Estética, violência e solidariedade
Sabemos que a expansão do encarceramento em massa e dos mercados ilegais
conformou os pilares fundamentais dessas instituições. As transformações estruturais,
políticas e econômicas ocorridas a partir da década de 1990 (ANTUNES, 2006),
trouxeram consigo uma série de convulsões sociais, amplamente registradas na
produção cultural periférica. Tais mazelas sociais que se evidenciaram a partir dessa
época, são, a rigor, imanentes à ordem capitalista, mas sua radicalização contribui para
aumentar ainda mais suas consequências sociais nefastas. A contenção e
criminalização dessa enorme massa de trabalhadores pobres excedentes, gerada pelas
“deslocalizações selvagens” e pela “fragmentação planetária das cadeias produtivas”
(ARANTES, 2008, p. 8), se espraiou junto às expressões culturais da juventude
periféricas, que passam a ser criminalizadas, como é o caso do funk:
A perseguição aos ritmos negros não é uma novidade histórica entre
nós. Mesmo o samba, hoje largamente aceito e incorporado à cultura
oficial, foi acusado de incivilizado e ameaçador, sofrendo perseguições
policiais, preocupando os defensores da ordem pública. No entanto,
o samba integrou-se a chamada cultura brasileira num momento em
que as elites nacionais ainda tinham projeto de nação, impossível de
se concretizar sem se levar em conta, ainda que de forma
subalternizada e domesticada, o povo e as suas manifestações negras.
Como uma forma de incluir hierarquizando, cria-se o mito da
democracia racial. O funk surge como expressão cultural popular em
outro momento histórico, o da devastação neoliberal, no qual a
incorporação da classe trabalhadora ao mercado via emprego e as
ilusões da democracia racial são jogadas água abaixo. Sem nada a
oferecer como miragem aos subalternizados, a sociedade de mercado
transforma a maioria da humanidade em potenciais inimigos, em seres
humanos supérfluos que nem mesmo como exército de reserva de
mão de obra servem para ela. Nesse contexto, ainda mais numa
sociedade profundamente desigual como a nossa, conter as classes
subalternizadas se torna agenda prioritária dos governos, seja por
intermédio da institucionalização do extermínio, seja por meio da
criminalização cotidiana dos pobres e suas expressões culturais
(FACINA; LOPES; 2012, p. 195-196, grifo nosso).
As transformações estruturais que marcaram a história do país a partir dos anos
1990 proporcionaram um contexto onde, por um lado, na perspectiva das classes
dominantes “a incorporação da classe trabalhadora ao mercado via emprego e as
ilusões da democracia racial são jogadas água abaixo”, restando-lhes promover o
encarceramento e o extermínio a nível de política pública estatal, por outro lado, no
seio de parte da juventude periférica, cresce um sentimento correspondente que
entende que somente por meios violentos e se conectando a mercados ilegais será
possível romper com a situação de miséria e invisibilidade social a qual foram
submetidos: “Enquanto o cifrão falar mais alto e fizer parte da autoestima, vai ter uma
Verinotio
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, pp. 44-70 - jul-dez, 2023| 51
nova fase