
aparecer como pura abstração estruturalista. Erich Auerbach observa a aparição dessa  
forma de crítica liberada da rigidez antiga, a qual chama de “explicação” ou “análise  
de textos”, vendo nisso um ganho tanto pedagógico como das investigações  
científicas:  
esse método foi consideravelmente desenvolvido e enriquecido por  
alguns filólogos modernos [...] e serve-lhes para finalidades que  
ultrapassam a prática escolar; serve para uma compreensão imediata  
e essencial das obras; não se trata mais, como nas escolas, de um  
método de averiguar e ver confirmado o que já se sabia de antemão,  
mas de um instrumento de pesquisas e de novas descobertas. Várias  
correntes do pensamento moderno contribuíram para favorecer-lhe o  
desenvolvimento científico: a estética “como ciência da expressão e  
linguística geral”, do Sr. B. Croce; a filosofia “fenomenológica” de E.  
Husserl (1859-1936), com seu método de partir da descrição do  
fenômeno específico para chegar à intuição de sua essência; o  
exemplo de análises da história da arte conforme as levou a cabo um  
dos mestres universitários de maior prestígio da última geração H.  
Wölfflin (1864-1945); e muitas outras correntes, outrossim  
(AUERBACH, 1987, p.40).  
Com essa tendência historicamente relativista de separar as formas clássicas do  
efeito persistente que possuem obras como as de Homero e Shakespeare nos nossos  
dias, a crítica literária termina por perder de vista a correlação entre o valor e a  
manifestação antropomorfizada do conteúdo histórico condensado na forma, seu apelo  
como parte de uma linha de desenvolvimento progressivo da humanidade. Tal linha  
não se articula de forma unidirecional, mas percorre um rio de múltiplas correntes.  
A busca teórica que Lukács empreende para articular a riqueza do efeito  
objetivo e racional das obras de arte faz com que ele acompanhe pari passu a  
conjunção das grandes questões da filosofia, sociologia, história e economia política  
com os desenvolvimentos mais ou menos conscientes da forma literária em seu tempo.  
Os limites que podem ser depreendidos daí não lhe serão indiferentes, mas não serão  
mais considerados como meros problemas da cognição geral. A possibilidade de  
compreender o entrecruzamento de causalidades e sua repercussão para reviravoltas  
da subjetividade, não mais vista como consequência trágica de uma determinação da  
consciência, faz com que Lukács proponha uma nova posição do crítico literário. Uma  
que se sirva, observando o trabalho criador, dos elementos casuais, que aparecem  
como mero expediente da verossimilhança no trabalho artístico, para entender as  
encruzilhadas que o artista constrói para desvendar ações que não estão disponíveis  
nem para si, apesar de serem uma realidade tendencial.  
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Evidentemente, sem abstração não há arte de outra forma, como  
poderia surgir o típico? Mas o processo de abstração tem, como  
qualquer movimento, um direcionamento, e é dele que pretendemos  
falar aqui. Todo realista significativo elabora também com os meios  
da abstração o material das suas vivências, para alcançar as  
legalidades da realidade objetiva, as conexões mais profundas, ocultas  
mediatizadas, não imediatamente perceptíveis, da realidade social.  
Como essas conexões não se encontram imediatamente à superfície,  
como essas legalidades se concretizam de forma intrincada, apenas  
tendencialmente, daí resulta, para o realista significativo, um trabalho  
gigantesco, um duplo trabalho, tanto artístico como filosófico, a saber:  
em primeiro lugar, descobrir intelectualmente e revelar artisticamente  
essas conexões; em segundo lugar, porém, e inseparável da relação  
anterior, recobrir artisticamente as conexões a que chegou por meio  
da abstração a superação da abstração (LUKÁCS, 2016b, pp. 259-  
260).  
A aparente conformidade da posição do escritor com a lógica formal não se  
confirma no segundo momento desse seu duplo trabalho, no qual suas determinações  
abstratas precisam se curvar às relações imanentes entre o caráter de seus  
personagens e as situações desenvolvidas pela necessidade social do romance. Ao  
crítico também cabe uma percepção de partido que o leva a apreender na imanência  
da obra os sinais de seu tempo nos desvios que se tornam formalmente necessários  
para um vislumbre sensível da relação entre necessidade e liberdade, ou para seu  
apagamento antipopular.  
A “estética comunista” de Lukács: crítica literária nos anos 1930  
A época em que Lukács se põe a desenvolver sua “estética comunista” é aquela  
de seu exílio em Moscou. Ele chega na União Soviética em 1929, onde irá viver com  
uma interrupção entre 1931 e 1933, quando residiu em Berlim – até 1945. “Esses  
quinze anos”, comenta Sziklai (1991, p. 132), “são o período de construção do  
socialismo em um só país, simultaneamente também a época do fascismo”. Durante  
esse tempo, Lukács exerceu de modo intenso a atividade de crítico literário, publicando  
muitos textos em diversos periódicos comunistas (e sobretudo na Literaturnyi kritik e  
na Literaturnaja gazeta). Muitos atribuem esse “recuo para a estética” ao fracasso de  
suas Teses de Blum, mas essa interpretação que encontra, aliás, respaldo em  
afirmações do próprio Lukács tem qualquer coisa de lendária (cf. SZIKLAI, 1991, pp.  
136-7).  
Mesmo sendo um emigrado, e ainda por cima, um emigrado com fortes ligações  
com a tradição alemã, o que fazia com que fosse visto com certa desconfiança até  
mesmo nos círculos comunistas, Lukács marca posição em relação aos debates que  
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movimentavam a vida cultural e busca se situar na opinião pública literária soviética,  
embora evitasse intervir de maneira muito direta (cf. SIEGEL, 1981, p. 172). Isso talvez  
seja um dos aspectos que particulariza nessa fase seu interesse por problemas de  
método e de teoria da literatura, os quais, contudo, como observa J. Keleman (2011,  
p. 111), já o interessavam desde sempre. Através de suas publicações, ele procura  
contribuir, como dirá no posfácio a um dos volumes de Problemas do realismo, para a  
discussão em torno de “problemas práticos e atuais de cultura” (LUKÁCS, 1971, p.  
677). G. Oldrini nota que no conjunto da produção dessa fase há ensaios que têm  
natureza polêmica, outros que surgem sob demanda, enquanto outros se destinam a  
contribuir em ocasiões como conferências e debates públicos (cf. OLDRINI, 2017, p.  
178). Uma série de gêneros textuais, portanto, que evidencia o aspecto circunstancial  
dessas publicações. Pois a intervenção em debates integra a dimensão tática da  
“estética comunista” de Lukács.  
Como reconhece Sziklai (1991, p. 135), “a observância da tática abre tanto  
possibilidades positivas quanto negativas para a estética orientada para o movimento”.  
No entanto, isso não significa que, por se ligarem a circunstâncias mais ou menos  
contingentes, as intervenções de Lukács estejam presas a elas. Ainda que ela incorpore  
em sua armação um esforço tático, em consonância com as tendências e as  
necessidades políticas do movimento revolucionário – o que constitui seu “caráter  
partidário” (SZIKLAI, 1991, p. 1334) –, a “estética comunista” de Lukács não se  
compõe de elementos desconexos, como se fosse determinada apenas pela luta  
política cotidiana. E isso não acontece porque, mesmo naqueles textos em que está se  
situando no interior de um debate específico, há uma concepção que embasa o modo  
como ele lida com os problemas do dia. Os textos sobre questões literárias diferentes,  
afirma Sziklai, “são nós de um mesmo caminho”. Lukács visa, afinal, “a conscientização  
histórico-filosófica dos conflitos decorrentes dos problemas da época [do fascismo e  
do socialismo conduzido à vitória em um só país] [...], incluindo o destino e as  
perspectivas da arte e da cultura” (SZIKLAI,1978, p. 128).  
Reconhecer as perspectivas que se abrem para a arte e para a cultura, em uma  
determinada época, pressupõe que se realize, ao mesmo tempo, uma análise das  
contradições que estruturam a vida social naquele momento. Nesse sentido, a teoria  
literária marxista cumpre um papel fundamental. A essa altura, Lukács percebe que a  
estética faz parte de maneira orgânica do sistema marxiano, diferente do que vinha  
sendo defendido por figuras de grande importância no debate estético soviético, como  
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Plekhânov ou Mehring. É essa concepção uma das razões que pode sustentar a  
afirmação de que “sua crítica específica está relacionada a toda uma teoria estética e  
não pode ser derivada das circunstâncias políticas do momento” (KELEMAN, 2011, p.  
124), embora se relacione estreitamente a elas. Esse modo particular com que tática  
e teoria se ligam na “estética comunista” de Lukács, a tensão entre partidarismo, de  
um lado, e universalidade, de outro, cristalizam-se em seu método crítico e  
interpretativo. O debate sobre o romance, que apresentaremos mais detalhadamente  
a seguir, é um bom exemplo disso.  
O início dos anos 1930 é marcado por uma guinada na teoria e política literárias  
na União Soviética (cf. SIEGEL, 1981, p. 137). Trata-se do momento em que ocorre  
uma transição da sociologia da literatura que até então havia sido bastante influente  
e passa a ser amplamente criticada para uma teoria literária marxista-leninista. E  
Lukács participa na construção desse novo aporte teórico, junto de M. Lifschitz e outras  
figuras que integram o círculo entorno da revista Literaturnyi kritik. Essa revista, na  
qual Lukács publicava regularmente suas contribuições, ficou conhecida, entre outras  
coisas, pelo papel que teve na controvérsia com a sociologia vulgar. Para K. Clark e E.  
Dobrenko, o fato de que os integrantes dessa revista produziram um extenso material  
desde antologias a monografias sobre as declarações de Marx, Engels e Lênin  
sobre literatura teria revestido de autoridade as investidas contra o sociologismo  
vulgar. Mas, como gostaríamos de mostrar, o empenho na reconstrução dos  
fundamentos de uma estética marxista e os debates contra a sociologia vulgar são, na  
verdade, “dois lados de um mesmo processo” (SZIKLAI,1978, p. 95).  
Dobrenko, em seu estudo sobre as polêmicas estéticas que ajudaram a formar a  
cultura soviética, afirma que os anos 1930 foram a “era da luta contra a sociologização  
vulgar” (DOBRENKO, 2005, p. 59). Era considerado como sociologia vulgar, como ele  
e Clark explicam (CLARK, DOBRENKO, 2007, p. 210), aquele tipo de análise da  
literatura baseada apenas em critérios socioeconômicos. Até o final da década de  
1920, as abordagens de orientação sociológica haviam sido uma das principais linhas  
de análise de obras de arte no cenário da crítica soviética. A outra, que partia de  
premissas opostas, era o método formal que sem concentrava “na investigação da  
organização interna da obra de arte e seus vários componentes” (FRIDLENDER, 1990,  
p. 516).  
Na medida em que uma e outra corrente pareciam perseguir programas de  
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pesquisa contrários, fala-se em linhas gerais de uma oposição entre sociologismo e  
formalismo na crítica literária soviética dessa época2. A despeito das divergências entre  
elas, não seria ilegítimo, de acordo com Siegel, agrupar as tendências que seguiam  
uma orientação sociológica sob uma noção comum, a de sociologismo, pois elas  
compartilhavam uma “compreensão primariamente funcional dos fenômenos literários,  
bem como de todos os fenômenos artísticos” (SIEGEL, 1981, p. 44). Isso se  
manifestaria, por exemplo, na noção de que as obras literárias seriam “expressão da  
‘psicoideologia’ de uma classe social ou grupo”, o que coloca o crítico diante de uma  
tarefa específica. Não se trata de “analisar a natureza social da arte”, antes, seu papel  
seria o de realizar uma “crítica de seu caráter ideológico (em sentido estritamente  
pragmático, de sua consciência ‘invertida’, ‘falsa’)” (SIEGEL, 1981, p. 44).  
V. Pereversev, por exemplo, é um dos representantes mais influentes dessa  
vertente, embora ele mesmo compreendesse seus trabalhos na direção do  
materialismo histórico (cf. SIEGEL, 1981, p. 59). Ele procura estabelecer seu modo de  
explicação da literatura com base no método de Plekhânov, opondo às concepções  
histórico-culturais, que concebiam os fenômenos de maneira mais ampla a partir de  
uma combinação de fatores, uma forma de monismo teórico3, que é como ele  
interpretava o materialismo histórico. De acordo com Siegel (1981, pp. 61-2), em  
alguns pontos, como na explicação da passagem do jogo para a arte, Pereversev vai  
mais longe do que Plekhânov4. Enquanto para o último a dimensão do jogo, enquanto  
“origem genética da arte”, só tinha validade para as formações sociais em que não  
2 De acordo com Siegel, essa “polarização” entre sociologismo e formalismo se manifesta apenas de um  
ponto de vista que generaliza as “principais tendências científicas da época” e, ao mesmo tempo, não  
leva em conta as diferenças ao longo dos anos 1920, já que a oposição tende a se enfraquecer. A teoria  
literária sociológica era um agrupamento de tendências, que não chegaram a constituir “uma direção  
homogênea, unitária, do ponto de vista metodológico” (SIEGEL, 1981, p. 44). Essa divergência, contudo,  
é importante para se compreender as controvérsias acirradas entre essas tendências, que, a despeito  
disso, ao menos no que diz respeito aos seus representantes que formaram escola, como Fritsche,  
Sakulin ou Pereversev, reivindicavam-se todas como materialistas e constituíam o campo da reflexão  
marxista sobre estética.  
3 “O conceito ‘monismo’”, explica Siegel (1981, p. 22), “remete ao contexto da história teórica em que  
Plekhânov desenvolve sua concepção de história e arte. Em seus trabalhos filosóficos [...] a crítica se  
dirige sobretudo contra três orientações filosóficas: contra a filosofia iluminista materialista francesa do  
século XVIII, contra o positivismo filosófico-sociológico de Taine e contra a concepção subjetivista-  
voluntarista dos ‘populistas’ russos”.  
4 Embora a relação de Plekhânov e a teoria literária de orientação sociologizante tenha sido enfatizada  
durante a mudança de curso no pensamento estético soviético, essa relação deveria ser matizada.  
Städtke (1977, p. 11) alerta, em sua apresentação desse teórico, para a necessidade de não se reduzir  
a recepção de Plekhânov às suas limitações sociologizantes. Tanto Siegel (1981, p. 25) quanto Lifschitz  
(1988, p. 501), comentando em momentos históricos diferentes as relações entre Plekhânov e o  
sociologismo, também apontam nessa direção.  
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havia antagonismo de classe, Pereversev entende que o “jogo dos seres humanos deve  
ser visto como a reprodução de seu próprio comportamento social, sua ‘psicologia’ ou  
[...] seu ‘caráter social’” (SIEGEL, 1981, p. 61). A partir desse conceito do “caráter  
social”, Pereversev generaliza “a concepção da arte como ‘jogo’ em um princípio  
universal e confere a esse pensamento uma coloração biológica” (SIEGEL, 1981, p.  
62).  
Nesse tipo de consideração, já se manifestam traços do “rigoroso determinismo”  
que caracteriza sua teoria:  
[...] para Pereverzev, o artista só pode reproduzir em uma forma  
esteticamente "válida" o caráter social da classe ou grupo social e da  
época a que pertence. Dentro dos limites estabelecidos por seu "ser"  
social, o artista só pode variar as imagens artísticas que se movem  
dentro dessa estrutura. Tentativas de transcender os limites do estilo  
de sua classe e época determinados sociopsicologicamente tem por  
consequência a suspensão do teor de verdade estético da obra de  
arte (SIEGEL, 1981, p. 64).  
Para Siegel (1981, p. 66), essa concepção de Pereversev da relação entre ser e  
consciência quase não se distingue daquela dos demais sociólogos da literatura. Trata-  
se de uma concepção mecanicista, que estabelece uma identidade, na qual não há  
qualquer possibilidade de contradição, entre o ser social do artista e as possibilidades  
de que ele dispõe, caso almeje realizar obras com qualidade estética:  
O ponto de partida para a aplicação de Pereversev do método  
marxista [...] era o axioma: a existência determina a consciência. [...]  
existência significava o processo socioeconômico que condiciona  
todos os aspectos da vida humana, incluindo a atividade literária. A  
tarefa do estudioso marxista era verificar o processo socioeconômico  
lendo a base econômica diretamente de uma superestrutura [...]. A  
obra literária era concebida por Pereversev como uma “imagem” que  
incorporava a psicologia e o “comportamento de um homem,  
conforme determinado por sua posição no processo de produção” [...]  
(ERMOLAEV, 1963, p. 93).  
Nesse sentido é possível falar de “estilo de classe”, o qual não implica, contudo,  
assumir conscientemente uma posição de classe. Pereversev é veementemente contra  
uma “funcionalização consciente e político-ideológica da arte e da literatura” (SIEGEL,  
1981, p. 65). O “estilo de classe” comporta antes uma dimensão inconsciente, que  
reproduz “o caráter social de sua própria classe social” (SIEGEL, 1981, p. 65).  
Em seus textos, Lukács não se refere nominalmente a Pereversev. Mas nesse  
período ele realiza uma crítica bastante contundente das tradições legadas pela  
Segunda Internacional. Sua posição é que elas seriam responsáveis pela situação  
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lamentável da literatura marxista no campo da estética. É verdade que no ensaio que  
escreve sobre Franz Mehring em 1935, Lukács o distancia da visão do sociologismo  
vulgar sobre a arte que vigorava nesse período, pois ele estaria acima disso. Mas, ele  
conclui, sua concepção da relação entre a base econômica e as formas ideológicas  
também é rasa, o que o leva a um tipo de ecleticismo, no qual se misturam elementos  
de sociologia e psicologia:  
A inadmissível simplificação na análise da relação entre a base e a  
superestrutura, a falta de compreensão da desigualdade do  
desenvolvimento, a negligência da teoria do reflexo da realidade na  
estética, tiveram por consequência que, em Mehring, seu esforço bem-  
intencionado e justificado para ir além do sociologismo vulgar se  
convertessem em formulações idealistas (LUKÁCS, 1969, p. 398).  
Nesse quesito de um uso da psicologia para fazer as vezes de mediação entre a  
análise sociológica e as artes, Lukács nota que Mehring se aproxima, partindo de  
pressupostos bastante diferentes, de Plekhânov (cf. LUKÁCS, 1969, p. 351). Mehring  
ocupava, a seu lado, o lugar dos “primeiros grandes críticos de arte de orientação  
marxista” (KONDER, 1967, p. 39). Mas, embora Plekhânov fosse uma referência  
importante do sociologismo vulgar afinal, como lembra Leandro Konder (1967, p.  
39-40), ele foi considerado “em certa fase o verdadeiro criador da teoria estética do  
marxismo” e, assim, era tido como a grande autoridade nessas questões –, em seus  
artigos da época Lukács em geral comenta sua obra apenas de passagem.  
Provavelmente, a razão é que ele considerava as limitações de Mehring ainda mais  
problemáticas do que as de Plekhânov5, no que diz respeito às distorções que ele  
trazia para a teoria marxista e que contribuíam para sua vulgarização.  
Mehring possui vínculos evidentes com o sociologismo literário soviético.  
Sobretudo a sua delimitação da tarefa de um crítico marxista, que consistiria na  
“análise do posicionamento do artista quanto às lutas de classe de sua época,  
objetivado no conteúdo da obra” (SIEGEL, 1981, p. 143), faz com que seus trabalhos  
sejam paradigmáticos para essa corrente teórica6. Em razão da maneira como concebe  
a relação entre economia e ideologia, na primeira fase de sua recepção pelo  
5 Bastante sintomática nesse sentido é uma passagem do ensaio sobre Mehring, em que Lukács cita um  
comentário de Thalheimer a seu respeito. Este afirma que a concepção problemática de Plekhânov do  
materialismo dialético, criticada por Lênin, torna-se para Mehring como que de praxe (cf. LUKÁCS, 1969,  
p. 428).  
6
Pereversev, no entanto, tem uma outra concepção da tarefa do crítico literário, pela qual ele foi  
igualmente criticado: Cf. SIEGEL, 1981, p. 67.  
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pensamento estético soviético, a “abordagem genético-funcional” de Mehring esteve  
no centro do interesse, sendo apropriada e desenvolvida em solo soviético. Já a  
segunda, a partir dos anos 1930, ocorre no contexto da “consideração histórica e a  
avaliação dos resultados teóricos e dos limites da Segunda Internacional, bem como  
[d]a referência atual à prática política da social-democracia alemã” (SIEGEL, 1981, p.  
142).  
De acordo com Sziklai, o “objetivo de destituir os teóricos da Segunda  
Internacional e seus discípulos das fileiras dos fundadores da estética marxista” seria  
o que moveu os “esforços táticos de Lukács” naquele momento. O que resulta desse  
esforço é o estabelecimento de uma linhagem, da “continuidade correta entre a época  
de Marx e a de Lênin” (SZIKLAI, 1990, p. 130). De fato, como mencionamos, o filósofo  
húngaro vê de modo bastante crítico a “situação ideológica da Segunda Internacional”:  
as correntes dominantes da Segunda Internacional conheciam apenas  
estes dois extremos, banalizados e contaminados pela burguesia:  
revisão idealista, "refinamento" do marxismo, ou derivação  
grosseiramente mecanicista, vulgar, não dialética e direta dos  
fenômenos ideológicos, da literatura, a partir dos fatos econômicos  
simplificados de modo banal (LUKÁCS, 2016a, p. 87).  
Essa “simplificação na análise da relação entre a base e a superestrutura” é o  
que levava os representantes da teoria literária de orientação sociológica, como  
Pereversev, a sustentarem uma compreensão mecanicista da relação entre visão de  
mundo e representação artística. Na medida em que estabeleciam uma  
correspondência direta entre ser e consciência, o que implicava uma determinação  
social, sem qualquer brecha, da consciência de classe que seria, portanto,  
homogênea , não havia nessas teorias propriamente espaço para escritores que se  
posicionassem foram do esquadro da literatura proletária. Esse era o caso, por  
exemplo, dos “companheiros de viagem” (em russo, poputčik), aqueles escritores não  
proletários que em geral estavam ao lado da Revolução de outubro, mas não se  
engajavam politicamente e defendiam uma autonomia da arte em relação à política.  
No entanto, a partir de 1928, constata Siegel, começam a ganhar mais expressão as  
tendências que, ao invés do conceito de literatura proletária, sustentam um programa  
mais sintético em torno da ideia da literatura socialista. Por isso, de acordo com esse  
autor, não foram apenas as suas insuficiências e contradições que levaram a teoria de  
um Pereversev, que até então possuía uma “autoridade quase indiscutível” (SIEGEL,  
1981, p. 60), a ser alvo de intensa crítica por parte dos órgãos oficiais. Foram, antes,  
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as implicações que ela tinha para a política literária7, que àquela altura começava a ser  
redesenhada (cf. SIEGEL, 1981, p. 66).  
A partir “das posições da teoria literária soviética desde o início dos anos 1930,  
as abordagens sociologicamente orientadas de interpretação da literatura e da arte  
foram constantemente desacreditadas” (SIEGEL, 1981, p. 84). Essa mudança responde  
a fatores políticos, ligados às etapas de consolidação de uma nova política cultural sob  
Stálin, mas não se trata só disso. Como observa Siegel (1981, p. 137), “a reorientação  
da teoria literária soviética, que começou em 1931, deve ser entendida como o  
resultado de um processo complexo no qual o momento político é apenas um  
componente”. Assim, além desse componente, que no período stalinista de fato parece  
sobredeterminar os outros campos da vida social (cf. SIEGEL, 1981, p. 147), é preciso  
considerar também fatores de ordem econômica e ideológica. Dando continuidade à  
sua ressalva, Siegel é bastante preciso em sua colocação:  
Não se deve, contudo, ignorar que em particular a discussão teórica  
no campo dos estudos literários seguiu sua lógica própria, específica  
e, portanto, não pode ser denunciada como uma ‘exegese formalizada  
de textos clássicos canonizados’ (H. M. Enzensberger), desvinculada  
de seu contexto imanente de referência [...] (SIEGEL, 1981, p. 148).  
Há, na conclusão de Siegel, um “entrelaçamento mútuo de problemas científicos  
individuais e a crítica, refletida metodologicamente, do sociologismo” (SIEGEL, 1981,  
p. 148). Nesse sentido, esse autor nota a contrapelo do que fazem muitos dos  
comentadores da teoria literária soviética nesse período que um dos fatores que  
tornou possível a ruptura no pensamento estético soviético nos anos 1930 foi o fato  
de que a base textual a partir da qual se podia reconhecer os posicionamentos  
estéticos de Marx e Engels ampliou-se enormemente nesse período. Desde o final da  
década anterior, vinham sido conduzidos trabalhos filológicos e editoriais que  
trouxeram à tona muito material inédito. Pela primeira vez, com a publicação de cartas  
de Engels (com P. Ernst, M. Kautsky e M. Harkness), dos Manuscritos econômicos-  
filosóficos, além do restante da correspondência de Engels, Marx e Lassalle sobre o  
7 Siegel cita um trecho da resolução da presidência da Academia comunista ao final do debate em torno  
da teoria de Pereversev, ocorrido em janeiro de 1930: “essa teoria é particularmente prejudicial e  
perigosa porque [...] se dirige objetivamente contra a política literária relativa à literatura de escritores  
camponeses e poputčiki e porque basicamente exclui qualquer possibilidade dos escritores camponeses  
e poputčiki de passar para a posição da consciência proletária” (apud SIEGEL, 1981, p. 67). O resultado  
da controvérsia, travada em duas ocasiões com uma “contundência sem precedentes na discussão sobre  
teoria literária até então”, foi que a “concepção de Pereversev foi qualificada como ‘um sistema estranho  
como um todo ao marxismo-leninismo” (SIEGEL, 1981, p. 61).  
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drama Franz von Sickingen, os escritos sobre arte dos revolucionários alemães são  
tornados integralmente acessíveis. Isso permite que suas concepções sobre as artes  
sejam incorporadas às discussões contemporâneas não só como afirmações pontuais  
e arbitrárias, ou a partir de considerações metodológicas mais gerais (como sobre a  
relação entre base e superestrutura), mas como um “componente integrante do  
método dos fundadores do socialismo científico” (SIEGEL, 1981, p. 144). Desse modo,  
sua importância é enfatizada a partir de uma perspectiva sistêmica.  
Os textos de Lênin sobre Tolstói, que integram o quadro das discussões a  
propósito do jubileu do escritor russo em 1908 (cf. SIEGEL, 1981, p. 153), são  
importantes para a fundamentação do ponto de vista de que não há uma relação direta  
entre visão de mundo e método. Tendo em vista que Plekhânov à época também havia  
escrito sobre Tolstói, concentrando-se na contradição, e não na unidade, entre suas  
concepções morais e artísticas, é possível até mesmo reconhecer uma analogia entre  
essas posições da crítica literária marxista pré-revolucionária e os termos do debate  
que se desenrola depois, durante os anos 1930, entre a crítica literária marxista-  
leninista e aquela de orientação sociológica. Mas, mais do que esses trabalhos de  
Lênin, é decisivo para a mudança no compasso teórico do pensamento estético  
soviético o fato de que os trabalhos de Deborin sobre a dialética materialista foram  
colocados em revista, ao mesmo tempo em que sua visão de Lênin como apenas um  
grande “político, líder” (DEBORIN apud SIEGEL, 1981, p. 136) cede lugar a uma  
abordagem mais compreensiva, que destaca também o papel de seus escritos  
filosóficos8. A partir de então, esses conhecem uma intensa recepção e Lênin se torna  
a tal ponto uma referência nas discussões teóricas sobre literatura que Siegel  
denomina a transição para a década de 1930 como “etapa leniana” (SIEGEL, 1981, p.  
136).  
Assim, é possível compreender de que modo o combate das visões da sociologia  
vulgar sobre a literatura e o estabelecimento de uma estética marxista orgânica a partir  
das visões dos clássicos sobre as artes constituem “dois lados de um mesmo  
processo”:  
Para que o legado estético de Marx, Engels e Lênin fosse reconhecido,  
era necessário, por um lado, combater o ponto de vista dos sociólogos  
vulgares que representavam os teóricos da Segunda Internacional e,  
8 Lukács comenta o debate filosófico um pouco mais detidamente em 2021, p. 81.  
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por outro lado, fazer valer os princípios da estética de Marx e Lênin e  
elaborar criativamente a teoria do realismo com base em análises  
concretas, para poder avaliar a literatura e cultura clássicas de uma  
maneira condizente com elas (SZIKLAI, 1978, p. 95).  
Décadas depois, ao comentar o que o levou a alimentar “grandes esperanças”  
no início dos anos 1930, Lukács menciona, justamente, a possibilidade de que com a  
“libertação da ortodoxia de Plekhânov” fossem esclarecidas “as relações Hegel-Marx,  
Feuerbach-Marx, Marx-Lenin” (LUKÁCS, 1970, p. 161). Parece-nos que é esse tipo de  
motivação que atravessa, como um fio condutor, as suas publicações ao longo dos  
anos 1930 e 1940 sobre literatura.  
As posições críticas de Lukács enquanto teórico da literatura: o debate sobre  
o romance  
De acordo com Illés, o debate sobre o romance teria sido “em essência, um dos  
primeiros confrontos entre o círculo em torno da Literaturnyi kritik e os sociólogos  
vulgares que se reuniam em torno de Pereverzev” (ILLꢀS, 1993, p. 255)9. Por ocasião  
desse debate, historiadores, estetas, críticos literários e filósofos se reuniram para  
discutir problemas atuais da teoria do romance. Isso poderia parecer algo quase  
natural, tendo em vista que o romance foi o gênero dominante no realismo socialista10.  
O problema do romance, em virtude de sua atualidade, “estava por assim dizer no ar”,  
como nota Sziklai (1978, p. 130), que recorda ainda outras duas discussões que  
tangenciaram esse tema11. A julgar, contudo, pelo que afirma P. Keßler (1988, p. 287),  
9 Vittorio Strada também destaca esse aspecto da confrontação entre esses mesmos atores, cf STRADA,  
1987, p. 167.  
10  
Isso é notável, e pelo seguinte motivo: à literatura era atribuído um papel de proa na educação das  
massas, mas, a certa altura, foi o drama, e não o romance, que foi considerado como o gênero literário  
mais adequado para realizar essa função. De acordo com Gronsky, virtualmente o diretor da União dos  
escritores, já que era o secretário da facção comunista, Stálin teria até mesmo declarado o drama como  
o “gênero mais importante” (ERMOLAEV, 1963, p. 229). Assim, em uma plenária convocada pelo Comitê  
organizacional da União dos escritores soviéticos em 1933, os escritores de prosa são instados a  
também escreverem peças (cf. ERMOLAEV, 1963, p. 142). Mas que o romance fosse o gênero  
privilegiado no período pós-revolucionário não é nada fortuito, como sintetiza Sziklai (1978, p. 131):  
“enquanto a década de 1920 foi a época da ‘lírica revolucionária’, no sentido de que então a relação  
do sujeito com a revolução estava no centro de todos os ramos e gêneros artísticos [...], o gênero  
predominante dos anos 1930 foi a literatura e, dentro dela, o romance. O avanço das ‘grandes’ formas  
pode ser igualmente encontrado na arquitetura soviética, que experimentou seu auge nessa época, bem  
como nos romances, que resumiam o material de vivências e da NPE, representavam o romantismo e o  
páthos da construção socialista e nos quais o ponto de vista esteticamente objetivo é de modo legítimo  
o fator determinante”.  
11  
Sziklai (1978, p. 130) menciona a discussão sobre o romance histórico, a que Lukács também faz  
alusão a certa altura de sua obra homônima. Essa discussão aconteceu na redação da revista Oktjabr,  
levando o título “O realismo socialista e o romance histórico”. Foi I. Friedland, um historiador (e não um  
historiador da literatura, como ressalta Sziklai), quem realizou a fala de abertura, defendendo, entre  
outras coisas, que o cerne do romance histórico seria uma representação “epocal” de uma era,  
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havia um descompasso entre a importância prática que o romance tinha na vida  
cultural soviética e as tentativas de compreendê-lo teoricamente do ponto de vista dos  
estudos literários. É o que também havia ressaltado F. Schiller, em sua fala que  
provavelmente abriu o debate sobre o romance12 (cf. WEGNER et al., 1988, p. 373).  
Quando não era negligenciada, a discussão sobre os gêneros acabava por descambar  
em “discussões sobre questões metodológicas de uma ciência histórico-materialista,  
isto é, marxista-leninista, da literatura e da arte” (KEßLER, 1988, p. 287), o que, tendo  
em vista a reorientação por que passa o campo dos estudos literários a partir dos anos  
1930, não deve ter sido nada fortuito. Assim, o fato de que a teoria e a história dos  
gêneros tinham merecido pouca atenção nas décadas anteriores teria sido uma das  
razões que motivou as três rodadas de discussão13 sobre o romance, na passagem de  
1934 para 1935.  
As sessões teriam sido presididas por M. Lifschitz. Em sua fala, ele dá a entender  
que os participantes haviam sido convidados para discutir o verbete sobre o romance  
que Lukács havia escrito14 para a Literaturnaya enciklopedija [Enciclopédia literária],  
sob a direção de Lunacharsky15. Lukács foi, portanto, uma figura central nesse debate.  
Sua fala16 retomou de maneira resumida os principais pontos do verbete e encontrou  
bastante resistência da parte de Pereversev e alguns outros participantes. Como  
anuncia já de saída, ele considera o romance como o gênero literário típico da vida  
sob o capitalismo. Para a época burguesa, seria típica uma arte que parte da “vida do  
homem privado, da prosa do cotidiano burguês” (WEGNER et al., 1988, p. 469). Desse  
modo, dirá o filósofo húngaro, o romance ocupa um lugar privilegiado em meio aos  
outros gêneros artísticos nessa etapa do desenvolvimento e estudá-lo também é  
baseando-se nos “dados da atividade de uma personalidade histórica”. À leitora e ao leitor de O  
romance histórico não escapa que Lukács argumenta longamente contra esse tipo de concepção. A  
outra discussão sobre o romance foi realizada em torno de uma obra pensada como um livro didático,  
escrito por F. Schiller (cf. SZIKLAI, 1978, p. 130).  
12 Os protocolos autorizados da discussão foram publicados na Literaturnyi Kritik, 1935, n. 2 e 3. Eles  
se encontram publicados também em WEGNER et al., 1988, p. 373-489, em alemão, e em CHASIN, J.,  
1999, em português.  
13 De acordo com Sziklai, Lukács realiza a palestra no dia 20 de dezembro de 1934, quando tem lugar  
a primeira rodada de discussão. Ela continua, então, em 28 de dezembro e é concluída no começo do  
ano seguinte, em 3 de janeiro.  
14  
LUKÁCS, 1981a. Tihanov (2000, p. 126) comenta as diferenças entre os textos em alemão e em  
russo. Sziklai (1978, p. 129) observa ainda que a entrada que foi publicada na Enziklopedija foi  
complementada com um “tipo de posfácio” escrito por uma outra pessoa.  
15  
Lunacharsky também teria convidado a G. Pospelov, um aluno de Pereversev, para escrever uma  
entrada sobre o romance para a enciclopédia.  
16 A fala de Lukács, na versão preparada para publicação, encontra-se em LUKÁCS, 1981b.  
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central para um pensamento estético à altura de seu tempo. Assim, a importância do  
gênero romanesco nas reflexões de Lukács sobre as relações entre literatura e  
sociedade não deriva da sua predominância no realismo socialista, mas do  
entendimento de que o romance é a forma literária burguesa por excelência e se torna,  
como aponta G. Tihanov (2000, p. 7), o “pináculo [...][dos] esforços [de Lukács] para  
problematizar as conexões entre cultura e sociedade”.  
Sendo o romance, por um lado, uma “forma de expressão da sociedade  
burguesa”, é nele, por outro, que “as contradições específicas da sociedade burguesa”  
encontram sua figuração mais adequada. Para determiná-lo, tanto do ponto de vista  
de sua forma como de seu conteúdo, Lukács parte como nota Y. Usievich, que era  
editora na Literaturnyi Kritik – de “traços determinantes da ideologia [...], que se  
desenvolvera sobre a base das relações produtivas da sociedade antiga e da sociedade  
burguesa” (cf. WEGNER et al., 1988, p. 403). Isso porque ele não só localiza o romance  
no desenvolvimento do capitalismo, mas, com base em um fundamento duplo, o  
compara com a epopeia, a forma típica de uma outra formação social. A comparação  
do romance com a epopeia se assenta tanto na consideração de que se trata dos  
gêneros representativos da literatura de seu tempo (WEGNER et al., 1988, p. 412),  
como no fato de que ambos pertencem a uma mesma linhagem, a da grande épica, na  
qual ocupam posições polares, cada um em uma extremidade em uma, o romance  
como a “forma típica da última sociedade de classes” e, na outra, a epopeia homérica,  
“a primeira grande forma da figuração épica de toda a sociedade” (WEGNER et al.,  
1988, p. 360).  
Essa sua avaliação da importância do romance enquanto forma literária típica da  
sociedade burguesa rendeu a Lukács muitas críticas, as quais podem ser agrupadas  
sob as rubricas de ahistoricismo e abstração que dão conta, aliás, da maior parte  
das críticas que foram dirigidas a ele naquela ocasião. Faltaria à sua exposição  
concretude histórica, porque a especificidade do romance só poderia ser apreendida  
a partir de seus diversos subgêneros, como o romance de aventura ou o romance  
psicológico (Timofeiev); porque o romance surgiria ao longo de “períodos de longa  
duração” sob a influência de diferentes classes, e não só a burguesa (Focht); porque  
ele não analisa concretamente as contradições de classe em cada período (Bespalov);  
ou ainda porque Lukács estaria preso na relação entre indivíduo e sociedade,  
superestimando a degradação da personalidade sob o capitalismo e assim deixaria de  
ver que já existiam romances de alto valor estético paralelamente à epopeia na  
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Antiguidade (Pereversev). Nem mesmo seria possível afirmar que o romance seria o  
principal gênero literário na sociedade burguesa: “quanto ao papel de liderança  
[Führungsrolle], como já disse, pode-se levantar dúvidas, pois ele só se aplica a  
períodos determinados de tempo” (WEGNER et al., 1988, p. 415), pontua Pereversev  
em suas intervenções.  
Mas parece que Usievich tem razão ao afirmar que essas posições diferentes  
remontariam, por sua vez, a diferentes concepções do que é a concretude histórica, a  
diferentes métodos de pesquisa (cf. WEGNER et al., 1988, pp. 403-4). No que concerne  
a Pereversev, ele reivindica seu lugar como historiador, e não como teórico da  
literatura (cf. WEGNER et al., 1988, pp. 417-8). E nessa divisão do trabalho, que não  
seria possível contornar, caberia ao teórico contemplar todos os fatos que o historiador  
levantou com base na exaustividade. Assim, caracterizar o romance como a forma que  
surge a partir de uma contradição entre indivíduo e sociedade não faz sentido,  
afirmava Pereversev, porque essa seria apenas uma contradição entre outras do  
capitalismo.  
Algumas lacunas que Pereversev, bem como outros participantes apontam no  
argumento de Lukács como, por exemplo, a ausência do romance antigo ou do  
medieval , e que deveriam ser complementadas, não são propriamente falhas que o  
desmereçam. Lukács nem mesmo se propõe a ser exaustivo, e isso não por causa das  
limitações impostas pela circunstância trata-se, afinal, de uma palestra , mas, nem  
no espaço relativamente maior do verbete, Lukács pretende dar conta do  
desenvolvimento do romance a partir do critério de exaustividade. As razões para  
tanto dizem respeito a uma questão de posicionamento metodológico, que determina,  
também, a maneira como ele concebe e concretiza a relação entre literatura e história.  
A história não se apresenta para Lukács como um contínuo de acontecimentos,  
cujo sentido só poderia ser apreendido quando todos eles estivessem catalogados,  
pois, do contrário, essa teoria estaria comprometida por seu pendor à abstração. Claro,  
ele dirá em suas teses que serão posteriormente apensas aos registros do debate, a  
“história deve ser pesquisada in extenso”, mas a questão aqui é outra: “em que  
devemos nos orientar no tratamento teórico da história?” (WEGNER et al., 1988, p.  
488). Lukács remete então à linha histórico-sistemática marxista, que fundamenta o  
seu modo de entender a questão dos gêneros literários: trata-se de desentranhar  
aqueles “momentos socialmente substantivos [gesellschaftlich-inhaltlichen Momente]  
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que determinam o surgimento e o desenvolvimento das formas singulares específicas  
do gênero” (WEGNER et al., 1988, p. 488)17.  
Nesses momentos, nas formas clássicas ou típicas, os processos que são  
pertinentes para a compreensão de um determinado fenômeno aparecem de uma  
forma mais nítida. É o que Lukács já havia apontado em suas considerações finais:  
“suas [de Marx] pesquisas histórico-sistemáticas se orientam sempre pelas formas de  
manifestação típicas desse ou daquele ordenamento social. Ele analisa as formas  
típicas e clássicas do capitalismo na Inglaterra” (WEGNER et al., 1988, p. 484). Mas  
isso não é um apelo para que as formas atípicas permaneçam esquecidas em um canto,  
desdenhadas: antes, estabelecer a legalidade de um desenvolvimento em seus  
aspectos mais gerais permite que se mostre quais relações de mútua determinação e  
diferenciação se estabelecem entre suas partes constitutivas. Nesse sentido, Lukács  
observa, ao final, que elaborações posteriores da teoria do romance deveriam dar  
conta, também, “das diversas formas de transição e intermediárias” (WEGNER et al.,  
1988, p. 489).  
Na medida em que entende como concretos “apenas os fatos empíricos”  
(WEGNER, 1988, p. 488), observa Lukács, Pereversev repete o “método histórico” de  
um Ranke e realiza uma “suprahistoricização”, um “nivelamento histórico”, ou ainda,  
na formulação de Hegel que Grib recupera e cita de passagem, ao concordar com  
Lukács quanto a sua escolha de fundar suas reflexões sobre a historicidade da forma  
épica, ele torna todos os gatos pardos (cf. WEGNER et al., 1988, p. 427). Embora os  
“desejos de complementação [...] sejam metodologicamente interessantes”, Lukács  
conjetura que Pereversev queria, na verdade, uma outra coisa”: “um artigo de  
enciclopédia burguesa, complementado pela adição de ‘epítetos’ sociológicos  
(pequeno-burguês etc.) para cada escritor” (WEGNER et al., 1988. P. 487). Esse é um  
dos poucos momentos em suas intervenções em que é possível notar uma referência  
direta ao confronto com o sociologismo vulgar, que marcou o campo dos estudos  
literários nos anos 30. Outros participantes já haviam apontado para o vínculo entre  
as posições de Pereversev e as do Instituto de língua e literatura do RANION18, da qual  
17Nesse sentido de uma “dialética viva da história” (LUKÁCS, 1964, p. 707), Bespalov cita o Marx da  
“Introdução” dos Grundrisse: “O dito desenvolvimento histórico se baseia acima de tudo no fato de que  
a última forma considera as precedentes como etapas até si mesma” (Marx apud WEGNER et al., 1988,  
p. 459).  
18  
RANION é a sigla em russo para Associação russa de institutos de pesquisa científica de ciências  
sociais, que foi fundada em 1924. No quadro de suas atividades ligadas à política acadêmica, Fritsche  
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tanto ele como Fritsche haviam sido membros19. Se, contudo, Lukács não insiste em  
demarcar de forma direta o contraste entre sua posição e a do sociologismo vulgar,  
por ocasião desse debate ele emerge, como demonstra Sziklai, justamente no seu  
posicionamento sobre o método, que envolve, também, uma determinada concepção  
sobre a relação entre forma e conteúdo nas obras literárias:  
Lukács avaliou o método de maneira diferente nos diferentes períodos  
de sua atuação; entretanto, ele nunca o viu como uma questão  
secundária, meramente técnica [...]. Na sua conferência sobre o  
romance emerge de modo mais concreto justamente a questão sobre  
o método da periodização. Lukács contrapõe ao modo de ver vulgar-  
histórico e ao empírico seu método histórico-sistemático, que parte  
das classes e do desenvolvimento de sua luta recíproca e da lei do  
desenvolvimento desigual. Lukács consegue validar o método  
histórico na periodizac  
romance, ao investigar a relac  
sócio-economicas. As formas típicas são rebentos dos tipos formais  
sociais e, assim, não podem ser separadas de seu conteúdo histórico  
concreto. As relacões entre os “fatos” literário-históricos (romance  
antigo, epopeia artística etc.) e as categorias da teoria dos generos  
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não são análogas àquelas entre líquido e recipiente (à la Pereverzév),  
pois a forma é sempre a forma de um conteúdo sócio-histórico e não  
a soma de procedimentos artísticos individuais e concretos [...] que,  
como o corpo ou o material, possibilitariam ao artista adaptá-los com  
maestria ao espírito da ideia que, em relação a isso, é externa. As  
transformac  
da posio de classe dos artistas individuais. O método histórico se  
contrapõe ao modo de ver vulgar-sociológico precisamente porque  
este último institui forcosamente essa relao externa entre forma e  
̧ões históricas da forma também não podem ser deduzidas  
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conteúdo que acabamos de descrever (SZIKLAI, 1978, p. 130).  
A consequência do nivelamento operado pelo “modo de ver vulgar-histórico”  
para a reflexão sobre os gêneros literários é que forma e conteúdo são concebidos de  
maneira independente, sem uma relação intrínseca um com o outro, tal como um  
“líquido” e um “recipiente”, de modo que qualquer matéria pode ser representada à  
maneira de Homero e isso sem qualquer prejuízo artístico. “A suprahistorização, o  
nivelamento histórico suspende a historicidade dos gêneros, motivo pelo qual, Lukács  
retruca, para seus contendores “desde ‘sempre’ existiu uma epopeia, um romance etc.”  
(WEGNER et al., 1988, p. 488). A perspectiva histórica de Lukács se revela, portanto,  
já no momento em que ele adota o contraste entre epopeia e romance como uma das  
contribuiu para a fundação de diversas instituições, dentre elas, o RANION (cf. SIEGEL, 1981, p. 46).  
19  
Pereversev, por seu turno, reitera que deixou o período do RANION para trás (cf. WEGNER et al.,  
1988, p. 413. Isso não surpreende, tendo em vista que suas posições teóricas haviam sido  
consideradas, como foi dito, contrárias ao marxismo-leninismo.  
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chaves que permite compreender o desenvolvimento deste último:  
as leis da forma do romance podem ser depreendidas da maneira mais  
segura e clara a partir dessa contraposição, pois, justamente nela, os  
problemas sociais últimos e decisivos, que determinaram a forma da  
epopeia e do romance, emergem muito mais claramente do que nas  
formas intermediárias e estruturas mistas, nos “romances” antigos ou  
nas “epopeias” modernas. (WEGNER et al., 1988, p. 360).  
Ao se ocupar desse arco histórico que vai da epopeia ao romance, em nenhum  
momento Lukács mobiliza, contudo, uma concepção de gênero literário tal como a que  
é defendida por Rozenfeld durante o debate: “o gênero é uma categoria ligada à  
classe” (WEGNER et al., 1988, p. 441). No caso, o fator que é determinante para a  
análise de Lukács não é esse, não é a classe, cuja manifestação nos fenômenos  
literários não se dá diretamente. Ele se volta para o desenvolvimento histórico-social  
como um todo, atentando-se para a maneira específica como ele se reflete nas formas  
artísticas. Mesmo que não esteja explicitada, a concepção de gênero com que Lukács  
opera ao longo de sua argumentação é a mesma que será retomada em O romance  
histórico: “cada gênero é um reflexo [Widerspiegelung] peculiar da realidade” (LUKÁCS,  
1964, p. 293). Seu surgimento não está ligado de maneira direta ao curso da luta de  
classes, mas remete de maneira mediada a um certo descompasso entre a vida social  
ou a realidade e a forma artística: “os gêneros só podem surgir quando fatos da vida  
que são típicos, legitimamente recorrentes e universais [...] [possuem uma]  
peculiaridade quanto ao conteúdo e à forma [que] não pode ser refletida  
adequadamente nas formas até então disponíveis” (LUKÁCS, 1964, p. 293).  
Sendo assim, a história dos gêneros literários também não segue apenas uma  
dialética interna própria, como se o surgimento de novas formas respondesse tão  
somente a necessidades puramente artísticas ou, ainda, como se ele pudesse ocorrer  
de forma independente, emergindo como uma novidade absoluta. Sem negar sua  
autonomia relativa, enquanto um ramo particular da vida espiritual o das artes ,  
Lukács coloca o surgimento e desenvolvimento da literatura sob o signo do processo  
social visto como um todo, e, nele, as relações materiais do processo de produção  
desempenham o papel de um nexo fundamental. Os gêneros literários possuem, assim,  
um caráter objetivo, ligado ao conjunto das relações sociais, que, por sua vez,  
transformam-se no curso do tempo por meio da ação humana.  
A comparação entre o romance e a epopeia evidencia, ao mesmo tempo, um  
outro complexo de problemas, ligados ao caráter específico da esfera artística. Por  
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meio do contraste entre essas duas formas, Lukács também pode explicitar porque, de  
um ponto de vista estético, o trânsito pela esfera da vida cotidiana, privada, é  
problemático para as formas épicas, e, ao mesmo tempo, necessário para o romance.  
Nisso se evidencia a hostilidade do capitalismo às artes, sua aversão à poesia, a qual,  
por sua vez, seria um elemento constitutivo das epopeias homéricas.  
A unidade da vida pública e privada no início da sociedade antiga é a  
base do páthos da poesia antiga: da conexão imediata de uma paixão  
individual configurada realisticamente com os problemas decisivos da  
comunidade. Na realidade da sociedade capitalista falta essa conexão  
(LUKÁCS, 1988b, p. 363).  
Essa oposição entre prosa e poesia, Lukács toma emprestado de Hegel, que é  
uma referência importante na sua concepção sobre o romance. Ele retoma diversas  
vezes a expressão “prosa da vida moderna”, a qual condensa um problema formal cuja  
origem não é imanente ao desenvolvimento artístico, mas decorre da matéria com a  
qual o artista se depara. A prosa, diz Lukács, é algo que distingue o desenvolvimento  
burguês moderno (cf. WEGNER et al., 1988, p. 361). Ela consiste, por um lado, no  
caráter abstrato das forças com que luta o indivíduo e, por outro, na trivialidade da  
vida cotidiana. O problema, então, é: como dar figuração literária a essa realidade, à  
realidade capitalista? “Os criadores dos grandes romances”, diz o filósofo,  
devem escavar bem profundamente as razões sociais do agir  
individual e deixar aparecer as paixões das pessoas individuais, eles  
devem recuperar sensivelmente, por meio de desvios complicados, os  
nexos econômico-sociais realmente existentes, para atingir o páthos  
do romance, o páthos do “materialismo da sociedade burguesa”  
(Marx) (WEGNER et al., 1988, p. 363).  
O romance surge em uma situação por vezes mais, por vezes menos –  
desfavorável, o que coloca os artistas diante de problemas diversos formais, inclusive  
e faz com que, em um sentido clássico, essa forma nunca possa reivindicar o caráter  
de completude. A forma específica do romance representa um fracasso com relação à  
epopeia. Para Lukács, contudo, isso não diminui a sua grandeza artística, pelo  
contrário; afinal, ela consiste, justamente, em que “ela [forma romanesca] reflita e  
configure artisticamente a contraditoriedade da última sociedade de classes em uma  
forma que seja adequada a ela” (WEGNER et al., 1988, p. 364). Desse modo, a história  
do desenvolvimento da forma romance poderia ser vista pela chave de “uma luta  
heroica, que é bem-sucedida por variados desvios, contra esse desfavorecimento da  
vida moderna burguesa à figuração artística” (WEGNER et al., 362).  
Note-se, assim, que as reflexões de Lukács sobre o romance se armam a partir  
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da “fusão” de dois pontos de vista: um que leva em consideração o desenvolvimento  
histórico-social e o outro, o dos processos literários. Isso é o que constitui, de acordo  
com Nicolas Tertulian, “a originalidade do [seu] método da análise literária”:  
O que faz a originalidade do método de análise literária de Georg  
Lukács é a perfeita fusão do ponto de vista sócio-histórico com o  
ponto de vista estritamente estético. [...]. Mas, nos estudos de Lukács,  
as conclusões estéticas adquirem espontaneamente um fundamento  
social e histórico. (...) O que impressiona em Lukács é o modo com o  
qual os conceitos estéticos fundamentais se fundem em toda uma  
filosofia da história e em toda uma dialética filosófica da relação  
subjetividade-objetividade. A morfologia das formas literárias aparece  
sempre rigorosamente ligada à dialética dos processos sócio-  
históricos (TERTULIAN, 2008, pp. 49-50).  
Cabe ressaltar: “perfeita fusão”. Embora isso fique claro em diversos passos da  
argumentação, talvez seja na maneira como Lukács realiza a periodização do  
desenvolvimento do romance que esse entrelaçamento entre um ponto de vista sócio-  
histórico e um outro estético se manifeste com mais força. Ele o subdivide em 5 etapas,  
levando em conta não as escolas ou outro tipo de divisão cronológica. O critério que  
o orienta é a maneira como, em cada momento, a matéria social se sedimenta em uma  
forma específica de representação da realidade. Vejamos, de modo exemplar, como  
isso acontece na primeira etapa. O “romance in statu nascendi”, isto é, o romance no  
momento de seu surgimento e do qual seriam paradigmáticos Cervantes e Rabelais,  
combina elementos plebeus com uma remodelagem dos romances de cavalaria, já  
deixando, contudo, que afluam elementos da prosa da vida burguesa, à maneira de  
uma “sombra crítica”. Lukács denomina isso em sua palestra como “fantasia realista”  
ou “realismo fantástico” (LUKÁCS, 1988b, p. 367). Essa forma, em que os nexos do  
enredo são estabelecidos de maneira mais frouxa, liga-se a uma situação histórica  
específica, como pode ser lido na entrada escrita para a enciclopédia:  
A unidade de majestade e comédia na figura de Dom Quixote, que no  
desenvolvimento subsequente nunca mais foi alcançada, baseia-se  
precisamente no fato de que Cervantes uniu organicamente em seu  
personagem, de forma engenhosa, a dupla luta contra os  
determinantes decisivos das duas épocas que se substituíam, ou seja,  
a luta contra o heroísmo vazio da cavalaria e contra a baixeza da prosa  
da sociedade burguesa, que já era bastante evidente em seu início  
(LUKÁCS, 1988a, p. 330).  
Assim, em cada fase da periodização, o romance responde a um problema que  
tem natureza social, ou seja, está, por assim dizer, fora dele, mas tem implicações  
internas, ao desempenhar um certo papel em sua fatura. Mas essa forma de tratamento  
da historicidade depende, por sua vez, justamente do reconhecimento daqueles  
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momentos socialmente substantivos que determinam o surgimento e o  
desenvolvimento das formas singulares específicas do gênero” (WEGNER et al., 1988,  
p. 488). Esse reconhecimento é de onde parte, de acordo com Lukács, a linha histórico-  
sistemática, que é aquela defendida pelo marxismo. Por meio dele, seria possível  
superar o “dualismo metodológico da concepção burguesa-socialdemocrata”, que  
separa tratamento da história e arcabouço teórico. Essa é a linha seguida por  
Pereversev, o que Lukács nesse momento indica nominalmente. Contra o sociologismo  
vulgar, que dá continuidade aos métodos e abordagens dominantes no período da  
Segunda Internacional, ele sustenta que se trata de tornar “a história (periodização)  
um momento integral do desenvolvimento teórico da peculiaridade dos gêneros”  
(WEGNER et al., 1988, p. 488). E, de fato, essa é uma ótima descrição do que ele  
realiza em sua palestra. Justamente a historização permite ver os desdobramentos  
formais a forma como a matéria (social) se sedimenta internos ao desenvolvimento  
do romance.  
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Como citar:  
HESS, Elisabeth; ALVES, Paula. Partidarismo e crítica literária: alguns elementos para a  
compreensão da “estética comunista” de Georg Lukács; Verinotio, Rio das Ostras, v.  
28, n. 2, pp. 71-107; jul-dez, 2023.  
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