DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.1.673  
O novo irracionalismo*  
The New Irrationalism  
John Bellamy Foster**  
Mais de um século após o início da Grande Crise de 1914-1945, representada  
pela Primeira Guerra Mundial, a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial,  
estamos vendo um súbito ressurgimento da guerra e do fascismo em todo o mundo.  
A economia mundial capitalista, como um todo, é agora caracterizada pelo  
aprofundamento da estagnação, pela financeirização e pela crescente desigualdade.  
Tudo isso é acompanhado pela probabilidade de homicídio planetário em uma forma  
dupla: holocausto nuclear e desestabilização climática. Nesse contexto perigoso, a  
própria noção de razão humana tem sido frequentemente posta em causa. Portanto, é  
necessário abordar, mais uma vez, a questão da relação do imperialismo, ou  
capitalismo monopolista, com a destruição da razão e as ramificações disso para as  
lutas de classe e anti-imperialistas contemporâneas.  
Em 1953, Georg Lukács, cujo livro História e Consciência de Classe, de 1923,  
inspirou a tradição filosófica Marxista Ocidental, publicou sua obra magistral, A  
Destruição da Razão, a respeito da estreita relação do irracionalismo filosófico com o  
capitalismo, o imperialismo e o fascismo1. A obra de Lukács provocou uma tempestade  
entre os teóricos da esquerda ocidental que buscavam se acomodar ao novo império  
americano. Em 1963, George Lichtheim, um autodenominado socialista que operava  
dentro da tradição geral do Marxismo Ocidental, embora se opusesse virulentamente  
ao marxismo soviético, escreveu um artigo para a Encounter Magazine, então  
*
Translated and reprinted by permission of Monthly Review magazine. (c) Monthly Review. All rights  
reserved. The New Irrationalism by John Bellamy Foster (February 2023, Volume 74, Number 9).  
Tradução de Lara Nora Portugal Penna. Revisão técnica de Elcemir Paço Cunha.  
**  
Professor americano de sociologia da Universidade de Oregon e editor da Monthly Review. Escreve  
sobre economia política do capitalismo e crise econômica, ecologia e crise ecológica e teoria marxista.[4]  
Ele deu várias entrevistas, palestras e conferências convidadas, além de escrever comentários, artigos e  
livros sobre o assunto.  
1
Georg Lukács, Die Zerstörung der Vernunft (Berlin: Aufbau-Verlang, 1953), Ed. Inglesa: The  
Destruction of Reason (London: Merlin Press, 1980) [Ed. brasileira: Georg Lukács, A Destruição da  
Razão. Instituto Lukács, 2020].  
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John Bellamy Foster  
secretamente financiada pela Agência Central de Inteligência {CIA, na sigla em inglês}***,  
no qual atacava veementemente A Destruição da Razão e outras obras de Lukács.  
Lichtheim acusou Lukács de gerar um “desastre intelectual” com sua análise da virada  
histórica da razão para a irracionalidade na filosofia e literatura europeias, e da relação  
disso com a ascensão do fascismo e do novo imperialismo sob a hegemonia global  
dos EUA2.  
Essa não foi a primeira vez, é claro, que Lukács foi submetido a condenações tão  
fortes por parte de figuras associadas ao Marxismo Ocidental. Theodor Adorno, um  
dos teóricos dominantes da Escola de Frankfurt, atacou Lukács em 1958, quando este  
ainda estava em prisão domiciliar por apoiar a revolução de 1956 na Hungria.  
Escrevendo no Der Monat, jornal criado pelo exército de ocupação dos Estados Unidos  
e financiado pela CIA, Adorno acusou Lukács de ser “redutivo” e “não dialético”, de  
escrever como um “comissário cultural” e de estar “paralisado desde o início pela  
consciência de sua própria impotência”3.  
No entanto, o ataque de 1963 a Lukács por Lichtheim na Encounter assumiu um  
significado adicional devido à sua condenação absoluta de A Destruição da Razão, de  
Lukács. Nesta obra, Lukács mapeou a relação do irracionalismo filosófico que surgiu  
pela primeira vez no continente europeu, particularmente na Alemanha, com a derrota  
das revoluções de 1848, e que se tornou uma força dominante perto do fim do século  
com a ascensão do estágio imperialista do capitalismo. Para Lukács, o irracionalismo,  
incluindo sua coalescência final com o nazismo, não constituiu um desenvolvimento  
fortuito, mas, sim, um produto do próprio capitalismo. Lichtheim respondeu acusando  
Lukács de ter cometido um “crime intelectual” ao traçar ilegitimamente uma conexão  
entre o irracionalismo filosófico (associado a pensadores como Arthur Schopenhauer,  
***  
No texto, as inserções entre parênteses e colchetes são da autoria de Foster, e as inserções entre  
chaves são da tradutora e/ou do revisor.  
2 George Lichtheim, “An Intellectual Disaster”, Encounter (May 1963): 74-79. Lichtheim estava revisando  
ostensivamente The Meaning of Contemporary Realism (London: Merlin Press, 1963), de Georg Lukács.  
3
Rodney Livingston, Perry Anderson, e Francis Mulhern, “Presentation IV,” in Theodor Adorno, Walter  
Benjamin, Bertolt Brecht, e Georg Lukács, Aesthetics and Politics (London: Verso, 1977), 142-150;  
Theodor Adorno, “Reconciliation Under Duress,” in Adorno, Benjamin, Brecht, e Lukács, Aesthetics and  
Politics, 152-154; István Mészáros, The Power of Ideology (New York: New York University Press, 1989),  
118-119 [Ed. bras.: Mészáros, I. O poder da Ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004, pp. 181-182].  
Adorno afirmou que “A Destruição da Razão... revelou muito claramente a destruição da razão do  
próprio” Lukács. Ele falsamente alegou que no livro “Nietzsche e Freud são simplesmente rotulados  
como Fascistas”, – apesar do fato de que Nietzsche é abordado por Lukács em termos do irracionalismo  
filosófico, o que não constitui em si mesmo fascismo, enquanto Freud mal é mencionado no livro, e,  
quando o é, não é de forma negativa. Adorno, “Reconciliation Under Duress”, 152.  
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Friedrich Nietzsche, Henri Bergson, Georges Sorel, Oswald Spengler, Martin Heidegger  
e Carl Schmitt) e a ascensão de Adolf Hitler4.  
Lukács, de forma provocativa, iniciou seu livro afirmando que “o tema que se nos  
apresenta é, pois, este: o caminho seguido pela Alemanha, no terreno da filosofia, até  
chegar a Hitler”. Mas sua crítica era, de fato, muito mais ampla, vendo o irracionalismo  
como relacionado ao estágio imperialista do capitalismo de modo geral. Logo, o que  
mais indignou os críticos de Lukács no Ocidente no início dos anos 1960 foi sua  
sugestão de que o problema da destruição da razão não havia desaparecido com a  
derrota histórica do fascismo, mas que continuava nutrindo tendências reacionárias,  
ainda que mais veladamente, na nova era da Guerra Fria dominada pelo império dos  
EUA. “Os pesadelos de Franz Kafka”, acusou Lichtheim, foram tratados por Lukács  
como evidência do “’caráter diabólico do mundo do capitalismo moderno’”, agora  
representado pelos Estados Unidos5. No entanto, o argumento de Lukács a esse  
respeito era irrefutável. Assim, ele escreveu, em termos significativos ainda hoje:  
A Constituição dos Estados Unidos foi desde o princípio, ao contrário  
da alemã, uma Constituição democrática, e a classe dominante havia  
conseguido ali, especialmente durante o período imperialista,  
consolidar as formas democráticas de tal modo que se pudesse  
assegurar, com os meios da legalidade democrática, uma ditadura do  
capital monopolista pelo menos tão vigorosa quanto a que Hitler havia  
conquistado com seus procedimentos tirânicos. As prerrogativas do  
presidente dos Estados Unidos, o poder de decisão da Suprema Corte  
em matéria constitucional (e depende sempre do capital monopolista  
que um problema seja ou não considerado como tal), o monopólio  
financeiro sobre a imprensa, o rádio etc., os enormes gastos eleitorais  
que impedem eficazmente a formação e o funcionamento de partidos  
democráticos reais, ao lado dos já tradicionais que representam o  
monopólio capitalista e, finalmente, o emprego de meios terroristas (o  
sistema de Lynch), tudo isso contribui para criar uma “democracia”  
que funciona dentro da normalidade, e que pode obter de fato, sem  
romper formalmente com a democracia, tudo aquilo a que Hitler  
aspirava. Acrescente-se a isso a base econômica incomparavelmente  
mais extensa e mais sólida do capitalismo monopolista nos Estados  
4
Lichtheim, “An Intellectual Disaster”, 78-79; Lichtheim citado em Árápad Kadarkay, “Introduction:  
Philosophy and Politics,” in Georg Lukács, The Lukács Reader, ed. Árápad Kadarkay (Oxford: Blackwell,  
1995), 215. Deve-se salientar que, ao passo que Kadarkay cita Lichtheim aqui e também em sua  
biografia de Lukács referindo-se à Destruição da Razão enquanto um “crime intelectual”, não é possível  
encontrar esta afirmação na página do volume da Encounter que Kadarkay cita nas duas ocasiões, e  
que outros citam por meio de Kadarkay. Entretanto, como Lichtheim claramente se refere, em outro  
volume da Encounter, ao trabalho de Lukács desse período como um “desastre intelectual” e uma  
“catástrofe intelectual”, o “crime intelectual” possui um toque de verdade.  
5
Lichtheim, “An Intellectual Disaster”, 76. Apesar da impressão deixada por Lichtheim, Lukács não  
aludiu a “pesadelos de Kafka” em seu livro. As temidas citações em torno da frase mencionada são do  
próprio Lichtheim, já que Lukács não fez tal declaração.  
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Unidos6.  
Nestas circunstâncias, o irracionalismo e os “pontos culminantes do desprezo  
cínico pelo homem”, insistia Lukács, eram “uma consequência ideológica necessária da  
estrutura e das possibilidades de ação do imperialismo americano”7. Esta afirmação  
chocante a respeito da existência de uma continuidade na relação entre imperialismo  
e irracionalismo, estendendo-se ao longo de um século inteiro, desde o fim do século  
XIX, passando pelo fascismo e continuando no novo império da OTAN dominado pelos  
Estados Unidos, foi fortemente rejeitada na época por muitos dos associados a  
tradição filosófica do Marxismo Ocidental. Foi sobretudo isso, portanto, que levou à  
quase completa rejeição da obra posterior de Lukács (depois de História e Consciência  
de Classe, de 1923) pelos pensadores de esquerda que trabalhavam em conjunto com  
o novo liberalismo pós-Segunda Guerra Mundial.  
Entretanto, A Destruição da Razão não foi objeto de uma crítica sistemática por  
parte de seus opositores, o que teria significado confrontar as questões cruciais que  
o livro levantava. Em vez disso, a obra foi rejeitada de forma difamatória pela esquerda  
Ocidental, segundo a qual constituía uma “perversão deliberada da verdade”, uma  
“diatribe de 700 páginas” e um “tratado estalinista”8. Como um comentador observou  
recentemente, “a sua recepção poderia ser resumida por algumas sentenças de morte”  
emitidas contra a obra por importantes Marxistas Ocidentais9.  
Ainda assim, era inegável a dimensão do empreendimento representado por A  
Destruição da Razão enquanto uma crítica das principais tradições do irracionalismo  
ocidental feita pelo, então, mais estimado filósofo marxista do mundo. Em vez de tratar  
os vários sistemas de pensamento irracionalistas de meados do século XIX a meados  
do século XX como se tivessem simplesmente caído do céu, Lukács relacionou-os com  
os desenvolvimentos históricos e materiais dos quais emergiram. Nesse caso, o seu  
argumento baseou-se, em última análise, em Imperialismo, estágio superior do  
6 Lukács, The Destruction of Reason, 770 [Ed. bras.: p. 667].  
7 Lukács, The Destruction of Reason, 792-93 [Ed. bras.: p. 686].  
8
Árápad Kadarkay, Georg Lukács: Life, Thought and Politics (Oxford: Blackwell, 1991), 421-423;  
Lichtheim, “An Intelectuall Disaster”, 76.  
9
Enzo Traverso, “Dialectic of Irrationalism,” introdução in Georg Lukács, The Destruction of Reason  
(London: Verso, 2021), 10. A introdução de Traverso à recém reimpressa edição da Verso de A  
Destruição da Razão leva adiante, ao invés de romper com, esses ataques iniciais feitos por marxistas  
ocidentais ao livro, fazendo com que sua introdução seja, em grande medida, uma anti-introdução, mais  
característica da época inicial da Guerra Fria.  
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capitalismo, de V. I. Lênin10. O irracionalismo foi, portanto, identificado, como em Lênin,  
principalmente com as condições histórico-materiais da era do capitalismo  
monopolista, a divisão do mundo inteiro entre as grandes potências e as lutas  
geopolíticas pela hegemonia e por esferas de influência. Isto manifestou-se numa  
rivalidade econômico-colonial entre vários Estados capitalistas, colorindo todo o  
contexto histórico no qual emergiu o novo estágio imperialista do capitalismo.  
Hoje em dia, essa realidade material fundamental persiste em muitos aspectos,  
mas foi de tal forma modificada sob o império global dos EUA que se pode dizer que  
surgiu uma nova fase, a do imperialismo tardio, que remonta ao fim da Segunda Guerra  
Mundial, incorporando-se imediatamente à Guerra Fria e perpetuando-se, após um  
breve interregno, na Nova Guerra Fria dos nossos dias. O imperialismo tardio, neste  
sentido, corresponde cronologicamente ao fim da Segunda Guerra Mundial, à  
emergência da era nuclear e ao início da Época do Antropoceno da história geológica,  
que marcou o advento da crise ecológica planetária. A consolidação do capital  
monopolista global (mais recentemente do capital monopolista-financeiro) e a luta dos  
Estados Unidos apoiado pelo imperialismo coletivo da tríade Estados Unidos/Canadá,  
Europa e Japão pela supremacia global em um mundo unipolar correspondem a essa  
fase do imperialismo tardio11.  
Para a própria esquerda ocidental, a história do imperialismo tardio tem sido  
marcada, sobretudo, pela derrota das revoltas de 1968, seguida pelo desaparecimento  
das sociedades de tipo soviético após 1989, o que teve como uma de suas principais  
consequências o colapso da social-democracia ocidental. Tais acontecimentos  
colocaram o conjunto da esquerda ocidental em uma posição enfraquecida, definida,  
em última análise, pela sua subordinação geral aos parâmetros mais amplos do projeto  
imperialista centrado nos Estados Unidos e pela sua recusa em alinhar-se com a luta  
anti-imperialista, garantindo, assim, a sua irrelevância revolucionária12.  
10  
V. I. Lenin, Imperialism, the Highest Stage of Capitalism (New York: International Publishers, 1939)  
[Ed. bras.: Lênin, V. I. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2021]. O  
argumento de Lênin não foi diretamente analisado no livro de Lukács, mas, contudo, constituiu a base  
concreta de todo o argumento, já que o imperialismo, nos termos de Lênin, foi um ponto de referência  
constante.  
11  
Sobre imperialismo tardio, ver John Bellamy Foster, “Late Imperialism,” Monthly Review 71, no. 3  
(July-August 2019): 1-19; Zhun Xu, “The Ideology of Late Imperialism,” Monthly Review 72, no. 10  
(March 2021): 1-20. Sobre o imperialismo coletivo da tríade, ver Samir Amin, “Contemporary  
Imperialism,” Monthly Review 67, no. 3 (July-August 2015): 23-36.  
12  
Ver Xu, “The Ideology of Late Imperialism; Paweł Wargan, “NATO and the Long War on the Third  
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Nesse ponto, é essencial reconhecer que o principal campo de batalha do império  
americano ao longo de todo esse período, que remonta ao fim da Segunda Guerra  
Mundial, tem sido o Sul Global. As guerras e intervenções militares principalmente  
instigadas por Washington têm sido quase incessantes em resposta a revoluções e  
lutas de libertação nacional, a maioria das quais inspiradas pelo marxismo, que  
ocorreram ao longo do período neocolonial/pós-colonial. Embora o desenvolvimento  
econômico tenha emergido nas últimas décadas em algumas partes do Terceiro  
Mundo, a intensidade da exploração/expropriação das economias da periferia do  
sistema, no seu conjunto, aumentou sob o capital monopolista-financeiro globalizado,  
por meio da arbitragem global do trabalho* e da peonagem por dívida, com o resultado  
de que a polarização do sistema mundial entre países ricos e pobres também  
aumentou. A atual luta imperial ou Nova Guerra Fria iniciada por Washington,  
destinada a assegurar o mundo unipolar liderado pelos EUA, continua centrada no  
controle do Sul Global, o que hoje também exige o enfraquecimento fatal das grandes  
potências euroasiáticas Rússia e China, que ameaçam uma ordem multipolar rival,  
contestando o sistema unipolar dos EUA.  
Nesse clima perigoso e destrutivo do imperialismo tardio, o irracionalismo  
passou a desempenhar um papel crescente na constelação do pensamento.  
Inicialmente, isso assumiu a forma relativamente branda de um pós-modernismo e pós-  
estruturalismo desconstrutivistas, que, na obra de pensadores como Jean-François  
Lyotard e Jacques Derrida, puseram de lado todas as grandes narrativas históricas, ao  
mesmo tempo que abraçaram um anti-humanismo filosófico que emanava  
principalmente de Heidegger. Em contraste, as novas filosofias da imanência –  
associadas ao pós-humanismo, ao novo materialismo vitalista, à teoria do ator-rede e  
à ontologia orientada para o objeto constituem um irracionalismo mais profundo,  
representado por figuras supostamente de esquerda como Gilles Deleuze, Félix  
Guattari, Bruno Latour, Jane Bennett e Timothy Morton. Estes pensadores recorrem  
diretamente a uma linhagem intelectual irracionalista e antimodernista que remonta ao  
antimodernismo reacionário de Nietzsche, Bergson e Heidegger. O filósofo lacaniano-  
World,” Monthly Review 74, no. 8 (January 2023): 16-32.  
*
O sentido geral da expressão “global labor arbitrage” é a busca que as empresas empreendem no  
mercado mundial para obter vantagens baseadas no diferencial de preço da força de trabalho entre  
diferentes regiões do planeta por meio, por exemplo, de subcontratações, migração de trabalhadores  
sob contratos especiais de trabalho entre outros expedientes.  
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hegeliano Slavoj Žižek acabou por tomar partido pela tradição anti-humanista  
proveniente do heideggerianismo de esquerda, o que gerou em sua obra um carnaval  
de irracionalismo. Todas essas várias tendências estão associadas ao ceticismo, ao  
niilismo e a uma perspectiva pessimista de fim do mundo.  
Escrevendo sobre “O Sistema Irracional” no capítulo final de Capitalismo  
Monopolista (1966), Paul A. Baran e Paul M. Sweezy exploraram a destruição da razão  
que tinha passado a impregnar todos os aspectos do capitalismo monopolista, desde  
a irracionalidade do sistema econômico até à sua destrutividade elementar da vida  
social. Apontaram, assim, para “a contradição entre a crescente racionalidade dos  
métodos de produção da sociedade e as organizações que os encerram, de um lado,  
e a inalterada elementaridade [e irracionalidade] no funcionamento e percepção do  
todo, de outro”13. “O ponto crucial dos pontos cruciais” do “insight marxiano”,  
escreveu Baran numa carta a Sweezy, era que a força motriz da revolução de classes  
era sempre “a identidade dos interesses e necessidades materiais de uma classe com...  
a crítica por meio da RAZÃO à irracionalidade existente”14. O irracionalismo na cultura  
burguesa tinha, portanto, como principal objetivo separar qualquer classe  
potencialmente revolucionária do domínio da crítica racional, substituindo-a pelo  
instinto, pelo mito e pelo contínuo vômito da razão, como no Homem Subterrâneo de  
Fiódor Dostoiévski (em Notas do Subterrâneo)15. Tudo isso estava ligado material e  
ideologicamente ao imperialismo, à barbárie e ao fascismo.  
Na concepção de Baran, as análises que perseguiam a razão uma vez divorciada  
de conexões com a realidade material e a classe assumiam uma forma puramente  
"ideacional". Disso resultou que a defesa da razão não em um sentido puramente  
ideacional, mas ligada às forças materiais reais indicadas era uma parte indispensável  
da luta socialista; uma parte que era mais importante do que nunca na era irracional  
do capitalismo monopolista e do imperialismo. Por isso, expor a dialética do  
13  
Paul A. Baran e Paul M. Sweezy, Monopoly Capital (New York: Monthly Review Press, 1966), 338,  
341 [Ed. bras.: Baran, P.; Sweezy, P. Capitalismo Monopolista: ensaio sobre a ordem econômica e social  
americana. Rio de Janeiro: Zahar, 1974, p. 337].  
14  
Paul A. Baran to Paul M. Sweezy, February 03, 1957 in Paul A. Baran and Paul M. Sweezy, The Age  
of Monopoly Capital (New York: Monthly Review Press, 2017), 154.  
15  
Fyodor Dostoevsky, Notes from Underground (New York: Vintage, 1993), 13; Paul A. Baran, The  
Longer View (New York: Monthly Review Press, 1969), 104. A frase “vômito da razão” é extraída da  
interpretação de Baran sobre a rejeição pelo Homem do Subsolo das “leis da natureza” e “duas vezes  
dois é quatro”, por meio da qual o protagonista da novela de Dostoievsky, segundo Baran, “vomita  
razão”.  
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irracionalismo e do imperialismo que se desenrola no nosso tempo uma época em  
que o desenvolvimento das forças produtivas já não serve para disfarçar a  
destrutividade do sistema capitalista global que agora ameaça toda a humanidade –  
tem de ser um objetivo primordial da esquerda.  
O irracionalismo na história  
O irracionalismo no final do século XIX e início do século XX foi uma corrente  
bem conhecida da filosofia europeia, inspirando-se numa ênfase na vontade de  
vida/vontade de poder, nos instintos, na intuição, nos mitos e nos princípios da  
filosofia da vida*, bem como em um profundo pessimismo social em oposição à  
anterior ênfase iluminista no materialismo, na razão, na ciência e no progresso. A  
corrente assumiu a forma de um movimento profundamente reacionário que era  
virulentamente anti-humanista, antidemocrático, anticientífico, antissocialista e  
antidialético, bem como, frequentemente, racista e misógino. Algumas das principais  
figuras da virada irracionalista no período 1848-1932 incluíam Schopenhauer, Eduard  
von Hartmann, Nietzsche, Sorel, Spengler, Bergson, Heidegger e Schmitt16.Tal  
irracionalismo filosófico representava a generalização intelectual de influências  
históricas mais amplas em ocorrência na sociedade dominante. Por isso, muitas vezes  
faltam relações de causalidade diretas entre tal corrente e os movimentos reacionários.  
No entanto, é inegável a conexão geral entre essas tendências ideais e a eventual  
emergência do fascismo, e particularmente do nazismo, na Europa. Sorel professou a  
sua admiração por Benito Mussolini17. Heidegger e Schmitt foram ideólogos e  
funcionários nazistas. Ninguém menos do que Hitler capturou o espírito da  
irracionalidade presente à época, quando declarou: “Estamos no fim da Idade da  
Razão... Surge uma nova era de explicação mágica do mundo, uma explicação baseada  
na vontade, em vez de no conhecimento. Não há verdade, nem no sentido moral nem  
* Na tradução para o inglês de A destruição da razão, Lebensphilosophie recebeu o equivalente vitalism.  
Para acompanhar o sentido empregado por Lukács, adotou-se preferencialmente filosofia da vida,  
conforme edição brasileira. O mesmo se aplica a filósofo da vida para vitalist e variantes. Em alguns  
casos, nos quais Foster estabelece um diálogo com o chamado “novo materialismo” e remete ao sentido  
da atribuição de “poderes vitais” à totalidade dos seres, foi mantido vitalismo e variantes. No entanto,  
Foster emprega os termos sem diferenciação.  
16  
Sobre irracionalismo, ver Lukács, A Destruição da Razão; Herbert Aptheker, “Imperialism and  
Irrationalism,” Telos 4 (1969): 168-75; Étienne Balibar, “Irrationalism and Marxism,” New Left Review  
I:107 (January-February 1978): 3-18; Frederick Copleston, A History of Philosophy, vol. 7, Part II,  
Modern Philosophy: Schopenhauer a Nietzsche (Garden City, New York: Doubleday, 1963);  
Irrationalism,” [Encyclopedia] Britannica, sem data, britannica.com.  
17 James H. Meisel, “A Premature Fascist? Sorel and Mussolini,” The Western Political Quarterly 3, no. 1  
(March 1950): 26; H. Stuart Hughes, Consciousness and Society (New York: Vintage, 1958), 162.  
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no científico”18.  
Ao abordar o problema do irracionalismo em uma perspectiva marxista, Lukács,  
em A Destruição da Razão, traçou as suas raízes históricas na derrota das revoluções  
burguesas de 1848, seguida pela emergência do estágio imperialista do capitalismo  
no último quarto do século XIX, que conduziu à Primeira e Segunda Guerras Mundiais.  
“A própria razão”, argumentou, “não é algo que paira acima do desenvolvimento social  
de modo apartidário e neutro; pelo contrário, ela reflete sempre a racionalidade (ou  
irracionalidade) concreta de uma dada situação social, de uma dada direção do  
desenvolvimento histórico e, ao lhe dar clareza conceitual, promove ou retarda esse  
desenvolvimento”19. Trata-se da crítica imanente, baseada no escrutínio das moventes  
condições históricas, que constitui a essência do método dialético marxiano na análise  
do desenvolvimento do pensamento.  
Para Lukács, Schopenhauer foi o criador da “modalidade puramente burguesa do  
irracionalismo”20. A sua magnum opus, O Mundo como Vontade e Representação,  
publicada em 1819, foi dirigida contra a filosofia hegeliana. Schopenhauer tentou opor  
o seu idealismo subjetivo da vontade ao idealismo objetivo da razão de G. W. F. Hegel.  
Ao fazê-lo, chegou até a programar, na década de 1820, as suas conferências em  
Berlim em oposição às de Hegel, mas em vão, pois foi incapaz de atrair audiência. Foi  
apenas com a derrota das revoluções de 1848 na Alemanha que o clima geral se  
alterou a seu favor. A este ponto, a burguesia alemã modificou seu alinhamento  
intelectual, deixando Hegel e Ludwig Feuerbach e passando a Schopenhauer, que, na  
última década de sua vida, alcançou uma aclamação generalizada21.  
A genialidade de Schopenhauer, segundo Lukács, consistiu em ter sido o pioneiro  
do método da “apologética indireta”, mais tarde aperfeiçoado por Nietzsche. As  
anteriores apologéticas da ordem burguesa haviam procurado defendê-la diretamente,  
apesar de suas múltiplas contradições. Já no novo método de Schopenhauer da  
apologética indireta, o lado mau do capitalismo (e até mesmo as suas contradições)  
18  
Hitler citado por Herman Raushning, Gespräche mit Hitler (New York: Europa Verlag, 1940), 210,  
traduzido em Gerald Holton, “Can Science Be at the Centre of Modern Culture?, Public Understanding  
of Science 2 (1993): 302. Para uma tradução ligeiramente diferente, ver Herman Raushning, Voice of  
Destruction (New York: G. P. Putnam’s Sons, 1940), 222-223.  
19 Lukács, The Destruction of Reason, 5 [Ed. bras.: p. 11].  
20 Lukács, The Destruction of Reason, 192 [Ed. bras.: p. 172].  
21  
Copleston, Schopenhauer to Nietzsche, 27; Lukács, The Destruction of Reason, 193-198 [Ed. bras.:  
pp. 173-178].  
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podia ser trazido à tona. Estes elementos nunca eram atribuídos ao sistema capitalista,  
mas, sim, ao egoísmo, aos instintos e à vontade, percebendo a existência humana, em  
termos profundamente pessimistas, como um processo de autodissolução conduzido  
por vícios22. O conceito de Schopenhauer de vontade, ou vontade de vida, atribuído  
por ele à toda a existência, tomava, assim, a forma de um egoísmo cósmico. Ao reduzir  
tudo, em última instância, à pura vontade, a filosofia de Schopenhauer, escreveu  
Lukács, “antropomorfiza a natureza em seu todo”. A vontade, para Schopenhauer,  
englobava as coisas-em-si (numenon) de Immanuel Kant, para além da percepção  
humana. “Tenho de reconhecer”, declarou Schopenhauer, [que a vontade] “Aparece em  
cada força da natureza que faz efeito cegamente, na ação ponderada do ser humano;  
se ambas diferem {vontade e objetividade}, isso concerne tão somente ao grau da  
aparição, não à essência do que aparece”23  
A noção de vontade de Schopenhauer foi, talvez, mais bem revelada pela sua  
resposta à famosa afirmação de Baruch Spinoza de que uma pedra em queda, se fosse  
consciente, pensaria que era dotada de livre-arbítrio e que o seu impulso era um  
produto da sua própria vontade um argumento concebido para refutar a noção de  
livre-arbítrio. Schopenhauer inverteu o sentido dado por Spinoza e declarou: “A pedra  
teria razão. O choque é para ela o que para mim é o motivo. O que nela aparece como  
coesão, gravidade, rigidez no estado adquirido é, segundo essência íntima, o mesmo  
que reconheço em mim como vontade, e que a pedra, se adquirisse conhecimento,  
também reconheceria como vontade”24. Para Schopenhauer, o “materialismo vulgar”  
simplesmente negava a imanência dessas “forças vitais” que eram idênticas à vontade  
de vida, para além das quais não existia “nada25.  
O fim do século XIX foi um período associado, em parte, ao crescimento do  
22 Lukács, The Destruction of Reason, 204-208 [Ed. bras.: pp. 181-185].  
23  
Arthur Schopenhauer, The World as Will and Idea, vol. 3 (London: Trübner, 1883), 164 [Ed. bras.:  
Schopenhauer, A. O mundo como vontade e representação. São Paulo: Editora UNESP, 2005, pp. 168-  
9]; Lukács, The Destruction of Reason, 225 [Ed. bras.: p. 198]. A atribuição de Schopenhauer da vontade  
à toda a existência pareceria menos fantástica a seus leitores, em seus dias, do que é o caso hoje. Como  
notou criticamente o grande geólogo Georges Curvier no seu famoso “Preliminary Discourse” em seu  
Researchers on Fossil Bones, de 1812, alguns cientistas do início do século XIX, incluindo o  
mineralogista Eugène Patron, atribuíram a “mais elementar molécula... um instinto, uma vontade”  
Georges Curvier, Fossil Bones, and Geological Catastrophes, ed. Martin J. S. Rudwick (Chicago: University  
of Chicago Press, 1997), 201.  
24  
“From Baruch Spinoza’s ‘Letter to G. H. Schuller’ (1674),” Explanitia (blog), October 3, 2018,  
explanatia.wordpress.com; Schopenhauer, The World as Will and Idea, vol. 3, 164 [Ed. bras.: p. 187].  
Lukács, The Destruction of Reason, 225-27 [Ed. bras.: pp. 198-200].  
25  
Schopenhauer, The World as Will and Idea, vol. 3, 159, 165-166, 531-532 [Ed bras.: p. 163, pp.  
170-173, pp. 537-538]; Lukács, The Destruction of Reason, 225 [Ed. bras.: p. 198].  
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O novo irracionalismo  
neokantismo na filosofia, começando com a obra The History of Materialism and  
Critique of Its Present Importance (1866), de Friedrich Lange, que procurou derrubar  
todas as tendências materialistas particularmente, o materialismo histórico de Karl  
Marx26. Porém, ainda mais influente e voltado a nova era imperialista foi o  
irracionalismo enquanto tendência filosófica geral. O principal seguidor de  
Schopenhauer (para além de Nietzsche, sobre quem exerceu uma influência  
considerável), e uma figura dominante do irracionalismo filosófico no fim do século  
XIX, foi Eduard von Hartmann, com o seu enorme volume, The Philosophy of the  
Unconscious (1869). Pensador mais eclético do que Schopenhauer, Hartmann  
professava reunir o otimismo de Hegel com o pessimismo de Schopenhauer. Mas foi  
o profundo pessimismo e irracionalismo da obra de Hartmann que mais impressionou  
os leitores da época, marcado especialmente pela sua noção de suicídio cósmico.  
Na visão de Hartmann, este era o melhor dos mundos possíveis, mas a não  
existência era superior à existência. Consequentemente, ele acreditava que, em algum  
momento, a vontade, ou “Espírito Inconsciente”, ficaria tão envolta na espécie humana  
“no auge de seu desenvolvimento” que levaria a um suicídio cósmico, levando a um  
“fim temporal” todo o processo mundial, resultando no “último dia”. A este ponto, “a  
negação humana da vontade” iria “aniquilar toda a volição atual do mundo sem  
resíduos e faria desaparecer todo o cosmos em um só golpe pela retirada da volição,  
a única que lhe dá existência”. O fim da humanidade não tomaria a forma de um  
“apocalipse” tradicional, vindo de fora, mas emanaria do suicídio da vontade,  
estendendo-se ao universo como um todo27.  
Nietzsche morreu em 1900. A data era significativa, uma vez que, na visão de  
Lukács, Nietzsche foi o “fundador do irracionalismo no período imperialista”, que  
estava, então, apenas a começar. O estágio imperialista ou monopolista do capitalismo,  
na teoria marxista, começou no último quarto do século XIX, mas, em termos da vida  
e da obra de Nietzsche, apenas eram visíveis “os germes e princípios daquilo que  
estava por vir” a esse respeito. A genialidade de Nietzsche consistiu em,  
instintivamente, antecipar o que estava por vir, e em desenvolver o método do  
26 Friedrich Lange, The History of Materialism (New York: Humanities Press, 1950).  
27  
Eduard von Hartmann, Philosophy of the Unconscious, vol. 3 (London: Kegan, Paul, Trench, and  
Trübner, 1893) 131-36; Copleston, Schopenhauer to Nietzsche, 57-59; Thomas Moynihan, X-Risk: How  
Humanity Discovered Its Own Extinction (Falmouth, UK: Urbanomic Media, 2020), 273-78; Lukács, The  
Destruction of Reason, 409 [Ed. bras.: p. 356]; Frederick C. Beiser, After Hegel: German Philosophy,  
1840-1900 (Princeton: Princeton University Pres, 2016), 158-216.  
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irracionalismo para a nova era do império a partir de análises cuja “forma mistificadora”  
tornava-se ainda mais obscura pelo uso frequente de aforismos. É isso que explica a  
natureza hipnotizante do estilo literário de Nietzsche, que era ao mesmo tempo um  
meio de aperfeiçoar a apologética indireta28. Tudo em Nietzsche é apresentado de  
forma nebulosa, de modo que, ao mesmo tempo em que o todo da orientação político-  
social de sua filosofia não é posto em dúvida, também originam-se discussões  
intermináveis decorrentes do seu carácter mítico, convidando a imitadores e  
estabelecendo a forma dominante pela qual o irracionalismo filosófico é levado a cabo  
até hoje.  
Resumindo a caracterização principal da filosofia de Nietzsche, Lukács escreveu:  
Quanto mais ficcional e subjetiva for a origem de um conceito, tanto  
mais elevado seu status, tanto mais será visto como “verdadeiro”  
dentro da hierarquia mítica. O ser, por mais imperceptíveis que sejam  
os traços de sua relação com  
a
realidade existente  
independentemente da nossa consciência, deve ser necessariamente  
substituído pelo devir (que é uma representação). O ser, entretanto,  
depois de depurado de todas essas impurezas, concebido como pura  
ficção, como puro produto da Vontade de Poder, também pode se  
tornar, para Nietzsche, uma categoria superior ao devir enquanto  
expressão da pseudo-objetividade intuitiva do mito. A função  
particular dessa determinação do devir e do ser, em Nietzsche, serve  
para preservar a pseudo-historicidade indispensável à sua apologética  
indireta e, ao mesmo tempo, para superá-la, para confirmar,  
filosoficamente, o fato de que o devir da história não pode produzir  
nada de novo e para além do capitalismo29.  
No entanto, apesar de todo o brilhantismo e mesmo atração da filosofia de  
Nietzsche, o seu carácter sistematicamente reacionário e irracionalista não pode ser  
negado. No final de seu O Mundo como Vontade e Representação, Schopenhauer tinha  
declarado que a vontade de viver era tudo, para além da qual não havia nada.  
Nietzsche, em uma passagem sobre Schopenhauer, pronunciou-se de forma célebre:  
Este mundo é a vontade de poder e nada além disso! E também vós mesmos sois  
essa vontade de poder e nada além disso”30.  
Em Além do Bem e do Mal (1886), Nietzsche, em oposição ao marxismo,  
escreveu:  
A vida é essencialmente uma apropriação, uma violação, uma sujeição  
28 Lukács, The Destruction of Reason, 309, 319-21 [Ed. bras.: p. 280, pp. 300-304].  
29 Lukács, The Destruction of Reason, 388-89 [Ed. bras.: p. 344].  
30  
Friedrich Nietzsche, The Will to Power (New York: Vintage, 1967), 550 [Ed. bras.: Nietzsche, F.  
Vontade de poder. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008, p. 513].  
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de tudo aquilo que é estranho e fraco, significa opressão, rigor,  
imposição das próprias formas, assimilação, ou pelo menos, na sua  
forma mais suave, um aproveitamento... [se] represente um corpo vivo  
e não um corpo moribundo... essa deverá ser a vontade de dominação,  
desejará crescer, aumentar, atrair, adquirir predomínio não já pela  
moralidade ou imortalidade, mas unicamente porque vive e porque a  
vida é a vontade de potência. Mas em nenhum outro ponto além disso  
a consciência dos europeus é geralmente mais esquiva a toda  
sugestão, desvanece-se, assim, até mesmo sob roupagens científicas,  
de um estado social vindouro que não terá o “caráter da fruição”* –  
ouço isso, como se alguém prometesse inventar uma vida que devesse  
abster-se das funções orgânicas. A "fruição" não é um indício, o caráter  
de uma sociedade corrupta ou imperfeita e primitiva; isto é uma parte  
íntima da essência de tudo aquilo que vive, porque não é uma função  
orgânica, uma consequência da verdadeira vontade de dominar, que  
não é outra coisa que a vontade de viver31.  
Aqui, Nietzsche mistura a apropriação que, na teoria política clássica e na obra  
de pensadores tão diversos quanto John Locke, Hegel e Marx, significava o processo  
de aquisição de propriedade (e que, para Marx, envolvia, em última análise, a produção)  
com a exploração efetiva. Não obstante, no emprego de Nietzsche, exploração não  
era diferente de expropriação (isto é, apropriação sem equivalente ou reciprocidade).  
Assim, como em um truque de mágica, a apropriação, que é a base da vida, passa a  
ser equiparada à exploração/expropriação, que não é essencial à existência, fechando,  
assim, qualquer noção de um futuro igualitário ou humano. Além disso, Nietzsche  
acaba por fundamentar a sua visão num determinismo biológico, que, como nos diz,  
constitui a “essência” da “vontade de poder”. Deste modo, o seu essencialismo em  
relação à natureza humana difere do de Thomas Hobbes apenas na medida em que  
este último, no contexto histórico do século XVII, era um pensador progressista ao  
invés de regressivo32.  
Os escritos de Nietzsche exibem ataques intermináveis ao socialismo e até  
mesmo à democracia. “O socialismo”, escreveu ele, era “a tirania pensada até as últimas  
consequências dos mais miúdos, dos mais tolos, dos mais superficiais, dos invejosos,  
*
Na edição brasileira, exploitation ganhou o sentido de “aproveitamento” e “fruição”, e exploitative  
aspect o de “caráter da fruição” – o que prejudica o argumento de Foster, uma vez que, no parágrafo  
seguinte, o autor retoma o termo exploitation, no sentido de “exploração”. Optamos por seguir a edição  
brasileira, mas fazer a ressalva.  
31  
Friedrich Nietzsche, Beyond Good and Evil (New York: Vintage, 1966), 203 [Ed. bras.: Nietzsche, F.  
Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras (edição de bolso), 2005, pp. 194-5].  
32  
Lukács, The Destruction of Reason, 361 [Ed. bras.: p. 331]. Sobre Hobbes, ver István Mészáros,  
Beyond Leviathan (New York: Monthly Review Press, 2022), 42-44 [Ed. bras.: Mészáros, I. Para Além  
do Leviatã. São Paulo: Boitempo, 2021, pp. 74-77].  
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dos setenta e cinco por cento atores – é de fato a conclusão das “ideias modernas”33**.  
Em uma deturpação do darwinismo, do qual se apropriou na forma de um mero clichê  
a partir das linhas do darwinismo social, o autor argumentou que, em vez da  
sobrevivência dos mais aptos, a sociedade europeia era caracterizada pela  
sobrevivência dos inadequados. Segundo esse ponto de vista, as massas medíocres  
ou “animais de rebanho”, fortalecidos por constituírem a maioria, estavam a tomar  
conta da sociedade, retirando desta seus elementos mais “nobres”, de modo que eram,  
justamente, os espíritos nobres que precisavam ser protegidos por meio da força34.  
Nietzsche escreveu que “mesmo sendo verdade que os gregos sucumbiram por causa  
da escravidão, não é menos verdade que nós sucumbiremos pela falta de escravidão”.  
Detestando a sociedade burguesa, mas detestando ainda mais a democracia e o  
socialismo, Nietzsche declarou: “Fantasmas como os da dignidade do homem, da  
dignidade do trabalho, são os produtos miseráveis da escravidão que se esconde de  
si mesma”35.  
A sociedade moderna, para Nietzsche, interferiu na hierarquia natural das raças:  
“a nossa Europa é em nossos dias teatro de uma tentativa insensatamente repentina  
de mistura radical ... de raças36. Isso exigiu a reafirmação da “raça superior”, que ele  
descreveu em termos “arianos”, como ligada à “besta germânica loira” que se encontra  
“no centro de toda raça nobre”. Em contraste, “hoje é até evidente, estes ''heróis'' da  
baixeza e do ódio, estes resíduos da escravidão europeia e não europeia,  
principalmente da população pre-ária, representam o retrocesso da humanidade!”37.  
Regozijando-se com a derrota da Comuna de Paris, Nietzsche referiu-se a ela  
como a “forma social mais primitiva”, uma vez que representava os interesses do  
33 Nietzsche, The Will to Power, 25, 77 [Ed. bras.: pp. 43-44, pp. 87-88]. Nietzsche, Beyond Good and  
Evil, 118 [Ed. bras.: p. 117].  
** Esta citação está maior do que a usada originalmente por Foster para que seja possível seguir a edição  
brasileira sem prejudicar o argumento do autor.  
34 Nietzsche, The Will to Power, 33, 78, 364-65, 397-98 [Ed. bras.: pp. 50-1, pp. 88-9, pp. 346-8, pp.  
376-8]; Nietzsche, Beyond Good and Evil, 11011, 115 [Ed. bras.: pp. 110-11, p. 115]; Friedrich  
Nietzsche, Twilight of the Idols (Indianapolis: Hackett Publishing Co., 1997), 41 [Ed. bras.: Nietzsche, F.  
Crepúsculo dos ídolos. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, pp. 46-7].  
35 Nietzsche quoted in Lukács, The Destruction of Reason, 327 [Ed. bras.: p. 286].  
36 Nietzsche, Beyond Good and Evil, 111 [Ed. bras.: p. 127].  
37  
Friedrich Nietzsche, On the Genealogy of Morality (Cambridge: Cambridge University Press, 2007),  
23-24, 33 [Ed. bras.: Nietzsche, F. Genealogia da moral. Petrópolis: Editora Vozes, 2004, pp. 43-4, pp.  
55-6]. Estranhamente, Deleuze vê a concepção de Super-Homem de Nietzsche como o triunfo final  
deste sobre a dialética de Hegel. Gilles Deleuze, Nietzsche and Philosophy (New York: Columbia  
University Press, 1983), 147-94 [Ed. bras.: Deleuze, G. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Editora  
Rio, 1976, pp. 123-161].  
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O novo irracionalismo  
rebanho. Preocupava-se com o destino trágico que aguardava a “raça dominadora e  
conquistadora dos ruivos ários” na era democrática e socialista. Essa “humanidade  
ariana” conquistadora era caracterizada como originalmente loira e “nobre, pura,  
verdadeira”, em oposição aos anteriores “habitantes nativos de cor morena e cabelos  
negros” da Europa e de outros lugares38. Em A Vontade de Poder, ele declarou  
abertamente: “A grande maioria dos homens não tem direito à vida e serve apenas  
para desconcertar os eleitos de nossa raça. Ainda não concedo esse direito aos  
incapazes. Existem até povos incapazes” – sem o direito de existir39.  
Na noção de Nietzsche de “eterno retorno”, os espíritos “nobres” e a raça  
superior voltariam a experimentar o triunfo da vontade nas oscilações cíclicas da  
história. No entanto, o eterno retorno significava uma falta de progresso geral, de  
modo que o resultado cumulativo era “O Nada (‘o que não tem sentido’) eterno!”.  
Embora Nietzsche quisesse superar o niilismo através do super-homem como a  
personificação da vontade de poder, foi ao niilismo que tudo sempre retornou  
eternamente, uma vez que o genuíno progresso foi excluído40.  
A filosofia da vida ou Lebensphilosophie, foi, na concepção de Lukács, a filosofia  
dominante de todo o período imperialista na Alemanha. Entretanto, a filosofia da vida  
teve seu maior representante desse período na obra de Bergson, na França. A filosofia  
de Bergson baseava-se em duas formas de consciência: o intelecto e a intuição. O  
intelecto relacionava-se com o mundo mecânico da ciência natural, e a intuição com a  
metafísica e, portanto, com o reino da filosofia. Ele acreditava que, ao olhar para o  
íntimo do reino intuitivo, era possível resolver problemas tais como o caráter do tempo  
e da evolução, de maneiras que complementavam senão indo além delas a ciência  
e a razão. Assim, ele desafiou, como colocou Lukács, “a objetividade e a verdade do  
conhecimento das ciências da natureza”, criando uma “contraposição abstrata e brusca  
entre racionalidade e intuição irracional”41.  
38 Nietzsche, On the Genealogy of Morality, 14-15 [Ed. bras.: pp. 37-38]; Nietzsche, Twilight of the Idols,  
41 [Ed. bras.: pp. 52-53].  
39  
Esta tradução segue a de Michael Scarpitti, “The Perils of Translation, or Doing Justice to the Text,”  
38, academia.edu. A tradução de Kaufman de The Will to Power omite as duas últimas sentenças.  
Nietzsche, The Will to Power, 467 {as duas sentenças referidas por Foster também foram omitidas na  
edição brasileira}. Ver também Ronald Beiner, Dangerous Minds: Nietzsche, Heidegger, and the Return  
of the Far Right (Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2018), 4, 137.  
40 Lukács, The Destruction of Reason, 392 [Ed. bras.: p. 347]; Deleuze, Nietzsche and Philosophy, 198.  
[Ed. bras.: p. 164].  
41 Lukács, The Destruction of Reason, 25, 403 [Ed. bras.: pp. 27-28, p. 351].  
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Os dois conceitos mais importantes de Bergson foram os de tempo, enquanto  
duração subjetiva, e o élan vital, ou impulso vital. Com base nesses conceitos, ele  
propôs uma espécie de terceira via na filosofia, que existiria fora do materialismo  
mecanicista e do idealismo/teleologia. “O tempo”, afirmou, “ou é invenção ou não é  
nada”. No momento em que confrontamos a “duração, vemos que ela significa criação”.  
Nossas próprias vidas nos deram as pistas para desvendar o segredo do tempo, ou a  
capacidade de perdurar, já que a duração “pode não ser o apanágio da própria matéria,  
mas da Vida que nada à contracorrente dela”42. O élan vital era o impulso criador da  
vida, iluminando a matéria, o que explicava a evolução. Sobre tais bases  
essencialmente místicas, Bergson prosseguiu para desafiar a teoria de Charles Darwin  
que tratava a evolução enquanto seleção natural, bem como a concepção de espaço-  
tempo de Albert Einstein por não conseguir capturar as bases subjetivas, intuitivas e  
criativas da existência.  
Bergson nasceu em 1859, ano da publicação de A Origem das Espécies de  
Darwin, mas nunca pôde aceitar a teoria da seleção natural de Darwin, argumentando  
que a ciência natural era inadequada nessa área e que deveria haver algum impulso  
vital e criativo, um élan vital cósmico subjacente a toda evolução. Utilizando  
argumentos que agora são empregados pelos defensores do Design Inteligente por  
exemplo, que a evolução do olho não pode ser explicada pela seleção natural ele  
atribuiu a “evolução criadora” a um poder vital independente da matéria e da  
Os ataques de Bergson à teoria darwiniana da seleção natural e à razão em geral  
fizeram com que E. Ray Lankester, protegido de Darwin e Thomas Huxley, amigo íntimo  
de Marx e o principal biólogo britânico de sua época, se rebelasse contra a  
apresentação de Bergson da “intuição como guia verdadeiro e do intelecto como guia  
errôneo”. Ao avaliar a contribuição de Bergson, Lankester, um materialista rigoroso,  
escreveu: “Para o estudioso das aberrações e monstruosidades da mente do homem,  
as obras de M[onsieur] Bergson sempre serão documentos de valor”, análogo ao  
interesse que “um colecionador pode manifestar em uma curiosa espécie de  
42  
Henri Bergson, Creative Evolution (New York: Henry Holt, 1911), 340-342 [Ed. bras.: Bergson, H. A  
Evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 367-369].  
43 Frederick Copleston, A History of Philosophy, vol. 9, Maine de Biran to Sartre; Part I: The Revolution  
to Henri Bergson (New York: Doubleday, 1974), 216-223. Sobre a relação entre o argumento de  
Bergson a respeito do olho e o dos teóricos do design inteligente, ver John Bellamy Foster, Brett Clark,  
and Richard York, Critique of Intelligent Design (New York: Monthly Review Press), 14-15, 158-61.  
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O novo irracionalismo  
besouro”44. (Os biólogos socialistas, subsequentemente, transcenderam o debate entre  
mecanicistas e vitalistas por meio da dialética materialista, o que constituiu uma  
importante contribuição para a ciência.)45.  
Bergson ficou escandalizado com a teoria da relatividade de Einstein, que  
interpretava o tempo (ou o espaço-tempo) em termos físicos e que ganhava  
reconhecimento gradualmente. Em um famoso confronto em abril de 1922, Bergson  
argumentou, em oposição a Einstein, que uma noção física do tempo professada pelo  
intelecto era inadequada e que o tempo só poderia ser plenamente compreendido  
quando abordado, também, subjetiva e intuitivamente, em termos de duração. Einstein  
respondeu que “o tempo dos filósofos [que confunde tempo psíquico e tempo físico]  
não existe, resta apenas um tempo psicológico que difere do tempo dos físicos”. Para  
Einstein, nem o élan vital de Bergson nem a sua duração tinham qualquer significado  
em termos de ciência física46.  
Para Lukács, não existe nenhuma “filosofia ‘inocente’”. Isto se aplica claramente  
ao caso de Heidegger, apesar de seu aspecto rarefeito47. Na obra-prima de Heidegger  
O Ser e O Tempo, de 1927, a consideração dos seres individuais é minimizada na  
busca pela “ontologia fundamental” do Ser metafísico. O autor propôs que o Ser pode  
ser abordado com base em uma análise existencial focalizada no Dasein, isto é, na  
existência humana, que, como explicou mais tarde, pode ser concebida como o habitar  
e performar o papel de “pastor do Ser”. Logo, embora o Ser, para Heidegger, não  
possa ser apreendido diretamente, ele pode ser parcialmente revelado fenomenológica  
e existencialmente por meio do escrutínio do Dasein no contexto de seu "tornar-se-  
com" o mundo48. Todas as filosofias anteriores, desde Platão até à era moderna, foram  
consideradas por Heidegger como superficiais e estritamente metafísicas, na medida  
44  
Ray Lankester, Preface in Hugh S. R. Elliot, Modern Science and the Illusions of Professor Bergson  
(New York: Longmans, Green, and Co., 1912), vii-xvii.  
45 Ver B. Sadoski, “The ‘Physical’ and ‘Biological’ in the Process of Organic Evolution,” in Nikolai Bukharin  
et. al., Science at the Crossroads (London: Frank Cass and Co., 1971), 69-80; Joseph Needham, Time:  
The Refreshing River (London: Georg Allen and Unwin, 1943), 241-246.  
46  
Bergson, Creative Evolution, 342 [Ed. Bras.: p. 369]; Jimena Canales, The Physicist and the  
Philosopher (Princeton: Princeton University Press, 2015), 46-47; “Einstein vs. Bergson: The Struggle  
for Time,” Faena Aleph, faena.com.  
47 Lukács, The Destruction of Reason, 5, 496 [Ed. Bras.: p. 10, p. 434].  
48 Martin Heidegger, Basic Writings (New York: HarperCollins, 1993), 53-57, 234 [Ed. bras.: “O primado  
ontológico da questão do ser” in Heidegger, M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2005, pp. 34-38;  
Heidegger, M. Carta sobre o humanismo. Revista Centauro, 2005, p. 24]; Michael Wheeler, “Martin  
Heidegger,” Enciclopédia de filosofia de Stanford, 12 de outubro de 2011, plato.stanford.edu.  
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em que não se centravam no problema ontológico fundamental do Ser49. Uma  
consequência da filosofia de Heidegger foi a descentralização do ego consciente  
(transcendental) e o deslocamento da filosofia das questões de relações sujeito-objeto  
para autenticidade e inautenticidade50.  
Dado que a apreensão do Ser em si é o eixo principal da analítica existencial de  
Heidegger, poder-se-ia pensar que ela não teria muita relação com a política e a ética.  
No entanto, os elementos reacionários, irracionalistas e de tendências da filosofia da  
vida de Heidegger, embora não estivessem presentes na superfície, revelaram-se de  
diversas maneiras, exibindo a verdadeira natureza de sua lógica irracionalista. Isso  
ocorreu não apenas em seu período oficialmente nazista, mas também em seu trabalho  
posterior, no pós-guerra, e, seguramente, estava implícito no todo de sua posição  
filosófica desde o início. Desse modo, em suas palestras publicadas sobre Ser e  
Verdade, apresentadas na Universidade de Freiburg no inverno de 1933-1934, logo  
após sua adesão ao Partido Nazista e apenas alguns anos após a publicação de O Ser  
e o Tempo, Heidegger declarou:  
Inimigo é quem e todo aquele de quem sai e provém ameaça para a  
presença do povo e sua integridade. O inimigo não precisa ser externo  
e o inimigo externo nem sempre é o mais perigoso. Pode parecer não  
haver a presença de um inimigo. Então, a exigência fundamental é  
identificar o inimigo, colocá-lo à luz ou até iluminá-lo, a fim de dar-se  
e acontecer o estar contra e resistir ao inimigo e a presença não se  
tornar obtusa... [O desafio é] {que} muitas vezes é bem mais difícil e  
longo espreitar-se o inimigo como inimigo, levá-lo a desenvolver-se,  
não se deixar enganar em nada, manter-se de prontidão, cultivar e  
aumentar contínua vigilância e desencadear o ataque em ampla escala,  
visando ao completo aniquilamento51.  
Os papéis de Heidegger como funcionário do Partido Nazista, ideólogo e,  
durante seus anos como reitor da Universidade de Freiburg, o mais proeminente  
acadêmico apoiador de Hitler são, agora, bem conhecidos. Ajudou a instituir o  
Gleichschaltung, ou sistema de uniformização, dentro da academia alemã,  
desempenhando um papel de liderança na purificação da universidade de colegas e  
alunos que falharam em obedecer aos ditames do regime nazista. Ele também  
49 Heidegger abriu uma exceção a alguns filósofos pré-Socráticos, particularmente Heráclito.  
50  
Richard Wolin, Labyrinths (Amherst, Massachusetts: University of Massachusetts Press, 1995), 184  
[Tradução livre]. Lukács, The Meaning of Contemporary Realism, 20-21, 26-27 [Ed. bras.: Lukács, G.  
Realismo crítico hoje. Brasília: Coordenada-editora de Brasília, 1969, pp. 38-39, pp. 48-49].  
51 Martin Heidegger, Being and Truth (Bloomington: Indiana University Press, 2010), 73 (italics added)  
[Ed. Bras.: Heidegger, M. Ser e verdade. Petrópolis: Vozes, 2012, pp. 104-5 (ênfase adicionada)]; Beiner,  
Dangerous Minds, 4-5, 137.  
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trabalhou em estreita colaboração com o teórico jurídico [Karl] Schmitt, o principal  
autor do notório Führerprinzip, promovendo a ideologia nazista e presidindo a queima  
simbólica de livros52. Sua Introdução à Metafísica, de 1935, não apenas prestou uma  
homenagem ao nazismo, mas também apresentou um argumento ao triunfo do “Volk  
[povo] histórico… e assim à história do Ocidente”, acionando “novas energias  
espirituais”. Em uma conversa com Karl Löwith em Heidelberg em 1936, Heidegger  
concordou “sem reservas” com a sugestão de que seu “partidarismo pelo nacional-  
socialismo estava na essência de sua filoosfia”53.  
Heidegger frequentemente elogiava Mussolini e Hitler, apresentando Nietzsche  
como um precursor de ambos os líderes fascistas. No livro de Heidegger sobre  
Friedrich Schelling, uma longa frase da palestra original foi omitida na edição de 1971,  
mas foi posteriormente reinserida a pedido do próprio Heidegger. Dizia: “Como é  
notório, ambos os homens na Europa os quais inauguraram, ao modo nacional-político  
de seus respectivos povos, os contramovimentos [Gegenbewegungen] ao niilismo,  
nomeadamente Mussolini e Hitler, foram por sua vez, cada qual a sua maneira,  
essencialmente determinados por Nietzsche; sem que com isso o autêntico domínio  
metafísico de Nietzsche tenha se constituído”. Heidegger explicou em suas palestras  
que Nietzsche havia demonstrado que a democracia leva a “uma forma degenerada de  
niilismo” e, portanto, demandava um movimento mais autêntico do Povo. Em um curso  
sobre lógica em 1934, Heidegger declarou que “Negros são homens, mas não  
possuem história... A natureza não possui história... Quando a hélice de um avião gira,  
nada realmente ‘acontece’. Por outro lado, quando este avião leva Hitler à Mussolini,  
então a história acontece”54. “A falsa cultura” da civilização Ocidental, ele explicou, só  
será suplantada pelo “mundo espiritual” do Povo baseado na “mais profunda  
preservação das forças da terra e do sangue”55.  
Em seus infames Black Notebooks (um diário filosófico que Heidegger solicitou  
a inclusão no final de sua Collected Works), ele deu repetidas evidências de seu  
52  
Emmanuel Faye, Heidegger: The Introduction of Nazism into Philosophy in Light of the Unpublished  
Seminars of 1933-1935 (New Haven: Yale University Press, 2009), 39-58 [Ed bras.: Faye, E. Heidegger:  
a introdução do nazismo na filosofia. São Paulo: É Realizações, 2015, pp. 103-136]; Richard Wolin, ed.,  
The Heidegger Controversy (Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1993); Richard Wolin,  
Labyrinths,103-22.  
53  
Citações de Heidegger de Wolin, Labyrinths, 126, 138. Ver também Wolin, The Heidegger  
Controversy, 30.  
54 Briner, Dangerous Minds, 105-8; Wolin, Labyrinths, 134-35.  
55 Heidegger citado em Wolin, Labyrinths, 131.  
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profundo antissemitismo. Assim, ele atribuiu as falhas da modernidade e do  
racionalismo ocidental ao “judaísmo mundial”, um termo usado no Mein Kampf de  
Hitler que se referia a uma conspiração judaica de dominação mundial. “O judaísmo  
mundial”, escreveu Heidegger nos Black Notebooks, “é inapreensível em todos os  
lugares [por causa de seu domínio do pensamento racionalista] e não precisa se  
envolver em ação militar enquanto continua a desenvolver sua influência, ao passo que  
nós [Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial] somos deixados para sacrificar o  
melhor sangue do melhor de nosso povo"56. Após a publicação dos Black Notebooks,  
o estudioso de Heidegger Tom Rockmore observou que “parece cada vez mais claro  
que a filosofia de Heidegger, sua virada para o nacional-socialismo e seu  
antissemitismo não são nem independentes nem separáveis, mas, sim,  
inseparavelmente ligados”57.  
Está claro que Heidegger nunca se afastou, ou mesmo pretendeu se distanciar,  
de suas visões extremamente reacionárias, que sustentavam todo o seu esforço  
filosófico. Em sua famosa Carta sobre o humanismo, publicada em 1947, ele promoveu  
um ataque sistemático ao humanismo, depreciando pensadores do Iluminismo alemão  
como Johann Wolfgang von Goethe e Friedrich Schiller. Ao contrário do pós-  
humanismo de hoje, no entanto, Heidegger estava, sobretudo, preocupado em negar  
a noção de seres humanos como seres primariamente materiais ou corpóreos,  
portadores de uma “racionalidade animal”. Para Heidegger, a verdade reside na  
analítica existencial do Dasein, concebendo a existência humana real como uma  
aproximação do Ser. Na sua habitual linguagem velada, Heidegger anunciou um  
“destino” ainda por vir, baseado numa historicidade “mais primordial” – mais próxima  
do Dasein – “do que o humanismo”. O humanismo, que ele identificava com o  
racionalismo, devia ser sempre combatido, “porque ele não instaura a humanitas do  
ser humano numa posição suficientemente alta" ao promover a ôntica empirista de  
meros seres individuais e materiais, em oposição à ontologia fundamental do Ser, na  
qual o ego consciente é descentrado58. Heidegger insinuou que, devido à linguagem,  
que ele via como o centro do Dasein, havia uma relação próxima entre a antiga cultura  
56 Philip Oltermann, “Heidegger’s ‘Black Notebooks’ Reveal Antisemitism at the Core of His Philosophy,”  
Guardian, 12 de março de 2014.  
57  
Tom Rockmore, “Heidegger After Trawny,” in Heidegger’s Black Notebooks, ed. Andrew J. Mitchell  
and Peter Trawny (New York: Columbia University Press, 2017), 152.  
58  
Heidegger, Basic Writings, 225, 234, 241-247 [Ed. bras.: Heidegger, M. Carta sobre o humanismo.  
Revista Centauro, 2005, p. 33]; Lukács, The Destruction of Reason, 833-836 [Ed. bras.: pp. 721-724].  
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grega e a alemã (no sentido do que era geralmente concebido como a linha Ariana)  
que tornava a Alemanha única na promoção da autêntica historicidade do Ocidente59.  
Em sua Carta sobre o Humanismo, Heidegger reconheceu o poder da crítica de  
Marx à alienação, antes de proceder à crítica do materialismo ingênuo e de reduzir a  
teoria da alienação de Marx à questão da tecnologia. Como Lukács afirmou, não havia  
dúvidas sobre o que Heidegger apontava, que claramente via "o marxismo como o  
inimigo fundamental de que se trata de combater60.  
O retorno do irracionalismo  
Lukács identificou o desenvolvimento do irracionalismo com o estágio  
imperialista do capitalismo. Este foi concebido, em primeiro lugar economicamente, na  
linha de Lênin e Rosa Luxemburgo, como um sistema de capitalismo monopolista  
caracterizado em termos de rivalidade inter-imperialista e de guerra na luta pelas  
colônias e esferas de influência. Mas foi sobretudo Lênin, segundo Lukács, quem  
traduziu a concepção econômica do imperialismo em uma “articulação concreta (...) do  
imperialismo com todas as questões políticas do presente”, centradas na política de  
classes e nos alinhamentos entre nações61. Além disso, Lênin reconheceu que os  
acordos de paz no estágio imperialista “só podem ser, inevitavelmente, “tréguas” entre  
guerras”, no âmbito de uma luta geopolítica mais ampla, inerente ao capitalismo  
monopolista62. Os aspectos políticos do imperialismo permeavam, assim, a cultura de  
nações inteiras, gerando aquilo a que Raymond Williams, em outro contexto, chamaria  
de “estruturas de sentimento”63. Foi isso que levou à interface do imperialismo com o  
irracionalismo na história da Europa de 1870-1945.  
O imperialismo tardio, com início em 1945, pode ser visto como dividido em três  
períodos:  
(1) A Guerra Fria imediata, de 1945 a 1991, na qual os Estados Unidos, enquanto  
potência hegemônica da economia mundial capitalista, procurou dominar o Sul Global  
engajado em revoltas anticoloniais ao mesmo tempo em que travava uma luta global  
59 Wheeler, “Martin Heidegger”.  
60  
Heidegger, Basic Writings, 243-244 [Ed. bras.: Heidegger, M. Carta sobre o humanismo. Revista  
Centauro, 2005, pp. 47-48]; Lukács, The Destruction of Reason, 836-837 [Ed. bras.: pp. 721-722].  
61 Georg Lukács, Lenin (Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1971), 41-43 [Ed. bras.: Lukács, G. Lenin:  
um estudo sobre a unidade de seu pensamento. Boitempo Editorial, 2012, p. 61].  
62  
Lenin, Imperialism, the Highest Stage of Capitalism,119 [Ed. bras.: Lênin, V. I. Imperialismo, estágio  
superior do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2021, pp. 260-1].  
63 Raymond Williams, The Long Revolution (Cardigan, UK: Parthian, 2012), 69.  
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contra a União Soviética e a China.  
(2) O período de 1991 a 2008, no qual Washington tentou consolidar um mundo  
unipolar permanente no vazio deixado pela remoção da União Soviética da cena  
mundial e pela abertura da China à economia mundial.  
(3) De 2008 (a Grande Crise Financeira) até à atualidade, marcada pela  
reemergência da China e da Rússia como grandes potências e pela designação oficial  
de Washington desses dois países como seus principais inimigos, conduzindo a uma  
Nova Guerra Fria, marcada pelo conflito entre o mundo unipolar centrado nos EUA e  
uma ordem mundial multipolar emergente.  
Durante todo este tempo, a esquerda ocidental ocupou uma posição  
enfraquecida no seio do capitalismo monopolista a nível interno, ao mesmo tempo em  
que adotou uma abordagem ambígua do imperialismo a nível externo, com o  
consequente arrefecimento da luta de classes. Além disso, sofreu uma grande derrota  
em 1968. Com o advento da Nova Guerra Fria, veio à luz do dia a guerra híbrida do  
imperialismo coletivo da tríade contra o Sul Global, incluindo as principais economias  
emergentes.  
Nessas circunstâncias, o irracionalismo burguês passou a definir o clima  
intelectual dominante do imperialismo tardio, refletindo uma contínua destruição da  
razão. Hoje é amplamente reconhecido que o pensamento reacionário alemão,  
associado à “ligação Nietzsche-Heidegger-Carl Schmitt”, junto ao renascimento do  
bergsonismo, está presente nas obras de pós-marxistas, pós-modernistas e pós-  
humanistas, de Derrida a Deleuze e Latour64. Nas palavras de Keti Chukhrov, um  
“fascínio pela negatividade e pelo niilismo”, caraterístico das filosofias irracionalistas  
do final do século XIX e início do século XX, pode ser visto na obra de Deleuze “e  
Guatarri ou na distopia aceleracionista e nas teorias pós-humanistas do presente”65.  
Em Nietzsche e a Filosofia, de Deleuze, nos é dito que o caráter “resolutamente  
antidialético” do pensamento de Nietzsche, os seus conceitos de “vontade de poder”,  
do “eterno retorno” e do sonho do Super-Homem representaram um triunfo sobre a  
dialética de Hegel, conduzindo à “identidade criativa do poder e do querer” como a  
64 Wolin, Labyrinths, 1.  
65 Keti Chukhrov, Practicing the Good (Minneapolis: e-flux/University of Minnesota Press, 2020), 20.  
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consumação da vontade de poder66. Há um “elo secreto” que liga vários pensadores  
que se opõem à filosofia de Estado. Este elo secreto, nos diz Deleuze, inclui Spinoza  
(reinterpretado como um vitalista) Nietzsche e Bergson, que devem ser vistos como  
filósofos da imanência, representantes de uma tradição “nômade” oposta não só ao  
racionalismo europeu em geral, mas, também, diretamente oposta a Hegel e Marx67. A  
posição de Bergson em seu debate com Einstein é defendida por Deleuze no seu livro  
de 1966, Bergsonismo, em um esforço para privilegiar, mais uma vez, a noção  
subjetiva e intuitiva do tempo, separada da física e também do tempo histórico68.  
São muitas as reviravoltas irracionalistas e reacionárias a que assistimos no seio  
do que continua a ser suposto como uma análise de esquerda. Como observa  
Chukhrov:  
Em Capitalismo e Esquizofrenia, Deleuze e Guattari consideram o  
capital monstruoso, mas, ao mesmo tempo, um terreno desejável a  
partir do qual a subversão e o seu potencial emancipatório podem  
surgir. [No entanto,] a aceitação da contemporaneidade capitalista  
viciosa é inevitável, dada a condição da impossibilidade da sua  
sublimação.... Um aspecto muito importante desta aberração reside no  
seguinte: a corrente capitalista subjacente a essas teorias  
emancipatórias e críticas funciona não como um programa para sair  
do capitalismo, mas, antes, como a radicalização da impossibilidade  
dessa saída69.  
Esse deslumbramento com a impossibilidade de saída pode ser visto no principal  
confronto de Deleuze e Guattari com Marx. No início da sua influente obra de 1972,  
O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia, os autores propõem uma relação “indústria-  
natureza” que resulta em “esferas relativamente autônomas que se chamam produção,  
distribuição e consumo”. Essas esferas separadas, afirmam, foram demonstradas por  
Marx como sendo apenas um produto da divisão capitalista do trabalho e da falsa  
consciência que ela produziu. Mas a partir daí, eles saltaram para a proposição trans-  
histórica:  
Há menos ainda a distinção homem-natureza: a essência humana da  
natureza e a essência natural do homem [frase de Marx] se identificam  
na natureza como produção ou indústria, isto é, na vida genérica do  
66  
Deleuze, Nietzsche and Philosophy, 8-10, 198 [Ed. bras.: Deleuze, G. Nietzsche e a filosofia. Rio de  
Janeiro: Editora Rio, 1976, pp. 7-8, p. 89].  
67 Gilles Deleuze, “I Have Nothing to Admit,” Semiotexte 2, no. 3 (1977), 112; Brian Massumi, introdução  
in Gilles Deleuze e Félix Guattari, A Thousand Plateaus (Minneapolis: University of Minnesota Press,  
1983), x [Ed. bras.: Deleuze, G; Guattari, F. Mil Platôs. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995].  
68  
Gilles Deleuze, Bergsonism (New York: Zone Books, 1991), 79-85 [Ed. bras.: Deleuze, G.  
Bergsonismo. São Paulo: Editora 34, 1999, pp. 75-82].  
69 Chukhrov, Practicing the Good, 20.  
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homem, igualmente. Assim, a indústria não é mais considerada numa  
relação extrínseca de utilidade, mas em sua identidade fundamental  
com a natureza como produção do homem e pelo homem... Homem e  
natureza não são como dois termos postos um em face do outro...  
mas são uma só e mesma realidade essencial do produtor e do  
produto70.  
Com base nisso, a natureza e a humanidade são vistas como uma unidade ideal  
inescapável o que Marx, que segue citado na passagem, chamou de “a essência  
humana da natureza e a essência natural do homem”. Esse é o resultado inevitável da  
indústria, enquanto fenômeno abstrato e trans-histórico, que, em vez de ser concebida  
como alienada sob o capitalismo, tal como em Marx, é concebida como o meio direto  
e imediato de unificação da natureza e da humanidade. Todo o conceito de alienação,  
ou o auto-estranhamento da humanidade, como a realidade material central do  
capitalismo (que Marx tinha apresentado como uma “falha” trágica a ser superada), é,  
assim, eliminado logo de partida71. Natureza e humanidade, para Deleuze e Guattari,  
são “uma realidade essencial”, gerada pela indústria tratada em abstrato.  
Tendo, efetivamente, eliminado o fenômeno histórico da alienação, Deleuze e  
Guattari passam imediatamente à caraterização da produção como um “princípio  
imanente” das máquinas desejantes, causando uma esquizofrenia universal. A  
“esquizofrenia”, neste sentido, é definida como “o universo das máquinas desejantes  
produtoras e reprodutoras, [representando] a universal produção primária como  
“realidade essencial do homem e da natureza”72. A alienação em Marx, resultante de  
relações sociais estranhadas, é, assim, substituída por um sistema universal de  
máquinas desejantes, ou um “inconsciente maquínico”, que produz uma realidade  
esquizofrênica mais vasta, da qual o capitalismo é uma mera manifestação. Essa  
realidade esquizofrênica-desejante situa-se no plano da imanência, ultrapassando a  
própria humanidade73. Somos, assim, confrontados com um universo de energia  
libidinal, de forças vitais e de impulsos por desejos maquinários dos quais não há fuga  
possível74. O irracionalismo reacionário de Nietzsche triunfa sobre a práxis  
70  
Gilles Deleuze e Félix Guattari, Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia (Minneapolis: University  
of Minnesota Press, 1983), 3-5 [Ed. bras.: Deleuze, G; Guattari, F. O Anti-Édipo: Capitalismo e  
esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 15].  
71 Karl Marx, Early Writings (London: Penguin, 1974), 349-50 (citado de acordo com Deleuze e Guattari,  
op. cit.), 398-99 [Ed. bras.: op. cit., p. 15, nota 4].  
72 Deleuze and Guattari, Anti-Oedipus, 5 [Ed. Bras.: p. 16].  
73  
Félix Guattari, The Machinic Unconscious (Los Angeles: Semiotext(e), 2011); Karl Marx e Frederick  
Engels, The Communist Manifesto (New York: Monthly Review Press, 1964), 1 [Ed. Bras.: Marx, K. Engels,  
F. O manifesto comunista. São Paulo: Boitempo Editorial, 1998, p. 39].  
74 Na filosofia vitalista de Deleuze, as essências são imanentes em coisas móveis e materiais e, portanto,  
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revolucionária de Marx.  
Uma inversão semelhante pode ser vista em Derrida, na famosa obra Espectros  
de Marx, revelada mais uma vez em relação a Marx. Nesta e em outras obras, Derrida  
desenvolveu uma perspectiva pós-estruturalista associada a um heideggerianismo de  
esquerda. A reação pública imediata a Espectros de Marx, escrito pouco depois do  
desaparecimento da União Soviética, foi a de que se tratava de uma reafirmação de  
Marx. No entanto, isso ocorreu sob a forma de uma apologética indireta que sublinhava  
“a espectrologia de Marx”. Derrida centrou-se na famosa frase de abertura do  
Manifesto Comunista, em que Marx e Engels escreveram: “Um espetro ronda a Europa,  
o espetro do comunismo”75. O marxismo, argumentou, continuava a rondar a Europa,  
ainda que apenas num sentido fantasmagórico, pelo qual desempenhava um papel  
indispensável na continuidade do desafio ao monolito capitalista. No entanto, o Marx  
de Derrida ou o Marx que ele desejava reter era, nas palavras de Richard Wolin,  
um “Marx tornado heideggeriano”, empobrecido pela noção de que o principal inimigo  
é agora simplesmente a modernidade tecno-científica. Aqui, os “preconceitos  
ontológicos do anti-humanismo filosófico, uma herança heideggeriana”, excluem toda  
a substância da teoria de Marx, incluindo as forças sociais subjacentes à práxis  
revolucionária. De fato, “a espectrologia de Marx”, explicou Derrida, não se limitou ao  
próprio Marx, “mas pisca e cintila por debaixo dos nomes próprios de Marx, Freud e  
Heidegger”. Assim, Marx continua a assombrar o capitalismo, não simplesmente como  
a aparição de si mesmo, mas também como o fantasma de Heidegger, cujo  
“pensamento epocal... cancela a historicidade”76.  
As novas filosofias da imanência produziram, assim, todo o tipo de teorias  
aparentemente radicais, mas, na realidade, reacionárias. Isso é evidente nos  
tratamentos pós-humanistas da crise ecológica, particularmente na forma do que é  
chamado de “novo materialismo”. Muito disso é informado pela reapropriação  
questionável de Spinoza por Deleuze como um teórico vitalista, principalmente através  
do conceito de conatus do primeiro, que é interpretado como que imputando  
vistas como distintas do essencialismo no sentido de ideias fixas e transcendentes.  
75 Jacques Derrida, Specters of Marx (London: Routledge, 1994), 219-20 [Ed. bras.: Derrida, J. Espectros  
de Marx. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 18]. Se o livro de Derrida Spectres of Marx almeja  
desconstruir a práxis marxiana, outros trabalhos usaram a metáfora do espectro de Marx para reconstruir  
uma práxis revolucionária. Ver especialmente China Miéville, A Spectre Haunting: On the Communist  
Manifesto (Bloomsbury: Head of Zeus, 2022).  
76 Derrida, Specters of Marx, 93, 219 [Ed. bras.: pp. 104-5, p. 232]; Wolin, Labyrinths, 238-39.  
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intenções, consciência e até alegria aos próprios objetos, por exemplo, uma pedra77.  
Isso abriu caminho a uma onda de novas obras vitalistas (o chamado “novo  
materialismo”) de figuras como Bennett e Morton, muitas vezes em nome da ecologia,  
nas quais o resultado é um animismo universal. Nesta visão, um pedaço de carvão, um  
micróbio, o conjunto de dinossauros de plástico de Adorno, uma pedra etc., são todos  
tratados como se possuíssem “poderes vitais”, sendo colocados no mesmo plano  
ontológico da humanidade78. Tal como Schopenhauer (em sua resposta a Spinoza),  
Bennett argumenta que uma pedra em queda, se fosse consciente, teria razão em  
pensar que tinha vontade e que se movia por esta própria vontade79. O resultado é a  
demolição de quaisquer distinções significativas entre a natureza humana e a não-  
humana.  
Uma estratégia comum encontrada em Latour, Bennett e Morton é negar a  
famosa crítica de Marx ao fetichismo da mercadoria, pondo-a simplesmente de pernas  
para o ar ao apresentar todas as coisas/objetos como agentes ou atores vitais. Isto  
equivale a uma universalização do fetichismo da mercadoria e da reificação (a  
coisificação do mundo) e, por conseguinte, à diminuição de qualquer noção de sujeito  
humano. Isso constitui a eliminação da concepção clássica de crítica80.  
A conhecida rejeição de Latour ao “moderno” procurou negar, à maneira da  
esquerda heideggeriana, toda a validade dos conceitos de natureza e humanidade,  
apresentando-os como uma falsa dualidade introduzida pela modernidade iluminista.  
Fez desta rejeição do dualismo natureza-sociedade o coração da sua “ecologia  
política”, que substituiu os atores humanos por conjuntos de "atuantes81. Mas quando,  
tardiamente, sentiu a necessidade de considerar a verdadeira emergência ecológica  
planetária representada pela nova época do Antropoceno na história geológica, Latour  
77  
Baruch Spinoza, Ethics (London: Penguin,1996), 75 (III, prop. 6); “From Baruch Spinoza’s ‘Letter to  
G. H. Schuller’ (1674)”; Gilles Deleuze, Spinoza: Practical Philosophy (San Francisco: City Lights, 1988),  
97-104 [Ed. bras.: Deleuze, G. Cursos sobre Spinoza. Fortaleza: EdUECE, 2019, 3a ed, pp. 119-123].  
78  
Jane Bennet, Vibrant Matter (Durham: Duke University Press, 2010), xiv-xv, 1-4; Timothy Morton,  
Humankind (London: Verso, 2019), 33, 55, 61-63, 71, 97, 166-71. Ver John Bellamy Foster, “Marx’s  
Critique of Enlightenment Humanism,” Monthly Review 74, no. 8 (January 2023): 1-15.  
79 Bennet, Vibrant Matter, 1-4.  
80 Foster, “Marx’s Critique of Enlightenment Humanism,” 10-12.  
81 Bruno Latour, The Politics of Nature (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2004), 75-  
80 [Ed bras.: Latour, B. Políticas da natureza. Bauru: EDUSC, 2004, pp. 137-148]. Bruno Latour,  
Reassembling the Social (Oxford: Oxford University Press, 2007), 54-55 [Ed bras.: Latour, B.  
Reagregando o social. Salvador-Bauru: UFBA-EDUSC, 2012, pp. 82-83]; Bruno Latour, We Have Never  
Been Modern (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1993) [Ed. bras.: Latour, B. Jamais fomos  
modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de janeiro: Editora 34, 1994].  
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viu-se desprovido de todos os pontos de referência uma vez que até a ecologia tinha  
sido posta em causa na sua filosofia e retornou a conceitos mistificadores como Gaia  
e aquilo a que chamou Earthbound (uma reformulação e personificação da noção de  
terrestre). Mais importante ainda, dada a natureza da destruição planetária, foi  
confrontado com a questão de como conceber isso do ponto de vista da ordem  
política. Logo, recorreu à obra de Schmitt O nomos da Terra no direito das gentes do  
jus publicum europaeum, escrita na Alemanha nazista. A obra de Schmitt procurava  
enraizar o direito na terra (não no sentido de ecologia, mas sim de territorialização),  
concebendo-o como a base do estado de guerra permanente que fundamentava o  
direito internacional82.  
A avaliação feita por Lukács do Schmitt deste período é, naturalmente, muito  
mais dura do que a feita por Latour. O teórico jurídico nazista Schmitt, argumenta  
Lukács, tinha-se adaptado rapidamente ao novo clima imperial após a queda do  
Terceiro Reich. “A ele Schmitt é indiferente que a ditadura sans phrase do  
monopolismo capitalista seja assegurada por Hitler, por Eisenhower ou por um novo  
imperialismo alemão”83.  
Ainda assim, baseando a sua análise em Schmitt, Latour nos diz que a resposta  
está em um “novo estado de guerra” em nome do Earthbound. Termina o seu Diante  
de Gaia, de 2015, elogiando o espírito de Cristóvão Colombo84. Apesar das suas  
críticas aos “modernos”, Latour aliou-se, pelo menos durante algum tempo, aos ultra-  
ecomodernistas capitalistas do Breakthrough Institute, pedindo às pessoas que “amem  
os vossos monstros [Frankenstein]”85.  
O irracionalismo está, agora, completamente na moda novamente. É evidente  
uma nova “radicalização da impossibilidade de... saída”, uma vez que o mundo do  
imperialismo tardio enfrenta duas formas de extermínio: a guerra nuclear e a  
emergência ecológica planetária. Em uma conferência e um livro que abordaram o  
antissemitismo e o nazismo nos Black Notebooks de Heidegger, representando um  
82 Bruno Latour, Facing Gaia (Cambridge: Polity, 2017), 220-54, 285-92 [Ed bras.: Latour, B. Diante de  
Gaia: oito conferências sobre a natureza no antropoceno. Ubu editora, 2020. pp. 257-300, pp. 335-  
43, pp. 257-300]; Bruno Latour, Down to Earth (Cambridge: Polity, 2018).  
83 Lukács, The Destruction of Reason, 839-840 [Ed. bras.: pp. 726-727].  
84 Latour, Facing Gaia, 285-92 [Ed. bras.: pp. 335-343].  
85 Bruno Latour, “Love Your Monsters,” Breakthrough Institute, February 14, 2012, org. Latour deu um  
passo mais progressista e menos irracionalista em seu último livro pós-humanista, mas não foi um passo  
radical. Ver Bruno Latour e Nikolaj Schultz, On the Emergence of an Ecological Class (London: Polity,  
2022).  
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esforço desesperado para salvar de alguma forma a filosofia de Heidegger, apesar das  
revelações de que o nazismo era parte integrante de toda a sua perspectiva, foi dada  
ao filósofo lacaniano-hegeliano Žižek a palavra final, sem dúvida devido à sua  
reputação de pensador de esquerda. Žižek procurou defender a importância de  
Heidegger para a filosofia, apesar do seu nazismo, com base na importância da sua  
ontologia fundamental da “diferença ontológica”, ou a relação dos seres com o Ser, a  
partir da qual a análise de Heidegger do Dasein e a sua desconstrução do ego  
consciente tinham surgido. Isso, então, é tomado como separável das especificidades  
da trajetória política de Heidegger. Mesmo que não tenha se afastado dos seus pontos  
de vista de extrema-direita, que não tenha repudiado o seu passado nazista,  
Heidegger, nos dizem, continua a ser louvável pela fundamental ontologia do seu Ser  
e Tempo e pelas suas críticas à civilização científico-tecnológica, vistas como  
distinguíveis da sua cumplicidade com o Terceiro Reich86.  
Na obra de Žižek Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético,  
Heidegger é elogiado ainda mais fortemente. Não só Heidegger é, em tal obra,  
apresentado como uma figura que opera “contra a corrente” dentro de uma prática  
“estranhamente próxima do comunismo”, como também nos é dito que o Heidegger  
“de meados da década de 1930”, quando era membro do Partido Nazista, pode ser  
visto como “um futuro comunista” mesmo que ele próprio nunca tenha chegado a  
esse destino. O nazismo de Heidegger, declara Žižek apologeticamente, “não foi um  
simples erro, mas antes um ‘passo certo na direção errada’”. Assim, “Heidegger não  
pode ser simplesmente descartado como um völkisch reacionário alemão”. No seu  
período nazista, Heidegger, postula Žižek, abria “possibilidades que apontam... para  
uma política emancipatória radical”. Para esclarecer, isso foi escrito antes da publicação  
dos Black Notebooks embora bem depois de muitos dos escritos nazistas de  
Heidegger terem aparecido. Mas, como vimos, os Black Notebooks, com o seu virulento  
antissemitismo, pouco fizeram para alterar a defesa geral que Žižek faz da filosofia de  
Heidegger87.  
A lealdade de Žižek ao projeto anti-humanista de Heidegger é evidente na sua  
86 Slavoj Žižek, “The Persistence of Ontological Difference,” in Heidegger’s Black Notebooks, ed. Mitchell  
and Trawny, 186-200.  
87  
Slavoj Žižek, Less Than Nothing: Hegel and the Shadow of Dialectical Materialism (London: Verso,  
2013), 6, 878-879 [Ed. bras.: Žižek, S. Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético.  
São Paulo: Boitempo, 2013, p. 629, pp. 632-633].  
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atual posição pós-humanista, na qual argumenta (ao mesmo tempo em que elogia  
Bennett) que a natureza e a ecologia, bem como a humanidade, já não são categorias  
significativas. Nesta perspectiva, até mesmo a defesa indígena da terra deve ser  
menosprezada. Em um artigo centrado na discussão do conceito de ruptura metabólica  
de Marx, Žižek respondeu ao apelo do presidente boliviano Evo Morales, socialista e  
indígena, por uma defesa da Mãe Terra, com o gracejo de que “a isto somos tentados  
a acrescentar que, se há uma coisa boa no capitalismo, é que, sob ele, a Mãe Terra já  
não existe”. O que se pretendia dizer com isto, como em grande parte dos escritos de  
Žižek, não ficou imediatamente claro, mas se encaixa nas suas outras declarações,  
refletindo um desdém semelhante pelos problemas ecológicos e uma apologética  
indireta do sistema, como a sua declaração de que “a ecologia é um novo ópio para  
as massas”88.  
De fato, tanto a desnaturalização da natureza quanto a desumanização da  
humanidade estão embutidas na perspectiva anti-humanista geral de Žižek, que se  
conforma com o princípio da radicalização da impossibilidade de saída. Assim, ele  
declara, em tom niilista: “O poder da cultura humana não é apenas construir um  
universo simbólico autônomo além do que experimentamos como natureza, para  
produzir novos objetos naturais “não naturais” que materializam o conhecimento  
humano. Nós não apenas “simbolizamos a natureza”; nós [também], por assim dizer, a  
desnaturalizamos por dentro... A única maneira de enfrentar os desafios ecológicos é  
aceitar totalmente a radical desnaturalização da natureza”. Mas isso também implica  
na radical desumanização da humanidade, uma vez que, como ele também afirma: “Só  
há seres humanos na medida em que existe uma natureza inumana impenetrável (a  
'terra' de Heidegger)”. O problema de todas as discussões sobre o “enraizamento da  
humanidade na natureza” e as análises da ruptura metabólica, afirma, é que tendem a  
regredir para uma “ontologia geral dialético-materialista”, referindo-se ao naturalismo  
dialético de Engels e Lênin.  
De acordo com a abordagem idiossincrática, idealista e irracionalista do próprio  
Žižek ao “materialismo dialético”, que pretende “regressar de Marx a Hegel e decretar  
88 Slavoj Žižek, “Ecology Against Mother Nature,” Verso Blog, May 26, 2015; Slavoj Žižek, “Censorship  
Today: Violence, or Ecology as a New Opium for the Masses,” 2007, lacan.com; Slavoj Žižek, Absolute  
Recoil: Toward a New Foundation of Dialectical Materialism (London: Verso, 2016), 7-12. Embora crítico  
do novo materialismo, Žižek simpatiza com a perspectiva virulentamente anti-humanista e antirrealista  
daquele.  
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uma 'inversão materialista' do próprio Marx” através do puro idealismo, tanto o  
naturalismo-materialismo quanto o humanismo crítico devem ser rejeitados, em  
conformidade geral com o heideggerianismo de esquerda89. A realidade material cede,  
assim, o lugar ao Real abstrato. Essas visões conduzem a um afastamento de qualquer  
práxis significativa, a um profundo pessimismo e a uma dialética do irracionalismo.  
Sem nunca abordar seriamente a crise ecológica global ou a luta de classes contra o  
capitalismo, necessária para evitar a ultrapassagem dos pontos de ruptura planetários,  
Žižek declara alegremente que “Temos de assumir a catástrofe como o nosso  
destino90.  
Tal irracionalismo em relação à crise ambiental do capitalismo também é evidente  
na resposta de Žižek à atual ameaça crescente de um conflito nuclear entre a OTAN e  
a Rússia no contexto da Guerra da Ucrânia. De fato, assistimos hoje a uma nova  
destruição da razão, produto de um anti-humanismo confuso misturado com fervor  
nacionalista. Isso é evidente na insistência de Žižek para que a OTAN continue a apoiar  
a guerra na Ucrânia e se afaste das negociações de paz, apesar dos perigos crescentes  
de uma disputa {exchange} termonuclear global que quase certamente aniquilaria toda  
a humanidade, simplesmente para “salvar a pele”. Outros, como Noam Chomsky, que  
levantaram a questão da relação com a crescente ameaça exterminadora global, são  
erroneamente descartados por Žižek como apoiadores da Rússia de Putin. Em vez  
disso, ele apela a uma OTAN global mais forte, capaz de combater tanto a Rússia  
quanto a China. Nos é dito que a mesma “lógica” que governa a insistência da Rússia  
89 Slavoj Žižek, “Where Is the Rift?: Marx, Lacan, Capitalism, and Ecology,” Los Angeles Review of Books  
20 (January 2020); Žižek, Less than Nothing, 207. Žižek afirma que existem quatro formas relevantes  
de materialismo hoje: (1) o materialismo vulgar reducionista (psicologia cognitiva, neo-Darwinismo), (2)  
o ateísmo (Christopher Hitchens), (3) o materialismo discursivo (Michel Foucault), e o (4) “novo  
materialismo” (Deleuze). O Marxismo é excluído da lista deliberadamente. A única rota para um  
“materialismo dialético” viável, ele alega, contra Engels e Lênin, é por meio do “materialismo sem  
materialismo”, via idealismo hegeliano levado a seus limites e reinterpretado por Jacques Lacan e  
Heidegger. A “nova fundação do materialismo dialético”, de Žižek, enquanto uma filosofia niilista do  
“menos que nada”, encontra sua justificação final não em Hegel ou Marx, mas em Heidegger. Slavoj  
Žižek, Absolute Recoil, 5-7, 413-414.  
90 Žižek, Less Than Nothing, 983-984, 207; Žižek, Absolute Recoil, 31, 107. Žižek apresenta a projeção  
da catástrofe como nosso destino enquanto uma “solução radical”, em termos de uma jogada filosófica.  
Contudo, a projeção não pode ser vista nem como “radical”, nem como uma “solução”, mas, sim,  
simplesmente como uma projeção do suicídio cósmico como destino, dado que, em sua análise, não é  
feita nenhuma tentativa de apontar um caminho de lutar contra esse “destino”. Para uma crítica da  
abordagem idiossincrática e idealista de Žižek’s à dialética, ver Adrian Johnston, A New Dialectical  
Idealism: Hegel, Žižek, and Dialectical Materialism (New York: Columbia University Press, 2018); ver  
também Adrian Johnston, “Materialism without Materialism: Slavoj Žižek and the Disappearance of  
Matter,” in Slavoj Žižek and Dialectical Materialism, ed. Agon Hamza e Frank Ruda (London: Palgrave  
Macmillan, 2016), 3-22. Como aponta Johnston, a obra de Žižek constitui uma “traição, em vez de uma  
reinvenção, do materialismo dialético” Johnston, “Materialism without Materialism,” 11.  
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para que a Ucrânia não seja integrada na OTAN e para que as armas nucleares não  
sejam colocadas em solo ucraniano, o que representaria uma “crise existencial para o  
Estado russo... dita que a Ucrânia também deve ter armas [fornecidas, neste caso, pelo  
Ocidente] e mesmo armas nucleares – para alcançar paridade militar” com a Rússia91.  
Aqui vemos o “suicídio cósmico” de Hartmann como a manifestação suprema do  
intelecto e da vontade que reemerge subitamente em nosso tempo. Mais uma vez, o  
irracionalismo, cultivado nos mais altos níveis intelectuais, que dominou as  
perspectivas do Ocidente no início da Primeira Guerra Mundial, atua para sufocar todas  
as alternativas racionais. Apoiar de forma acrítica os objetivos da tríade imperial  
Estados Unidos/Canadá, Europa e Japão, ou apoiar uma OTAN global no contexto do  
imperialismo tardio, é identificar-se com a irracional vontade de poder no centro  
imperial da economia mundial, conduzindo ou ao eterno retorno da  
exploração/expropriação, ou ao suicídio cósmico de Hartmann.  
Hoje, a Razão exige que tanto a exploração quanto a expropriação, bem como as  
associadas tendências exterminadoras de nosso tempo, sejam ultrapassadas. Isto só  
pode ser realizado, como observou Baran na década de 1960, com base na  
“identidade dos interesses materiais de uma classe [ou forças sociais baseadas em  
classes] com... a crítica da Razão à irracionalidade existente”. A fonte de tal identidade  
de “interesses materiais com uma classe” atualmente reside, principalmente, no Sul  
Global, e com aqueles movimentos revolucionários que, por toda a parte, procuram  
derrubar todo o sistema capitalista-colonial-imperialista, para o bem da humanidade e  
da Terra.  
Como citar:  
FOSTER, John Bellamy. O novo irracionalismo. Tradução por Lara Nora Portugal Penna.  
Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 2, pp. 383-413, 2023.  
91 Slavoj Žižek, “The Ukraine Safari,” Project Syndicate, October 13 2022; Slavoj Žižek, “Pacifism Is the  
Wrong Response to the War in Ukraine,” Guardian, June 21 2022; “Ukraine and the Third World,” Kurtay  
Academics, March 4, 2022, kurtayacademics.com; Jonathan Cook, “A Lemming Leading the Lemmings:  
Slavoj Žižek and the Terminal Crisis of the Anti-War Left,” MintPress News, June 23, 2022. Sobre os  
riscos nucleares da Nova Guerra Fria, ver John Bellamy Foster, John Ross, e Deborah Veneziale,  
Washington’s New Cold War (New York: Monthly Review Press, 2022).  
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