dossiê  
DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.689  
Da crítica de arte na imprensa brasileira  
Revendo e atualizando a arte e a crítica nos anos 1980  
Art criticism in the Brazilian press  
Reviewing and updating art and criticism in the 1980s  
Ronaldo Rosas Reis*  
Resumo: Versão adaptada e atualizada do  
ensaio “Geração 80, um rótulo na imprensa”,  
Abstract: Adapted and updated version of the  
essay “Generation 80, a label in the press”,  
published in 2004. The purpose is to  
publicado em 2004.  
O
propósito  
é
problematizar o tema geral do pós-modernismo  
na esfera cultural-acadêmica do país tendo a  
Crítica de Arte e o aparato dos Conglomerados  
de Mídia como alguns dos principais indutores  
da relação de causalidade entre o libertarismo  
problematize  
the  
general  
theme  
of  
postmodernism in the cultural-academic sphere  
of the country, taking into account Critic of Fines  
Art and the apparatus of Media Conglomerates  
as some of the main inducers of the causal  
relationship between libertarianism and  
liberalism as the foundation of current  
irrationalism.  
e
o
liberalismo como fundamento do  
irracionalismo atual.  
Palavras-chave: Imprensa, crítica de arte,  
geração 80, Brasil  
Keywords: Press, art criticism, 80s generation,  
Brasil  
Introdução  
A Geração 80 tinha virado uma marca. Ouvia do Carlos Fiuza, um  
artista que andava infeliz como eu: “se você não é Geração 80 você  
não é nada”. Era verdade (CURY, A oficina da convivência, 2023)  
Os fatos e personagens de grande importância na história do mundo  
ocorrem, por assim dizer, por duas vezes: a primeira vez como  
tragédia, a segunda como farsa (MARX, O 18 Brumário de Luís  
Bonaparte, 1974)  
Há tempos realizei um estudo acadêmico sobre a emergência midiática do então  
chamado fenômeno Geração 80 (G80) no festivo e controverso ambiente cultural  
brasileiro daquela década marcada pela ascensão da luta política contra a ditadura  
civil-empresarial-militar1. Tendo participado perifericamente dos grandes eventos das  
* Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com Estudos Pós-Doutorais  
em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires e em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais.  
Professor Titular aposentado da Universidade Federal Fluminense. Pintor e desenhista Instagram  
1 Cf. REIS (1994).  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2 jul-dez, 2023  
nova fase  
   
Da crítica de arte na imprensa brasileira  
artes plásticas no Rio de Janeiro entre 1981 e 1985, eu havia travado contato com  
alguns dos artistas que se tornaram protagonistas da cena artística do período, cujo  
pano de fundo era a emergência do debate sobre o pós-modernismo no meio de arte.  
Já em fins daquela década, quando então eu rastreava os cadernos culturais dos  
grandes jornais brasileiros à procura de elementos para organizar um roteiro de estudo  
de doutoramento sobre as relações entre a mídia e a cultura no período da abertura  
política do país, dei-me conta do fato de que tudo que havia lido sobre teatro, dança,  
música e cinema nos anos anteriores nas páginas dos jornais dos grandes  
conglomerados brasileiros de comunicação, trazia no corpo da matéria um sujeito-  
protagonista dando a sua opinião, estabelecendo paralelos com outros modos de ver  
o momento e a situação do país. Enfim, um músico, artista ou diretor de teatro com  
nome e sobrenome que, respondendo por aquilo que criava e produzia, também  
refletia sobre o conjunto da produção cultural naquele contexto histórico.  
Contrariamente a isso, quando a matéria era sobre as artes plásticas, constatava que  
imperava uma algazarra ensurdecedora de atravessadores do assunto, tais como  
animadores culturais, jornalistas/colunistas, publicitários, críticos, marchands e  
galeristas, quase todos incensando e rotulando uma novíssima geração de artistas, a  
Geração 80 (G80). Mais atenção me chamou foi o contraste entre tal gritaria e o silêncio  
dos artistas, algo tão evidente que a minha reação foi a de procurar alguns daqueles  
compulsoriamente enquadrados no rótulo e, dando-lhes voz, perguntar-lhes o óbvio:  
como se sentiam sob essa tutela?2  
Em 2004, passada uma dezena de anos, revendo aquele texto original a fim de  
escrever um ensaio resumido sobre o tema3, achei por bem destacar do conjunto  
integral do estudo acadêmico basicamente os aspectos relacionados à insistência com  
que os cadernos culturais da mídia se mantinham apegados ao rótulo G80 criado como  
demanda ideológica na arte brasileira em contraposição aos movimentos  
construtivistas (concreto e neoconcreto) dos anos 1950, à arte pop e ao  
conceitualismo politizado que dominaram as décadas 1960 e 1970. Nesse novo texto,  
além de contextualizar com mais precisão as demandas ideológicas dos  
2 Entre 1992 e 1993 entrevistei os seguintes artistas: em Belo Horizonte, Isaura Pena, Mario Azevedo,  
Monica Sartori e Rosangela Renó; no Recife, Alexandre Nóbrega e José Patrício; em São Paulo, Leda  
Catunda e Sergio Romagnolo; e no Rio de Janeiro, Armando Mattos, Beatriz Milhazes, Daniel Senise,  
Jorge Barrão, e Ricardo Basbaum.  
3 Cf. REIS (2004).  
Verinotio  
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nova fase  
   
Ronaldo Rosas Reis  
conglomerados de mídia com vista à metamorfose teleológica rumo ao pós-  
modernismo, coloquei em destaque o contraponto crítico exercido pelos artistas  
plásticos em relação ao que escreviam os agentes da mídia, isto é, os  
jornalistas/colunistas de arte promotores da G804.  
Hoje, observando especificamente a particularidade do desenvolvimento do que  
se passou nesse tempo no meio de arte entre nós, vislumbro na presente chamada  
temática de Verinotio5 a oportunidade de problematizar o alcance da insistência da  
mídia e do mercado em manter embaralhado qualquer esforço de compreensão do  
que seja uma história da arte no Brasil. E é nessa condição de retorno ao vivido como  
experiência prática e teórica que retomo a ideia de um “lugar nenhum” como  
constituinte do meio de arte brasileiro há tempos discutida pelo professor e crítico  
Paulo Venâncio Filho (1981). Isto é, a ideia de que a produção artística do país tem  
sua existência pautada pela “permanente condição de começar de novo [...]”, onde o  
contemporâneo, o moderno e o acadêmico se apresentam com os seus significados  
desordenados, sem nexos e hierarquia histórica. Uma produção ficcional, avalia ele, em  
termos de uma história da arte, existindo apenas “para efeitos práticos do mercado  
(Idem, idem, pp. 23-25). No entanto, faltando pouco menos de um ano para completar  
três décadas desde a publicação do estudo original, tal questão particular do meio de  
arte brasileiro não se limita apenas ao que nele está circunscrito. Indo além, a questão  
remete ao assombro do jogador da metáfora do poeta francês Paul Valéry ao constatar  
que a mão do seu futuro tem cartas nunca vistas antes, e que as regras do jogo são  
modificadas de jogador para jogador6. E nesse ir além, se a metáfora poética traduz  
por antecipação a sublimação do sujeito físico pela automação invisível, tal como  
descreve Guy Debord na sua obra A sociedade do espetáculo (1997), sabe-se  
igualmente verdadeira que a competência para tal fim se situa no submundo intelectual  
do jornalismo capitalista, cuja tarefa permanente é difundir o extrato de falácias  
produzido pela ação do mercado. Com efeito, dentre as múltiplas falácias que faz  
mover a lógica reprodutiva do sistema capitalista global o mais recorrente deles é o  
Vazio Cultural, um silogismo disjuntivo pois que traz na sua formulação mesma a  
4 Vale esclarecer que ao retomar tal problemática no ensaio de 2004, me dei conta da presença rarefeita,  
uma quase ausência, de estudos sobre o pós-modernismo no campo da educação, em especial na  
educação estética, circunstância essa que me levaria a dedicar mais tempo aos temas voltados para essa  
pauta. Sobre esse assunto ver REIS (2005); (2009); (2010); e (2015), este último com DUAYER.  
5 Cf. Arte prática e crítica.  
6
Ver HARRINGTON (1967).  
Verinotio  
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Da crítica de arte na imprensa brasileira  
solução para um falso problema criado. Tal como encontramos em mudar para  
conservar (LAMPEDUSA, 2002), e em Florestan Fernandes ao atribuir à prática política  
nacional o hábito recorrente de operar o mudancismo teleológico servindo tanto para  
“despertar falsas esperanças e crença na transformação automática da sociedade”  
como para “vitalizar o conservantismo” (1986, pp. 12-49). Uma estratégia para dirimir  
o “atraso” de décadas, em verdade revelam-se objetivos inconfessáveis da  
intelligentsia burguesa pois funcionam no sentido de sublimar a pressão que esta  
sente do sofrimento com a “decadência” (FREUD, 1997) como também para  
“conquistar posições de poder” (FERNANDES,1986) 7. Ocorre-me, nesse sentido, a  
lembrança dos textos apelativos alguns ridiculamente dogmáticos dos agentes  
ideológicos que nos anos 1980 engendraram no meio de arte brasileiro o télos ético-  
estético pós-modernista fundado numa relação de causalidade entre libertarismo e  
liberalismo. Ocorre-me ainda, conforme pretendo examinar no decorrer do texto, a  
possibilidade de que a expansão desse nexo causal para o ambiente cultural como um  
todo, resultou numa sociabilidade somatizada por traços anarcofascistas tal como se  
evidencia em diversos países, como, por exemplo, EUA, Brasil, Itália, França e Hungria.  
Além desta Introdução o artigo traz na primeira seção uma revisão sumariada  
dos principais fatos relacionados com as transformações globais no plano macro. Em  
seguida buscando contextualizar a emergência do tema do debate sobre o pós-  
modernismo no mundo e no ambiente cultural brasileiro à época da abertura política  
e da transição democrática, são traçadas resumidamente algumas das principais linhas  
de pensamento daquele debate. Na sequência é abordado o surgimento do rótulo ou  
marca G80 no colunismo de arte dos conglomerados de mídia e na quarta seção o  
ponto de vista dos jornalistas/colunistas relacionando a arte pós-moderna e a G80,  
além de algumas repercussões dos artistas comentando a prática da crítica artística.  
Por fim, conclusivamente, mediante a problematização da mudança do télos ético-  
estético operada pela crítica de arte agenciada pela imprensa, busco refletir sobre o  
nexo causal entre libertarismo e liberalismo pós-moderno, entendendo-o como parte  
do processo de destruição da razão8 e, por conseguinte, uma das fontes do  
anarcofascismo corrente nas últimas duas décadas.  
7 Ver ainda REIS (2005, pp. 104-111)  
8 Ver LUKÁCS (1968), em especial o que se apresenta no epílogo da obra.  
Verinotio  
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Ronaldo Rosas Reis  
A volta para o futuro do pretérito composto  
Em fins dos anos 1950, o caráter sistêmico das crises do capitalismo que haviam  
levado o mundo a duas grandes guerras, haveria de incorporar a médio e longo prazo,  
ainda que de modo fortuito, um conjunto de manifestações sociopolíticas e culturais  
originariamente antissistema. Dessa dialética negativa emergiria o modelo político-  
econômico neoliberal de sociabilidade que, desde então tem alimentado a relação de  
causalidade entre liberalismo e libertarismo, fundamento do estado anarcofascista há  
tempos emergente em governos e facções políticas nos EUA, Brasil, Hungria, Itália,  
França e dezenas de outros países ocidentais, conforme pretendo abordar mais  
adiante9. Com efeito, em fins dos anos 1960, figuras como Margareth Thatcher (Grã-  
Bretanha), Ronald Reagan (EUA) e Helmuth Kohn (Alemanha), assumiriam a liderança  
política dos seus respectivos países, impondo o retorno ao estado pretérito do  
liberalismo do tipo laissez-faire, laissez-aller, laissez- passer. Por longos anos essa  
nova cepa de dirigentes ocidentais com ideias radicalmente liberais, esteve à frente do  
projeto de redefinição teleológica do capitalismo tendo por base o escopo  
sociopolítico-econômico de que “governo não é a solução, mas o problema” (REAGAN  
apud HOBSBAWM, 1995, p. 401)10. Desde então o télos a ser perseguido passaria a  
ter o mercado como fio político condutor das operações transnacionais do sistema  
capitalista ocidental, proporcionando o surgimento de uma nova ordem econômica  
mundial “por sobre as barreiras da ideologia do Estado” (HOBSBAWM, 1995, p.12-  
19).  
Na América Latina, os primeiros efeitos negativos da expansão global da política  
econômica neoliberal foram sentidos em fins dos anos 1970 na plena vigência das  
ditaduras militares-civis empresariais. No Brasil especialmente, a redução drástica dos  
investimentos estrangeiros que em grande parte sustentava o regime de exceção  
deixando-o artificialmente ao largo da crise mundial daquela década, levaria o país a  
uma inflação devastadora associada a uma recessão sem precedentes. Diante do  
conteúdo explosivo da economia e da crescente insatisfação popular, os donos do  
regime ditatorial criariam uma agenda para uma retirada lenta e gradual dos militares  
9 Sobre a relação de causalidade citada ver o verbete correspondente em MORA (2005, pp. 133-135)  
10  
Cabe ressaltar que embora o tipo de liberalismo referido remeta a fins do século XVIII, as principais  
ideias orientadoras do novo liberalismo são do economista austríaco Friedrich Hayek (1987), em  
especial as que foram publicadas no livro Os caminhos da servidão, de 1944. Também seria do mesmo  
livro de Hayek a ideia inspiradora da frase proferida pelo presidente estadunidense Ronald Reagan.  
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Da crítica de arte na imprensa brasileira  
da administração do país11.  
O desejo do fim e o pós-modernismo  
Dentre muitas outras manifestações culturais significativas, as décadas de 1950  
e 1960 foram dominadas pela contracultura e pela politização da arte. Juntas tais  
manifestações denotavam a emergência de um mundo movido pela percepção de um  
esgotamento ético-estético e moral das regras do passado, e o que então se  
apresentava no campo cultural expressava a exigência de grandes mudanças  
libertárias.  
Na França, pensadores como Michel Foucault e Jacques Derrida concentravam  
seus esforços no questionamento e na desconstrução do sentido de revolução, ao  
mesmo tempo em que outros intelectuais, como Jean-François Lyotard, Gilles Deleuze  
e Felix Guattari, recusavam radicalmente a ideia de verdade contida naquilo que  
chamavam de metadiscursos modernos. É certo que cada um ao seu modo buscava  
assegurar a originalidade de suas respectivas ideias, entretanto, conjuntamente  
propunham caminhar para “mais perto do concreto, do presente, cooperando com as  
forças do acontecimento, decodificando e dando coerência aos detalhes da  
cotidianidade” (BARBOSA, 1985, p. xiii).  
Em meados dos anos de 1970, ainda na Europa, as ideias do teórico jamaicano  
Stuart Hall sobre multiculturalismo e diversidade alcançariam uma dimensão  
extraordinária em meio à uma esquerda acadêmica dividida. Mais ao fim daqueles anos  
a nova onda teórica atravessaria o Atlântico conquistando entusiasmados adeptos  
entre os militantes da contracultura e, especialmente, entre os antiteóricos do  
movimento camp estadunidense. Já na transição para a década seguinte, o conjunto  
desses esforços teóricos evidenciavam o objetivo de desconstruir o materialismo  
histórico como método de interpretação da realidade, acusando-o pelos excessos  
cometidos em nome da razão(LACLAU, 1991, pp. 127-128) e de ser incapaz de dar  
conta das transformações globais do mundo contemporâneo, bem como das novas  
subjetividades então emergentes.  
11  
Programada pelo general Golbery do Couto e Silva e implementada a partir do governo do general  
Ernesto Geisel (1976-1980), a abertura política não significou o fim das atrocidades cometidas pelos  
militares e empresários no porão do regime. Estas durariam ainda por quase dez anos, sendo que a  
prática da coerção mediante tortura seria, em parte, transferida para as polícias militares dos estados  
onde em muitos deles permanecem ativas.  
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No plano prático, o estatuto vanguardista que mobilizara diversas gerações em  
torno dos seus fundamentos dava mostras de um evidente esgotamento. No limite, a  
crescente circulação comercial da iconoclastia pop tornara a atitude de vanguarda uma  
caricatura de si mesma, sendo denunciada como uma aberração infantil. O ciclo  
evolutivo das ideologias estéticas mais significativas desde o aparecimento das  
vanguardas no início do século, pareceu, enfim, ter perdido terreno para um amplo  
espectro de práticas artísticas dispersivas, todas, contudo, “operando a partir das  
ruínas do edifício modernista(HUYSSEN, 1990, p. 43). E foi precisamente nessa  
direção que, em meados dos anos 1970, surgiriam na Europa e nos EUA as primeiras  
tendências pós-modernistas no campo das artes plásticas, cujo arcabouço teórico  
trazia uma contradição em termos: i.e, em nome de uma presumida liberdade de  
expressão pautava a orientação ético-estética da sua produção pelo anti-  
intelectualismo e pelo anti-historicismo. Para o crítico italiano Achille Bonito Oliva, um  
dos principais ideólogos do pós-modernismo nas artes plásticas, a desilusão com o  
esgotamento da ideia de revolução que havia sido levada adiante pelas vanguardas  
históricas parece ser o principal aspecto considerado pelo chamado pós-  
vanguardismo, ou transvanguardismo como ele prefere (apud DE FUSCO, 1988).  
Segundo ele próprio, o modernismo se prende a uma necessidade temporal, portanto  
histórica, no sentido da existência de um ciclo que comporta o aparecimento, a  
evolução e o fim de um ciclo linguístico até o aparecimento de outro. Nesse sentido,  
nada pode parecer mais natural para os artistas transvanguardistas do que adotar a  
“ideologia cínica do traidor”. Isto é, condenar a história ao seu fim para preservar a  
arte (Idem, idem). O pós-modernismo, para seus defensores, se caracteriza pela tomada  
de consciência, por parte do artista e do público, de que o prazer é uma qualidade  
fundamental na realização e na apreciação da obra de arte, gênero de coisa  
abandonada pelo alto modernismo em função do seu comprometimento com a  
História. Nesse sentido, Bonito Oliva apontaria para a necessidade de se valorizar uma  
concepção horizontal de história, na medida em que esta possibilita o aparecimento e  
a utilização de uma multiplicidade de fontes, ao contrário do modernismo:  
A transvanguarda não exalta o privilégio de uma genealogia aberta  
em leque sobre antepassados de diversas origens e proveniências  
históricas, existe também, a classe baixa das culturas menores, de um  
gosto proveniente da prática artesanal e das artes menores (Idem,  
idem, p. 293).  
No limite as considerações de Oliva buscavam não apenas dispor a centralidade  
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do anti-intelectualismo como a variante ético-estética a ser considerada na apreciação  
das obras, como dispor o anti-historicismo na condução do processo reflexivo acerca  
do que seja a linguagem artística pós-vanguardista (ou transvanguardista), devendo  
ser esta apreendida  
[...] como um instrumento de transição, de passagem de uma obra  
para outra, de um estilo para outro segundo uma atitude inconstante  
de reversibilidade de todas as linguagens do passado, algo como um  
nomadismo em oposição às coordenadas obrigatórias das variantes  
artísticas do segundo pós-guerra, que se desenvolveram segundo a  
ideia evolucionista do darwinismo linguístico [...]  
Sobre a avassaladora pressão exercida pelos diversos críticos/colunistas nos  
conglomerados de mídia europeus e estadunidense em favor das posições pós-  
modernistas na arte, à época a resistência ainda se fazia sentir e respeitar. Isso porque  
havia espaço para o debate dentro e fora dos espaços acadêmicos, não de todo  
dominados pela sociabilidade do espetáculo e pela irracionalidade libertária e liberal.  
Na Inglaterra o professor e crítico Terry Eagleton (1993) procurava entender, através  
do exame das ideologias estéticas das vanguardas e de suas operações no ambiente  
moderno, em que momento e por que motivos a utopia revolucionária cedeu espaço  
para o cinismo e a decadência pós-modernista, nos quais, dizia ele, são expressos o  
feroz “anti-historicismo consumista, hedonista e filisteu da arte atual” (Idem, p. 273).  
Dizendo que as vanguardas não conseguiram perceber que houve uma penetração do  
reino simbólico pelo imperativo do lucro (a indústria cultural estaria aí mesmo para  
confirmar isso), Eagleton chamava a atenção para os fatores principais que constituem  
o caráter anti-histórico do pós-modernismo: a constatação da inoperância política das  
ideologias revolucionárias diante de um mundo cuja cultura fora estetizada, e o próprio  
processo de legitimação social do pós-modernismo. No primeiro caso o professor  
inglês procura demonstrar que os mecanismos econômicos do capitalismo mais  
recente tenderam a privilegiar os setores industriais voltados para o lazer, o  
entretenimento, a moda em geral, valorizando o culto do estilo, do prazer, da técnica,  
fetichizando-os como mercadorias. Por outro lado, Eagleton diz que a reificação do  
significante e o deslocamento do significado por intensidades casuais, percebidos  
através da desconstrução das narrativas mestras do modernismo e suas realocações  
ao acaso, acabaram contribuindo para reforçar a ideia de estilo atemporal,  
descontextualizado, destruindo o historicismo da obra. Embora diga que é possível  
reconhecer a existência de duas vertentes distintas nas ideologias estéticas pós-  
modernas, uma de afirmação do status quo e outra de resistência, respectivamente,  
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entretanto, Terry Eagleton não concorda que esta última vertente detenha uma feição  
historicista conforme ela reclama para si. De acordo com o que ele diz, na medida em  
que ambas as vertentes do pós-modernismo dependem de uma identidade cultural, e  
que esta é, nas sociedades capitalistas recentes, constantemente arruinada pela  
mercadoria, resta ao operador estético pós-moderno recorrer, no seu processo de  
legitimação, à anulação cínica da verdade, do significado e da subjetividade” (Idem,  
idem). Por fim, conforme Eagleton, tal característica, apesar de não ser uma constante  
na vertente pós-modernista de resistência, é o que torna palatável a sua assimilação  
cultural, e nesse sentido, sua resistência somente pode se dar no sentido de sua  
própria negação como fato histórico.  
Nasce uma virgem  
Se nas áreas mais em evidência no ambiente cultural brasileiro da primeira  
metade dos anos 1980, os temas ligados ao debate sobre o pós-modernismo foram  
absorvidos mediatamente a médio e longo prazo, nas artes plásticas eles foram  
imediatamente adotados pela crítica de arte agenciada pelo mercado e os  
conglomerados de mídia. Em regra, os colunistas com espaço na imprensa assumiriam  
o papel de veicular as ideias pós-modernistas constantes no circuito artístico  
internacional, cujo viés disjuntivo e contraditório propunha ser o indutor do  
surgimento de uma nova tradição na história da arte ao tempo em que se apresentava  
negacionista, artificial, conservador e superficial.  
No início daquela década, galeristas recém-chegados ao circuito de arte nas  
maiores capitais do país, enfrentaram o desafio de garantir as transações comerciais  
mediante a criação dos mecanismos de regulação do valor artístico dos artefatos  
produzidos a fim de profissionalizar e ampliar o mercado de arte brasileiro. Nesse  
sentido, inovariam ao investir pesadamente em jovens artistas, em sua maioria  
pintores, em início de carreira, alguns ainda em formação, pagando um pró-labore  
mensal. Como contrapartida, eles passaram a deter a prioridade e o direito de escolha  
e de compra de parte da produção do artista financiado. Já descontado o custo do  
investimento no trabalho e na divulgação da produção, algo arbitrado em torno de  
35% do valor de cada obra, os galeristas formariam assim uma espécie de reserva de  
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mercado de baixo custo para fins de especulação no circuito artístico12. De imediato o  
processo de profissionalização da cadeia produtiva colocado em curso, incluindo a  
produção/acumulação/exposição de mercadorias, enfrentou alguns desafios  
complexos para que a demanda justificasse os investimentos já realizados e o acesso  
ao consumo dos artefatos artísticos viesse a crescer. Para tanto se fazia necessário  
provocar “um renascimento dentro do caos” mediante o “apagamento” das ideologias  
estéticas de tendência minimalista, conceitualista e performática, ainda dominantes no  
meio de arte (LEIRNER, 1985)13.  
Para o sucesso do empreendimento, além de contar com animadores culturais  
com livre trânsito junto às esferas políticas dos governos estaduais e municipais, o  
mercado de arte agenciaria alguns dos mais experientes jornalistas em atividade com  
inserção e prestígio nas colunas de arte e sociais da imprensa brasileira. Juntos eles  
articulariam com eficiência dois movimentos táticos previstos na estratégia  
mercadológica descrita anteriormente. De um lado, os organizadores das mostras  
mesclavam obras de pintores experientes já assimilados pelo mercado e a  
novíssima produção, garantindo, assim, legitimidade comercial a esta última. De outro  
lado, o agenciamento do público se dava mediante o uso das colunas de arte e social  
na grande imprensa, nas quais clamava-se tanto pelo apelo ao velho clichê da  
necessidade de ocupação do Vazio Cultural existente, quanto pelo convencimento do  
público sobre a importância do surgimento de uma nova geração, politicamente  
despreocupada, e sem preconceitos em relação ao mercado. A essa demanda  
ideológica foram ainda somadas as ideias de uma geração que “retornava ao prazer  
da pintura” (MORAIS, 1984) e de um “ecletismo estético, nômade, fundado na  
irracionalidade, na emoção e no prazer” (PONTUAL, 1984). Dessa forma, com o terreno  
da racionalidade artística devastado pela ação negacionista engendrada pelos agentes  
ideológicos do mercado, tudo levava a crer que o télos ético-estético pós-modernista  
já se encontrava pavimentado para que a fecundação daquela que viria a ser a sua  
mais nova virgem: a Geração 80.  
12  
Vale o esclarecimento de que tal prática remonta ao século XVII, predominantemente na Holanda e  
na Bélgica. Exercida por rentistas e mecenas em busca de garantia e confiabilidade aos investimentos  
em pinturas, gravuras, esculturas, desenhos, jóias, móveis etc. e no aparecimento de novos artistas.  
Sobre o assunto ver ARRIGH (1996); HAUSER (1982); MARTINS (2005); REIS (2021).  
13  
Cabe o esclarecimento que embora as obras representativas das tendências mencionadas tivessem  
valor artístico reconhecido, não detinham ou detinham minimamente valor de troca, sendo praticamente  
inviável a sua comercialização em galerias.  
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nova fase  
   
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Na imprensa, de acordo com os jornalistas/colunistas de arte, o retorno à pintura  
aproximava essa geração de artistas brasileiros da produção do eixo Berlim-Milão-  
Nova Iorque, o principal do circuito artístico internacional. De lá os galeristas  
brasileiros importavam os principais periódicos da época contendo imagens das obras  
expostas naquele circuito, bem como absorviam as ideias contidas nos artigos dos  
defensores das tendências artísticas pós-modernas, como o neoexpressionismo  
alemão, a transvanguarda italiana e o ecletismo pop estadunidense. Com uma reserva  
acumulada de obras, os galeristas passariam a organizar exposições coletivas de  
pinturas, mesclando trabalhos de pintores já assimilados pelo público e a chamada  
novíssima produção, garantindo, assim, legitimidade comercial a esta última. Assim, a  
partir de 1982, sempre contando com o apoio incondicionalmente interessado dos  
conglomerados de mídia, sucessivas exposições de variados tamanhos despontariam  
como palco de ensaio e testagem até o momento do grande evento que viria a ocorrer  
em 1984, dentre elas, “Entre a Mancha e a Figura”, realizada em 1982 no MAM-RJ  
(Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), “3.4 - Grandes Formatos”, realizada no  
Centro Empresarial Rio, “A Flor da Pele - Pintura & Prazer”, realizada no mesmo local,  
“A Pintura como Meio”, realizada no MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da  
Universidade de São Paulo), “Pintura Pintura”, realizada na Fundação Casa de Rui  
Barbosa no Rio de Janeiro, e, finalmente, “Pintura/Brasil”, realizada no Palácio das  
Artes em Belo Horizonte. Se dessas exposições veio o impulso inicial do circuito de  
arte para o aquecimento do mercado, registre-se então o mérito dos críticos de arte  
presentes nas colunas jornalísticas que, como avalistas de todo o processo, revelaram  
a novíssima geração cunhando o rótulo G80. Mas não apenas, pois, igualmente nessa  
condição foram eles os responsáveis diretos pelo nexo causal entre a intencionalidade  
libertária do pós-modernismo artístico e o neoliberalismo àquela altura já em vias de  
se tornar hegemônico em vários países.  
G80 é um nada  
Com as exceções de praxe, as manobras ideológicas da mídia e do mercado no  
sentido de delinear o perfil comportamental dos jovens artistas que viriam compor o  
quadro de referência da Geração 80 era a de algo simetricamente oposto ao da  
rebeldia da contracultura dos anos 1950-1960 e ao da sisudez politizada dos anos  
70, tal como avaliaria a crítica Sheila Leirner (1992, p.109):  
Mais do que uma simples definição de grupos e tendências estilísticas,  
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a Geração 80 é um apanhado amplo que engloba também questões  
estéticas, filosóficas e mesmo ideológicas. Todas elas marcadas pelo  
sentido dialético de contrariar seus precedentes imediatos. A começar  
pelo culto da subjetividade, individualidade, emoção e irracionalidade,  
que se colocam contra o rígido cultivo da linguagem, conceitos e  
consciência ética e estética característica dos anos 1970 [...]  
De Fortaleza a Santa Catarina, de Brasília a Vitória, passando por Porto Alegre,  
Juiz de Fora, Curitiba, Goiânia, Campo Grande (MS) e João Pessoa, as galerias, centros  
culturais, muros, praças, etc., foram literalmente ocupados pelos artistas identificados  
com a Geração 80. O mercado de arte, embalado pela oferta em grande quantidade  
de obras, sobretudo pinturas, estimulava um público que naquele momento ainda  
desfrutava dos resquícios dos Planos Cruzados I e II. Havia, naquele período, uma  
dupla euforia, quer pelo aparecimento de novos artistas quer pelo aumento da  
demanda de obras de arte.  
No início de 1984, o terreno para o grande salto do mercado já estava  
devidamente pavimentado. Convocados para fazerem parte do processo, animadores  
culturais e dirigentes da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage dariam a partida  
para a realização do mais ambicioso projeto da década nas artes plásticas: reunir no  
antigo palacete da rua Jardim Botânico o maior número possível de artistas,  
preferencialmente, mas não apenas ex-alunos da EAV, oficializando desse modo o  
caráter paradigmático emergencial da estética pós-modernista no país. Assim, em  
junho daquele ano os portões do vetusto palacete do Parque Lage foram abertos para  
a mostra “Como vai você, Geração 80? ” Reunindo mais de cem expositores de  
diversos pontos do país e cerca de três centenas de obras, o evento buscava dar conta  
daquilo que os promotores/organizadores generalizavam como sendo um  
mapeamento da produção artística daquele período. Coube ao então diretor da EAV,  
Marcus de Lontra Costa, a agitação cultural e política na difusão do evento, na  
convocação dos artistas, dos colunistas/críticos da mídia, na tarefa de intermediar o  
mercado. Coube ainda a ele praticamente todas as ações decorrentes daquela  
megaexposição tal como levar o modelo do evento para outras praças, privilegiando  
a sua interiorização nas ações regionalizadas14.  
14 Cabe o registro que foi certamente da insistência de Lontra Costa junto a colecionadores e galeristas  
em várias capitais brasileiras que dezenas de artistas do interior do país despontaram no cenário  
nacional ao longo daquela década. Devido a esse esforço do animador cultural e dirigente público que  
muito das insatisfações e inconformidades existentes entre artistas com os clichês publicitários que  
promoviam a G80 ficou diluída.  
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A inédita presença de um grande público para um evento de artes plásticas, em  
sua maioria formado de jovens, levaria nacionalmente as editorias de cultura da  
imprensa a repercutirem massivamente o evento tanto como um modismo de época,  
um entretenimento cultural, como também uma espécie de vitrine de um bazar a  
vender quinquilharias culturais. Dessa forma, as matérias dos colunistas que aqueciam  
o meio artístico exploravam a ideia de que o evento de lançamento da G80 revelava  
uma visão de mundo fundada na alegria proporcionada pela liberdade de mercado,  
provocando, no limite, o deslocamento do télos político da luta de classes para o télos  
pós-modernista, a um só tempo libertário e liberal. Traziam em seu conteúdo uma  
versão local, por assim dizer masterizada das ideias do crítico e teórico italiano  
conservador Achille Bonito Oliva (1982, apud REIS, 1994, p. 89) aqui anteriormente  
citado.  
Abordando não apenas o evento em si, mas o que compreendia como a  
totalidade das circunstâncias do aparecimento da G80 na condição pós-moderna, o  
jornalista Roberto Pontual autor do opúsculo Explode Geração! (1984),  
encomendado pelo mercado de arte e pelos curadores do evento no Parque Lage –  
procura situá-la na confluência entre o momento político do país e o surgimento no  
âmbito internacional do que ele chamava de “terceira etapa pós-modernista”:  
Se no âmbito de dentro a Geração 80 cumpre o papel histórico do  
filho positivo que nega com todas as suas forças o pai para firmar-se  
com individualidade própria, exorcizando os erros percebidos na  
figura paterna, no do fora ela apreende o espírito novamente  
impulsivo e liberatório do pós-modernismo na sua terceira e talvez  
derradeira etapa (1984, p. 49).  
Adiante, Pontual passa a considerar a G80 na perspectiva da dualidade  
crise/abertura, acrescentando que a sua nitidez somente é possível a partir deste foco.  
Nesse sentido, ele a define pelos paralelismos de gestos e de gostos, através dos quais  
se pode identificar o seu estilo, que, segundo o jornalista, se tece na pluralidade dos  
estilos em surgimento. Muito embora o texto de Pontual pareça deliberadamente  
construído com a finalidade de confundir o leitor quanto ao sentido do contraditório  
da G80 em relação às gerações de artistas precedentes, conscientemente politizadas,  
na verdade o que o jornalista busca é justificar sinceramente o Zeitgeist da época, a  
um só tempo distante e desinteressado de tudo e de todos. Assim ele dispõe, a série  
de nadas que trama a G80:  
[...] nada de frieza, nada de olimpismo, nada de altas teorias, nada de  
conceituação abusiva, nada de fotografismo, nada de isolamento,  
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nada de hegemonia entre cariocas e paulistas, nada de patrulhismos,  
nada de porra-louquice. Nada de exclusões ou de proibições (1984,  
p. 54)  
No entanto, ao decodificar cada um dos nadas por ele atribuídos à nova geração,  
o jornalista colunista de arte fornecia algumas pistas sobre o sentido da sua manobra,  
que era, nada mais do que a afirmação da originalidade das concepções ético-estéticas  
pós-modernistas que se opunham ao que ele chamava de “autoritarismo conceitual”  
das gerações precedentes, a saber:  
A situação foi mudando aos poucos de figura na medida em que à  
repressão veio somar-se ao `milagre'. Dessa ambiguidade, sofreram  
os quase filhos que se lançaram no experimentalismo dos meados da  
década de 70. Eram seguramente contra o estado de coisas vigente,  
mas, para contrariá-lo com seus próprios meios, não encontraram  
outra tática senão a da estocada indireta, (...). Cortado e frustrado o  
grito na rua, voltaram para o interior do museu. Ali, sob a sombra  
aterradora do pai, reuniram forças para simbolicamente negá-lo.  
Negaram-no, até onde puderam, pela arma exclusiva e fracionada da  
razão. A emoção tivera de ser evacuada (Idem, idem, p. 49)  
A exemplo de Roberto Pontual, o crítico e também colunista da imprensa Frederico de  
Morais, avaliaria a trajetória da G80 da seguinte forma:  
Depois de uma década de arte assexuada, hermética e fria, que tinha  
sua correspondência em um discurso crítico que de certo modo  
introjetara o autoritarismo da vida brasileira, e em face, portanto, da  
própria evolução política interna - anistia, eleições para governadores  
em 1982, campanha das Diretas-já, trazendo o povo de volta às ruas  
e de novas tendências da arte internacional Transvanguarda,  
Neoexpressionismo, Nova Imagem, Pattern , a expectativa em relação  
à nova geração de artistas era muito grande (MORAIS, 1992, p. 30).  
Seguindo os passos da mostra do Parque Lage, vários outros eventos artísticos  
ocorreriam em todo o país ampliando a publicidade afirmativa de todo o aparato  
ideológico do rótulo G80. Assim, em 1985, por ocasião da XVIII Bienal de São Paulo,  
ocorreria a consagração definitiva do processo de mudança teleológica no quadro  
geral da cultura, em especial nas artes plásticas. Organizada de modo a não esconder  
o caráter estratégico do evento para fins mercadológicos, a Bienal teve dois objetivos  
bem delineados: projetar a produção dos jornalistas colunistas de arte nos centros  
mundiais anteriormente mencionados e aproximar a produção da G80 da arte  
estrangeira. Desse ponto de vista, a exemplo do que se passava no exterior, o télos  
ético-estético proposto para a Bienal trazia um duplo movimento tático: de um lado  
os agentes ideológicos do processo buscavam primordialmente apagar o passado  
modernista mediante a condenação do que chamavam de darwinismo linguístico, por  
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outro lado buscavam afirmar o nomadismo estilístico como avalista da liberdade  
artística impondo o fator disjuntivo como télos ético-estético da arte pós-moderna15.  
Operando na forma de um marketing para o que viria a seguir no circuito artístico  
o evento foi um sucesso de público, todavia, ao ultrapassar a fronteira daquele circuito,  
agregaria valor no mercado de bens simbólicos se tornando um importante ativo para  
a elite burguesa do país. De resto, se o consumo ocioso e conspícuo do controvertido  
rótulo denominado certa feita de “vocábulo feliz” (LEIRNER, 1992, pp. 108-109)  
tornou possível ao público a identificação do grande contingente de jovens artistas  
emergentes no ambiente cultural naquela década, por outro lado, mediatamente, levou  
a produção artística do período à sua completa homogeneização diluindo o conteúdo  
ético-estético das obras. Uma década depois, em meados de 1994, a despeito do  
refluxo do mercado mostrar-se implacável com os artistas produtores, rótulo G80  
manteve-se íntegro ignorando a produção artística subsequente. Desse modo, ele  
alcançaria o novo milênio com a mesma superficialidade e “virgindade com que  
emergiu do caos dos anos 70” (Idem, idem). Em outras palavras, como pauta  
permanente para assuntos rentáveis, a rótulo G80 ainda hoje serve de link para as  
matérias de moda, de estilo, de decoração, de comportamento jovem, de ecologia, de  
saúde, de corpo, de sexualidade... e até de arte.  
Não obstante o sucesso comercial da simbologia, alguns setores da imprensa  
não poupariam os artistas e o próprio jornalismo/colunismo de arte de severas críticas.  
Exemplo disso foi o comentário na Folha de São Paulo do jornalista Marcos Augusto  
Gonçalves. Em 1985, comentando a XVIII Bienal, Gonçalves deixaria claro que a  
estratégia mercadológica adotada pela imprensa e o mercado corria o risco de não  
passar de palha para um fogo ligeiro promovido por uma reciclagem do circuito das  
artes plásticas [que vinha] a reboque da onda neoexpressionista”. Na mesma matéria  
o jornalista ironizava o fato de que “qualquer um que pegar um pincel e esparramar  
tinta numa tela” seria legitimado como um jovem talento “para promover o  
reabastecimento do catálogo de descobertas do mercado”. E conclui dizendo que “[...]  
Não é, portanto, de se espantar, que rapidamente, a “nova pintura”, através da aura  
consagratória de uma Bienal, já esteja sendo enfiada na “história da arte e tornando-  
15  
Entenda-se por esse absurdo uma visão que, sobrepondo camadas estilísticas desreferenciadas do  
passado, negava não apenas as tendências artísticas modernistas como toda a história da arte. Sobre  
esse assunto ver OLIVA (1982) e também TOMASSONI (1986).  
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se parte de uma “tradição”16. Já próximo do final da década de 1980, alguns grupos  
de artistas contrariados com o que chamavam de pensamento único da crítica artística,  
criticavam em publicações alternativas a ausência no país de uma produção teórica  
consistente, a negligência e os interesses obscuros do colunismo de arte17. O  
aparecimento dessas poucas vozes dissonantes levaria as editorias de cultura da  
imprensa a agir profilaticamente, quer as isolando quer levando críticos de arte a  
publicar em suas páginas matérias hostis aos artistas.  
Chaves para compreender o negacionismo disjuntivo da crítica de arte  
Há tempos o crítico de arte Mário Pedrosa ressaltava que “a ausência fatal,  
irreparável, dos padrões preexistentes (na arte da antiguidade) indica que a arte  
perdeu suas raízes culturais, e foi subordinada a outros padrões necessariamente  
instáveis e aleatórios como os dominantes no mercado consumidor” (PEDROSA, 1977).  
Junte-se a esse aspecto as exigências de globalização da economia apresentadas pelo  
capitalismo tardio, e teremos o padrão arte adotado pela mídia na atualidade: um  
apêndice do sistema da moda.  
Hoje é impossível deixar de reconhecer que os meios de comunicação se  
tornaram a peça fundamental na estratégia global de difusão e circulação de  
mercadorias, e não raramente o colunista de arte se vê influenciado por esse poder  
hegemônico, o que o leva a tomar para si ares de um avatar capaz de metamorfosear,  
como Midas, o opaco em resplandecente. Espelhando-se mutuamente, jornalistas e  
publicitários compõem o perfil dos meios de comunicação, e se sentem responsáveis  
pela circulação de ideias e conceitos produzidos pela indústria cultural. Assim é  
possível verificar que a demanda por mercadorias produzidas por esse poderoso setor  
da economia depende inevitavelmente do papel exercido pela mídia na estimulação  
do consumo, criando modismos e tornando outros obsoletos. Na cultura da  
obsolescência toda operação de estimulação do consumo de uma nova moda não pode  
dispensar a eficácia dos meios de comunicação. Contudo, dada a sua natureza  
artesanal e o que decorre daí em termos de sua produção conceitual, as artes plásticas  
resistem às investidas menos sutis e menos complexas que grande parte dos  
repórteres e do chamado colunismo especializado insistem em fazer sobre o seu  
16 Cf. Folha de São Paulo, Caderno MAIS, São Paulo, 1985.  
17 Sobre esse assunto ver BASBAUM (1988).  
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campo específico. Despreparados intelectualmente e revestidos por uma grossa  
camada de pragmatismo, esses jornalistas e colunistas imersos numa proverbial  
insensibilidade ignoram os aspectos singulares da atividade artística, os aspectos  
reveladores da potencialidade do artista no processo criador, e as limitações impostas  
pelo ambiente cultural na sua formação, quer seja ela oriunda da academia ou não. É  
sob esse ângulo do problema que se acentuam os diversos níveis de dependência da  
atividade da crítica de arte no Brasil, nos quais estão incluídas as demandas específicas  
do seu reduzido mercado e também as injunções de natureza sociopolítico-econômica  
mais gerais. Com a G80 esses problemas se acentuaram, elevando a tensão ético-  
estético ao seu limite no horizonte cultural do país. O anátema do conformismo que a  
mídia e a crítica impuseram aos jovens artistas emergentes no circuito na década de  
1980, certamente serviu para que, no plano institucional, se revelasse a posição  
hegemônica da ideologia anti-historicista e anti-intelectualista, permissiva e  
desmobilizadora que permeia as oligarquias intelectuais que atuam no meio de arte  
do país.  
Sem dúvida, para os artistas uma das mais constantes mistificações criadas pela  
mídia e pela crítica em torno da G80 foi a exacerbação de sua juventude, de seu  
hedonismo e de seu profissionalismo liberal. Nesse sentido, há pelo menos dois  
aspectos a serem considerados em torno da estratégia mercadológica que articulava  
tais adjetivações: primeiramente o próprio fato de os textos que criticavam,  
resenhavam, comentavam ou simplesmente apresentavam a G80 se prestarem ao uso  
adjetivado de palavras substantivas; e em segundo lugar, a associação dos mesmos  
com a criação de um tipo de comportamento que se pretendia paradigmático dos  
jovens dos anos 1980 como um todo, isto é, individualista, anti-intelectual, subjetivo,  
anti-historicista, desinteressado das questões políticas e sociais mais gerais.  
Para os grandes conglomerados de mídia, salvo esporádicas exceções, a oferta  
ao público de uma visão de mundo fundada num oba-oba alienante tem como  
finalidade manter e reciclar o Zeitgeist otimista, acrítico e, por vezes, francamente  
nostálgico sobre os modismos culturais emergentes. A notícia entretenimento  
veiculada pela intelligentsia agenciada pela mídia busca na consagração de um rótulo  
libertário alienar o interesse pela arte que verdadeiramente importa, conforme pensava  
o esteta húngaro György Lukács (1967). A rigor, a procura da arte como  
“autoconsciência da humanidade” (Idem), i.e, uma arte com organicidade social, jamais  
esteve no radar dos conglomerados midiáticos. Decorre daí que trago comigo a  
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desconfiança de que não importando se transgressor ou aderente ao establishment,  
todos os movimentos culturais incensados pelos conglomerados de mídia da  
contracultura beatnik, camp, hippie e punk aos expoentes da gentrificação pós-  
modernista, os estilosos yuppies, grunges e hipsters fazem parte de uma contradição  
involuntária por se encontrarem na origem daquilo que há tempos Walter Benjamin  
chamava de “efeito de distração” (1985, pp. 165-176). Ora, se esse fato é  
demonstrativo da dimensão de alienação coletiva acerca das formas de controle da  
informação e da cultura exercido pelos conglomerados de mídia e de entretenimento,  
no Brasil trazemos historicamente o agravante da aculturação arcaica da intelligentsia  
que atua diretamente na mídia como formadora de opinião. Retomando aqui o que foi  
dito anteriormente, se em todo o mundo os conglomerados de mídia adotam  
procedimentos alienantes com o claro objetivo mercadológico de reforçar modas  
fazendo parte de um contexto de disputa acirrado, entre nós a dimensão do problema  
vai além, dado que os meios de comunicação com frequência assumem o compromisso  
ideológico disjuntivo de deixar lacunas de compreensão da dinâmica cultural do país”  
com a exclusiva finalidade de colocar determinadas décadas “fora da história”  
(PEREIRA, 1986, p. 175).  
Nas artes plásticas, talvez um pouco mais do que nas demais manifestações  
artístico-culturais, repetem-se as críticas dos artistas à falta de preparo da crítica de  
arte no Brasil. De um modo geral, as críticas procedem do fato de que a atividade da  
crítica de artes plástica se confunde com a atividade jornalística, sendo, portanto,  
subalterna a editorias de cultura genéricas tendo como profissionais gente pouco  
familiarizada com o sentido histórico da arte18. Cabe observar, no entanto, que esse  
não é um problema genuinamente nacional. Há tempos o crítico e historiador da arte  
Lionello Venturi reclamava do costume francês de “chamar-se críticos de arte àqueles  
que escrevem nos jornais sobre a atualidade das exposições, e historiadores da arte  
aos que escrevem sobre a arte antiga” (1984, pp. 27-28 e 197-198). Costume que,  
segundo ele, traz algumas poucas vantagens e inúmeras desvantagens. Se a prática  
jornalística de generalizar as condições da arte contemporânea e os prognósticos  
sobre tendências do gosto, traz a vantagem de procurar e encontrar “a consciência da  
arte”, por outro lado, a própria característica fragmentária do veículo traz o  
18 De resto, é notório que a intelligentsia (críticos/colunistas e jornalistas) que realiza tal exercício, o faz  
na patética presunção de que o desinteresse e/ou ignorância popular em relação as artes plásticas se  
deve a uma anomalia genética.  
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inconveniente da improvisação, “da falta de informação histórica e estética suficiente”  
(Idem, ibidem). Contudo, conforme veremos em seguida, em que pese esses  
argumentos disponham sobre a realidade dos embates entre artistas, críticos e  
colunistas, de fato eles alcançam apenas uma parte do problema geral da lógica  
cultural do pós-modernismo.  
Sem embargo, desde o surgimento da ideia de uma condição pós-moderna19,  
não faltaram argumentos variados de tolerância alegando que tal condição trouxe  
benefícios na forma de um alívio ao promover o “apagamento dos traços da produção  
da mercadoria produzida” (JAMESON, 1996, p. 318). No caso das artes, um produto  
assinado, portanto, com um sujeito presente no artefato, a tolerância se estende para  
um tipo de argumento apelativo ao associar o interesse pelas artes às elites  
intelectuais, como um passatempo típico do status de um reduzido grupo excludente  
ao trabalhador comum. Não obstante, nota Jameson (1996), ainda que o capitalismo  
na sua fase tardia tenha aburguesado esse trabalhador travestindo-o num consumidor  
conspícuo, não menos verdadeiro é a incapacidade estrutural do sistema capital em  
realizar os ideais de igualdade social, incluindo a sua formação estético-cultural (Idem,  
idem). Na base disso está, conforme indica Fredric Jameson, uma visão populista  
demagógica, na qual prevalece uma “verdadeira subalternidade anti-intelectual no  
sentido gramsciano, um sentimento de inferioridade em face do outro cultural” (1996,  
p. 319). A demagogia populista dos defensores da reificação pós-moderna tem no  
mercado de comunicação e entretenimento a sua principal fonte de reprodução do  
anti-intelectualismo. Nesse contexto, Beatriz Sarlo (2006) chama atenção para o fato  
de que “o mercado ganha relevo e corteja a juventude, depois de instituí-la como  
protagonista da maioria dos seus mitos”, sendo que em contrapartida “[...] os jovens  
encontram no mercado de mercadorias e bens simbólicos um depósito de objetos e  
discursos fast preparados especialmente”. E conclui: “o mercado promete uma forma  
de ideal de liberdade e, na sua contraface, uma garantia de exclusão” (Idem, pp. 40-  
41).  
Dentre os apontamentos extraídos para revisão do ensaio publicado em 2004,  
não consta a questão da existência de um nexo causal entre as categorias libertarismo  
e liberalismo, ambas movidas por um impulso populista a um só tempo anti-historicista  
19 Ver ANDERSON (1999).  
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e anti-intelectual, porém anteriormente trabalhadas de forma isolada. Refletindo sobre  
os desdobramentos culturais das últimas décadas, descobri que aquelas categorias  
engendravam o tal nexo causal de origem o qual consumou não apenas o télos ético-  
estético dominante nas artes plásticas, mas, também, a totalidade teleológica cultural  
do presente. De fato, expandido para todo o ambiente cultural do país, o conteúdo  
tóxico do relação libertarismo-liberalismo acabaria contaminando a esfera política da  
sociabilidade mediante toda sorte de apelos absurdos tais como negacionismos  
variados, atavismos morais diversos, clamores libertários misturados com arroubos  
autoritários, liberalismo econômico adotado como programa de Estado, etc. Não por  
acaso o destampatório de irracionalidade ocorrido nos últimos dez anos atingiria,  
principalmente, as esferas científica, artística e cultural do país constituindo o que  
denomino de anarcofascismo. Do ponto de vista ontológico crítico, o anarcofascismo  
se trata de uma forma de dominação engendrada pelas elites capitalistas a partir do  
reconhecimento da sua própria incapacidade de suportar e/ou de manter as  
“liberdades democráticas [como] arquétipo da organização do Estado e regime de  
governo” (LUKÁCS, 1968, p. 623). A exemplo do trumpismo estadunidense, no Brasil,  
a partir de 2013, banqueiros, empresários e políticos de extrema direita, vale dizer  
com o apoio das forças armadas e policiais, movimentos liberais e a lucrativa indústria  
da fé, passariam a destampar o anarcofascismo incubado na sociabilidade brasileira.  
Muito embora o país tenha resistido democraticamente a essa forma de irracionalismo  
recauchutado, chegando ao ponto de revertê-lo parcialmente, sobram dúvidas sobre  
o tempo de duração disso. Sem muito esforço é possível notar que somente  
aparentemente o bestialógico da extrema direita tenha renunciado à ação, dado que,  
em realidade, ainda que a retórica anarcofascista prime “pela ausência de conceitos,  
[...] e a negação das leis reais, o que para ela conta é o  
“[...] apego aos aparentes nexos revelados diretamente, à margem dos  
conceitos, pela superfície imediata da realidade econômica. Estamos,  
portanto, diante de uma nova forma de irracionalismo, envolto em  
roupas aparentemente normais (Idem, idem, p. 628).  
Conclusão  
Decerto que os argumentos aqui apresentados em oposição ao irracionalismo  
pós-moderno não significam uma defesa do suposto racionalismo moderno, que nada  
mais é do que a mais vazia de todas as categorias culturais, como disse certa feita  
Perry Anderson (1999). Por conseguinte, parece-me evidente que, sob o capitalismo,  
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uma cultura orientada pela coisificação das relações sociais e daí para a decadência  
civilizacional, as apologéticas do modernismo e pós-modernismo se mostram  
indefensáveis. Na verdade, sob o capitalismo, qualquer que seja uma escolha desse  
tipo ela inevitavelmente tomará a forma de um espectro múltiplo e contraditório, a  
saber positivista, niilista e também religioso. Na arte, em especial no cinema e na  
literatura, tal espectro é frequentemente confundido pela crítica e muitos dos próprios  
artistas como busca da realidade, algo situado entre uma postura cínica e hipócrita,  
conforme lemos e assistimos, respectivamente, no livro e no filme Ruído branco  
(DELILO, 1985; BAUNBACH, 2023), ou nas pinturas transvanguardistas como as de  
Sandro Chia e Enzo Cuchi e de boa parte da G80.  
Por outro lado, a se considerar verdadeiro que somente o mundo que nos é  
possível compreender como tal é que é real, conforme disse Marx (apud FISCHER,  
1983), a pergunta sobre se é possível haver perspectivas para a superação dos  
impulsos que nos conduzem para a irrealidade cotidiana, alienada e cada vez mais  
desumanizada, talvez possa ser respondida mediante um “mapeamento cognitivo da  
totalidade” (JAMESON, 1996, pp. 396-413), algo que a apreciação da prática artística  
pode proporcionar. De modo a não deixar perdida a indicação desse mapeamento,  
recomendo, dentre outros muitos mais, os métodos adotados pelo escritor britânico  
China Miéville na novela policial/ficção científica A cidade e a cidade (2009), pelo  
cineasta pernambucano Kléber Mendonça Filho no filme Aquarius (2016), e pelo artista  
plástico fluminense Angelo Venosa em suas esculturas, em especial na A baleia (1988),  
hoje instalada na praia do Leme, no Rio de Janeiro. Concluo aqui reforçando o que  
venho dizendo há muito tempo a propósito da importância da educação, em especial  
da educação estética: se é verdade que ninguém está imune à influência do capitalismo  
global, cabe ao campo progressista resistir mantendo em elevado grau de consciência  
social a luta por uma ética-estética genuinamente humana.  
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Nota de referência de imagens  
Devido a exigência de pagamento de direitos autorais não foi possível exibir as  
imagens dos trabalhos dos artistas, seguindo uma relação dos sítios autorizados  
para tanto.  
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MATTOS, A.  
ROMAGNOLO, S.  
Como citar:  
REIS, Ronaldo Rosas. Da crítica de arte na imprensa brasileira: Revendo e atualizando  
a arte e a crítica nos anos 1980. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 2, pp. 20-43; jul-  
dez, 2023.  
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