Lucas de Oliveira Maciel
[Dá-se] o livre desenvolvimento das individualidades e, em
consequência, a redução do tempo de trabalho necessário não para
pôr trabalho excedente, mas para a redução do trabalho necessário
da sociedade como um todo a um mínimo, que corresponde então à
formação artística, científica etc. dos indivíduos por meio do tempo
liberado e dos meios criados para todos eles11. (MARX, 2011, p. 588)
A redução do tempo de trabalho necessário, a qual só é possível com o
desenvolvimento das forças produtivas, é condição para aumento do tempo livre, e,
com isso, pressuposto do desenvolvimento individual para além do exigido pelo
processo produtivo. Quanto mais libertos das exigências do trabalho, mais pode cada
sujeito se dedicar ao próprio cultivo12. Ainda, em uma sociedade em que os meios de
produção não se subordinam à extração de mais-valor, e, assim, não aparecem como
potências estranhas diante dos trabalhadores, esses meios podem novamente se
tornar instrumentos dos próprios produtores, subordinados, a partir de então, não ao
capital, mas à autorrealização dos indivíduos em suas relações recíprocas13.
11
Na Crítica do Programa de Gotha, Marx, em famosa passagem, relaciona o desenvolvimento da
sociedade comunista ao desenvolvimento individual, não mais preso à oposição entre trabalho
intelectual e manual, e em que se desenvolve o trabalho cooperativo e a riqueza social, não mais oposta
aos indivíduos: “Em uma fase mais elevada da sociedade comunista, depois que a subordinação
escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, consequentemente, a oposição entre trabalho
intelectual e manual tiverem desaparecido; depois que o trabalho tiver deixado de ser apenas um meio
de vida, mas se tornado a primeira necessidade vital; depois que, com o desenvolvimento integral dos
indivíduos, também tiverem aumentado suas forças produtivas, e todas as fontes de riqueza cooperativa
fluírem mais plenamente – só então o horizonte estreito do direito burguês poderá ser totalmente
ultrapassado e a sociedade [poderá] escrever em sua bandeira: De cada um segundo suas capacidades,
a cada um segundo suas necessidades!” (MARX, s/d, tradução nossa, com auxílio da ferramenta DeepL)
(Original: “In einer höheren Phase der kommunistischen Gesellschaft, nachdem die knechtende
Unterordnung der Individuen unter die Teilung der Arbeit, damit auch der Gegensatz geistiger und
körperlicher Arbeit verschwunden ist; nachdem die Arbeit nicht nur Mittel zum Leben, sondern selbst
das erste Lebensbedürfnis geworden; nachdem mit der allseitigen Entwicklung der Individuen auch ihre
Produktivkräfte gewachsen und alle Springquellen des genossenschaftlichen Reichtums voller fließen –
erst dann kann der enge bürgerliche Rechtshorizont ganz überschritten werden und die Gesellschaft auf
ihre Fahne schreiben: Jeder nach seinen Fähigkeiten, jedem nach seinen Bedürfnissen!”). Já no Manifesto
do partido comunista (2017), Marx e Engels associavam o advento do comunismo ao fim da oposição
entre desenvolvimento social e individual, no qual o primeiro somente ocorre com base no segundo:
“No lugar da velha sociedade burguesa [bürgerlichen Gesellschaft] e seus antagonismos de classes surge
uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento
de todos.” (MARX; ENGELS, 2017, p. 85)
12 Acerca da relação entre desenvolvimento das forças produtivas e tempo livre, afirma Rosdolsky: “No
aspecto quantitativo do trabalho se manifestará em uma redução fundamental do tempo de trabalho e
na consequente criação e ampliação do tempo livre. Pois, embora tampouco a sociedade socialista
possa renunciar ao ‘mais-trabalho’, ela estará em condições de reduzir ao mínimo a quantidade de
trabalho que caberá a cada um dos seus membros, graças ao pleno desenvolvimento das forças
produtivas.” (ROSDOLSKY, 2001, p. 358) Na mesma linha, lê-se em Mandel: “o desenvolvimento do
supertrabalho implica também, ao menos no modo de produção capitalista, um enorme
desenvolvimento das forças produtivas – e eis a sua ‘missão civilizadora’ indispensável É somente nessa
base que uma sociedade coletiva poderá reduzir ao mínimo a jornada de trabalho simplesmente, sem
dever ao mesmo tempo recalcar ou mutilar o desenvolvimento universal das possibilidades de cada
indivíduo” (MANDEL, 1968, p. 110). O tema remete a ponto que não se poderá aprofundar no presente
trabalho: a assim chamada “centralidade do trabalho”. Nesse sentido, cf. Postone (2014). Para uma
crítica a Postone, cf. Sartori (2018).
13 Lukács trata do tema, e, sobre o desenvolvimento comunista da sociedade, afirma: “o comunismo [...]
é o início real da explicitação das energias autenticamente humanas que o desenvolvimento ocorrido
até hoje suscitou, reproduziu, elevou contraditoriamente a níveis superiores, enquanto importantes
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 85-115 – jul.-dez., 2025
nova fase