DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.2.769  
Nikolai Mikhailovsky diante do tribunal do sr. K.  
Marx: Marx e a recepção d’O capital na Rússia  
Nikolai Mikhailovsky before the tribunal of Mr. K.  
Marx: Marx and the reception of Capital in Russia  
Gabriella M. Segantini Souza*  
Resumo: No final de 1877, Nikolai Danielson –  
tradutor da edição russa do Livro I d’O capital –  
enviou a Marx alguns artigos e revistas que  
acreditava que interessariam o autor alemão.  
Dentre esses papeis, estava o artigo Karl Marx  
diante do tribunal do sr. Zhukovsky, de Nikolai  
Mikhailovsky, no qual tratava d’O capital e da  
pertinência da obra para os russos, em um  
contexto de dissolução das antigas relações de  
produção e de avanço do desenvolvimento  
capitalista. Depois de ler o artigo, entre 1878 e  
1879, Marx escreveu uma carta para a revista  
onde fora publicado o artigo de Mikhailovsky,  
Otechestvennye zapiski, respondendo seu  
interlocutor russo. No presente artigo, propomo-  
nos a analisar essa missiva, investigando nela a  
visão de Marx acerca da recepção d’O capital na  
Rússia.  
Abstract: At the close of 1877, Nikolai  
Danielson the translator of the Russian edition  
of Volume I of Capital dispatched to Marx a  
selection of articles and periodicals that he  
deemed likely to spark the German thinker’s  
interest. Among these materials was Nikolai  
Mikhailovsky’s article Karl Marx before the  
Tribunal of Mr. Zhukovsky, which examined  
Capital and its relevance for the Russian  
context, then undergoing the disintegration of  
traditional relations of production and the  
advance of capitalist development. Having read  
the article between 1878 and 1879, Marx wrote  
a letter to the journal in which Mikhailovsky’s  
text had been published, Otechestvennye  
zapiski, wherein he addressed his Russian  
interlocutor. In the present study, we seek to  
undertake an analysis of this correspondence,  
exploring within it Marx’s appraisal of the  
reception of Capital in Russia.  
Palavras-chave: Karl Marx; O capital; Rússia;  
populismo russo; revolução social; [assim  
chamada] acumulação originária.  
Keywords: Karl Marx; Capital; Russia; Russian  
populism; social revolution; [so-called] previous  
accumulation.  
quid rides? mutato nomine de te  
Fabula narratur  
Horácio, Satirarum liber primus  
Dada a situação interna da Rússia na época, não foi sem certa surpresa que  
Marx recebeu a notícia de que, dado o interesse do público russo em sua crítica à  
economia política, seria justamente ali que a primeira tradução do Livro I d’O capital  
em língua estrangeira seria publicada1. E sobre a “surpreendente notícia” (MARX in  
* Mestre e bacharel em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Co-editora da Verinotio  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: gabriella.segantini.souza@gmail.com. Orcid:  
0000-0002-7870-8725.  
1 O editor de São Petesburgo N. P. Poliakov tinha inicialmente encarregado Mikhail Bakunin para realizar  
a tradução do v. I d’O capital. Apesar de Poliakov ter dao certa quantia a Bakunin como adiantamento  
pela tradução, o anarquista russo acabou não seguindo em frente com a tradução, de modo que o  
trabalho foi repassado para German Lopatin em 1870. Lopatin traduziu os capítulos 2 a 5 do livro  
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Gabriella M. Segantini Souza  
MARX; ENGELS, 2020, p. 273) de que o editor de São Petesburgo (N. P. Poliakov)  
planejava publicar a tradução já na primavera, Marx escreveu a Ludwig Kugelman em  
outubro de 1868, parecia-lhe “uma ironia do destino que os russos, as quais venho  
combatendo sem interrupção há 25 anos, e não só em alemão, mas também em francês  
e inglês, sejam os meus ‘protetores’ de sempre” (MARX in MARX; ENGELS, 2020, p.  
273).  
Cerca de dez anos depois, Marx novamente discutiria a recepção de sua obra  
na Rússia mais especificamente, da forma como certa parte de seus leitores russos  
interpretavam seu tratamento acerca da via de entificação do capitalismo inglês e da  
assim chamada acumulação originária/primitiva. Fazemos referência aqui à carta que  
Marx escreveu entre 1878 e 1879 ao comitê editorial da revista russa Notas  
Patrióticas2, em resposta ao artigo escrito por Nikolai Mikhailovsky, Karl Marx diante  
do tribunal do sr. Ju. Zhukovsky3, publicado na revista no final de 1877. No tempo  
decorrido desde as primeiras notícias de que O capital seria traduzido para o russo,  
Marx havia se aprofundado de forma considerável na literatura russa sobre a questão  
agrária no país e as particularidades do desenvolvimento da produção capitalista na  
Rússia, graças aos materiais enviados por amigos e correspondentes russos, como  
Maksim Kovalevsky e Nikolai Danielson.  
Até aproximadamente a década de 1870 o interesse de Marx em relação à  
Rússia estava em grande parte restrito à crítica ao papel desempenhado pelos russos  
mais especificamente, da diplomacia tsarista como principal força  
contrarrevolucionária da Europa, ao lado da Áustria e da Prússia. Entretanto, à medida  
que a produção capitalista começava a avançar pelo Império Russo, impulsionada pela  
derrota da Guerra da Crimeia em 1856 e pelo fim da servidão russa em 1861, e que  
começava a se formar ali um movimento revolucionário socialista seriamente  
comprometido com a derrubada do tsarismo, Marx toma interesse pelos debates  
nascidos entre os russos sobre a questão agrária no Império e a destruição do modo  
de produção arcaico ainda predominante na Rússia (as comunas agrícolas) pelo avanço  
das relações de produção capitalistas.  
Em meio a isso, desde sua publicação na Rússia, onde havia ganhado certa  
popularidade, O capital havia se tornado objeto de debates acalorados. Alguns russos  
(correspondentes às Seções II a IV na segunda edição), mas não pôde continuar a tradução, visto que  
estava envolvido na organização de um plano de fuga para Nikolai Tchernichevsky, preso desde 1862.  
Por fim, Nikolai Danielson encarregou-se do projeto, terminando a tradução no final de 1871 (cf.  
DANIELSON et al., 1981)  
2 Отечественные записки ou Otechestvennye Zapiski.  
3
O artigo de Mikhailovsky só está disponível no original russo (Карл Маркс перед судом г. Ю.  
Жуковскаго).  
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viam a obra como um anúncio da inevitabilidade do desenvolvimento do capitalismo  
na Rússia, sobretudo no contexto pós-abolição da servidão na Rússia, quando a massa  
dos servos ‘emancipados’ logo se transformou numa massa de miseráveis (cf.  
ROBINSON, 1961). Outros questionavam até mesmo a pertinência da obra para os  
russos, argumentando que um livro de um autor alemão tratando do capitalismo  
ocidental nada de pertinente teria a aportar para o leitor russo para além de servir de  
advertência contra os males do capitalismo, uma vez que a situação da Rússia muito  
se diferenciava da de seus vizinhos europeus (cf. OITTINEN, 2023). O artigo de  
Mikhailovsky sobre Marx e as considerações do enciclopedista liberal Yuri Zhukovsky  
sobre O capital posicionava-se diretamente nesse debate. Nesse sentido, a resposta  
de Marx às considerações de seu interlocutor russo na carta à revista Notas Patrióticas  
nos coloca diretamente diante das reflexões marxianas sobre a recepção d’O capital  
na Rússia, razão pela qual nos propomos aqui a analisar essa missiva.  
i. Mikhailovsky e as inquietações dos russos  
Em Karl Marx diante do tribunal do sr. Ju. Zhukovsky4, Mikhailovsky buscava  
questionar em que grau seria aplicável a teoria de Marx, sobretudo de O capital, à  
realidade russa. Embora Mikhailovsky considerasse que era inquestionável que fosse  
de interesse para os russos a “teoria histórico-filosófica”5 (MIKHAILOVSKY apud  
OITTINEN, 2023, p. 47) de Marx tal como supostamente estaria exposta no capítulo  
sobre a assim chamada acumulação originária/primitiva , o narodnik defendia em seu  
texto que essa dita ‘teoria da história’ marxiana não seria acertada se levássemos em  
conta a Rússia. Tanaka explica que, em que pese Mikhailovsky não negar o mérito de  
Marx em sua crítica ao modo de produção capitalista, ao ver do russo, o lugar de Marx  
era a Europa Ocidental, eis que na Rússia ele teria apenas moinhos de vento contra  
quem lutar (MIKHAILOVSKY apud TANAKA, 1969, p. 4). Mikhailovsky estava  
convencido de que Marx partia do pressuposto segundo o qual o caminho de  
desenvolvimento experimentado pela Inglaterra seria inevitavelmente seguido por  
todos os povos, indagando se esse processo seria tão “necessário” quanto como  
supostamente retratado por Marx (MIKHAILOVSKY apud OITTINEN, 2023, p. 49).  
4 Em razão de nosso conhecimento insuficiente da língua russa, somos forçados a utilizar as observações  
de terceiros sobre o texto de Mikhailovsky, como Haruki Wada (WADA, 2017, pp. 97-8), Masaharu  
Tanaka (TANAKA, 1969) e Vesa Oittinen (OITTINEN, 2023, pp. 46-53).  
5 By this Marx meant a historical overview of the first steps of a capitalist mode of production, but he  
gave us something much more a whole philosophico-historical theory. It is, generally taken, very  
interesting, and especially interesting for us Russians.(MIKHAILOVSKY apud OITTINEN, 2023, p. 47).  
[Com isto Marx quis dar uma visão histórica dos primeiros passos de um modo capitalista de produção,  
mas deu-nos algo muito mais toda uma teoria histórico-filosófica. De modo geral, isso é muito  
interessante, e especialmente para nós, russos, em tradução nossa.]  
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Mikhailovsky fazia referência ainda a uma nota de rodapé da primeira edição alemã  
dO capital, na qual Marx criticava Aleksandr Herzen por ter encontrado o comunismo  
russo não na própria Rússia, mas no livro de Haxthausen, um conselheiro do governo  
prussiano” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 54). Para Mikhailovsky, essa censura  
dirigida por Marx a Herzen ilustraria a atitude geral de Marx  
diante dos esforços dos russos em encontrar para seu país um  
caminho de desenvolvimento diferente daquele que a Europa  
Ocidental havia seguido e está ainda seguindo esforços sobre os  
quais não há qualquer necessidade de tornar-se um eslavófilo ou  
acreditar misticamente na qualidade especialmente alta do espírito da  
nação russa; tudo o que é necessário é retirar as lições da história da  
Europa (MIKHAILOVSKY apud WADA, 2017, pp. 97-8).  
Em seu artigo, o narodnik questionava ainda se o tipo de processo histórico  
que Marx descreveu é verdadeiramente inevitável ou não” (MIKHAILOVSKY apud  
WADA, 2017, p. 98). Esse artigo, que deve ser situado dentro das discussões que  
ocorriam dentro do movimento revolucionário russo ao final da década de 1870,  
buscava desafiar a visão de que a obshchina iria necessariamente perecer diante do  
peso de supostas leis da história e que aquilo que havia se passado com as terras  
comunais na Europa Ocidental fatalmente se repetiria na Rússia. Os que defendiam  
essa visão muitas vezes faziam recurso às ideias de Marx, sobretudo de O capital,  
afirmando que havia sido Marx quem havia dito que o caminho histórico percorrido  
pela Inglaterra era o único possível e que também seria fatalmente trilhado pela Rússia  
e assim seria em função de leis naturais. De te fabula narratur!” havia exclamado Marx  
no prefácio da primeira edição alemã de O capital: o país industrialmente mais  
desenvolvido não faz mais do que mostrar ao menos desenvolvido a imagem de seu  
próprio futuro” (MARX, 2017, p. 78). Para esses russos, isso significava uma coisa  
apenas: a comuna agrária russa estava destinada a perecer e ser suplantada pela forma  
da propriedade privada capitalista e isso era um fato inexorável, um fato das leis da  
história, as quais Marx teria supostamente exposto em O capital.  
Como muitos populistas, Mikhailovsky decerto era um defensor da perspectiva  
de que a comuna agrária russa poderia ser a base para o desenvolvimento de uma  
nova forma de produção na Rússia, uma que combinasse o bem-estar da classe  
agrícola” com o progresso da agricultura” (TCHERNYSHEVSKY, 2017, p. 266) e os  
ganhos do fazendeiro com o aproveitamento da terra, métodos produtivos com  
execução consciente do trabalho” (TCHERNYSHEVSKY, 2017, p. 267), de maneira que  
a proteção da propriedade comunal na Rússia seria crucial. Em razão disso, em seu  
artigo para a Otechestvennye Zapiski, Mikhailovsky se voltava contra as ideias daquele  
que, para ele e para uma considerável parcela dos leitores russos, teria decretado a  
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sina da comuna agrária na Rússia, isto é, Marx.  
Os populistas russos observavam apreensivos o avanço do capitalismo cada  
vez mais acelerado no país desde 1861 e viam que, com isso, a ruína e a miséria dos  
camponeses crescia na mesma medida6. Para os narodniks, que eram umbilicalmente  
ligados à causa dos camponeses russos, o marxismo implicaria na Rússia aceitar o  
desenvolvimento do capitalismo, a expropriação das terras comunais e tudo aquilo  
que tornava a vida do muzhik cada vez mais intolerável. Eles consideravam que aceitar  
o marxismo significaria aceitar que o papel dos revolucionários socialistas russos seria  
de não apenas contemplar friamente, mas contribuir ativamente e com plena  
consciência à transformação da massa do campesinato em proletariado.  
Para esses revolucionários russos, adotar a teoria de Marx, ou ao menos a  
leitura que alguns russos faziam delas, seria abandonar todos os seus sentimentos e  
desejos mais caros, isto é, de uma revolução socialista na Rússia partindo da comuna  
agrária russa. Essa era a luta dos populistas, evitar que o capitalismo fincasse suas  
raízes de forma definitiva no país e que, em razão disso, a obshchina fosse dissolvida  
e os campesinato fosse privado de suas terras comunais. Ademais, se para o marxismo  
o capitalismo seria na Rússia não apenas inevitável, mas uma necessidade, aceitar essa  
perspectiva seria abandonar também o horizonte de uma revolução em um futuro  
próximo. Assim, a teoria “marxista” trazia enorme angústia para os populistas, pois  
para eles significaria que a luta em nome da qual arriscavam perder sua liberdade e  
até a vida seria uma causa perdida. Em razão disso, na década de 1870 vários  
membros do movimento populista russo se dedicavam a publicar artigos nas revistas  
do movimento voltados a demonstrar a inaplicabilidade da teoria marxiana (ou ao  
menos a leitura que se fazia dela naquela época) à situação russa (cf. TVARDOVSKAIA,  
1978).  
ii. A resposta de Marx  
Através do artigo de Mikhailovsky, Marx pôde, por sua vez, dar-se conta da  
leitura tão reducionista que alguns de seus leitores russos faziam de O capital, o que  
o provocou a elaborar uma resposta ao artigo. Tanto a carta original escrita por Marx,  
6
No caso, aqueles que consideravam que era possível o capitalismo se desenvolver na Rússia. Como  
mostra Tvardovskaia (1974, pp. 77-80), depois da Reforma de 1861, uma das principais discussões do  
que podemos chamar de “movimento populista” na Rússia se revolvia em torno da possibilidade ou da  
impossibilidade de que o país se tornasse capitalista. Por exemplo, V. P. Voronstov via que, por mais  
que se observasse na Rússia certos “fenômenos esporádicos” de capitalismo, era impossível que o  
capitalismo se desenvolvesse de forma definitiva ou completa. Essa discussão se estenderia por  
décadas, sendo que Lenin dela também se ocupou, em O desenvolvimento do capitalismo na Rússia,  
dirigindo-se contra as hipóteses de V. Voronstov e de N. Danielson sobre essa questão no primeiro  
capítulo da obra (cf. LÊNIN, 1982).  
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quanto as cópias feitas por Engels depois da morte de seu autor não continham data,  
de maneira que só podemos estimar quando foram escritas. É difícil dizer exatamente  
quando Marx escreveu sua carta ao Conselho Editorial da Otechestvennye Zapiski,  
respondendo ao artigo de Mikhailovsky, mas parece incorreta a estimativa contida na  
apresentação do livro Lutas de classes na Rússia, isto é, no final de 1877. Isso porque,  
como podemos ver na carta escrita por Marx a Danielson em novembro de 1878, Marx  
ainda não havia lido o artigo de Mikhailovsky e só sabia em linhas gerais seu conteúdo  
porque, durante uma de suas visitas à casa da família Marx em Londres, Maksim  
Kovalevsky havia aludido à polêmica de Mikhailovsky e Zhukovsky com O capital.  
Nessa carta, Marx diz:  
recebi as publicações de Petesburgo e agradeço vivamente. Não vi nada  
da polêmica de Tchitcherin e outros contra mim, com exceção do que  
me enviaste em 1877 (um artigo de Sieber e outro, creio, de  
Mikhailovsky, ambos nos Anais Patrióticos, em resposta a esse  
estranho autointitulado enciclopedista Zhukovsky). O professor  
Kovalevsky, que está aqui, disse-me que teve polêmicas bastante vivas  
a propósito dO capital (MARX, 2020, p. 329).  
Assim, isso parece situar a escrita da carta ao comitê editorial da  
Otechestvennye Zapiski não no final de 1877, mas entre o final de 1878 e o começo  
de 1879. Outro aspecto dessa carta que permanece um relativo mistério é a razão por  
trás do fato de que Marx nunca realmente enviou sua resposta ao artigo de  
Mikhailovsky para a revista. Dizemos relativo mistério” porque a explicação que Engels  
forneceu para isso em uma carta escrita em março de 1884 para Vera Zasulich parece  
bastante razoável e não vemos motivos suficientes para não a acolher. Segundo  
Engels, Marx não enviou seu texto porque temia que, em razão da forte política de  
censura vigente na Rússia, a própria existência da revista estaria ameaçada quando a  
Otechestvennye Zapiski publicasse sua resposta (ENGELS in MECW v. 47, 2010, pp.  
112-3). Passadas essas questões pontuais, prossigamos a análise.  
Marx começa sua missiva afirmando que, caso Mikhailovsky tivesse encontrado  
alguma passagem do Capítulo XXIV que pudesse sustentar suas conclusões, ele o teria  
feito. Note-se, pois, como Marx logo no início já afirma que não há nada em seu  
tratamento da assim chamada acumulação originária que permitisse assumir que, em  
O capital, ele estaria afirmando a inevitabilidade histórica do processo ali analisado.  
Caso existisse qualquer coisa ali que permitisse concluir que o objetivo de Marx para  
o capítulo sobre a assim chamada acumulação originária era trazer uma teoria  
histórico-filosófica do progresso universal”, por menor que fosse, Mikhailovsky a teria  
citado para fundamentar suas conclusões sobre Marx e a “aplicabilidade” d’O capital  
para a Rússia.  
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Nesse sentido, já no princípio fica evidente que, antes que tudo, com aquela  
carta, Marx tinha o fito de dissipar as más leituras de seu O capital, leituras que viam  
na obra uma tentativa da parte do autor de criar uma teoria histórico filosófica do  
desenvolvimento universal”, de desenhar um modelo que seria inevitavelmente  
seguido por todos os povos a partir da via de entificação do capitalismo na Inglaterra.  
Isso fica bastante claro quando, logo nas primeiras princípio, Marx aponta que não há  
nada em seu texto que possa efetivamente sustentar a interpretação que Mikhailovsky  
trazia. Isso poderá ser percebido mais claramente à medida que adentramos mais  
profundamente nesses trabalhos, mas já é possível notar que, ao invés de recuar diante  
das leituras que o acusavam de ter proposto em O capital a ideia de um único caminho  
possível para o desenvolvimento humano, Marx logo no começo faz questão de  
apontar como não há nada em sua obra que efetivamente conduza a essa conclusão.  
Caso houvesse, ele afirma, Mikhailovsky certamente teria encontrado e citado em seu  
trabalho. Em outras palavras, Marx não retifica sua obra, ele corrige os tropeços  
interpretativos de seus leitores.  
Ao invés de encontrar qualquer coisa no tratamento marxiano do processo de  
expropriação dos produtores que pudesse sustentar seus argumentos, Mikhailovsky  
se restringiu a usar de uma nota de rodapé em que Marx criticava Herzen. Mas fosse  
sua opinião daquele autor justa ou não, Marx clarifica que, a partir dela, não era  
adequado extrapolar sua visão sobre os esforços dos homens russos para encontrar  
um caminho de desenvolvimento para a sua pátria, diferente daquele que foi e é  
trilhado pela Europa ocidental’” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 54). Suas críticas  
a Herzen derivavam-se não do fato de que o autor russo procurava um caminho para  
a Rússia distinto daquele percorrido pela Europa Ocidental, mas pelo fato de que, para  
Marx, nas mão de Herzen a comuna russa só serve de argumento para provar que a  
velha Europa poderia ter sido regenerada pela vitória do pan-eslavismo” (MARX in  
MARX; ENGELS, 2013, p. 54). Nesse interim, a obshchina só serviria a Herzen como  
uma prova da superioridade da Rússia e de seu movimento revolucionário em relação  
à Europa Ocidental e o seu movimento trabalhador. Não se tratava, portanto, de uma  
censura ao fato de Herzen ver na comuna agrária russa um potencial de escapar da  
consolidação do capitalismo na Rússia, mas pelos desdobramentos que Marx via na  
maneira como a comuna aparecia na obra do editor do Kolokol, para quem, na visão  
de Marx, seria uma instituição tipicamente russa e representaria a superioridade do  
espírito do eslávico em relação à Europa Ocidental7.  
7 Aqui Marx está fazendo referência à tese dos eslavófilos acerca da superioridade dos povos eslávicos  
sobre os demais europeus. Contrapondo-se aos chamados ocidentalistas ou modernizadores, que  
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Ademais, como Marx ressalta, se por um lado em O capital ele expressava  
grande criticismo em relação a um grande teórico russo como Herzen, de outro ele ali  
também expressava sua enorme admiração por outro: Nikolai Tchernyshevsky, que  
também via a comuna agrária como um possível meio para a Rússia escapar das ‘forcas  
caudinos’ do capitalismo. Note-se inclusive que em nenhum momento Marx dá indícios  
de ter mudado seu juízo em relação a Herzen, em que pese ter retirado a nota referente  
a ele das edições seguintes de O capital. Marx diz ainda que:  
Em artigos notáveis, ele tratou da questão de se a Rússia deve começar,  
como querem os economistas liberais, por destruir a comuna rural  
para passar ao regime capitalista ou se, pelo contrário, ela poderia,  
sem experimentar a tortura infligida por esse regime, apropriar-se de  
todos os seus frutos mediante o desenvolvimento de seus próprios  
pressupostos históricos. E ele se pronuncia a favor da última solução.  
E meu prezado crítico teria razões no mínimo tão fortes tanto para  
inferir da minha consideração por esse grande erudito e crítico russo”  
que compartilho a sua visão sobre essa questão quanto para concluir  
de minha polêmica contra o beletrista” e pan-eslavista russo que  
rejeito a sua visão (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 54).  
Marx deixa então evidente que, em que pese sua rejeição da visão de Herzen  
sobre a obshchina, ele partilhava da visão de Tchernyshevsky acerca da possibilidade  
de que a comuna agrária poderia sobreviver na Rússia e se apropriar dos frutos do  
capitalismo sem perceber, assim escapando da consolidação do capitalismo e da  
tortura infligida por esse regime”. Nesse sentido, ao contrário do que lhe atribuía o  
editor da revista Notas Patrióticas, a sua posição de certo modo mais se aproximava  
da do próprio Mikhailovsky do que a daqueles supostos marxistas russos, visto que  
rejeitava uma suposta inevitabilidade do desenvolvimento do capitalismo na Rússia.  
Com isso, Marx esclarecia aqui algo de essencial quanto à sua crítica da  
economia política: só enxergavam esquematismos ou uma leitura unilinear da história  
humana em O capital quem não tivesse realmente lido o próprio texto. Não só não se  
encontraria nada ali que sustentasse a ideia de que Marx se propunha com a obra  
prescrever receitas (comtianas?) para o cardápio da taberna do futuro” (MARX, 2017,  
p. 88), mas também seria possível identificar ali seu apreço por um teórico como  
Nikolai Tchernyshevsky, autor que negava expressamente que a Rússia deveria  
necessariamente trilhar o mesmo caminho de seus vizinhos no Ocidente8.  
defendiam uma aproximação da Rússia com os europeus como essencial para o progresso russo, para  
os eslavófilos, a Rússia deveria liderar uma união dos povos eslavos, a qual seria encabeçada pela  
Rússia, e essa união teria o papel de regenerar o putrefato e caduco mundo europeu ocidental. Essa  
era uma corrente bastante forte na Rússia até aproximadamente 1848, quando a oposição entre  
eslavófilos e ocidentalistas se amenizou (cf. YARMOLINSKY, 1956; VENTURI, 1960). Todavia, não cabe  
que aqui analisar se essas críticas a Herzen feitas por Marx, para quem o autor russo era um eslavófilo,  
eram corretas, embora seja necessário que alguém o faça.  
8 A admiração que Marx mantinha por Nikolai Tchernyshevsky não é nenhum segredo. Por exemplo, no  
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Ainda assim, por mais que isso já estivesse plenamente evidente para quem  
estivesse prestando atenção, Marx não gostava de deixar nada para ser adivinhado’”  
(MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 54), de modo que não mais deixaria para o leitor  
a tarefa de adivinhar no que implicava seu apreço por Tchernyshevsky. Colocaria com  
todas as letras sua posição sobre a questão russa: se a Rússia prosseguir no rumo  
tomado depois de 1861, ela perderá a melhor chance que a história já ofereceu a um  
povo, para, em vez disso, suportar todas as vicissitudes fatais do regime capitalista”  
(MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 54), endossando de forma inequívoca a posição  
de Tchernyshevsky. Marx acrescenta ainda que, caso a Rússia fosse de facto evitar as  
vicissitudes fatais do regime capitalista”, ela deveria salvar a comuna agrária do  
processo de dissolução que ela vinha sofrendo desde a reforma de 1861, quando foi  
posto fim na servidão.  
Trataremos da dissolução da comuna agrária de forma mais aprofundada mais  
à frente, na análise da correspondência de Vera Zasulich com Marx, mas aqui é  
necessário evidenciar um ponto importante acerca da expressão vicissitudes fatais do  
regime capitalista”. Isso porque, ao nosso ver, ela faz eco de um trecho do prefácio da  
primeira edição alemã de O capital que, aos nossos olhos, é profundamente mal  
compreendido, embora frequentemente citado quando se trata desses últimos textos  
de Marx, mormente os sobre a Rússia. Referimo-nos ao seguinte trecho:  
O físico observa processos naturais, em que eles aparecem mais  
nitidamente e menos obscurecidos por influências perturbadoras ou,  
quando possível, realiza experimentos em condições que asseguram  
o transcurso puro do processo. O que pretendo nesta obra investigar  
é o modo de produção capitalista e suas correspondentes relações de  
produção e de circulação. Sua localização clássica é, até o momento, a  
Inglaterra. Essa é a razão pela qual ela serve de ilustração principal à  
minha exposição teórica, mas, se o leitor alemão encolher  
fariseicamente os ombros ante a situação dos trabalhadores  
industriais ou agrícolas ingleses, ou se for tomado por uma  
tranquilidade otimista, convencido de que na Alemanha as coisas  
estão longe de ser tão ruins, então terei de gritar-lhe: De te fabula  
posfácio da segunda edição do Livro I d’O capital, Marx escreveu que a falência da economia “burguesa”,  
cujo “melhor representante é Stuart Mill” (MARX, 2017, p. 86) já havia sido esclarecida magistralmente  
pelo “grande erudito e crítico russo N. Tchernyshevsky […] em sua obra Lineamentos da economia  
política segundo Mill” (MARX, 2017, p. 86). Por demais, conforme se lê na correspondência de Marx  
com Nikolai Danielson, Marx pretendia divulgar a obra de Tchernyshevsky na Europa Ocidental, tendo  
pedido a Danielson que lhe enviasse materiais sobre o autor russo. Por exemplo, numa carta escrita por  
Marx a Danielson no dia 12 de dezembro de 1872, o autor renano diz que desearía publicar algo  
sobre la vida y la personalidad de Chern[ishevski] para despertar en Occidente la simpatía por él. Pero  
para eso necesito datos” (MARX in MARX; ENGELS; DANIELSON, 1981, p. 43). Em sua resposta,  
Danielson se compromete a enviar as informações solicitadas por Marx, mas informa em algumas cartas  
seguintes que a tarefa seria mais difícil do que o antecipado, pois os amigos de Tchernyshevsky que  
ainda viviam na Rússia temiam ser associados com ele (cf. DANIELSON in DANIELSON et al., 1981, pp.  
49-50). Em uma outra carta, Marx diz que Tchernyshevsky apareceria no segundo volume de O capital  
na condição de economista e que conhecia boa parte de seus escritos (MARX in DANIELSON et al.,  
1981, p. 47).  
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narratur [A fábula refere-se a ti]. Na verdade, não se trata do grau maior  
ou menor de desenvolvimento dos antagonismos sociais decorrentes  
das leis naturais da produção capitalista. Trata-se dessas próprias leis,  
dessas tendências que atuam e se impõem com férrea necessidade. O  
país industrialmente mais desenvolvido não faz mais do que mostrar  
ao menos desenvolvido a imagem de seu próprio futuro. (MARX, 2017,  
p. 78) [grifo nosso]  
Note-se como a expressão vicissitudes fatais do regime capitalista” [destaque  
nosso] contida na carta ao comitê editorial da Otechestvennye zapiski ecoa a expressão  
tendências que atuam e se impõem com férrea necessidade” [destaque nosso].  
Adiantamos ainda que uma expressão parecida também está presente nos rascunhos  
da carta de Marx à Vera Zasulich: as fourches caudines9 do capitalismo (MARX in  
MARX; ENGELS, 2013, p. 77). Aqui transcrevemos a passagem inteira porque é de  
suma importância seu contexto inteiro para interpretá-la da forma mais fiel possível ao  
seu sentido efetivo.  
No livro Marx tardio e a via russa, tanto T. Shanin, quanto H. Wada consideram  
que a advertência de Marx segundo a qual o país industrialmente mais desenvolvido  
não faz mais do que mostrar ao menos desenvolvido a imagem de seu próprio futuro”  
indicaria uma concepção unilinear da história em O capital e até mesmo um talhe  
evolucionista na obra. Shanin afirma que  
a epistemologia materialista de O capital, a aceitação dialética de  
contradições estruturais e das possíveis regressões temporais dentro  
do capitalismo e a objeção à teleologia não eliminam o cerne do  
evolucionismo. “O país mais desenvolvido industrialmente” estava  
ainda destinado a “apenas mostrar aos menos desenvolvido a imagem  
de seu próprio futuro”. De fato, era uma questão de “leis naturais se  
desenvolvendo com férrea necessidade” (SHANIN, 2017, p. 27).  
Para o autor, esse talhe evolucionista e unilinear seria depois abandonado por  
Marx nos anos 1870-80, o que ficaria evidente nos textos de 1878 e 1881 sobre a  
Rússia. Nesses últimos textos, Shanin defende que Marx teria abandonado o  
evolucionismo ainda presente n’O capital e passaria a adotar uma posição segundo a  
qual para dizê-lo sem rodeios, para Marx, a Inglaterra que ele sabia ser mais  
desenvolvida industrialmente não oferecia, e nem poderia, de fato, oferecer para a  
menos desenvolvida Rússia a imagem de seu próprio futuro’” (SHANIN, 2017, p. 48).  
Haruki Wada também traz uma leitura semelhante, embora o faça com mais mediações  
9
Essa expressão francesa faz referência à famosa Batalhadas Forcas Caudinas (batalha entre aspas  
porque não ocorreu realmente um confronto entre os exércitos). Utiliza-se a expressão em francês  
passer sous les fourches caudinespara dizer passar por uma situação desagradável, dura,  
humilhante. A expressão faz referência a um evento ocorrido na Segunda Guerra Samnita (321 aC),  
quando o exército romano foi humilhado pelo exército Samnita de Caius Pontius nas Furculae Caudinae,  
um desfiladeiro na região da Campânia. Sobre isso, cf. Lívio (1910). Para uma versão traduzida, cf. Lívio  
(1926).  
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do que Shanin. O marxólogo japonês considera que naquele momento [em 1867],  
parece, ele supunha que a Rússia, assim como a Alemanha, seguiria o exemplo da  
Inglaterra” (WADA, 2017, p. 81) [destaque nosso]. Autrement dit, segundo Wada, de  
te fabula narratur significaria que Marx via no curso do desenvolvimento capitalista um  
modelo geral para o desenvolvimento de todos os povos, tanto para a Alemanha,  
quanto para a Rússia, independentemente de suas particularidades e apesar de  
quaisquer esforços conscientes dos homens.  
Entretanto, consideramos que, apesar dos argumentos de Shanin e de Wada,  
em 1878, Marx não estaria rejeitando aquilo que ele afirmou no prefácio de 1867 à  
edição alemã de O capital. Ao contrário, ele reafirma em 1878 o que ele escreveu em  
1867 quando ele menciona as vicissitudes férreas do capitalismo”, apenas trazendo  
algo que seria específico da Rússia em 1878, uma oportunidade que não existia, por  
exemplo, para a Alemanha de 1867, qual seja: a de evitar que o presente inglês se  
tornasse o futuro russo, de evitar a consolidação do capitalismo e todas as agruras  
que acompanham esse regime. Quando Marx exclama o país que é mais desenvolvido  
industrialmente apenas mostra ao menos desenvolvido a imagem de seu próprio  
futuro!”, parece-nos que algo muito elementar, mas que muitos intérpretes ignoram, é  
que essa frase expressamente diz que o presente de países onde o capitalismo estava  
mais desenvolvido, como a Inglaterra, mostrava aos menos industrialmente  
desenvolvidos, como a Alemanha em 1867, o seu futuro. Ou seja, esse "vislumbre do  
futuro” se limitava aos países que já trilhavam o caminho do desenvolvimento  
capitalista, como a Alemanha. O autor ali nada diz sobre países como a Rússia, que,  
embora estivesse às portas do capitalismo em 1878, ainda não era um país  
propriamente capitalista.  
E por que Marx considerava possível dizer que o presente inglês de 1867 era  
como um espelho para o futuro das nações industrializadas, mas menos desenvolvidas  
que a Inglaterra? Pois as leis e tendências gerais que regem a produção capitalista na  
Inglaterra eram as mesmas que regiam a produção capitalista na Alemanha, de modo  
que as contradições que o movimento da produção capitalista havia engendrado na  
Inglaterra e que ali apareciam de maneira tão patente também logo se mostrariam na  
Alemanha. Tudo isso está dito de forma bastante clara no texto.  
Era por isso que, diante do leitor alemão que olhasse a situação da classe  
trabalhadora inglesa e encolhesse fariseicamente os ombros e comentasse como a  
situação da classe trabalhadora alemã não estava tão ruim na Alemanha, Marx podia  
tomar como suas as palavras de Horácio, e exclamar: Mutato nomine de te fabula  
narratur! Pouco importava se na Alemanha, quando comparada com a Inglaterra, os  
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antagonismos de classes engendrados pelo funcionamento do modo de produção  
capitalista ainda estivessem relativamente latentes ou ainda não tão evidentes quanto  
na velha Blighty: as mesmas leis que regem o capitalismo inglês também regiam o  
alemão, pois elas são as leis gerais da produção capitalista. Desse modo, à medida  
que a produção capitalista alemã avançasse, os antagonismos que eram tão evidentes  
na Inglaterra, mas ainda não tão aparentes na Alemanha em 1867, logo se  
desnudariam diante dos olhos do povo germânico. É forçoso notar aqui que Marx nem  
sequer generaliza essa passagem para países não industriais, como alguns intérpretes  
parecem sugerir, mas apenas aos países que já haviam embarcado no caminho do  
desenvolvimento industrial e, portanto, já estavam sujeitos às tendências que regem e  
atuam na produção capitalista com “férrea necessidade”.  
Essa dura advertência que Marx fazia ao público alemão é extremamente  
relevante, na medida que ela nos lembra que, embora a Inglaterra seja uma presença  
constante em O capital, a obra não se dedicava ao estudo do capitalismo inglês, isto  
é não se tratava de uma obra dedicada às especificidades de como o capital aparecia  
na Inglaterra. John Bull servia para Marx na pesquisa e exposição porque ali as leis e  
as tendências que regiam a produção capitalista em geral apareciam de maneira mais  
clara do que nos demais países capitalistas, graças ao avançado desenvolvimento do  
capitalismo inglês. Como nosso autor afirma,  
o que pretendo nessa obra investigar é o modo de produção capitalista  
e suas correspondentes relações de produção e circulação. Sua  
localização clássica é, até o momento, a Inglaterra. Essa é razão pela  
qual ela serve de ilustração principal à minha exposição teórica (MARX,  
2017, p. 78).  
Portanto, Marx antecipava a objeção do leitor alemão que, vendo como o autor  
se valia da Inglaterra para fins de exposição, negasse a relevância da obra para a  
Alemanha, pois esta não era tão desenvolvida industrialmente quanto aquela. Embora  
em comparação com a inglesa, a produção capitalista alemã fosse ainda extremamente  
atrasada, à medida que o regime capitalista se desenvolvesse na Alemanha, sua  
produção também se submeteria àquelas mesmas leis e tendências gerais que regiam  
a produção capitalista na Inglaterra e que Marx buscou expor em O capital. Isso em  
momento algum Marx rejeita. Ele inclusive reforça isso na carta de 1878, dizendo  
expressamente que, caso a Rússia ingressasse no caminho do capitalismo, ela também  
se submeteria às suas leis naturais. Nesse sentido, consideramos equivocada a  
afirmação de Shanin de que nesse texto para Marx, a Inglaterra que ele sabia ser mais  
desenvolvida industrialmente não oferecia, e nem poderia, de fato, oferecer para a  
menos desenvolvida Rússia a imagem de seu próprio futuro’” (SHANIN, 2017, p. 48).  
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Além de não captar adequadamente o real sentido do trecho do Prefácio da primeira  
edição alemã d’O capital, parece-nos que o autor se equivoca ao sugerir que em 1878  
o Velho Nick teria abandonado a visão exposta em 1867.  
O que o autor buscou expor nO capital não era a anatomia geral da sociedade  
capitalista inglesa, mas a anatomia da sociedade capitalista em geral. Para isso, como  
o cientista que busca analisar um fenômeno no estado menos obscurecido o possível  
de “influências perturbadoras, ou, quando possível, realiza experimentos em condições  
que asseguram o transcurso puro do processo” (MARX, 2017, p. 78), Marx buscava  
analisar o modo de produção capitalista na sua forma ‘pura’, menos obscurecida por  
formações antediluvianas, isto é, ele buscava aquilo que lhe era específico e  
característico, sem correr o risco de se deixar confundir por fenômenos estranhos a  
esse regime de produção em particular. Para tanto, era primordial poder observá-lo  
em seu funcionamento próprio, onde operasse o menos afetado o possível por relações  
provenientes de modos de produção anteriores ao capitalismo. Por exemplo, analisar  
a especificidade do modo de produção capitalista partindo do estudo da realidade  
russa na segunda metade do século XIX, em que relações capitalistas existiam em um  
modo de produção ainda predominantemente agrário e comunal, seria como a décima  
terceira tarefa digna de Hércules, uma que muito provavelmente se mostraria  
infrutífera, eis que ali as relações propriamente capitalistas estariam diluídas em meio  
às relações comunais e agrárias.  
Ocorria então apenas que era na velha Inglaterra onde seu objeto aparecia mais  
nitidamente e menos obscurecidos por influências perturbadoras” (MARX, 2017, p.  
78), pois dentre os países industriais, a “rosa inglesa” era a menos afligida por  
misérias herdadas, decorrentes da permanência vegetativa de modos de produção  
arcaicos e antiquados, com o seu séquito de relações sociais e políticas anacrônicas”  
(MARX, 2017, p. 79). E isso justamente porque, somente na Inglaterra, rompeu-se com  
as relações feudais de forma radical no processo da assim chamada acumulação  
originária. Foi a forma violenta com que se deu a reestruturação das relações de  
distribuição na Inglaterra que permitiu com que as legalidades econômicas da  
produção capitalista aparecem ali de maneira tão nítida. Como esclarece Lukács, “a  
Inglaterra, país clássico do capitalismo, só atinge essa classissidade depois da  
acumulação originária e em função dela” (LUKÁCS, 2012, p. 378). Isso posto, se  
fôssemos utilizar os termos de Marx em sua Crítica ao Programa de Gotha, dentre os  
“países civilizados”, era na Inglaterra que a sociedade capitalista existia mais “livre dos  
elementos medievais” (MARX, 2012, p. 35). No outro polo, de países civilizados menos  
livres “dos elementos medievais”, teríamos, por exemplo, a Alemanha, rica em misérias  
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herdadas”. Na Alemanha, o Ancien Régime ainda não havia cantado a canção do cisne.  
Ali, o belo e trágico ballet do cisne francês havia se degenerado em uma cômica dança  
da galinha.  
Mas retornemos à Rússia. Marx fala em 1878 claramente que, caso os  
revolucionários russos não aproveitassem a oportunidade oferecida pela comuna  
agrária russa, apropriando-se sem experimentar a tortura infligida por esse regime,  
[…] de todos os seus frutos mediante o desenvolvimento de seus próprios  
pressupostos históricos” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 54), e continuasse no  
caminho trilhado desde 1861, o regime capitalista e suas vicissitudes fatais” ali se  
imporiam tal como nos demais países europeus capitalistas. Considerando que  
Otechestvennye Zapiski era um jornal legal na Rússia tsarista, Marx não poderia dizer  
muito claramente qual era essa oportunidade da comuna agrária e como se  
interromperia o rumo tomado depois de 1861”, mas acreditamos que esses pontos  
ficarão mais claros na correspondência com Vera Zasulich. Todavia, o que fica claro  
aqui é que, após anos de estudos sobre a situação russa, Marx chegou à conclusão de  
que a Rússia percorria um caminho que, caso não fosse interrompido o mais rápido  
possível, conduziria ao seio do desenvolvimento capitalista. Ou seja, o único modo de  
evitar essas vicissitudes era evitando que a Rússia se tornasse capitalista, eis que essas  
fourches caudines” são inerentes ao modo de produção.  
Continuemos a análise do texto. Marx afirma então que  
o capítulo sobre a acumulação primitiva [originária] visa exclusivamente  
traçar a rota pela qual, na Europa ocidental, a ordem econômica  
capitalista saiu das entranhas da ordem econômica feudal. Portanto,  
ele expõe o movimento histórico que, divorciando os produtores de  
seus meios de produção, converteu os primeiros em assalariados  
(proletários, no sentido moderno da palavra) e os detentores dos  
últimos em capitalistas (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 55).  
Ou seja, o autor esclarece que o Capítulo XXIV visa expor a gênese histórica do  
capitalismo a partir da ordem feudal. Diferentemente da Rússia, onde a terra era  
comunal, na Europa Ocidental a propriedade da terra era privada e parcelar, com o  
produtor ligado à terra como seu proprietário. Com o processo da assim chamada  
acumulação originária, esses produtores foram expropriados de suas terras e foram  
transformados em trabalhadores assalariados, sem nada para vender senão sua força  
de trabalho. De outro lado, esse processo fez com que os meios e condições de  
produção se concentrassem nas mãos de uns poucos, os quais se tornaram os  
capitalistas.  
Marx prossegue então citando um trecho do Capítulo XXIV.  
Nessa história, o que faz época é toda revolução que serve de alavanca  
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para o avanço da classe capitalista em formação, sobretudo aquelas  
que, despojando grandes massas de seus meios de produção e de  
subsistência tradicionais, lançam-nas de modo imprevisto no mercado  
de trabalho. Mas a base de toda essa evolução é a expropriação dos  
agricultores. Ela só se realizou de um modo radical na Inglaterra [...].  
Mas todos os outros países da Europa ocidental percorrem o mesmo  
processo etc.” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 55).  
Esse "esboço histórico” que ele constrói em O capital visa a esclarecer como na  
história europeia o capitalismo nasceu das entranhas do feudalismo, mostrando como  
a expropriação dos produtores é a base da produção capitalista. Como mostra nosso  
autor, o modo de produção capitalista pressupõe a separação entre produtores e  
meio de produção e a criação de uma massa de pessoas que não têm nada mais o que  
vender senão sua força de trabalho, de maneira que o momento de transição do  
feudalismo para capitalismo foi marcado justamente por esse processo. Dentro da  
crítica da economia política, esse capítulo serve ainda para evidenciar a historicidade  
das relações capitalistas, contrapondo-se aos autores da economia política que viam  
as relações capitalistas por todo lado na história humana, ao invés de percebê-las  
como apenas um momento determinado e bastante recente do desenvolvimento  
humano.  
Nesse sentido, o Capítulo XXIV é uma exposição da gênese histórica do  
capitalismo, demonstrando como esse modo de produção nasce não de uma  
acumulação originária, como supunha Adam Smith, mas da expropriação da massa do  
povo. Em verdade, o principal propósito desse capítulo dentro de O capital era  
justamente esse, de se contrapor à explicação da economia política clássica acerca da  
gênese do capital, além de servir ao supramencionado propósito de expor como esse  
modo de produção não constitui senão um momento recente na história humana. O  
autor no Capítulo XXIV da obra visa desafiar a ideia de que numa época muito remota,  
havia, por um lado, uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo perniciosa e por outro  
vadios que gastavam tudo” (MARX, 2017, p. 785). Ele se contrapõe às teorias que  
situavam a origem das classes burguesa e proletária na esfera de circulação, colocando  
os burgueses como aqueles que, por sua parcimônia e prudência, apropriaram-se da  
riqueza universal poupando-a, ao passo que a classe proletária tem sua origem  
naqueles que, por prodigalidade, usufruíram da riqueza real ao invés de poupá-la,  
razão pela qual tem que trabalhar para sobreviver. Assim, o capítulo da “assim  
chamada acumulação originária” mostra como o capitalismo não é engendrado por  
uma acumulação originária, mas sim da expropriação, da separação do produtor direto  
dos meios e condições de produção. Não se tratava, contudo, de verificar se aquela  
via de entificação do capitalismo era geral ou de construir um modelo a partir dela, e  
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sim de apontar os equívocos da forma como a economia política clássica tratava da  
acumulação capitalista, isso a partir de um esboço histórico de como o modo de  
produção capitalista efetivamente nasceu do ventre da sociedade feudal europeia, com  
destaque para a Inglaterra.  
É importante esclarecer aqui que o autor retirou a passagem acima da edição  
francesa de 1872-7510, a qual, diferentemente da edição alemã original, restringe o  
processo da assim chamada acumulação originária aos países da porção Ocidental da  
Europa. Ele assim também o faz nos rascunhos e na carta a Vera Zasulich, servindo-se  
de passagens da edição francesa iniciada em 1872. Contudo, não parece haver outra  
razão por detrás disso senão o fato de esses textos terem sido escritos em francês, de  
modo que o autor fez uso da tradução francesa11. Nesse sentido, consideramos que a  
preferência pela edição francesa não se deveu à “taxativa restrição à Europa Ocidental  
que ali se expressa como escopo das considerações acerca da gênese do capitalismo  
a partir ‘das entranhas da ordem feudal’” (FARIA, 2017, p. 132), mas sim a uma  
explicação muito mais simples.  
Sobre as diferenças entre como esse trecho aparecia na primeira edição alemã  
e como aparecia na tradução francesa de 1872 dedicaremos algumas palavras a  
mais12. Na primeira edição alemã de O capital, que foi a base da primeira tradução do  
texto para o russo iniciada em 1868 e completada por Danielson em 1872, o trecho  
citado por Marx na carta de 1878 consta assim:  
Historisch epochemachend in der Geschichte des Scheidungsprozesses sind  
die Momente, worin grosse Menschenmassen plötzlich und gewaltsam von  
ihren Subsistenzund Produktionsmitteln geschieden und als vogelfreie  
Proletarier auf den Arbeitsmarkt geschleudert werden. Die Expropriation der  
Arbeiter von Grund und Boden bildet die Grundlage des ganzen Prozesses.  
Wir haben sie also zuerst zu betrachten. Ihre Geschichte nimmt in  
verschenken Ländern verschiedne Färbung au und durchläuft die  
verschiedenen Phasen in verschiedner Reihenfolge. Nur in England, das wir  
daher als Beispiel nehmen, besitzt sie klassische Form. (MARX, 1867, p.  
701)13  
10 A história da primeira tradução francesa do Livro I d’O capital é extremamente interessante, uma vez  
que Marx, insatisfeito com o trabalho do tradutor francês, Joséph Roy, encarregou-se diretamente da  
tradução (MARX in DANIELSON et al., 1981, pp. 26-7). Assim, Marx aproveitou-se do fato de que teria  
que fazer várias correções no trabalho de J. Roy e fez diversas modificações e retificações no seu texto,  
em especial na Seção V da obra (MARX in DANIELSON et. al., 1981, pp. 92-3). Sobre a tradução  
francesa, cf. Musto (2023, pp. 122-4).  
11 Embora Marx fosse plenamente capaz de ler em russo e talvez escrever na língua também, o francês  
lhe era muito mais natural, sendo que escrevia grande parte de suas correspondências em francês,  
incluindo suas cartas para Nikolai Danielson.  
12 A primeira edição do Volume I de O capital era dividida em seis capítulos/seções e a parte dedicada  
à assim chamada acumulação originária compunha o segundo item do sexto capítulo, o processo de  
acumulação do capital. Esse trecho foi depois expandido e se tornou o Capítulo XXIV nas edições  
seguintes, inclusive na tradução francesa de 1872/73.  
13  
Na história do processo de divórcio, fazem época os momentos em que grandes massas de pessoas  
são repentina e violentamente separadas de sua subsistência e meios de produção e jogadas no mercado  
de trabalho como proletários livres. A expropriação da terra dos agricultores constitui a base de todo o  
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Já na edição francesa, esse trecho consta na seguinte forma  
Dans l'histoire de l'accumulation primitive, toute révolution fait époque qui  
sert de levier à l'avancement de la classe capitaliste en voie de formation,  
celles surtout qui, dépouillant de grandes masses de leurs moyens de  
production et d'existence traditionnels, les lancent à l'improviste sur le  
marché du travail. Mais la base de toute cette évolution, c'est l'expropriation  
des cultivateurs. Elle ne s'est encore accomplie d'une manière radicale qu'en  
Angleterre : ce pays jouera donc nécessairement le premier rôle dans notre  
esquisse. Mais tous les autres pays de l'Europe occidentale parcourent le  
même mouvement, bien que selon le milieu il change de couleur locale, ou  
se resserre dans un cercle plus étroit, ou présente un caractère moins  
fortement prononcé, ou suive un ordre de succession différent. (MARX, 1989,  
p. 634)14  
Em primeiro lugar, é necessário ressaltar que embora Marx tenha iniciado a  
revisão da tradução francesa em 1872, ele só terminou a revisão em 1875, isto é,  
depois que a segunda edição alemã já havia sido publicada. Nesse sentido, o ideal  
seria compararmos esses dois trechos também com a edição alemã de 1873. Mas  
considerando que a primeira edição da tradução russa usou de referência a edição de  
1867, no momento essa falta não compromete muito nossa análise.  
Comparando os dois textos, para além de algumas alterações estilísticas e o  
acréscimo da frase sobre as revoluções que serviram de alavanca para o avanço da  
classe capitalista em vias de formação, o conteúdo não se difere tanto quanto Faria  
sugere. Na primeira edição alemã, de 1867, Marx colocava que o processo da  
expropriação dos produtores, que é a base da assim chamada acumulação originária,  
ocorria em vários países, sendo que em cada um deles assumia coloridos diferentes e  
fases em ordens diferentes entre si. A Inglaterra assumia um papel principal na  
exposição desse processo porque ali essa expropriação se dera de forma clássica.  
Note-se assim que nessa versão do texto, Marx já deixava plenamente evidente que o  
processo de divórcio dos meios de produção e dos produtores se dava de formas  
distintas nos diferentes países e que de modo algum a forma como isso se deu na  
Inglaterra era a única possível.  
Já na edição francesa, Marx afirma que todos os países da Europa Ocidental  
percorriam o mesmo caminho de expropriação dos produtores, mas que esse processo  
processo, por isso temos que olhar para eles primeiro. Sua história leva cores diferentes em diferentes  
países e passa por diferentes fases em ordem diferente. Somente na Inglaterra, que tomamos como  
exemplo, tem uma forma clássica (tradução livre).  
14 Na história da acumulação originária, faz época toda revolução que serve de alavanca ao avanço da  
classe capitalista em vias de formação, sobretudo aquelas que, despojando as grandes massas de seus  
meios de produção e de existência tradicionais, lançam-nas inesperadamente no mercado de trabalho.  
Mas a base de toda essa evolução é a expropriação dos camponeses. Ela apenas se consumou de  
maneira radical na Inglaterra: assim, esse país necessariamente desempenhará papel principal em nosso  
esboço. Mas todos os outros países da Europa Ocidental executam o mesmo movimento, ainda que,  
dependendo do meio, ele mude de cor local, ou se feche em um círculo mais estreito, ou tenha um caráter  
menos pronunciado, ou siga uma ordem de sucessão diferente. (tradução livre)  
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assume diferentes coloridos locais, sendo que apenas na Inglaterra essa expropriação  
havia se dado de forma radical. Perceba-se então que na edição francesa de 1872-75,  
Marx observa que em todos os países da Europa Ocidental já se iniciara a expropriação  
dos produtores, mas apenas na Inglaterra esse processo se consumara de modo  
radical. Nesse sentido, as principais alterações que identificamos de uma edição para  
a outra nesses dois trechos são que: i) na edição alemã de 1867, Marx não menciona  
especificamente os países da Europa Ocidental, ao passo que na edição francesa de  
1872-75, ele afirma que todos eles já percorriam o caminho da expropriação dos  
produtores; ii) na edição alemã de 67, ele se refere à forma inglesa como ‘clássica’, ao  
passo que na edição francesa de 1875 ele diz que na fora apenas na Inglaterra onde  
esse processo se deu de forma radical.  
Quanto ao primeiro ponto, o acréscimo da especificação dos ‘países da Europa  
Ocidental’ de modo algum serve para corrigir uma suposta generalização presente no  
sentido original do trecho, uma vez que a versão de 1867 em nenhum momento  
generalizava o esboço da assim chamada acumulação originária do Capítulo XXIV como  
um processo homogêneo e universal para todos os países. Ao nosso ver, na tradução  
francesa de 1872-75, Marx buscava indicar que em todos os países europeus  
ocidentais essa expropriação dos produtores já estava em pleno curso. Mas como em  
nenhum deles esse divórcio havia se dado de modo tão radical quanto na Inglaterra,  
a assim chamada acumulação originária tal como se deu entre os ingleses que  
assumiria o papel de destaque na exposição do Capítulo XXIV. Por conseguinte, não  
se trata efetivamente de uma espécie de correção do trecho original de 1867 no  
sentido de restringir a validade do esquema da assim chamada acumulação originária  
para a Europa Ocidental, assim excluindo, por exemplo, os países da Ásia e a Rússia,  
como de certo modo sugere Faria. De todo modo, a partir de uma leitura cuidadosa  
fica claro que, na versão de 1867, Marx não está utilizando a história de como a  
separação entre produtores e meios de produção se passou na Inglaterra para  
conceber um modelo geral de como esse processo se daria por toda parte. Com efeito,  
em nenhuma das duas versões há uma generalização que desconsidere as  
particularidades locais ou que afirme que todos os países inevitavelmente seguiriam o  
mesmo caminho trilhado pela Inglaterra. Em ambos, nosso autor ressalta que cada país  
que passava pela formação do capitalismo vivia o processo de separação entre  
produtores e meios e condições de produção de uma forma particularmente sua,  
assumindo diferentes “coloridos locais” e fases em ordens diferentes. Assim, as sutis  
modificações sofridas nesse trecho entre 1867 e 1872-75 de forma alguma são  
suficientes para sustentar que a versão francesa do texto seria um sintoma do  
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abandono de supostos esquemas unilineares da parte de Marx. A especificação com  
relação aos países da Europa Ocidental deve-se principalmente ao fato de ter sido  
nessa porção do continente europeu em que, assim como na Inglaterra, a produção  
capitalista foi antecedida pela feudal, de modo que a transição deste modo de  
produção para aquele se daria de modo mais ou menos semelhante ao exposto no  
Capítulo XXIV. Onde a propriedade da terra não possuía forma similar à encontrada na  
Inglaterra e em países da Europa Ocidental como a França, a coisa não poderia se dar  
como vemos em O capital, pois ali o autor mostra como se deu a gênese do capitalismo  
a partir das entranhas da ordem feudal.  
Quanto à mudança da caracterização do processo de expropriação do produtor  
inglês de “clássica” para “radical”, parece-nos que também se trata mais de um ajuste  
na exposição que não altera substancialmente o sentido de uma versão para a outra.  
No máximo, partindo de algumas considerações tecidas por Lukács no primeiro volume  
de Para uma ontologia do ser social, poderíamos supor talvez que Marx teria  
reconsiderado a possibilidade de atribuir “classicidade” a um momento transicional  
como o da assim chamada acumulação originária, uma vez que se trataria de uma zona  
gris por excelência. Como vimos anteriormente, Marx afirma no prefácio de 1867 d’O  
capital que a formação capitalista inglesa era clássica na medida que era menos  
turvadas por resquícios de outras formações sociais, fazendo com que as legalidades  
próprias do capitalismo aparecessem ali de forma mais clara. E como aponta Lukács,  
essa ‘classicidade’ seria resultado da violência com a qual se deu a reestruturação das  
relações econômicas na Inglaterra no momento da assim chamada acumulação  
originária, rompendo de forma radical com as antigas estruturas de produção. Assim,  
nas palavras do filósofo húngaro afirma, “a Inglaterra, país clássico do capitalismo, só  
atinge essa classicidade depois da acumulação originária em em consequência dela”  
(LUKÁCS, 2012, p. 378) [destaque nosso]. Nesse sentido, não faria sentido dizer  
‘clássica’ na separação dos produtores e dos meios de produção tal como ocorreu na  
Inglaterra, e sim radical, sendo justamente em virtude dessa radicalidade como se deu  
a assim chamada acumulação originária em Albion, essa gênese violenta, que se  
poderia falar depois no desenvolvimento do capitalismo inglês como clássico, eis que  
teria se rompido de forma violenta, radical com as antigas relações de produção.  
Contudo, e é importante frisá-lo, isso resta apenas como uma hipótese extrapolada a  
partir de elaborações de Lukács, e não do próprio Marx.  
Partindo dessas modificações, Haruki Wada considera que é possível inferir uma  
nova concepção que Marx formulou com base em seus estudos até o momento”  
(WADA, 2017, p. 87). Wada considera que seria uma uma implicação óbvia dessa  
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correção” (WADA, 2017, p. 88) na edição francesa que a forma inglesa de  
expropriação dos camponeses é aplicável apenas à Europa Ocidental, ou, para dizê-lo  
de outra forma, que a Europa Oriental e a Rússia podiam seguir linhas de evolução  
completamente diferentes” (WADA, 2017, p. 88). Contudo, ao nosso ver, aqui Wada  
se equivoca por duas razões. Em primeiro lugar, não havia nada na primeira versão  
que conduzisse à afirmação de que a Rússia ou a Europa Oriental deveriam seguir um  
caminho igual ao inglês. Por demais, Marx em momento algum propõe uma forma  
inglesa” aplicável a qualquer outro lugar que não a Inglaterra, ele apenas diz que os  
países da Europa Ocidental seguem o mesmo movimento observado na Inglaterra  
entre os séculos XV e XVII, isto é, a expropriação das terras camponesas, mas que isso  
ocorre em cada lugar de uma forma particular. Por essa mesma razão também  
discordamos com a afirmação de Faria segundo a qual, tanto no texto de 1878, quanto  
nos esboços de sua resposta a Vera Zasulich, de 1881, Marx faria uso de um trecho  
retirado da edição francesa ao invés do texto do original alemão “de modo matreiro,  
a versão francesa de seu texto, já imunizada contra as possíveis leituras evolucionistas,  
para esquivar-se justamente de uma acusação de evolucionismo histórico-filosófico”  
(FARIA, 2017, pp. 136-7). Tal afirmação nos parece equivocada não só pela razão à  
qual aludimos acima, isto é, que Marx usa da edição francesa porque escreveu o texto  
em francês, mas também porque uma leitura evolucionista do texto em sua redação  
original de 1867 já era descabida, como pretendemos acima ter apontado.  
Tampouco poderíamos chegar a uma conclusão semelhante a partir da sugestão  
feita por Marx a Nikolai Danielson que na elaboração da segunda edição russa do Livro  
I de O capital o tradutor também levasse em consideração a edição francesa da obra.  
Embora Marx ressalte que a edição francesa possuía muitos acréscimos e modificações  
importantes em relação à versão alemã, a tradução deveria levar em conta também a  
segunda edição alemã, inclusive porque Marx considerava que fora forçado a “aplainar”  
alguns de seus argumentos no momento de traduzir o texto para o francês (MARX in  
MARX; ENGELS, 2020, p. 329). Não se sustenta a ideia de que seria só a partir de  
seus estudos ao longo da década de 1870, sobretudo de seu contato com os autores  
russos, que Marx aceitaria uma multiplicidade de caminhos também dentro de um  
mundo onde o capitalismo existia e se tornava uma força dominante” (SHANIN, 2017,  
p. 67). Isso porque a ideia de um único caminho possível em momento algum é  
defendida por Marx em O capital esse tipo de esforço está ao mesmo além e aquém  
da função da obra. “Além” porque ali o autor parte em uma empreitada bastante  
específica de apreender e reproduzir o ser propriamente assim da sociedade  
capitalista, isto é, sua existência efetiva, sem se dedicar a uma teoria da história  
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humana em geral. “Aquém” porque não consegue chegar à radicalidade da crítica  
marxiana e de seu rapport com a realidade.  
Mais maintenant revenons à nos moutons15. Depois de trazer um pequeno  
apanhado sobre a assim chamada acumulação originária, Marx se dedica a criticar a  
forma como seu esquema histórico era aplicado à Rússia. Primeiro, Marx traz a  
conclusão que seria, a seu ver, a mais óbvia para a Rússia e a única possível a partir  
da leitura de O capital:  
Se a Rússia tende a tornar-se uma nação capitalista a exemplo das  
nações da Europa ocidental e durante os últimos anos ela se  
esforçou muito nesse sentido , não será bem-sucedida sem ter  
transformado, de antemão, uma boa parte de seus camponeses em  
proletários; e, depois disso, uma vez levada ao âmago do regime  
capitalista, terá de suportar suas leis impiedosas como os demais  
povos profanos. Isso é tudo! (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 56)  
Trata-se daquilo que já afirmamos anteriormente, isto é, que uma vez  
consolidado o capitalismo na Rússia, os russos teriam que suportar as mesmas leis  
que regiam a produção capitalista dos povos profanos” como os ingleses. Note-se  
como aqui ele reitera que o país industrialmente mais desenvolvido não faz mais do  
que mostrar ao menos desenvolvido a imagem de seu próprio futuro”. Mas para que  
ela pudesse efetivamente se tornar capitalista, a grande massa dos camponeses russos  
deveria ser transformada em proletariado, isto é, deveriam ser separados dos meios  
de produção. Mas sobre como isso se daria, não há como chegar à conclusão alguma  
apenas lendo o Capítulo XXIV. Apenas o estudo da concretude da realidade russa nos  
permitiria chegar a conclusões específicas sobre esse processo. Não cabia, partindo  
apenas da leitura do Capítulo XXIV, chegar a conclusões mais exatas sobre a Rússia,  
pois naquela obra, o autor apenas nos oferece um esboço geral sobre a gênese do  
capitalismo partindo do caso inglês. Ele aqui não fala como se daria a transformação  
dos camponeses russos em proletariado porque não é possível afirmar nada de certo  
sobre isso apenas partindo apenas da leitura do Capítulo XXIV. Se começo da carta  
Marx traz sua posição sobre a comuna agrária foi apenas porque por vários anos ele  
vinha estudando a questão, não se tratando de qualquer dedução lógica ou aplicação  
de uma teoria.  
“Mas isso é pouco para o meu crítico” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 56),  
Marx continua. Ao invés de limitar-se à conclusão que se poderia chegar, transformou-  
se seu esquema histórico da gênese do capitalismo na Europa ocidental em uma teoria  
histórico-filosófica do curso geral fatalmente imposto a todos os povos,  
15 Mas agora retornemos ao nosso assunto.  
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independentemente das circunstâncias históricas nas quais eles se encontrem” (MARX  
in MARX; ENGELS, 2013, p. 56). Isso porque Marx dedicava-se a, como ele mesmo  
expõe na Crítica da filosofia do direito de Hegel, apreender a lógica específica do  
objeto específico” (MARX, 2010, p. 108), isto é, desvendar os nexos imanentes aos  
objetos reais’” (CHASIN, 2009, p. 72). A partir da Crítica de Kreuznach (43/44),  
quando se opera a virada ontológica apontada por J. Chasin, Marx se guia pela  
investigação da lógica imanente e seus próprios nexos, não em consequência formal  
e linear de […] uma simples e mera reorganização da subjetividade do autor” (CHASIN,  
2009, p. 58). Em outras palavras, o pensamento marxiano a partir de 1843/44 passa  
sempre a se subsumir criticamente aos complexos efetivos, às coisas reais e ideais na  
mundanidade” (CHASIN, 2009, p. 58), no intuito de reproduzir na teoria o movimento  
do real.  
Em virtude desse talhe ontológico que caracteriza a obra de Marx desde a  
década de 1840, seria impensável ver no seu esboço histórico uma tentativa de um  
tipo de postulado apriorístico sobre o curso geral fatalmente imposto a todos os  
povos”, desconsiderando todas as determinações concretas de cada povo em  
particular. Apenas mergulhando-se nas determinações concretas e particulares da  
realidade de cada povo é que se poderia dizer qualquer coisa sobre o caminho a ser  
percorrido para acabar chegando à formação econômica que assegura, com o maior  
impulso possível das forças produtivas do trabalho social, o desenvolvimento mais  
integral possível de cada produtor individual” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 56).  
Diante dessa expectativa, sentia-se tão honrado quanto ofendido” (MARX in MARX;  
ENGELS, 2013, p. 56). Honrado, talvez porque seu crítico assim lhe atribuiria a  
capacidade quase divina de conseguir prever o futuro de todos os povos por meio de  
um simples” esboço. Ofendido pela grave incompreensão de sua obra.  
Como já mencionado acima, essa carta nunca foi enviada por Marx ao comitê  
editorial da revista. Engels considerava a explicação para isso bastante simples e  
tendemos a concordar com ele, como já indicamos anteriormente. Entretanto, Haruki  
Wada sugere que haveria uma razão mais profunda por trás do não envio da carta por  
Marx, uma que estaria relacionada ao próprio curso do pensamento de Marx no fim da  
década de 1870. Segundo o comentarista japonês,  
a reprovação que Marx aponta para Mikhailovsky está, evidentemente,  
bem afastada do alvo e é irrelevante, porque a interpretação deste último  
não pode ser vista como um erro total. Foi Marx, na realidade, quem  
passou por uma mudança significativa depois que escreveu a primeira  
edição alemã de O capital (WADA, 2017, p. 101).  
Como já é possível se perceber pelos trechos trazidos aqui, Wada considera  
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que antes da década de 1870, Marx de fato sustentava a posição que lhe foi atribuída  
por Mikhailovsky no artigo Karl Marx ante o tribunal do sr. Zhukovsky, inclusive no  
Volume I de O capital, e que entre 1869 e 1878 o autor renano iria se distanciar do  
suposto esquematismo manifesto até então. Especificamente sobre a Rússia, Wada  
considera que as críticas feitas por Marx a Herzen em 1867, sobretudo à forma como  
o populista russo via a obshchina como uma manifestação da particularidade russa,  
deviam-se ao fato de que Marx naquele momento “supunha que a Rússia, assim como  
a Alemanha, seguiria o exemplo da Inglaterra” (WADA, 2017, p. 81). Portanto, para  
Wada a posição que Mikhailovsky atribui ao autor de O capital de fato seria a posição  
de Marx em um dado momento, de modo que em 1878 Marx só discordaria da leitura  
de Mikhailovsky porque entre 1867 e 1878 o próprio Marx teria mudado de forma  
expressiva seu pensamento. Wada considera que o próprio Marx teria então se dado  
conta disso, de modo que a verdadeira razão pela qual Marx não enviou o texto seria  
porque teria visto algo de errado em sua crítica a Mikhailovsky” (WADA, 2017, p.  
102).  
Contudo, consideramos essa interpretação incorreta. Nem em 1867, nem em  
1878 a interpretação que Mikhailovsky trazia para O capital correspondia com a  
posição de Marx, como tentamos demonstrar, e tampouco a reprovação de Marx  
quanto àquela leitura que se fazia da obra não era derivada de uma mudança  
significativa” pela qual o autor teria passado desde 1867. Como vimos, no texto de  
1878 o autor não expressa nenhuma visão que indique um afastamento das ideias  
expostas em 1867. Pelo contrário, há evidente continuação. Entretanto, não há nada  
que sustente essa sua hipótese, muito menos algo que sugira que a razão dada por  
Engels não seria a verdadeira. Parece-nos muito mais razoável seguir a razão dada por  
Engels, companheiro e colaborador de longa data de Marx, do que ceder a  
especulações de biógrafos cem anos depois da morte do autor.  
É preciso lembrar ainda que quando fora publicado na Rússia, O capital apenas  
escapara ao pente dos censores do tsar porque consideraram que, embora Marx fosse  
um conhecido comunista, a obra não poderia ser qualificada de acessível a todos”  
(MARX in MARX; ENGELS, 2020, p. 306), como o autor certa vez escreveu a Friedrich  
Sorge. Entretanto, o que diriam esses censores se a Otechestvennye Zapiski publicasse  
um texto do famoso “Dr. Vermelho” não apenas tratando da Rússia e da propriedade  
comunal de forma tão clara, mas também ecoando as ideias de Nikolai Tchernyshevsky,  
teórico que estava desde 1862 exilado na Sibéria por seus escritos de economia  
política?  
Ademais, como veremos mais à frente, as críticas de Marx às leituras que alguns  
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russos faziam de O capital, sobretudo do Capítulo XXIV, não passaram por alguma  
mudança substancial entre 1878 e 1881, quando o autor responde a carta de Vera  
Zasulich. Se Marx via algo de errado em suas críticas a Mikhailovsky, sua argumentação  
sobre a questão da comuna em 1881 haveria de ter modificações expressivas em  
relação ao posicionamento expresso em 1878, o que de fato não acontece. Tampouco  
poderíamos ver nas alterações na redação do Volume I de O capital da edição alemã  
de 1867 para a tradução francesa iniciada em 1872, como sugere Faria (2017). Sobre  
essa teoria, esse autor diz que  
outro argumento para o engavetamento dos esboços por Marx seria  
o reconhecimento da pertinência das críticas de Mikhailovsky, ou  
mesmo da inconsistência de sua própria resposta (WADA, 1983, p.  
60), críticas as quais já tinham sido feitas pelo filósofo a si mesmo,  
como dito acima, conforme se pode notar pelas revisões na edição  
francesa de O capital (ANDERSON, 2010, p. 171), edição que é tomada  
por base para a resposta não só aos ataques de seu crítico, mas  
também como para a resposta a Zasulich, alguns anos depois (FARIA,  
2017, p. 129).  
Ou seja, Faria parece acolher a razão dada por Wada e chega mesmo a sugerir  
que as modificações feitas por Marx no texto da tradução francesa evidenciariam uma  
concordância por parte do autor alemão em relação ao tipo de crítica feita por  
Mikhailovsky. E sobre essas revisões, o autor diz o seguinte:  
Identificando no texto de Mikhailovsky um ataque às suas ideias, o  
que suprime qualquer fundamento possível para a leitura de Riazanov,  
Marx se apressa em preparar um revide, redigindo uma breve, mas  
pesada, epístola, em que cintilam pontos de surpreendente  
concordância com as posições de seu próprio oponente, ao qual o  
filósofo busca sintomaticamente responder valendo-se de uma edição  
do texto criticado, seu livro O capital, em que já foram sanados os  
problemas apontados pelo crítico, sua edição francesa, vinda à luz entre  
os anos de 1872 e 1875, marcada por importantes revisões no que  
diz respeito ao fulcro da crítica do perspicaz do pensador e publicista  
russo. (FARIA, 2017, p. 129)  
Aqui, o autor muito provavelmente se refere à retirada da crítica a Herzen, o  
acréscimo do elogio a Tchernyshevsky e a alteração na primeira parte do que viria a  
se tornar o Capítulo XXIV. Entretanto, como vimos anteriormente, se olharmos bem as  
alterações na redação da introdução do Capítulo XXIV e as compararmos à redação  
original, a modificação não é tão expressiva como o autor sugere. Ademais, as críticas  
de Mikhailovsky não tinham muito fôlego nem se feitas em relação ao texto original,  
de maneira que as mudanças na redação não permitem a sugestão de que Marx teria  
tido um momento no qual havia feito ao texto de 1867 as mesmas críticas do narodniki  
e que teria sido por isso que fez as revisões mencionadas. E como já ressaltamos  
acima, o fato de Marx ter feito uso da tradução francesa é facilmente explicado por  
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uma razão muito mais simples: a carta fora também escrita em francês, de maneira que  
o uso da tradução francesa seria muito mais uma questão de comodidade do que por  
outra razão. O autor continua:  
É importante observar, com o amparo do Preâmbulo apresentado  
acima, que as revisões de Marx em sua edição francesa não ferem de  
qualquer modo os fundamentos mais profundos em que se ampara o  
livro em questão, sedimentados ao longo de quatro décadas,  
conferindo-lhe apenas uma melhora discursiva em determinados e  
delicadíssimos pontos. O que ocorre é uma formulação mais precisa  
de determinadas ideias, para que não deem margem a interpretações  
deterministas, de cunho naturalista ou mistificador, já vistas pelo autor  
como possíveis, desvirtuando, desse modo, seus lineamentos mais  
basilares, decorrentes justamente da crítica destas correntes  
filosóficas. (FARIA, 2017, pp. 128-9)  
Aqui é mais razoável a explicação do autor, embora seja necessário cuidado  
quando atribuímos uma razão específica para essas modificações, sobretudo porque  
o autor nunca esclareceu exatamente as razões dessas revisões, além de que a  
“margem” para essas “interpretações deterministas, de cunho naturalista ou  
mistificador, já vistas pelo autor como possíveis” seja questionável. Se lermos as cartas  
escritas por Marx sobre a edição francesa, o autor de fato aponta para modificações  
consideráveis na tradução da obra do alemão para o francês, bem como explica que  
fez várias delas para facilitar a exposição da obra para o público da França, deixando  
o texto com “um estilo familiar para o público francês” (MARX in MARX; ENGELS, 2020,  
p. 304).  
Em uma carta de 1875 a Pyotr Lavrov, Marx de fato menciona alterações  
substanciais nos capítulos sobre a acumulação (MARX in MARX; ENGELS, 2020, p.  
313), mas essas alterações muito provavelmente se referem não tanto à pequena  
reelaboração do parágrafo que trouxemos acima, mas provavelmente aos extensos  
acréscimos que o autor fez ao texto que compunha a Seção VI da primeira edição. Por  
demais, depois de 1867 o autor acrescentou também diversas páginas ao texto  
original do capítulo sobre a assim chamada acumulação originária, de modo que muito  
bem poderia estar se referindo a isso. Não podemos nos esquecer ainda que já em  
novembro de 1867, antes do contato de Marx com a literatura narodniki, em uma carta  
a Victor Schily, o autor apontava a necessidade de se fazerem alterações no texto  
alemão para a tradução francesa (MARX in MARX; ENGELS, 2020, p. 231). Mas  
deixemos de lado essas especulações.  
Marx termina sua argumentação na carta de 1878 com um exemplo.  
Em diferentes pontos de O capital fiz alusão ao destino que tiveram os  
plebeus da antiga Roma. Eles eram originalmente camponeses livres  
que cultivavam, cada qual pela própria conta, suas referidas parcelas.  
No decurso da história romana, acabaram expropriados. O mesmo  
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movimento que os separa de seus meios de produção e de  
subsistência implica não somente a formação da grande propriedade  
fundiária, mas também a formação dos grandes capitais monetários.  
Assim sendo, numa bela manhã (eis aí), de um lado homens livres,  
desprovidos de tudo menos de sua força de trabalho, e do outro, para  
explorar o trabalho daqueles, os detentores de todas as riquezas  
adquiridas. O que aconteceu? Os proletários romanos não se  
converteram em trabalhadores assalariados, mas numa mob [turba]”  
desocupada, ainda mais abjetos do que os assim chamados poor  
whites [brancos pobres]dos estados sulistas dos estados Unidos, e  
ao lado deles se desenvolve um modo de produção que não é  
capitalista, mas escravagista. (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 56)  
O autor compara o destino dos plebeus romanos no decorrer da história de  
Roma ao destino dos camponeses ingleses na assim chamada acumulação originária.  
Assim como os camponeses ingleses, os plebeus eram originalmente camponeses  
livres e que cultivavam por conta própria suas referidas parcelas de terra. Isto é, em  
ambos os casos, os produtores diretos se relacionavam às condições naturais do  
trabalho como proprietários” (MARX, 2011, p. 392), embora a forma de propriedade  
seja diferente no caso romano e no inglês, bem como de seus pressupostos. E assim  
como se passou com o pequeno proprietário de terras inglês ao longo da história da  
assim chamada acumulação originária, o plebeu romano foi em um dado momento  
expropriado. Em razão desse mesmo processo que separou o plebeu romano de seus  
meios de produção e subsistência, ocorreu não somente a formação da grande  
propriedade fundiária, mas também a formação dos grandes capitais monetários”  
(MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 56), ou seja, um movimento semelhante ao que  
vemos na história da assim chamada acumulação originária.  
Mas o que ocorreu com esses camponeses livres romanos que foram separados  
da posse da terra? Aconteceu que ao invés de se converterem em assalariados (como  
se passou na história da assim chamada acumulação originária), esses plebeus  
romanos se tronaram uma mob [turba]” desocupada, ainda mais abjetos do que os  
assim chamados poor whites [brancos pobres] dos estados sulistas dos estados  
Unidos” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 56). Tampouco se desenvolveu em Roma  
um modo de produção capitalista, fundado na venda e na compra da força de trabalho,  
mas uma produção baseada na escravidão (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 56).  
O que isso nos mostra?  
Portanto, acontecimentos de uma analogia que salta aos olhos, mas  
que se passam em ambientes históricos diferentes, levando a  
resultados totalmente díspares. Quando se estuda cada uma dessas  
evoluções à parte, comparando-as em seguida, pode-se encontrar  
facilmente a chave desse fenômeno. Contudo, jamais se chegará a isso  
tendo como chave-mestra uma teoria histórico-filosófica geral, cuja  
virtude suprema consiste em ser supra-histórica. (MARX in MARX;  
ENGELS, 2013, pp. 56-7)  
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Como nos explica Marx, embora se trate de acontecimentos de uma analogia  
que salta aos olhos” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 56), o fato de terem se  
passado em ambientes históricos tão distintos como na Roma Antiga e na Inglaterra  
dos séculos XV ao XVII produziu resultados bastante díspares. Todavia, adiciona Marx,  
isso não significa que depois de termos analisado cada uma dessas evoluções à parte  
e depois as comparado não seja possível encontrar facilmente a chave desse  
fenômeno” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p. 56). Mas à essa chave nunca poderemos  
chegar por meio de uma chave-mestra uma teoria histórico-filosófica geral, cuja  
virtude suprema consiste em ser supra-histórica” (MARX in MARX; ENGELS, 2013, p.  
57).  
O que isso dizia sobre a Rússia? Ora, mesmo que possamos ver uma analogia  
entre a história das comunas agrárias na Europa, onde elas haviam desaparecido quase  
que completamente no fim do século XIX, e a comuna agrária russa, não significava  
que, na Rússia, chegaríamos ao mesmo resultado que na Europa. Do mesmo modo,  
ainda que fosse possível ver paralelos entre a história da separação dos camponeses  
da Europa Ocidental e seus meios e condições de subsistência e o que ocorria na  
Rússia desde 1861 com o esmagamento da comuna agrária russa, não era possível  
dizer que na Rússia necessariamente veríamos a mesma evolução que vimos, por  
exemplo, na Inglaterra entre os séculos XV e XVII. E por quê? O ambiente histórico  
russo em 1880 era absolutamente distinto do inglês no começo da época conhecida  
como Era Moderna, cada qual com suas condições materiais próprias.  
Ainda que pudéssemos encontrar a chave geral do fenômeno, isto é, da  
separação entre produtor direto e as condições naturais do trabalho e os meios de  
produção, não poderíamos fazê-lo sem antes analisar cada fenômeno separadamente  
e suas particularidades, isto é, considerar as diferenças específicas. Uma teoria  
histórico-filosófica geral, cuja virtude suprema consiste em ser supra-histórica” que  
sirva de chave-mestra, isto é, que abstrai das especificidades de cada fenômeno  
histórico particular, nunca nos permitiria chegar à real chave geral do fenômeno”. A  
própria experiência da história já nos mostrava que não poderíamos fazê-lo, como  
vimos no caso dos plebeus romanos. Nesse sentido, o autor nos adverte contra fazer  
uso do esquema histórico da assim chamada acumulação originária contido no  
Capítulo XXIV de O capital como se fosse uma teoria supra-histórica” (algo que não  
era), aplicando-a como uma chave-mestra para entender a situação da obshchina  
apesar das particularidades do contexto romano na decadência da república ou do  
final do século XIX na Rússia. Descurar-se dessas diferenças específicas implica na  
desconsideração da própria historicidade da produção.  
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Marx não está trazendo aqui algo de necessariamente novo, eis que já falava  
algo semelhante em 1857-58 nos Grundrisse, quando na introdução ele trata da  
produção geral” e de abstrações razoáveis. Em sua crítica ao uso da “produção em  
geral” pelos economistas da época, afirma Marx que sempre quando se fala em  
produção se está sempre falando em um modo de produção determinado, em um dado  
estágio de desenvolvimento social – da produção de indivíduos sociais” (MARX, 2011,  
p. 41). Em função do fato de que a produção é sempre historicamente situada, poderia  
parecer que para poder falar em produção em geral, deveríamos seja seguir o  
processo histórico de desenvolvimento em suas distintas fases, seja declarar por  
antecipação que consideramos uma determinada época histórica” (MARX, 2011, p.  
41). Em outras palavras, poderia parecer que não é possível falar na produção de  
forma geral, na "produção geral”, sem que estejamos cometendo o equívoco de se  
assumir um dado modo de produção como ponto de partida da história, tomando por  
determinações da ‘produção em geral’ as determinações de um dado momento  
específico da produção material na história humana. Seria, portanto, cometer o  
disparate apologético de Bastiat e Carey, que nada mais faziam senão se esforçar por  
demonstrar a eternidade e harmonia da produção capitalista, de modo que na mão  
desses economistas todo instrumento de produção e trabalho objetivado se torna  
capital (MARX, 2011, p. 41).  
Entretanto, isso não significa que Marx descarta a “produção em geral” como  
irrazoável ou mero instrumento de sicofantas. Pelo contrário, a “produção em geral”  
como a síntese das características em comum a todas as épocas da produção, e não  
como eternização de um modo de produção específico, torna-se uma abstração  
razoável e uma de enorme importância. Ela o “é na medida em que efetivamente  
destaca e fixa o elemento comum, poupando-nos assim da repetição” (MARX, 2011,  
p. 41). Ou seja, a abstração só é razoável nesse caso pelo fato de existirem  
efetivamente elementos comuns às diferentes formas históricas da produção social, de  
maneira que a produção comum destaca e fixa esses elementos. Ela permite, portanto,  
que, ao identificar esses elementos como comum, ao estudar os modos de produção  
particulares, podemos nos dedicar à análise apenas do que lhes é particular, pois  
somos poupados da repetição. Contudo, mesmo esse “universal” ou comum isolado  
por comparação” (MARX, 2011, p. 41) não é exatamente “uniforme”, pois ele mesmo  
“é multiplamente articulado, cindido em diferentes determinações” (MARX, 2011, p.  
41). Isso na medida que existem determinações que são comuns a todas as épocas,  
algumas a apenas algumas e outras comuns apenas à época moderna e à antiga, como  
explica Marx. Dessa maneira, como esclarece Chasin, a razoabilidade de uma abstração  
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como a produção geral “se manifesta, pois, quando retém e destaca aspectos reais,  
comuns às formas temporais de entificação dos complexos fenomênicos considerados”  
(CHASIN, 2009, p. 124) [destaque do original], constituindo-se em “algo geral extraído  
das formações concretas, posto à luz pela força de abstração, mas não produzido por  
um volteio autônomo da mesma, pois seu mérito é operar subsumida à comparação  
dos objetos que investiga” (CHASIN, 2009, p. 124) [destaque nosso].  
Marx afirma então que  
Nenhuma produção seria concebível sem elas; todavia, se as línguas  
mais desenvolvidas têm leis e determinações em comum com as  
menos desenvolvidas, a diferença desse universal e comum é  
precisamente o que constitui seu desenvolvimento. As determinações  
que valem para a produção em geral têm de ser corretamente isoladas  
de maneira que, além da unidade decorrente do fato de que o  
sujeito, a humanidade, e o objeto, a natureza, são os mesmos , não  
seja esquecida a diferença essencial. Em tal esquecimento repousa,  
por exemplo, toda a sabedoria dos economistas modernos que  
demonstram a eternidade e a harmonia das relações sociais  
existentes. (MARX, 2011, p. 41)  
Para que fique mais claro o que isso quer dizer, vejamos o exemplo dado por  
Marx:  
Por exemplo: nenhuma produção é possível sem um instrumento de  
produção, mesmo sendo este instrumento apenas a mão. Nenhuma  
produção é possível sem trabalho passado, acumulado, mesmo sendo  
este trabalho apenas a destreza acumulada e concentrada na mão do  
selvagem pelo exercício repetido. O capital, entre outras coisas, é  
também instrumento de produção, também trabalho passado,  
objetivado [objektivierte]. Logo, o capital é uma relação natural,  
universal e eterna; quer dizer, quando deixo de fora justamente o  
específico, o que faz do instrumento de produção”, do trabalho  
acumulado, capital. Por essa razão, toda a história das relações de  
produção aparece em Carey, por exemplo, como uma maliciosa  
falsificação provocada pelos governos. (MARX, 2011, p. 41)  
A necessidade de instrumentos de produção e o trabalho acumulado são as  
determinações que valem para a produção em geral, dado que são aspectos universais  
e comuns a épocas diferentes da produção humana. Caso não nos atentemos a aquilo  
que torna o capital uma forma específica de instrumento de produção e de trabalho  
objetivado, o que o separa do universal e comum, chega-se à falsa conclusão de que  
capital é uma determinação geral da produção. Capital torna-se, portanto, uma  
relação natural, universal e eterna” ao invés de um desenvolvimento específico e  
determinado do aspecto que é comum a todos os modos de produção social. Nesse  
sentido, conseguir distinguir aquilo que é comum, isto é, a identidade daquilo que  
constitui a particularidade, a diferença específica é essencial para que não se incorra  
no mesmo equívoco dos economistas clássicos que viam a produção capitalista em  
toda época que analisavam. Afinal, como Marx já dizia em seus comentários críticos à  
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Filosofia do direito de Hegel, “uma explicação que não dá a differentia specifica não é  
uma explicação” (MARX, 2010, p. 34). Podemos até mesmo comparar dois momentos  
distintos da produção humana e encontrar determinações que lhes são comuns, isto  
é, identificar uma certa unidade entre eles, mas não podemos nunca fazê-lo sem nos  
atentarmos a aquilo que é específico de cada um. Destarte, como salienta J. Chasin,  
a consideração das diferenças específicas é, pois, uma exigência  
fundamental, decorrente do critério ontológico de abordagem, tendo  
presente que a distinção ou a identidade de certa formação de  
qualquer tipo é dada, precisamente, por aquilo que a diferencia dos  
elementos gerais e comuns copertencentes às demais que integram o  
mesmo conjunto. […] Por decorrência, ignorar a diferença essencial  
é perder de vista os objetos reais e com isso o horizonte do  
pensamento de rigor, tal como os economistas que naturalizam e  
perenizam a sociedade capitalista, pondo de lado exatamente o que  
nela é específico (CHASIN, 2009, p. 125).  
Retornando ao nosso objeto, vê-se, portanto, como bem antes da década de  
1870-80, Marx já demonstrava evidente atenção não apenas à historicidade das  
relações humanas, mas principalmente à necessidade de se atentar às diferenças  
específicas quando se analisa comparativamente dois fenômenos distintos buscando  
aspectos comuns a eles. Trata-se de um aspecto que reiterado em 1878 quando o  
autor evidencia a importância da correta apreensão as especificidades da Rússia para  
que se pudesse dizer algo sobre a comuna agrária russa, ainda que pudéssemos ver  
paralelos com a história da Europa Ocidental. Além disso, em 1878 podemos ver ecos  
das considerações marxianas de 1857-58 acerca da das abstrações razoáveis quando  
Marx critica a transformação do esquema histórico da assim chamada acumulação  
originária em uma “teoria histórico-filosófica” supra-histórica, o que seria uma  
abstração das mais desarrazoadas, na medida que completamente ignora as diferenças  
essenciais. De modo similar, também vemos ecos dos Grundrisse quando Marx trata  
da possibilidade de se encontrar a chave geral de fenômenos análogos como o caso  
dos plebeus romanos e os camponeses da Europa Ocidental nos séculos XV-XVII, o  
que de forma alguma se poderia fazer sem se atentar às particularidades de cada caso.  
Nesse sentido, já podemos ver que as afirmações como as de Shanin e de Wada,  
de que teria ocorrido uma grande inflexão no pensamento de Marx depois de O capital  
são, no mínimo, superlativizantes. Shanin sugere que teria sido apenas no último  
período da obra marxiana, isto é, o período depois da publicação do volume I, que o  
autor teria dado um novo passo para uma conceituação mais complexa e realista da  
heterogeneidade global das formas sociais, suas dinâmicas e interdependências  
associativas” (SHANIN, 2017, p. 30). Mas caso olhemos apenas os poucos trechos de  
O capital trazidos aqui, já é possível ver que afirmações desse tipo partem muito mais  
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de leituras inadequadas da obra de Marx do que efetivamente de um suposto talhe  
unilinear do texto. Isso não significa que não haja qualquer desenvolvimento posterior  
na teoria marxiana depois da publicação do Livro I. Muito pelo contrário, nos 16 anos  
depois da publicação dessa obra Marx nunca deixou de se dedicar à pesquisa, mesmo  
quando acometido por problemas de saúde e tragédias familiares. Entretanto, não  
vemos razão alguma para contrapor esses trabalhos da década de 1870-80 ao  
primeiro tomo da crítica da economia política como parecem fazer Shanin e Wada,  
sobretudo quando se sabe que o Livro I é o primeiro capítulo da empreitada à qual  
Marx se dedicaria até sua morte em 1883 e o único dos três volumes que foi  
completamente escrito e editado pelo próprio autor.  
Considerações finais  
Como tentamos evidenciar, em sua resposta ao artigo de Mikhailovsky, Marx  
voltava-se diretamente contra os intérpretes russos de O capital que viam na obra e,  
em especial, no capítulo sobre a assim chamada acumulação originária, uma espécie  
de teorização universal da história humana a partir da qual seria possível desvendar a  
sucessão necessária e universal das formações sociais. O capital não era uma obra a  
ser “aplicada” sobre a realidade russa e as considerações sobre a gênese histórica do  
capital não deveriam ser tomadas como uma espécie de “cardápio da taverna do  
futuro”. Nesse sentido, poderíamos argumentar que, longe de uma espécie de  
retratação ou uma reformulação daquilo que ele havia colocado em O capital, Marx  
realiza uma crítica à forma como sua obra foi recebida por parte do público russo, que  
havia visto em seu livro uma teoria da história que não existia ali ou uma tentativa de  
“prescrever receitas (comtianas?) para o cardápio da taberna do futuro” (MARX, 2017,  
p. 88). Qualquer leitura mecanicista da obra ou que visse ali um projeto de filosofia da  
história era, portanto, uma má-leitura.  
Entretanto, ao tratar das particularidades do caso russo ou destacar que cada  
sociabilidade seja regida por uma legalidade que lhe seja imanente, Marx não estava  
negando a validade das leis gerais que regem a produção capitalista quando ele. O  
que ele recusava admitir era absolutizar e a-historicizar aquelas leis imanentes da  
produção capitalista das quais tratava em O capital (como era o costume dos  
economistas burgueses afeitos às chamadas robinsonadas), ou ver no desenvolvimento  
humano algum tipo de lei transcendental, trans-histórica que supostamente regeria  
esse movimento de forma linear. Afinal, Marx assegurava que, uma vez a Rússia se  
tornasse definitivamente capitalista, aquelas mesmas leis e tendências que regiam a  
produção capitalista no Ocidente agiriam sobre ela, c’est-à-dire, a Rússia teria que  
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passar pelas furculae caudinae do capitalismo assim como seus primos ocidentais. No  
entanto, se na Rússia o capitalismo iria se consolidar ou não, isso nada tinha a ver com  
destino.  
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Como citar:  
SOUZA, Gabriella M. Segantini. Nikolai Mikhailovsky diante do tribunal do sr. K. Marx:  
Marx e a recepção d’O capital na Rússia. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 2, pp.  
1-33, 2025.  
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