DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.2.694  
EPÍLOGO  
a Por que Lukács?1  
Epilogue  
to Why Lukács?  
Nicolas Tertulian*  
Resumo: Trata-se de manuscrito inédito enviado  
Abstract: This is an unpublished manuscript sent  
by the author to Juarez Torres Duayer and Ester  
Vaisman in 2009, which was part of the initial  
provisional version of the book Why Lukács?  
still in preparation at the time. We don't know  
the reasons why the author deleted the  
epilogue, which was conceived, at least initially,  
as the final chapter of the version that was  
finally published in Paris by the Maison des  
sciences de l'homme in 2016. The Portuguese  
translation, recently published by Boitempo  
editorial, follows the original French version, but  
does not include what Tertulian provisionally  
called the epilogue. The fact is that Tertulian  
dealt with the subject in two chapters of the  
published edition. They are: "Romanian  
ideological cauldron" and "Encounters with  
Cioran", but neither of them dealt with the  
subject with the depth and sharpness of the  
manuscript now published by Verinotio. The  
journal's editorial committee decided to make it  
public because of the importance of the analysis  
and denunciation it contains, and because it  
deals with a subject that is currently of the  
pelo autor para Juarez Torres Duayer e Ester  
Vaisman no ano de 2009, e que fazia parte da  
versão inicial provisória do livro Por que Lukács?,  
ainda em elaboração naquela época. Não se  
conhecem as razões que fizeram com que o autor  
suprimisse o epílogo, concebido, pelo menos  
inicialmente, como capítulo final da versão que,  
finalmente, veio a ser publicada em Paris pela  
editora da Maison des sciences de l’homme no  
ano de 2016. A tradução para o português,  
recém-publicada pela Boitempo editorial, ao  
seguir o original francês efetivamente publicado,  
também não traz o que Tertulian intitulou  
provisoriamente de epílogo. O fato é que  
Tertulian tratou do tema em dois capítulos da  
edição publicada. São eles: “Caldeirão ideológico  
romeno” e “Encontros com Cioran”, mas nenhum  
deles tratou o assunto com a profundidade e a  
agudeza do manuscrito, ora publicado pela  
Verinotio. O comitê editorial da revista resolveu  
levá-lo a público dada a importância da análise e  
da denúncia ali contidas, e por se tratar de  
assunto que atualmente é da mais alta  
importância do ponto de vista teórico-ideológico,  
não apenas nos países do leste europeu.  
utmost importance from  
a
theoretical-  
ideological point of view, not only in Eastern  
European countries.  
Palavras-chave:  
Tertulian, autobiografia, filosofia romena  
György  
Lukács,  
Nicolas  
Keywords: György Lukács, Nicolas Tertulian,  
autobiography, Romanian philosophy  
1 Tradução de Juarez Torres Duayer e revisão técnica de Ester Vaisman  
*
Nicolas Tertulian (1929-2019), pseudônimo de Nathan Weinsten foi um filósofo de origem romena,  
radicado na França desde 1980, em função das perseguições que sofreu pelo regime neostalinista de  
Ceausescu. Exerceu o cargo de professor de filosofia na Universidade de Bucareste e, já exilado na  
França, diretor de estudos na Ecole des hautes études em Sciences Sociales de Paris. Foi editor de  
revista literária, autor de inúmeros artigos, sobretudo, a respeito da obra lukácsiana. Foram publicados  
três livros seus no Brasil: Georg Lukács: etapas de seu pensamento estético, pela Editoria da UNESP,  
Lukács e seus contemporâneos, pela editora Perspectiva e, finalmente, sua autobiografia intitulada Por  
que Lukács? Pela Boitempoeditorial.  
Verinotio ISSN 1981 - 061X v. 28 n. 2, jul.-dez. 2023  
nova fase  
   
Epílogo a Por que Lukács?  
A linha de pensamento hegeliano-marxista, da qual a obra de Lukács é uma  
conquista de peso, está hoje lançada na obscuridade na Europa do Leste. Querem  
fazer crer que o colapso dos países dos sistemas do “socialismo real” deve arrastar  
em sua queda, não somente a ideologia do “marxismo-leninismo” oficial (mais  
precisamente o travestimento staliniano do marxismo), mas também o próprio  
pensamento econômico e filosófico dos fundadores da doutrina. Linhas acima2,  
lembramos os avatares de Karel Kosik - antigo protagonista da Primavera de Praga -,  
filosofo marxista que sofreu repressão dura do regime staliniano na Tchecoslováquia  
e se viu obrigado a deixar a universidade, na qual havia retomado seu posto após a  
“revolução de veludo”, porque seu curso foi considerado muito “à esquerda” pelos  
bem-pensantes da restauração neoliberal. Entretanto, Leszek Kolakowski pôde  
recuperar triunfalmente sua cadeira na Universidade de Varsóvia após 1989, já que  
seus anátemas contra o marxismo justificavam plenamente tal acolhida, enquanto Karel  
Kosik foi excluído da universidade pelo regime neoliberal. O objetivo desta operação  
de travestimento ideológico, acompanhada de uma maré montante de livros e artigos  
que inundavam a praça pública, era o de se fazer crer que essa linha de pensamento  
tinha sido um “enxerto” funesto na vida social romena (no início do século XX, a  
primeira figura importante do socialismo romeno, Constantin Dobrogeanu-Gherea, já  
indagava se o socialismo não seria uma “planta exótica” nos países pouco  
desenvolvidos), e que era preciso, a qualquer preço, jogá-la a lixeira da história.  
Entretanto, tentamos mostrar que a esquerda intelectual, que se afirmou na  
Romênia após o colapso do fascismo e o início de um processo de transformação  
democrática (usurpado pela política do Partido Comunista Romeno), extraía, no terreno  
filosófico, seus instrumentos conceituais nas obras de Hegel e de Marx, mas também  
em Lukács, Gramsci, Sartre ou dos teóricos da Escola de Frankfurt, não surgiu ex nihilo,  
mas encontrava apoio importante em uma certa tradição progressista e emancipatória  
do pensamento romeno, do qual inúmeras figuras eminentes foram mestres da geração  
que surgiu após 1945. A “monocultura de direita” que invadiu as mídias romenas após  
1989 se silenciou a respeito dessa tradição de pensamento, da qual restam apenas os  
escritos filosóficos de um hegeliano admirável como D.D. Rosca ou de um ensaísta e  
um refinado estudioso da moral como Mihai Ralea, ou os trabalhos de sociólogos como  
2
Aqui como em outras partes do texto, Tertulian faz referência a questões desenvolvidas por ele no  
livro Por que Lukács?, S.P.: Boitempoeditorial, 2023.  
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Nicolas Tertulian  
Petre Andrei, Henri H. Stahl ou Alexandru Claudian, como também os escritos teóricos  
de um escritor original como Camil Petrescu, desempenharam um papel de ponta na  
afirmação de uma linha de pensamento racionalista para a geração em questão.  
Quando li o livro escrito por uma jovem pesquisadora romena, visivelmente  
marcada em sua formação intelectual pela onda do pós-modernismo e pela restauração  
das correntes anti-racionalistas, que preconizava seguir a linha de Gilbert Durand e  
não a de René Guénon, Carl Gustav Jung e não a de Georg Lukács3, para a cultura de  
seu país, é possível medir os efeitos da onda dos escritos de autores como René  
Guénon, Carl Gustav Jung ou justamente de Gilbert Durand (sem falar de Julius Evola)  
sobre a forma mentis de certos representantes da atual juventude intelectual romena.  
O que pode significar exatamente para a cultura romena se engajar na via de um  
pensamento ultraconservador, que enraizava a vida social nos pretensos mitos  
fundadores de caráter intemporal, voltando as costas para um pensamento  
eminentemente dialético, o único apto a abraçar o movimento histórico em sua  
complexidade e seus ardis?  
Ao me encontrar com Emile Cioran em Paris nos anos setenta por diversas vezes,  
e, sobretudo após ele ter publicado na Quinzaine Littéraire [Quinzena literária] um  
artigo sobre seu período romeno, por ocasião de seu aniversário de setenta anos (o  
artigo foi publicado em julho de 1981 e Cioran, visivelmente satisfeito com minha  
abordagem de seus escritos de juventude, me enviou uma carta de agradecimento  
para Heidelberg, onde me encontrava à época), pensei ter visto uma atitude crítica  
muito forte em relação ao que ele considerava ser as aberrações políticas e ideológicas  
de sua juventude, já que ele foi um dos representantes mais brilhantes de sua geração,  
que apoiou no entre guerras, a escalada da extrema direita romena. Cioran publicou  
em 1952 na Preuves, revista dirigida por François Bondy, em um número que reunia  
várias contribuições sobre a Romênia e sua situação histórica (em que figurava também  
a enviada por Mircea Eliade, amigo próximo de Cioran), um texto em que, pela primeira  
vez, ele formulou um julgamento muito crítico sobre a Guarda de Ferro e seu credo  
político (lembremos que ele glorificou em 1940, em uma conferência radiofônica, em  
termos exaltados, a figura de seu chefe, Corneliu Codreanu, durante a ditadura exercida  
por este movimento de extrema direita). Descobri esse texto em uma coleção da  
3 Raluca Dunà, “Posfácio” ao livro Mihail Sadoveanu sau Utopia càrtii de autoria de Nicolae Manolescu,  
Editura Institutul cultural român, 2005.  
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Preuves e, ao relembrar para Cioran de sua existência, ele observou que, logo após a  
sua publicação, recebeu uma carta expedida da Argentina por um antigo membro da  
Guarda de Ferro, refugiado naquele país, que o advertia violentamente a respeito de  
seu julgamento severo sobre um movimento que ele havia anteriormente apoiado.  
Aproveitei a ocasião para lembrar ao autor do célebre opúsculo Schimbarea la fatà a  
Romîniei [A transfiguração da Romênia], em que levantou com intensidade rara a  
questão do destino histórico do povo romeno, ao apresentar soluções mais do que  
questionáveis, que, por ocasião da publicação de sua primeira edição, em 1937, a  
acolhida por parte de uma certa ortodoxia legionária (a Guarda de Ferro se chamava  
a Legião do Arcanjo Miguel) não deixou de expressar fortes reservas. Fiz alusão a um  
artigo, publicado no semanário de Bucareste chamado Vremea, escrito por Arsavir  
Acterian, amigo próximo de Cioran, que criticava as teses do livro consideradas por  
ele como desviantes do credo tradicionalista e cristão-ortodoxo do movimento. Cioran  
me confessou que não se recordava desse artigo, mas a lembrança de sua existência  
estava longe de desagradá-lo.  
Ao final de uma de nossas entrevistas, ocorridas por ocasião de uma caminhada  
no jardim de Luxemburgo (que o autor de Histoire et utopie apreciava particularmente),  
encorajado pelo tom irônico com o qual Cioran começou a traçar o retrato de Nae  
Ionescu, o mestre de sua geração, elogiado sobretudo por Mircea Eliade (Cioran  
lembrou d os laços estreitos que o futuro chefe ideológico da Guarda de Ferro teve  
com Aristide Blank, banqueiro judeu muito conhecido na Romênia da época), me  
permiti lembrar ao meu interlocutor a campanha, liderada desde o final dos anos vinte  
nas páginas de Viata Romîneascà por Mihai Ralea, pensador profundamente enraizado  
nas ideias da esquerda democrática, contra os representantes da “nova geração”,  
mística e ortodoxa, incluindo Nae Ionescu, fundador com outros do Instituto Romeno  
para a Ação Nacional em 1926, criado segundo o modelo do fascismo mussoliniano.  
A ação ideológica de Ralea tinha um caráter premonitório, pois ele denunciou a  
ideologia que, uma década mais tarde, iria conduzir a Romênia à catástrofe. Mesmo  
que a “nova geração” tenha sido o partido que ele próprio havia se filiado no início  
dos anos trinta, Cioran me ouviu com atenção, contudo, quando mencionei o fato que  
Ralea tinha intitulado um de seus textos de “rasputinismo”, designando assim a mistura  
de misticismo, de culto da violência e da sexualidade em certos representantes da  
“nova geração”, ele protestou, rebelando-se contra essa qualificação considerada por  
ele obviamente como infame. Senti que havia ali um limite, que ele não queria  
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ultrapassar na sua visão crítica sobre o passado.  
Na carta que me enviou após a publicação do artigo na La Quinzaine, Cioran me  
contou, em particular, de sua satisfação pelo fato do texto ter focalizado os aspectos  
filosóficos de sua atividade juvenil, e não sobre suas derrapagens políticas, que ele  
qualificava retrospectivamente de “desagradáveis” e “na verdade, desinteressantes”.  
“Você conhece o constrangimento quase insuportável que eu sinto ao lembrar das  
extravagâncias que fiz em minha vida pregressa. Reajo a elas como uma mulher que  
tem um certo passado” (carta de 3 de agosto de 1981). Ao concentrar meus  
propósitos sobre a orientação filosófica de seus escritos do período romeno  
(completamente desconhecidos à época na França e no Ocidente, a ponto de Susan  
Sontag ter escrito que Cioran não tinha nada publicado na Romênia), com uma ênfase  
particular sobre a influência da Lebensphilosophie alemã, de Simmel a Klages, sobre  
o jovem Cioran, tentei iniciar um diálogo entre a geração filosófica à qual eu pertencia  
e a do meu ilustre compatriota. Recolhi em seus artigos de juventude, testemunhos  
reveladores sobre suas experiências filosóficas em Berlim, onde ele chegou em 1933  
como bolsista, sobre a forte sedução exercida, entre outros, pela personalidade de  
Ludwig Klages, do qual ele havia assistido a uma conferência, em que exaltava a figura  
de um verdadeiro condottiere do espírito, opondo-o a Nicolai Hartmann, titular da mais  
importante cadeira de filosofia em Berlim, cujo discurso muito acadêmico sobre os  
valores, sobre a questão da felicidade, etc. não era nem um pouco do agrado do jovem  
e impetuoso filósofo romeno. Tendo estado imerso longamente nos escritos de  
ontologia e ética de Hartmann, inspirado pela estima que o último Lukács lhe dedicara,  
evidentemente eu não compartilhava do julgamento do jovem Cioran (mesmo  
compreendendo a reação dele), e, de outra parte, do julgamento de Klages, filósofo  
do ritmo (conceito que marcou muito Cioran, que encontrava nele um apoio para  
celebrar o “frenesi”) e bajulador da pré-história, que chegou a apoiar o nacional-  
socialismo, o antissemitismo e - em um escrito publicado em 1940, sobre Alfred  
Schuler, altamente valorizado por Carl Schmitt - a suástica nazista. Em uma de nossas  
entrevistas parisienses, após a publicação de meu artigo, observei que Cioran não ficou  
indiferente à recordação de seu entusiasmo juvenil pela figura de Klages: a questão o  
incomodava e fez questão de me apontar que na Nouvelle Revue Française havia um  
artigo recente que tratava das relações de Walter Benjamin com o pensamento de  
Klages, subentendendo assim que este pensamento, de reputação tão duvidosa, pôde  
seduzir também um pensador firmemente vinculado à esquerda.  
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Os diálogos com Cioran foram facilitados pelo fato de que no debate, ao lembrar  
os nomes de pensadores romenos que, no período entre guerras, pertenciam a um  
campo ideológico oposto àquele da geração do autor de Sur les cimes du désespoir  
[Nos cumes do desespero], como Mihai Ralea ou Eugène Lovinescu, pude constatar  
que meu interlocutor, longe de rejeitá-los, falava deles com deferência. Foi assim que  
Cioran me confessou que o ensaio de Ralea intitulado “Le phénomène roumain” [“O  
fenômeno romeno”] (publicado em 1927 na Viata Româneascà), tentativa refinada e  
original de definir as características da psiquê romena, não deixou de marcá-lo em  
suas próprias interrogações sobre o destino romeno, como l’Histoire de la civilisation  
roumaine moderne [História da civilização romena moderna] (1924-25) de E.  
Lovinescu, que demandava a “sincronização” da vida social romena com a civilização  
ocidental, teve um certo efeito sobre suas invectivas anti-tradicionalistas (que  
suscitaram as críticas de seus amigos legionários). Em meu artigo de La Quinzaine  
insisti sobre esse ponto, onde me parecia possível indicar uma convergência com uma  
orientação que me era próxima (mencionei um “Keadaeev romeno”, aludindo às  
célebres cartas do escritor russo dirigidas contra o conservantismo dos eslavófilos) e  
Cioran se reconheceu totalmente nessa imagem. Alexandra Laignel-Lavastine, autora  
de um livro muito pertinente sobre o trio Cioran-Eliade-Ionesco intitulado L’oubli du  
fascisme. Trois intellectuels roumains dans la tourmente du siécle [O esquecimento do  
fascismo. Três intelectuais na tormenta do século] (2002, PUF), cometeu um grave erro  
ao interpretar meu texto como “o mais duro golpe” já dirigido contra Cioran, produto  
de algum “acerto de contas entre emigrados” (p. 125). O mal-entendido é flagrante,  
pois a finalidade do artigo era efetivamente, como ela mesma reconhece, “levantar  
partes importantes do véu” que cobria o período romeno de Cioran, mas com a  
finalidade de restituir o perfil filosófico do pensador, sua verdadeira estatura intelectual  
(na Romênia ele continuava a ser coberto de injúrias, de acordo com as páginas que  
lhe eram dedicadas na L’Histoire de la philosophie roumaine [História da filosofia  
romena] publicada à época), sem evidentemente evitar as críticas. A carta de Cioran  
mencionada abaixo mostra o quanto ele ficou grato pelo meu texto. A carta começava  
assim: “Meu caro amigo, agradeço o seu artigo tão objetivo e compreensivo”. E eu até  
me diverti ao mencionar uma pequena descoberta em meu artigo: o jovem Cioran  
certamente leu o ensaio de juventude de Lukács intitulado “A metafísica da tragédia”,  
pois ele utiliza em um de seus textos, sem citar o nome do autor, a fórmula pela qual  
o autor do ensaio publicado em 1911 na revista Logos definiu a vida cotidiana: uma  
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“anarquia de claro-escuro”. Em maio de 1984, quando fui convidado a proferir uma  
conferência na Sociedade Francesa de Filosofia, em Paris, na qual falei da Ontologia  
de Georges Lukács, Cioran veio assistir e, ao final, me aconselhou a publicá-la (uma  
versão resumida foi realmente publicada no número de abril de 1985 da revista alemã  
Merkur, antes da publicação do texto integral e da discussão que se seguiu no Boletim  
da Sociedade).  
Por recomendação insistente de Cioran, a quem entreguei, no início dos anos  
setenta, em um de nossos primeiros encontros, meu volume de Ensaios publicado em  
1968 em Bucareste (que incluiu o relato de minha conversa com Heidegger). Mais  
tarde, Cioran me aconselhou a divulgar a publicação para apoiar minha candidatura ao  
cargo de professor na Ecole des hautes études en sciences Sociales-Ehess, enviei então  
um exemplar para Mircea Eliade, cujo endereço em Chicago ele me havia fornecido. De  
volta a Bucareste, encontrei um envelope com vários impressos remetidos por Eliade,  
que me agradeceu pelo envio de meus “ensaios provocadores”! Minha hesitação inicial  
em enviar para Eliade os textos, cuja orientação ideológica, para dizer o mínimo, estava  
na antípoda da linha de pensamento que ele vinha desenvolvendo desde a juventude  
na Romênia, foi reforçada. Cioran tentou dissipar esses temores, eu o ouvi, mas ao  
registrar a reação de Eliade, me perguntei sobre o que poderia ter lhe parecido  
“provocador” em meus ensaios, dizendo a mim mesmo que era realmente um bom  
eufemismo. Bastava, de fato, dar uma olhada em um texto onde eu questionei  
fortemente a orientação filosófica e ideológica de Nae Ionescu, para entender que  
Mircea Eliade, que devia a maior parte de sua formação ao seu venerado mestre Nae  
Ionescu, poderia se sentir ofendido pelo tom fortemente crítico dessas considerações.  
Esse episódio me fez compreender que uma lacuna intransponível separava minha  
geração da chamada geração Kriterion, antes da guerra, da qual Mircea Eliade era  
considerado o líder. Não havia pontes possíveis entre aqueles que identificavam  
Stalingrado com a “agonia da Europa” (cf. Le Journal portugais de Eliade), e a vitória  
dos aliados como um dos maiores desastres da história (idem), que buscavam com  
avidez a amizade de um Carl Schmitt e alegavam que a Guarda de Ferro era um  
“movimento puramente espiritual” (minhas lembranças da infância e adolescência me  
deixaram uma imagem completamente diferente, pois Iasi era o berço do movimento  
que, desde o início, praticou assassinatos e crimes políticos) e a geração que  
considerou como sua a vocação de tornar fenômenos como o fascismo ou o nacional-  
socialismo impossíveis para sempre. Lembro-me que Geo Bogza, um dos escritores  
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mais estimados e amados de minha geração, antigo combatente contra o franquismo  
no front republicano na Espanha, gostava de dizer que reivindicava para si apenas um  
único título: o de “antifascista”. Se, seguindo o conselho de Cioran, decidi enviar a  
coletânea de Ensaios para Eliade, foi porque ela continha textos, como aquele sobre o  
"Substancialismo de Camil Petrescu", que eu imaginava ser do interesse para alguém  
que estivesse familiarizado com o papel importante desempenhado por esse escritor  
na cultura romena da época. Meu ensaio se propunha a interpretar a obra literária de  
Camil Petrescu à luz de sua doutrina filosófica. Talvez fosse uma ilusão de minha parte  
que houvesse aqui um terreno possível de diálogo com Eliade, pois eu deveria me  
lembrar que já desde o final dos anos vinte Camil Petrescu, que era um defensor  
ardoroso dos direitos imprescritíveis da intelligentsia e um crítico vigoroso do anti-  
intelectualismo e de toda forma de misticismo (ele chamava sua doutrina de  
“noocracia”4 e transformou-se em um partidário fervoroso da fenomenologia de  
Husserl, assimilando de modo pessoal o pensamento das “essências”) e havia  
polemizado fortemente com Mircea Eliade, atacando suas inclinações para o  
esoterismo e o misticismo indiano (pode-se encontrar essa polêmica nas páginas do  
semanário Literatura Universal, onde o formidável polemista que era Petrescu zombava  
do pensamento “dervixe”5 do líder da “nova geração”).  
Confrontado com a grande audiência que os escritos de Eliade, de Cioran e de  
seu amigo Constantin Noica conheceram na Romênia depois de 1989 (as livrarias  
estavam inundadas tanto pela reedição ou edição de seus escritos, como em geral  
pelos textos pertencentes à emergência da antiga extrema direita romena, por  
exemplo, os de Ernest Bernea, Mircea Vulcànescu ou Petre Tutea, sem falar de escritos  
de Nae Ionescu, iniciativa pela qual a editora Humanitas em particular foi a precursora,  
com o pretexto que estes autores teriam sido ostracizados sob o regime comunista),  
fui obrigado a constatar que a linha de pensamento muito diferente, mesmo oposta,  
representada pelos filósofos e escritores formados na escola do racionalismo ocidental,  
foi relegada a um quase-esquecimento. Seus escritos representavam, portanto na  
minha visão, conquistas das mais fecundas e mais avançadas do pensamento romeno.  
É válido indagar por que as novas gerações teriam que ser privadas do contato com  
livros como L’existence tragique de D.D. Rosca ou Explication de l’homme de Mihai  
4 Aristocracia dos sábios.  
5 Dervixe é um praticante do islamismo sufista, adepto da extrema pobreza.  
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Ralea (as duas obras existem em tradução francesa), e nenhuma editora romena pensou  
em reeditá-los após 1989, e de modo mais geral, por que a tradição racionalista e  
democrática da cultura romena e europeia não foi valorizada e levada ao primeiro  
plano da vida intelectual do país? É motivo de orgulho para uma editora recusar a  
publicação dos escritos filosóficos de Sartre ou de Adorno, por causa de seu  
engajamento à esquerda, enquanto a praça pública é inundada por uma abundância  
de publicações pertencentes à antiga extrema direita?  
Há de fato um hegelianismo romeno (basta se reportar a um texto como O  
renascimento do hegelianismo publicado, durante a segunda guerra mundial, por D.D.  
Rosca e reproduzido em sua coletânea Puncte de sprijin [Pontos de apoio], publicada  
pela editora Sibiu em 1943) e tal linha de pensamento não deve ser ocultada. Qual o  
valor de um Petre Tutea, ou mesmo de Nicolae Steinhardt (judeu convertido não  
somente à religião ortodoxa, mas também à sabedoria do catecismo da Guarda de  
Ferro, a Carticica sefului de cuib) ou de Petre Pandrea (uma verdadeira síntese de  
confusão intelectual, oscilando da extrema direita à extrema esquerda para acabar no  
mais rasteiro nacionalismo) - autores que se beneficiaram de uma ampla difusão em  
um mercado intelectual dominado pela “monocultura de direita”- ao lado de um  
Alexandru Claudian, de um Henri H. Stahl ou de um Zevedei Barbu, antigo assistente  
de Lucian Blaga na universidade, professor de boa formação hegeliana, autor de uma  
obra redigida durante o último período da guerra e publicada em Paris em 1947,  
intitulada Le Développement de la pensée dialectique [O desenvolvimento do  
pensamento dialético] (ed. Alfred Costes)?  
No entanto, seria em vão procurar pelo nome de Zevedei Barbuno no inventário  
do hegelianismo romeno, publicado recentemente na França, com a assinatura de Virgil  
Ciomos na coletânea intitulada Hegel et le droit naturel moderne [Hegel e o direito  
natural moderno], publicado pela editora Vrin em 2006, como também não é possível  
encontrar - coisa ainda mais surpreendente - a lista das contribuições hegelianas do  
mais importante filósofo hegeliano romeno, D. D. Rosca (com pelo menos uma dezena  
de textos de primeira linha, a maior parte publicados nos anos 1950-1970), sem falar  
no silêncio em torno da publicação em romeno do importante capítulo sobre Hegel da  
Ontologia do ser social de Lukács, traduzido pelo filósofo da transilvano Radu  
Stoichita, excelente conhecedor de Hegel, ele mesmo ausente da lista dos hegelianos  
romenos. Os que não cessam de denunciar o sectarismo comunista mostram uma face  
nada amigável ao praticarem, por sua vez, omissões condenáveis e distorções sectárias  
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Epílogo a Por que Lukács?  
as mais flagrantes.  
Sem o contato com as traduções de obras como a Critique de la raison dialectique  
[Crítica da razão dialética] de Sartre, a Dialectique Négative [Dialética negativa] ou os  
cursos de Adorno, ministrados na universidade, os escritos filosóficos do primeiro  
Horkheimer ou do último Habermas, não será possível suscitar, na filosofia romena, o  
interesse por um pensamento da história e da sociedade, cuja necessidade é vital para  
apreender os problemas do mundo contemporâneo. A tradução pela editora Iassy do  
livro de Jacques D’Hondt Hegel secret [Hegel secreto] e de sua coletânea Hegel et  
l’hégélianisme é uma iniciativa muito boa, mas a publicação de sua tese Hegel  
philosophe de l’histoire vivante [Hegel filósofo da história vivente] daria um grande  
impulso à reflexão sobre a estrutura e as articulações do processo histórico, que  
referimos mais acima. A regeneração da reflexão crítica sobre os problemas da história  
e da sociedade foi, durante muito tempo, travada e silenciada por preconceitos e  
reflexos do pensamento, que por seu caráter obsoleto, e mesmo provinciano, se  
transformaram em obstáculos consideráveis para a sincronização do pensamento  
romeno com as conquistas importantes da filosofia contemporânea. Publicar  
monografias sobre Wittgenstein, Habermas ou sobre a ontologia analítica é uma coisa  
excelente, adquirir instrumentos intelectuais para decifrar o funcionamento da  
sociedade e da história contemporânea é outra.  
O acerto de contas com o marxismo, assimilado sem escrúpulos como endosso  
ideológico do “socialismo real”, assumiu muitas vezes, durante as duas últimas  
décadas após a revolta de 1989, formas caricaturais e grotescas. Sartre, por exemplo,  
se transformou em figura odiada pelos intelectuais obcecados pelo ódio ao  
pensamento de esquerda, os mesmos que, após 1989, se instalaram em postos de  
comando da vida pública (editoras, fundações, revistas, emissoras de televisão etc.).  
Fomos informados que o autor da Critique de la raison dialectique teria sido o  
inspirador ideológico do entorno de Pol Pot, que perpetrou os massacres de milhões  
de pessoas no Camboja, o mesmo que teria “beijado a mão de Cohn Bendit” em 1968,  
e teria sido o promotor de um “racismo negro”, conclamando, em seu prefácio ao livro  
de Franz Fanon, o extermínio dos brancos. O autor dessas propostas assombrosas,  
que tem o cuidado de não mencionar o combate exemplar de Sartre contra a guerra  
da Argélia ou do Vietnã, ou seus textos memoráveis sobre a insurreição de Budapeste,  
ou sobre o “socialismo que vem do frio”, escrito após a repressão da primavera de  
Praga, é o mesmo que fez de tudo para silenciar o debate na Romênia, sobre o passado  
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de Heidegger (um livro como o de Hugo Ott, ou mesmo o de Farias, ficaram  
completamente desconhecidos pelos leitores romenos). E quando, ele chegou a ceder  
com relutância que tal engajamento existiu, se apressou a reduzi-lo a um lapso de  
tempo muito breve: “dez meses” (mantendo silêncio, por ignorância, sobre os textos  
que contradizem seus fantasmas apologéticos); quanto ao famoso Discurso do  
reitorado, ele considera que se trata de um texto obscuro (!?), fórmula reveladora de  
uma rara cegueira, pois para todo o mundo, a começar com Benedetto Croce, o  
primeiro a reagir muito severamente à publicação do Discurso, o texto é de uma clareza  
inequívoca quanto à seriedade do engajamento nacional-socialista de seu autor.  
Um outro intelectual, pertencente à mesma família espiritual, revelou aos seus  
leitores que Sartre foi um “imbecil político”, autor de “dezenas e dezenas de páginas  
irrespiráveis”, ou ainda “histéricas”, visto que ele teria apoiado, entre outros, a  
violência e os crimes dos revolucionários de 1793; o autor em causa se pergunta  
então, inspirado pela enorme lucidez política e ideológica de um Jean-François Revel,  
com que direito se é rigoroso com o passado fascista ou nazista de Heidegger ou de  
Mircea Eliade, ao mesmo tempo em que se recusa a colocar no pelourinho Sartre,  
Marcuse ou Althusser por seu engajamento à esquerda? Esse amálgama entre a  
“direita” e a “esquerda”, mais exatamente entre a extrema direita e a extrema esquerda,  
que apaga, sob o rótulo da “crítica do totalitarismo”, o abismo entre a democracia  
radical e a repressão fascista, é igualmente familiar claro! - do leitor ocidental. A  
nuance introduzida pela intelligentsia romena que assume, sem complexos, seu  
pertencimento à “direita” mais radical (felizmente ela está longe de ser uma  
unanimidade a julgar pelas reações cada vez menos tímidas suscitadas entre os jovens  
intelectuais romenos) é o caráter antiquado, e mesmo primitivo, de sua ação de  
demonização da esquerda. A imagem de Marx, por exemplo, evocada por essa gente,  
é extraída de escritos como os do pastor Richard Wurmbrand, figura mais que duvidosa  
da “resistência anticomunista” (trânsfuga do comunismo, ele desempenhou um papel  
mais do que ambíguo por ocasião de um processo contra os comunistas romenos em  
1934), autor entre outros de um opúsculo, cujo título fala por si: Marx e Satã, ou em  
um livro de Leopold Schwarzschild The Red Prussian : the Life and the Legend of Karl  
Marx. Pode-se imaginar a perplexidade, e mesmo a ira, desses personagens quando  
descobriram em um livro póstumo de Constantin Noica, mentor de todos eles, obra  
publicada em 1990, intitulada Rugati-và pentru fratele Alexandru [Ore pelo irmão  
Alexandre], um elogio baseado no pensamento de Marx, em que o autor tinha  
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descoberto com surpresa a profundidade da crítica da alienação, quando de suas  
leituras na prisão onde o regime no poder o havia encarcerado, no início dos anos  
sessenta. Semelhante reação de despeito e estupor foi suscitada pela publicação na  
França do livro de Jacques Derrida Spectres de Marx [Espectros de Marx]: idolatrado  
até então por aqueles que enxergaram nele um eminente heideggeriano, subitamente  
desapareceu da nomenclatura dos pensadores adulados, e foi para o esquecimento  
devido ao pecado imperdoável de ter demonstrado estima pelo The Red Prussian.  
Se Marx e seus discípulos são condenados ao inferno (nos asseguram que ele e  
seu amigo Engels foram os protagonistas de crime político e do extermínio dos  
adversários, de verdadeiros antecipadores do gulag), Heidegger passou a ser objeto  
de uma admiração beata: basta ver o texto de apresentação que acompanha a tradução  
romena de Sein und Zeit [Ser e tempo] para descobrir a mistura de exaltação e de  
vazio especulativo que caracteriza a hagiografia6 romena de Heidegger. A ênfase do  
comentador, que é também um dos tradutores, mal esconde a total inconsistência da  
proposta: ele diz aos leitores que “cada página (do livro) é um formidável (!) esforço  
de entender o subentendido”, que o famoso ser-derrelito - a Geworfenheit - é um  
“enigma” ... fenomenologicamente inabordável (!?) e outras platitudes pretenciosas do  
mesmo gênero. Portanto, não é surpreendente que apesar da adoração mística  
demonstrada ao filósofo de Friburgo (o relato de uma visita à Todtnauberg, onde se  
encontra a cabana do filósofo, assemelha-se fortemente a uma peregrinação a lugares  
santos) a contribuição efetiva destes aduladores de sua obra para sua exegese  
filosófica é quase nula; o debate internacional sobre Heidegger não registrou a menor  
contribuição notável vinda desses fanáticos.  
O espectro ideológico romeno destes últimos anos oferece também o espetáculo  
de uma forte escalada do discurso religioso, acompanhado dos piores anátemas  
lançados sobre o espírito laico, pois o “ateísmo” é apontado como o cavalo de Tróia  
da bolchevização do país. Lê-se sob a pena dos porta-vozes dessas tendências,  
promovidos aliás pelo atual presidente romeno a postos-chave da vida cultural,  
imprecações contra a “secularização agressiva” da qual a Europa tem sido vítima desde  
decênios, senão séculos. São os mesmos que denunciam a Constituição Europeia de  
ter ocultado as “raízes cristãs” em seu preâmbulo, mas sobretudo são os mesmos que,  
6 Estudo sobre a biografia de santos.  
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em seu conservadorismo de outros tempos, não hesitam em falar da Revolução  
Francesa como um “horror”, pois “roubou” da França profunda (a França de Joana  
d’Arc) “o cristianismo”, o que explicaria que a continuidade da dominação da França  
pelo “esquerdismo intelectual”, que “secretamente” é incubador da utopia comunista.  
O autor destas linhas, batizado por seus pares de “Kierkegaard romeno”, sonha fundir  
a religiosidade ortodoxa com a física quântica: os amálgamas desse gênero parecem  
tomados por uma intelligentsia que escolhe seus modelos em livros como os de Frank  
Tipler, promotor do “princípio antrópico cosmológico”, livros cuja maior proeza parece  
ser a demonstração da convergência entre as conquistas da física moderna e a doutrina  
cristã da ressurreição dos mortos...7 Esses espíritos, que não podem pronunciar  
palavras como “esquerda”, sem lhe acrescentar instantaneamente o epíteto  
“totalitária”, e trazem à tona sua aversão para com a Revolução francesa, que teria  
introduzido o “igualitarismo totalitário”, partidários, é claro, da tese de Nietzsche,  
retomada por Max Scheler, segundo a qual o “ressentimento” estaria na base das  
reivindicações democráticas - “estes cavaleiros da fé”, que exibem descaradamente seu  
antimodernismo e sua nostalgia da Idade Média, ocupam o espaço público romeno  
com suas pregações a favor de uma revivescência da ontologia religiosa.  
Nós insistimos bastante sobre o progresso decisivo alcançado no terreno da  
especulação ontológica pelo triunfo de um pensamento da imanência, evocando não  
apenas a posição de um Nicolai Hartmann, soberanamente indiferente à toda  
especulação religiosa, mas, também, a de um filósofo idealista por excelência, como  
Benedetto Croce, crítico incomplacente de toda contaminação teológica da filosofia,  
ou a de um fenomenólogo como Roman Ingarden, que, no entanto, desenvolveu sua  
educação em um país aprofundamento católico como a Polônia. As críticas de Lukács  
contra a mistura do neopositivismo com a fé religiosa, em particular a sua rejeição das  
posições, de um lado de Pascual Jordan e, de outro, dos partidários de Jaspers,  
permanecem relevantes e eficazes.  
Um jovem intelectual romeno, que defendeu e publicou na França uma tese de  
doutorado sobre Carl Schmitt, escolheu um tema de forte inspiração teológica como  
eixo de sua pesquisa: trata-se do katechon, designação da ação retardadora frente à  
7 Frank J. Tipler The Physics of Immortality . Modern Cosmology. God and the Resurrection of the Dead,  
1994, New York Doubleday. Frank J. Tipler and John D. Barrow The Anthropic Cosmological Principle,  
1986, Oxford University Press e Frank J. Tipler The Physics of Christianity, 2007, New York, Doubleday.  
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ascensão do poder do Anticristo. O autor da tese parece muito marcado pelas ideias  
desenvolvidas por Alain Besançon em seu livro sobre La falsification du bien: Soloviev  
et Orwell (1985), pois a partir da proximidade que ele estabelece entre as posições  
de Schmitt e as dos pensadores ortodoxos russos, ele se propõe a afirmar a ação  
“katechônica” como freio e obstáculo à expansão das forças que encarnam a subversão  
do cristianismo. O objetivo ideológico de uma tal operação é transparente: o Anticristo  
contra o qual age o katechon é o movimento humanista e socialista universal, a  
ascensão da secularização; Schmitt e os teólogos ortodoxos russos eram mobilizados  
para encarnar o contramovimento salutar destinado a salvar a civilização europeia. O  
entusiasmo pelo pensamento de Carl Schmitt, paralelamente ao da teologia ortodoxa  
russa, mostra bem o estado de espírito de uma certa intelligentsia romena em uma  
época muito parecida àquela da Restauração. Não surpreende que o livro em questão,  
Sous l’oeil du grand inquisiteur - Carl Schmitt et l’héritage de la théologie politique  
[Sob o olhar do grande inquisidor - Carl Schmitt e a herança da teologia política]  
(2004, Les Editions du Cerf, Passages) minimize completamente, até à banalização, a  
dimensão do engajamento nacional-socialista de Schmitt. A minimização é efetuada  
com argumentos derrisórios (o “orgulho intelectual” teria levado o jurista a se aliar à  
causa de Adolf Hitler, da mesma forma que “a neutralização da tendência mais radical  
do nacional-socialismo” - alusão ao assassinato de Röhm, que justificaria o apoio  
prestado por Schmitt à “noite das facas longas”)8. A profundidade da conexão entre  
o pensamento do autor de Concept du politique e seu engajamento ideológico e  
político, a partir de 1933, foi ocultado. O autor do livro é Théodore Paléologue,  
(nomeado ministro da cultura do último governo do regime Basescu), acreditava na  
possibilidade de negar a relação interna entre a teoria dos “grandes espaços”,  
desenvolvida por Schmitt a partir de 1937, que fundamenta sua apologia do Reich, e  
a política expansionista do Reich hitleriano na mesma época, embora seja evidente que  
Schmitt, com sua teoria Raum gegen Universalismus [espaço contra o universalismo],  
atacava tanto o universalismo liberal-democrático, quanto o universalismo comunista,  
portanto a política das democracias ocidentais, assim como da Rússia soviética, com o  
8
Sobre o assunto cf. nos textos Le concept du “peuple politique” dans la révolution conservatrice no  
volume Penser la souveraineté à l’époque moderne et contemporaine, sob a direção de Gian Mario  
Cazzaniga e Yves-Charles Zarka, II, 2002, Paris/Pisa, Edizioni ETS, coedição com a Librairie  
Philosophique Vrin, pp.485-487 e Scènes de la vie philosophique sous le Troisième Reich. Steding,  
Schmitt, Heideggerno volume organizado por Yves-Charles Zarka Carl Schmitt ou le mythe du politique  
(2009, PUF, « Débats philosphiques »), pp. 157.  
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objetivo de legitimar, no plano ideológico, a ação das potências do Eixo, a Anschluss,  
a ocupação pela Alemanha hitleriana da Tchecoslováquia, a guerra da Itália contra a  
Abissínia e a guerra desencadeada pelo Japão em Pearl Harbour, com objetivo de  
afirmar a supremacia de seu Império no “grande espaço” asiático.  
A poderosa ressureição da religião e da especulação teológica na Romênia pós-  
comunista (neste sentido, também podem ser citados os colóquios organizados em  
Bucareste pelo New Europe College, entre os últimos o sobre “Les pères de l’Eglise  
dans le monde d’aujourd’hui” [“Os padres da Igreja no mundo de hoje”], cujas atas  
foram publicadas em 2006 pelas Edições Beauchesne), vem acompanhada, é claro, de  
uma verdadeira cruzada contra o pensamento de Marx, denunciando-o como o ápice  
da perversa secularização que invadiu o mundo desde o humanismo da Renascença.  
Nós já mencionamos os anátemas contra a Revolução francesa que podem ser lidos  
sob a pena dos protagonistas dessa onda medieval. As ironias contra os partidários  
do “humanismo” pertencem ao mesmo registro. Os aduladores do renascimento da  
religião formam uma boa dupla com os apóstolos do “paradigma liberal”, em uma  
santa aliança contra o marxismo ímpio e contra o horror da “utopia coletivista”.  
No entanto, se olharmos mais de perto no plano especulativo a consistência  
desta literatura neo-ortodoxa, ficaremos impressionados com a indigência dos  
conceitos utilizados. Um livro de estudos sobre anjos refere uma “ética do intervalo”,  
que situaria o homem entre a “precariedade” e a “transcendência”, propondo  
definições do seguinte tipo: “no intervalo, os homens são uma espécie de mistura, de  
crescimento, um dia fascinados pela retórica da pureza e do absoluto, um outro dia  
mergulhados na mais negra das angústias corporais, espiritual e mental”9. É de se  
perguntar como os autores de tais pregações típicas de padres interioranos, cuja  
verborragia e as fórmulas enfáticas mal escondem a pobreza do conteúdo, não se dão  
conta que uma antropologia ou uma ontologia religiosas, fundadas sobre as  
“verdades” desse tipo, pertencem a um capítulo definitivamente obsoleto da história  
das ideias, e que, uma época que conheceu avanços tão importantes no campo da  
antropologia filosófica (basta pensar nos escritos de Gehlen, de Helmuth Plessner, de  
9
Andrei Plesu, Actualité des anges, 2005, Buchet-Chastel, tradução de Laure Hinckel, p. 21. Despre  
îngeri, 2003, Bucuresti, Humanitas, p. 21, O texto romeno tem um sabor tal, que merece ser citado no  
original: os homens são „un soi de mismasuri, de corcituri, cînd halucinati de retorica puritàtii si  
absolutului, cînd pràbusiti în cea mai neagrà mizerie trupeascà, spiritualà si mentalà”! [“uma espécie de  
descompasso, de convulsões, quando alucinados pela retórica da pureza e do absoluto, quando caem  
mais na mais negra miséria corporal, espiritual e mental”, NT: tradução do romeno].  
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Clifford Greetz e em tantos outros), quando o método ontológico-genético permitiu  
uma explicação puramente imanente, a exclusão de toda “transcendência”, a  
emergência da humanidade do homem, o retorno às verdades desgastadas da  
antropologia religiosa significa pura e simples um retorno a uma era devoniana do  
pensamento.  
Quanto às imprecações contra Marx e contra a ideia comunista, que são o fundo  
comercial dessa intelligentsia, pode -se notar que não se trata, em nenhum momento,  
de um verdadeiro exame crítico dos fundamentos filosóficos do pensamento dos  
autores de A Ideologia Alemã. O mais prolífico detrator do marxismo, um trânsfuga  
deste pensamento, pois começou com um trabalho sobre a Escola de Frankfurt (e que,  
como todos os trânsfugas, é de uma implacabilidade particular para denunciar hoje o  
que ele abraçou ontem) continua despejando caminhões de acusações contra um  
pensamento que ele caracteriza como “liberticida” e “totalitário”, que legitimaria, por  
sua natureza, os piores crimes da história, uma “utopia coletivista” que conduz  
diretamente ao gulag. Não se encontra, no entanto, nessas obras lamentáveis a menor  
consideração por textos fundamentais da doutrina que se quer colocar no pelourinho,  
e é necessário notar que essa literatura silencia completamente a crítica radical da  
perversão staliniana do marxismo e de práticas dela decorrentes naqueles pensadores  
que continuaram fiéis aos ensinamentos fundamentais de Marx, como Lukács e Bloch,  
Adorno, Marcuse ou o segundo Sartre. E por boas razões, pois é muito mais fácil  
recolher algumas ideias nos escritos dos neoconservadores americanos (Kristol,  
Podhoretz, etc.) ou na tendenciosa e tão pouco confiável Histoire du marxisme de  
Kolakovski, do que se confrontar com o discurso filosófico de Lukács na Ontologia do  
ser social ou na Estética, com Bloch em Experimentum Mundi, com Adorno na  
Dialectique Négative ou com Sartre em seus escritos filosóficos. Mas não podemos  
pedir tanto a caixeiros viajantes do antimarxismo, que tentam inundar o espaço  
mediático romeno, beneficiários dos mais altos níveis de apoio (felizmente é possível  
registrar, na nova geração de intelectuais romenos, reações salutares contra os ultras  
e suas ideias arcaicas). Não se pode abusar por muito tempo dos leitores que, cedo  
ou tarde, encontrarão os meios para formarem por si próprios uma imagem objetiva  
da história das ideias e de suas implicações políticas.  
Como citar:  
TERTULIAN, Nicolas. Epílogo a Por que Lukács?. Verinotio, Rio das Ostras, v. 28, n. 2,  
pp. 108-123; dez. 2023.  
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