DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.2.779  
Determinações da punição no capitalismo de via  
colonial: bonapartismo e autocracia burguesa  
institucionalizada na industrialização brasileira  
Determinations of punishment in capitalism of the  
colonial path: Bonapartism and institutionalized  
bourgeois autocracy in Brazilian industrialization  
Nayara Rodrigues Medrado*  
Resumo: Buscamos, neste trabalho, desde as  
lentes da teoria da via colonial, de J. Chasin, e  
partindo de abstrações razoáveis, apontar as  
determinações gerais do sistema penal na  
reprodução da via própria de desenvolvimento  
capitalista do Brasil. Em continuidade a artigo  
anterior, enfocamos neste escrito o período de  
afirmação, no país, do verdadeiro capitalismo - o  
industrial - a partir dos anos 1930, e até o  
processo de mundialização do capital,  
coincidente com a autorreforma negociada da  
ditadura nos anos 1980. O objetivo é mostrar  
como, longe de uma afirmação democrática, o  
Brasil tem oscilado, ao longo da república, entre  
períodos de bonapartismo e de autocracia  
burguesa institucionalizada, e como, em meio a  
esse movimento pendular próprio de uma  
particular via de formação capitalista, o sistema  
penal tende a ocupar um lugar privilegiado, e a  
receber contornos específicos. Para essa  
caracterização, o estudo vale-se de dados  
produzidos pela historiografia nas últimas  
décadas, ao mesmo tempo que dialoga com o  
campo da criminologia crítica e, mais  
especificamente, com a economia política da  
pena.  
Abstract: In this work, we seek, from the  
perspective of J. Chasin's colonial path theory  
and based on reasonable abstractions, to point  
out the general determinations of the penal  
system in the reproduction of Brazil's own path  
of capitalist development. Continuing from the  
previous article, this paper focuses on the  
period of affirmation of true capitalism –  
industrial capitalism in the country from the  
1930s until the process of capital globalization,  
coinciding with the negotiated self-reform of the  
dictatorship in the 1980s. The objective is to  
show how, far from a democratic affirmation,  
Brazil has oscillated throughout the Republic  
between periods of Bonapartism and  
institutionalized bourgeois autocracy, and how,  
amid this pendulum movement characteristic of  
a particular path of capitalist formation, the  
penal system tends to occupy a privileged place  
and take on specific contours. For this  
characterization, the study draws on data  
produced by historiography in recent decades,  
while also engaging in dialogue with the field of  
critical criminology and, more specifically, with  
the political economy of punishment.  
Keywords: Penal system; colonial path;  
Palavras-chave: Sistema penal; via colonial;  
Bonapartism;  
autocracy.  
institutionalized  
bourgeois  
bonapartismo;  
autocracia  
burguesa  
institucionalizada.  
Introdução  
Este trabalho é fruto de reflexões mais profundamente desenvolvidas em  
pesquisa de doutorado intitulada Sistema penal e formação social brasileira: a  
*
Doutora em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora da Universidade  
Federal de Juiz de Fora (UFJF) campus Governador Valadares. E-mail: nayaramedrado@gmail.com.  
Orcid: 0000-0003-1408-3276.  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 2 jul.-dez., 2025  
Verinotio  
nova fase  
 
Nayara Rodrigues Medrado  
particularidade histórica de um capitalismo de via colonial. Em sequência a um primeiro  
artigo que enfocou o período escravista e o imediato pós-abolição da escravidão, com  
a formação da classe trabalhadora assalariada brasileira, buscamos, agora, analisar as  
determinações das formas punitivas no processo histórico de afirmação do “verdadeiro  
capitalismo” no Brasil, isto é, a partir de seu processo de industrialização propriamente  
dito na década de 1930, estendendo a análise para até meados da década de 1980,  
década que marca o processo de mundialização do capital e, internamente, a crise do  
bonapartismo de 1964 com o retorno a uma autocracia burguesa institucionalizada.  
O objetivo segue sendo sustentar que o sistema penal no Brasil aí incluídas  
as prisões de vários tipos e a atuação das forças repressivas oficiais atuou, em  
diversos momentos da história nacional, no sentido de assegurar e de reproduzir os  
caracteres próprios de uma via colonial de desenvolvimento capitalista, na definição  
de J. Chasin e em diálogo com outros intérpretes da formação social brasileira. Os  
papeis de violência extraeconômica e de contrarrevolução preventiva permanente, que  
abordamos no trabalho anterior, seguem, agora mediados por um movimento pendular  
entre bonapartismo e autocracia burguesa institucionalizada e com alterações que  
respondem às novas necessidades materiais colocadas no período, sobretudo de um  
processo de industrialização conduzido por uma burguesia incapaz de realizar seus  
desígnios históricos.  
Buscando traçar esses delineamentos, passaremos inicialmente por uma rápida  
contextualização do processo de industrialização posto em marcha na década de  
1930, para traçar seus elementos gerais e as mudanças impressas na formatação do  
sistema penal brasileiro. Em seguida, enfocaremos a primeira volta do pêndulo, com o  
bonapartismo do Estado Novo e sua superação em 1945, com a afirmação de uma  
autocracia burguesa institucionalizada. Posteriormente, abordaremos a segunda volta  
do pêndulo, representada pela ditadura de 1964 e sua superação, para um novo  
período de autocracia burguesa institucionalizada em meados dos anos 1980.  
A específica industrialização brasileira: retardo, incompletude,  
subordinação e superexploração  
Contextualizamos, no último escrito, aqueles que seriam os caracteres centrais  
da formação social brasileira: a via colonial de objetivação capitalista seria marcada,  
segundo Chasin, por uma industrialização hipertardia, retardatária, incompleta e  
incompletável, que se dá de forma subordinada ao capital internacional e com recurso  
à superexploração da força de trabalho.  
Na ausência propriamente de uma revolução burguesa nos moldes clássicos, ou  
Verinotio  
178 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
de uma revolução “de tipo europeu”, como disse Marx, o que têm relevo são acordos  
pelo alto, conservadores de padrões arcaicos e que excluem a maior parte da  
população brasileira do proveito econômico e do exercício da cidadania, em uma  
modernização de caráter excludente. A industrialização, com amplo protagonismo do  
estado, é, além de hipertardia, lenta, marcada por ciclos com breves surtos seguidos  
de obstacularizações, refreios e arrefecimentos. Quando efetivamente se põe em  
marcha, o quadro já é o da “acumulação monopolista avançada, no tempo em que  
guerras imperialistas já foram travadas, e numa configuração mundial em que a  
perspectiva do trabalho já se materializou na ocupação do poder de estado(CHASIN,  
2000, p. 14).  
A burguesia que se desenvolve em meio a esse particular modo de objetivação,  
fortemente atrelada ao latifúndio, é também anômala, com uma tendência  
individualista, mesquinha, sem identidade de classe e incapaz de desempenhar seus  
papeis históricos, tanto no âmbito econômico quanto no político. Sob o primeiro  
aspecto, é incapaz de promover um desenvolvimento econômico autônomo, que  
rompa com a subordinação ao capital estrangeiro; quanto ao segundo, é avessa a  
processos revolucionários ou ao mínimo questionamento econômico, mesmo no nível  
reformista, aos quais tende a reagir com violência brutal, já que desprovida de razões  
democráticas ou humanitárias. A burguesia brasileira tem suas características  
subjetivas determinadas pela base objetiva de sua existência: “uma burguesia que só  
existe na e pela subordinação a outras burguesias externas, subordinação  
consubstanciada na sua produz: o que, como e para quem produz (COTRIM, 1999, p.  
285).  
O Brasil, como apontou Caio Prado Jr., nasce como colônia de exploração, uma  
empresa colonial voltada a satisfazer interesses estrangeiros colocados no contexto  
da acumulação originária de capitais na Europa, atuando, mediado pelo exclusivo  
comercial, na oferta de gêneros primários e como mercado consumidor de produtos  
manufaturados europeus. O estatuto colonial é forjado pela centralidade da atividade  
agroexportadora realizada desde o latifúndio e com adoção de trabalho escravo,  
primeiro indígena e depois negro. A escravidão, por quase quatro séculos e mesmo  
após a independência, deu o tom do conjunto das relações sociais no Brasil, último  
país das Américas a aboli-la.  
A abolição formal da escravidão se dá de forma hipertardia, após décadas de  
resistência da anômala burguesia agrária brasileira e ostensiva pressão do já  
amadurecido capitalismo industrial inglês, ávido pela generalização da relação-capital  
e pela expansão de mercados consumidores. Ao mesmo tempo que representou  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 179  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
significativa liberação de capitais que permitiu breve surto de desenvolvimento de  
forças produtivas e um razoável incremento do mercado interno com a generalização  
do trabalho assalariado, a abolição não foi acompanhada de medidas voltadas à  
melhoria da qualidade de vida da população trabalhadora, em especial da população  
negra. Pelo contrário, a lei de terras de 1850 perpetuou a lógica do latifúndio e  
inviabilizou o acesso de ex-escravizados e seus descendentes à pequena propriedade.  
Com a adoção da política de imigração subvencionada de trabalhadores europeus, a  
população recém-liberta da escravidão é relegada a postos mais precarizados de  
trabalho ou ao desemprego, compondo, dentro do exercício industrial de reserva, uma  
reserva da reserva ou reserva de segunda ordem dos discriminados (GORENDER,  
2016, p. 223). A economia brasileira segue lastreada na exportação de produtos  
primários, sobretudo o café, e na subordinação ao capital imperialista, um quadro que  
torna possível e necessário o rebaixamento das condições de vida dos trabalhadores  
a níveis ínfimos (COTRIM, 2024, p. 2)  
Nesse contexto de formação da classe assalariada brasileira, o aparato penal  
segue voltado para a administração política da pobreza, para a conformação de uma  
ética do trabalho e para a garantia de um esquema de modernização excludente.  
Diante da igualdade jurídica afirmada pela Constituição de 1891, ideologias racistas  
como o positivismo criminológico são mobilizadas para justificar um sistema penal que  
concretamente segue vocacionado à repressão da população negra. Contravenções  
penais como capoeiragem, vadiagem, mendicância e embriaguez seguem dando o tom  
da atuação cotidiana de uma polícia fortificada em meio à crise do poderio senhorial,  
e a elas se acresce uma preocupação crescente com a repressão propriamente política  
a opositores e às tentativas de organização da classe trabalhadora.  
Mas é nos anos 1930 que a indústria brasileira ganha um impulso mais  
significativo e duradouro. Em um contexto de crise da atividade agroexportadora, mais  
especificamente cafeicultora, com a I Guerra Mundial e a crise de 1929, o Brasil é  
forçado a buscar formas de diversificação da economia. A ascensão ao poder de  
Getúlio Vargas, após derrota eleitoral marcada por acusações de fraude e subsequente  
levante armado orquestrado pela Aliança Liberal, significou a vitória da fração urbano-  
industrial da burguesia nacional gestada nas primeiras décadas do século XX. Seu  
significado histórico foi o de abrir as comportas para uma reconversão pelo alto da  
rígida estrutura econômico-política do país(CHASIN, 2000, p. 127), marcando, no  
contexto da crise do café, o fim da hegemonia agrário-exportadora no Brasil, embora,  
em termos de participação do setor na renda interna, essa hegemonia tenha perdurado  
até 1956 (CHASIN, 2000, p. 57).  
Verinotio  
180 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
Agora de forma mais explícita, o estado é chamado a desempenhar a tarefa  
econômica que a atrofiada e anômala burguesia agrária brasileira não foi capaz de  
cumprir: industrializar o país. Inicia-se uma política de controle estatal da economia,  
com investimentos vultuosos em infraestrutura, criação de empresas estatais no setor  
de base e de órgãos voltados à regulação de setores estratégicos, além de políticas  
de controle do valor da força de trabalho. Com isso, “se, até então, a história do Brasil  
era marcada por surtos industrializadores de curta duração, a partir dos 30s, verifica-  
se o movimento industrializador que não mais será interrompido, como surtos e  
iniciativas anteriores o foram nessa história de vários começos(CHASIN, 2000, p. 58).  
Em síntese, como aponta Lívia Cotrim no estudo de discursos oficiais de Vargas:  
No plano econômico, Vargas defende o desenvolvimento industrial  
fundado no setor de bens de capital, especialmente aqueles que, na  
ocasião, constituíam a ponta do processo de produção: siderurgia e  
petróleo; ao lado da ampliação da infraestrutura de transportes e  
comunicações, tal setor estabeleceria a base para a indústria de  
máquinas, que abasteceria a indústria de bens de consumo e a  
produção agrícola. O campo, por sua vez, deveria modernizar e  
diversificar sua produção, para atender tanto à exportação, sem expor-  
se excessivamente à flutuação dos mercados internacionais, quanto  
ao mercado interno, que deveria se ampliar com e para o avanço da  
industrialização. Não defende qualquer alteração da estrutura da  
propriedade agrária, assim como considera que a exportação continua  
sendo uma prioridade. (COTRIM, 1999, p. 284)  
Quanto à relação com o capital internacional, havia, no projeto varguista, um  
relevante elemento de progresso eminentemente autônomo. Com um sistema de  
financiamento nacional, “a indústria nascente deveria utilizar capital nacional e ficar  
sob controle interno, o que não significa a rejeição à entrada de capital estrangeiro,  
sob forma de empréstimo ou investimento”; no entanto, “este capital deveria  
subordinar-se à lógica econômica decidida e implementada internamente, ao invés de  
pretender impor aqui uma lógica voltada exclusivamente a seus próprios interesses”  
(COTRIM, 1999, p. 284).  
O projeto encontra seu limite, entretanto, na conservação da estrutura da  
propriedade brasileira, em que não ousou tocar (COTRIM, 1999, p. 285). É que, ainda  
que essa emergente burguesia industrial direcionasse sua produção prioritariamente  
para o mercado interno, havia, pela inferioridade tecnológica, uma dependência forte  
da importação de maquinário e de insumos, e, para isso, de condições cambiais  
favoráveis, o que a submetia novamente aos imperativos do setor agrário, “tanto pela  
necessidade de divisas que este produzia, quanto porque as condições cambiais  
tendiam a favorecer em princípio aquele setor” (COTRIM, 1999, p. 286).  
De forma mais ampla, o limite do projeto expressa o limite da própria burguesia  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 181  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
industrial brasileira, que nasce e se desenvolve no interior da subordinação aos  
interesses do capital externo, pela mediação de sua subordinação à agroexportação,  
origem de parte dos capitais que forjaram a indústria, de modo que “tanto sua atuação  
política quanto as propostas e argumentos de seus ideólogos, conquanto conflitem  
com o agrarismo, não chegam a uma contraposição radical, que implique a supressão  
da herança colonial” (COTRIM, 1999, p. 287).  
E, porque a afirmação democrática e a superação da superexploração da força  
de trabalho pressupõem a ruptura com a subordinação, esse projeto de afirmação do  
verdadeiro capitalismo brasileiro tem por caráter necessário uma modernização  
excludente, em que o progresso social está radicalmente dissociado da evolução  
nacional (ASSUNÇÃO, 2004, p. 13). Ou, como aponta Chasin, em meio à sua crítica à  
teoria da marginalidade:  
Sem dúvida, a história brasileira desde a década de 30 é a história da  
incapacidade da versão atrófica do capital verdadeiro para integrar,  
de seu prisma, a maior parte da população à sociedade nacional.  
Enquanto tal uma história fantástica de desperdícios, sobretudo de  
energias ou recursos humanos. Nesse contexto, a marginalização é a  
própria marca registrada dos feitos do capital atrófico. (CHASIN,  
2000, p. 163)  
Vejamos os caracteres próprios dessa modernização excludente e a  
centralidade que nela assume o sistema penal de um estado autocrático.  
A primeira volta do pêndulo: ao Estado Novo e de volta  
Sob Vargas, à medida que passa a subvencionar o desenvolvimento das forças  
produtivas, o estado brasileiro adota uma política que une acomodação da classe  
trabalhadora, por meio da afirmação de direitos sociais, e repressão penal à  
dissidência, com o enrijecimento do aparelho autocrático de punição (MAZZEO, 1995,  
pp. 33-4).  
Sobre o primeiro aspecto, há um incremento de direitos trabalhistas e  
previdenciários, com o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1930, a  
Constituição de 1934 e a posterior criação da Justiça do Trabalho e da Consolidação  
das Leis do Trabalho (CLT), bem como das Caixas de Previdência e dos Institutos de  
Aposentadoria e Pensões de diversas categorias, incluindo assistência médica e  
programas habitacionais, ainda que com exclusões relevantes, como do trabalhador  
rural. Essas medidas foram conquistas importantes para a classe trabalhadora, com  
potencial relevante de melhoria de sua condição de vida.  
Sobre o segundo elemento, Vargas implantou um projeto ambicioso de  
enquadramento corporativista do movimento operário, com a afirmação de uma  
Verinotio  
182 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
espécie de sindicalismo oficial, atrelado e controlado pelo estado, que solapou a  
autonomia de organização dos trabalhadores. Já em março de 1931, a conhecida Lei  
de Sindicalização (Decreto n. 19.770) estabelecia o princípio do sindicato único por  
categoria profissional e condicionava o acesso aos benefícios da legislação social à  
adesão a sindicatos oficialmente reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, que  
passam a ser concebidos como órgão consultivo e de colaboração com o poder público  
(FAUSTO, 2006, p. 49), com limites à participação de estrangeiros (tidos como  
potencialmente anarquistas ou comunistas) e proibição de “toda e qualquer  
propaganda de ideologias sectárias” (BRASIL, 1931). Na intenção de garantir um  
controle estatal das organizações sindicais, o governo Vargas “impôs um modelo  
autoritário-corporativo que deu origem a um sistema subserviente e corrupto, do qual  
os pelegos foram a expressão mais típica (FAUSTO, 2006, p. 52). O sistema penal foi  
a ferramenta autocrática garantidora desse projeto corporativista: além da persistência,  
como expusemos no trabalho anterior, da persecução de contravenções penais como  
vadiagem, mendicância e capoeiragem e do incremento da atuação do estado na  
regulação penal da atividade econômica, com uma série de decretos voltados ao tema,  
o endurecimento da repressão penal à dissidência política e à organização da classe  
trabalhadora agudiza uma tendência verificável pelo menos desde a década de 1920.  
Os anos 30, como de modo mais amplo as três primeiras décadas do século  
XX, foram marcados por um acirramento da luta de classes. Proliferam-se as greves,  
os protestos e as paralisações no trabalho. A Aliança Nacional Libertadora, com um  
programa anti-imperialista, democrático e reformista com destaque a defesa da  
reforma agrária atinge 16.000 núcleos e o recém-criado Partido Comunista do Brasil  
(PCB) aumenta gradativamente sua influência. Vargas também encontrava a oposição  
política da reacionária Ação Integralista Brasileira, que chegou a contar com a adesão  
de centenas de milhares de integrantes. Na conformação do que Nilo Batista (2003,  
p. 467) chamou de “subsistema penal da repressão política”, o estado varguista  
incrementa os instrumentos repressivos voltados a opositores políticos e à  
organização dos trabalhadores.  
As polícias passaram por reformas relevantes nos anos 30, especialmente no  
sentido de desmantelar a autonomia militar das oligarquias estaduais própria da  
República Velha e de garantir a subordinação das forças de segurança ao poder  
central. Nessa direção, já em 1931, o Código dos Interventores restringiu os gastos  
da União com as polícias e o arsenal de armamentos e de equipamentos que as PMs  
poderiam ter em sua posse. Em seguida, a Constituição de 1934 albergou a fórmula  
inaugurada em decreto de 1915 e consagrou a polícia militar como força auxiliar do  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 183  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
Exército (BRASIL, 1934, art. 167). Já a Lei n. 192, de 17 de janeiro de 1936, fortaleceu  
o controle do Estado-Maior do Exército (EME) sobre as corporações estaduais, que  
passaram a estar submetidas à sua regulamentação, treinamento e cultura  
organizacional. Também a Polícia Civil foi transformada, com a criação do  
Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) no Rio de Janeiro, órgão com  
status ampliado que, na prática, respondia diretamente à Presidência da República e  
foi ferramenta central do bonapartismo à brasileira.  
Em 4 de abril de 1935, dias após a fundação oficial da Aliança Nacional  
Libertadora, é editada a Lei n. 38, Lei de Segurança Nacional que ficou mais conhecida  
como “Lei Monstro” (BRASIL, 1935). Ali eram previstos como crimes inafiançáveis atos  
como “incitar diretamente o ódio entre as classes sociais”; “instigar as classes sociais  
à luta pela violência”; “induzir empregadores ou empregados à cessação ou suspensão  
do trabalho”; “promover, organizar ou dirigir sociedade de qualquer espécie, cuja  
atividade se exerça no sentido de subverter ou modificar a ordem política ou social  
por meios não consentidos em leis”. Também era proibida a existência de partidos,  
centros, agremiações ou juntas consideradas subversivas, assim como a impressão, a  
circulação e a radiodifusão de materiais com o mesmo caráter. Funcionários públicos,  
professores, policiais militares e oficiais das Forças Armadas poderiam ser suspensos,  
afastados ou exonerados caso incorressem na lei, sem prejuízo de ação penal  
respectiva, que poderia levar a prisões situadas a até mil quilômetros de distância do  
fato. Os atos seriam julgados pela Justiça Federal, endossando a centralidade do poder  
central. Também estariam “sujeitos a julgamento singular”, o que, na prática, significou  
condenações sem garantia ampla defesa. Em 11 de julho de 1935, é declarada a  
ilegalidade da ANL com base na nova lei.  
No mesmo ano, e como repercussão do Levante Comunista liderada por Luís  
Carlos Prestes, a Lei n. 136 expandiu o rol e endureceu ainda mais o tratamento a  
crimes contra a ordem política e social, restringindo garantias, facilitando medidas  
sumárias de afastamento, suspensão e exoneração de funcionários públicos e de  
dispensa de trabalhadores da iniciativa privada envolvidos em atividade proibidas.  
Ainda em 1935, foi criada a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo,  
encarregada de investigar pessoas engajadas em atos contra as instituições políticas  
e sociais. Já a Lei n. 244, de 11 de setembro de 1936, mais uma resposta ao Levante  
de 1935, criou o Tribunal de Segurança Nacional (TSN), instituído originalmente como  
órgão da Justiça Militar com competência para atuar apenas durante estado de guerra  
no julgamento de crimes, previstos nas normativas de 1935, contra a segurança  
externa da República, contra as instituições militares ou com finalidades subversivas  
Verinotio  
184 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
das instituições políticas e sociais (BRASIL, 1936).  
O bonapartismo getulista, já com seu arsenal preparado ao longo dos anos  
anteriores, é formalizado em 1937, com a decretação de estado de guerra e,  
posteriormente, estado de sítio, dando início ao Estado Novo. O pretexto utilizado foi  
a divulgação do autointitulado “Plano Cohen”, plano de insurreição comunista forjado  
por militares ligados ao governo, com destaque para o militar integralista Olímpio  
Mourão Filho, e que aguçou o pânico moral em torno de uma suposta ameaça  
comunista. O Congresso é fechado, as formas de representação são dissolvidas e é  
editada uma nova Constituição, de matriz abertamente autoritária, elaborada por  
Francisco Campos. As competências do Tribunal de Segurança Nacional são ampliadas,  
a pena de morte é reintroduzida e os estrangeiros são impedidos de exercer atividades  
políticas. Sindicatos são invadidos e fechados, partidos políticos são colocados na  
ilegalidade, com prisão e isolamento de lideranças políticas, as prisões e colônias  
correcionais, já precárias desde o nascimento, convertem-se em espaços de terror.  
Tem-se, com isso, o primeiro movimento pendular que vai, como aponta Chasin,  
da autocracia burguesa institucionalizada ao bonapartismo. Em um contexto de  
acirramento da relação capital-trabalho, a burguesia cede ao estado seu poder político  
como forma de garantir seu poder econômico, e seu domínio passa a ser exercido de  
forma indireta, pelas armas do estado. Com a ditadura bonapartista, forma da  
dominação burguesa em tempos de guerra, qualquer questionamento mínimo à  
equação econômica desse Brasil em desenvolvimento é reprimido de forma brutal, o  
que otimiza a superexploração da força de trabalho e a continuidade de uma via que  
não consegue romper com a subordinação.  
Não é que tenha se iniciado aqui o governo autocrático da burguesia. Essa  
forma de exercício do poder político já estava em vigor, sob sua forma  
institucionalizada, desde os primórdios da república, com sua feição oligárquica  
manifesta na política dos governadores, no voto de cabresto, nas fraudes eleitorais e  
na dura repressão ao movimento operário, tratado como caso de polícia, e perdura  
ainda nos primeiros anos de governo Vargas. Com o golpe de 1937, o que se tem é  
uma transição dessa forma de autocracia burguesa institucionalizada, na qual a  
dominação burguesa esconde-se sob o véu do discurso liberal-democrático, para um  
exercício abertamente ditatorial, diante do risco identificado por aquela classe, não  
de uma revolução contra o capital, que não estava no horizonte, mas de ruptura com  
uma plataforma econômica marcada pela contraposição entre desenvolvimento  
nacional e progresso social(COTRIM, 2024, pp. 6-7).  
Marx estudou o bonapartismo como forma específica da dominação burguesa  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 185  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
em um momento de retrocesso da dominação em curso na França, com Napoleão III,  
e da contrarrevolução preventiva da burguesia alemã, com Otto Von Bismarck  
(ASSUNÇÃO, 2014, p. 39). Em ambas as situações, diante de um vácuo do poder  
político, em que a burguesia já havia perdido a capacidade de governar e a classe  
operária ainda não a havia adquirido, a classe proprietária cede o exercício direto do  
poder político a um Executivo fortemente armado e que, enquanto se arroga como  
representante do conjunto dos segmentos sociais, garante e aprofunda a dominação  
burguesa no plano econômico. Com isso, a burguesia pode “sob a proteção de um  
governo forte e irrestrito, dedicar-se aos seus negócios privados” ao “desobrigar-se  
do seu próprio domínio político para livrar-se, desse modo, das dificuldades e dos  
perigos nele implicados” (MARX, 2011, p. 124). Na definição precisa de Vânia  
Assunção:  
Bonapartismo é um tipo de dominação burguesa em que o poder  
político não é exercido diretamente pela burguesia, mas é delegado a  
uma instituição, personalizada ou não, que o absolutiza, sustentando-  
se, em geral, numa força militar. Nesta forma de dominação  
autocrático-burguesa, o domínio é exercido de modo indireto pelo  
conjunto da burguesia, pelas armas, manietando os poderes  
legislativo e judiciário e as organizações representativas dos  
interesses dos trabalhadores e da oposição. [...] Dessa maneira, a  
burguesia pode se desligar do domínio político direto e manter o que  
lhe é fundamental: a dominação econômica fundante. [...] Assim, o  
bonapartismo é a forma plena, absoluta, da separação e oposição  
entre estado e sociedade civil burguesa. Ou seja, leva às últimas  
consequências a tendência de autonomia do estado inerente a esta  
instituição, de que o exército faz parte. O recurso à força armada  
contra a sociedade (especialmente e com muito mais frequência contra  
as classes dominadas), sempre latente, é radicalizado em momentos  
de aguda crise social. O domínio do sabre se estende a todos e  
supostamente é neutro e arbitral - enquanto, na verdade, responde a  
interesses sociais específicos. (ASSUNÇÃO, 2014, p. 40)  
Com o golpe do Estado Novo, nome pego de empréstimo da ditadura  
salazarista portuguesa (DEMIER, 2012, p. 427), há o fechamento do Congresso, das  
assembleias estaduais, das câmaras municipais e a dissolução dos partidos políticos,  
e Vargas passa a governar por decretos-lei. A Constituição de 1937, elaborada por  
Francisco Campos, prorrogou por seis anos o mandato de Getúlio, admitindo ainda a  
reeleição, além de fixar a preeminência da União sobre os estados e determinar a  
nacionalização progressiva das minas, jazidas, quedas d’água e demais fontes de  
energia, bem como das indústrias essenciais para a defesa econômica ou militar do  
Brasil. O Código de Imprensa de 1937 dá fundamento legal à ampla censura da  
imprensa, instrumentalizada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),  
criado em 1939, por meio da qual Vargas estabelece um culto à própria personalidade  
e investe em uma propaganda nacionalista. O bonapartista nomeia interventores para  
Verinotio  
186 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
os estados e as forças públicas estaduais são absorvidas pelos comandos regionais  
do Exército.  
O texto constitucional teve forte inspiração na Constituição polonesa de  
Pilsudsky e na Carta del Lavoro de Mussolini. De um lado, incorporou os direitos  
sociais já previstos em lei e a eles adicionou outros, consolidados na CLT de 1941 –  
ainda que sua efetivação fosse parcial, sobretudo em um cenário de um bonapartismo  
que viabilizava a agudização da exploração do trabalho, e alguns tenham sido  
suspensos quando da entrada do Brasil na segunda guerra. Por outro, absorveu  
também as normas antissindicais dos anos anteriores e as aprofundou, proibindo  
expressamente greves e lockouts. A posterior Lei Orgânica da Sindicalização  
Profissional, de 1939, enrijeceu a norma de 1931 e absolutizou o controle estatal  
sobre os sindicatos: o Ministério do Trabalho poderia fechá-lo, dirigir seus processos  
seletivos, demitir diretores e fiscalizar contas, enquanto a exigência de um “atestado  
de ideologia” inviabilizava a atividade sindical de pessoas não-alinhadas à política  
varguista (DEMIER, 2012, pp. 427-8).  
Naturalmente, nessa forma abertamente armada de dominação burguesa, o  
aparato repressivo do estado assume papel central. No binômio acomodação-  
repressão, o segundo elemento seria amplamente preponderante. O grau de rigor do  
aparelho punitivo em construção foi anunciado explicitamente por Vargas: “o Governo  
continua vigilante na repressão do extremismo e vai segregar, em presídios e colônias  
agrícolas, todos os elementos perturbadores, reconhecidos pelas suas atividades  
sediciosas ou condenados por crimes políticos(VARGAS apud COTRIM, 1999, p. 185).  
Enrijecendo ainda mais a Lei Monstro, em 1938, o Decreto-Lei n. 431 definiu  
crimes contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do estado e  
contra a ordem social. A normativa previa pena de morte por fuzilamento a um rol de  
nove crimes, além de pena de prisão de até 30 anos, possivelmente em colônias  
penais, sem fiança, suspensão da pena ou livramento condicional, para outros 30  
delitos.  
A polícia política era formada por um conjunto de órgãos especializados, com  
destaque para a Delegacia Especial de Segurança Política e Social (Desps), que, sob  
comando do nazista Filinto Müller, era responsável pela coordenação nacional da  
repressão e pela vigilância política centralizada, mantendo base de dados sobre  
inimigos do estado; os Departamentos de Ordem Política e Social (Dops) estaduais,  
existentes desde a década de 1920 mas incrementados como o principal braço  
operacionalizador da repressão local à dissidência nos anos 1940; e a Polícia Especial  
do Distrito Federal, atuante como reforço repressivo a levantes e agitações e como  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 187  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
instrumento de propaganda do regime. A autonomia do aparato repressivo era  
garantida por uma estrutura financeira paralela, baseada em verbas secretas e  
especiaiscontroladas diretamente pela presidência. Esses fundos, criados em 1932,  
permitiam que a polícia operasse fora dos limites do orçamento oficial e do escrutínio  
público, financiando uma vasta gama de atividades ilegais e sigilosas (CANCELLI,  
1994, p. 59).  
Mas o regime contava com olhos e ouvidos difusos, em uma vasta e capilarizada  
rede de agentes secretos, espiões e delatores, e valendo-se de técnicas como escutas  
telefônicas, violação de correspondência e a infiltração de agentes em grupos de  
oposição. Manifestações públicas de oposição eram sistematicamente proibidas e, em  
muitos casos, a polícia infiltrava agentes provocadores para criar tumultos que  
justificassem prisões em massa, como ocorreu em protestos socialistas em 1934  
(CANCELLI, 1994, p. 110). A vigilância se estendia à vida privada, com buscas  
domiciliares sistemáticas, especialmente em áreas de colonização estrangeira, e a  
liberdade de locomoção foi restringida, com a exigência de salvo-condutos para  
viagens, mesmo dentro do país (CANCELLI, 1994, p. 138).  
As estratégias de repressão do bonapartismo varguista extrapolavam as  
fronteiras nacionais. É conhecida a cooperação com a Alemanha nazista: foi no  
contexto do acordo secretoentre a polícia brasileira e a Gestapo, com o forte  
empenho de Filinto Müller e do delegado Miranda Correa, que chegou a ser enviado  
a missão em Berlim em 1937, que se deu a entrega das militantes judias Olga Benário  
Prestes e Elisa Ewert ao serviço secreto alemão, selando seus destinos em campos de  
concentração (CANCELLI, 1994, p. 88). Ao mesmo tempo, em 1931, técnicos da polícia  
de Nova Iorque foram contratados para organizar o serviço de repressão ao  
comunismo no Rio de Janeiro (CANCELLI, 1994, p. 83), o FBI colaborou ativamente na  
investigação sobre o agente da Internacional Comunista, Harry Berger, após sua prisão  
no Brasil e foram informações do serviço secreto britânico que levaram às prisões de  
Luís Carlos Prestes e do próprio Berger (CANCELLI, 1994, p. 89). No âmbito regional,  
o Brasil reforçou convênios com Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai para a troca de  
informações sobre anarquistas e semelhantes, chegando a enviar policiais para  
organizarem a políciado Paraguai (CANCELLI, 1994, p. 130).  
O Tribunal de Segurança Nacional permaneceu em vigor como tribunal de  
exceção voltado ao julgamento dos crimes políticos até 1945: os conceitos, regras e  
princípios gerais foram utilizados tanto como legitimadores quanto como supérfluas  
prescrições à disposição dos membros do tribunal, que, a seu indiscriminado juízo,  
conformou o discurso jurídico às demandas de ordem do regime” (NUNES, 2017, p.  
Verinotio  
188 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
140). Como aponta Adriana Bisi, entre 1936 e 1943, o Tribunal recebeu denúncias  
contra 15.812 pessoas por crimes contra a segurança nacional, tendo julgado, durante  
sua vigência, 4.473 processos e condenado 4.099 pessoas, em 21 estados da  
Federação e em 3 territórios (BISI, 2016, p. 70). As sentenças do tribunal eram  
inapeláveis na prática, pois os recursos não tinham efeito suspensivo (CANCELLI,  
1994, p. 104). Os julgamentos consistiam frequentemente em farsas jurídicas,  
baseados em acusações frágeis e provas inexistentes.  
Também durante o Estado Novo, foram editados o Código Penal de 1940, o  
Código Processual Penal de 1941 e a Lei de Contravenções Penais de 1941. Todos  
permanecem ainda atualmente em vigor, apesar de reformados.  
Se o Código Penal, elaborado sob forte influência de Nelson Hungria a partir  
do projeto de Alcântara Machado, parece conjugar elementos clássicos e positivistas  
(BATISTA et al., 2003, p. 464; SERRA, 2009, p. 206), o Código de Processo Penal de  
1941 foi diretamente inspirado no modelo do Codice Rocco de 1930, da Itália fascista  
de Mussolini, e edificado sob a tutela de Francisco Campos, que assina sua exposição  
de motivos. De conteúdo autoritário e inquisitório, embasou-se na retórica do “justo  
equilíbrio” entre eficácia repressiva e garantias para, na prática, sustentar a  
instrumentalidade do processo para a defesa social, a presunção de culpabilidade  
(caberia ao réu a prova de fatos impeditivos ou extintivos), o livre convencimento e a  
busca da verdade real como reitores da dinâmica processual, a radicalização da prisão  
cautelar (chegando a prever na redação original a prisão preventiva obrigatória), um  
contraditório deformado e um sistema de nulidades baseado em uma economia do  
prejuízo (GLOECKNER, 2018).  
A Lei de Contravenções Penais de 1941 (BRASIL, 1941) não só manteve a  
vadiagem, a mendicância, a embriaguez e os jogos de azar como “contravenções  
relativas à polícia de costumes”, mas endureceu em alguma medida seu tratamento.  
No caso da vadiagem, houve aumento do tempo máximo de prisão de um para três  
meses, além da presunção de periculosidade para fins de aplicação de medida de  
segurança e da previsão de internação em colônia agrícola ou em instituto de trabalho,  
de reeducação ou de ensino profissional pelo tempo mínimo de um ano, sem exigência  
de quebra de termo de bem viver, como fazia o Código Penal de 1890. Para a  
embriaguez, a pena máxima também foi dobrada e previa-se a presunção de  
periculosidade e a internação em casa de custódia e tratamento no caso da embriaguez  
habitual. Quanto à mendicância, não só a pena máxima, mas também a mínima, foram  
dobradas, embora se previsse uma fórmula mais genérica para as formas mais graves:  
aumento de um sexto a um terço se praticada de modo vexatório, ameaçador ou  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 189  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
fraudulento, mediante simulação de moléstia ou deformidade ou em companhia de  
alienado ou de menor de dezoito anos. Também era reconhecida a presunção de  
periculosidade e a internação em colônia pelo tempo mínimo de um ano, e sem  
previsão de tempo máximo. Já a pena para jogos de azar mais que triplica, e a ela se  
acrescem as contravenções de jogo do bicho e de loteria, com previsão de internação  
em colônias na reincidência nas duas primeiras. Para todas as contravenções, o  
trabalho seria obrigatório para condenações superiores a 15 dias.  
A diferença relevante, em termos de arrefecimento, fica com a omissão da  
capoeiragem, que deixa de ser estar prevista como infração penal e é reconhecida  
como modalidade esportiva nacional em 1937, dois anos após a oficialização das  
escolas de samba, ambas as iniciativas compondo o discurso de valorização da  
mestiçagem pela ideologia da unidade das três raças – “o mestiço vira nacional”  
(FAUSTO, 2006, p. 131). Vale também ressaltar que Nilo Batista e outros, buscando  
sustentar sua tese de que o tratamento penal às contravenções penais era muito mais  
rígido na República Velha que na Era Vargas, argumenta que os tribunais tinham um  
papel relevante na mitigação prática das previsões legais, “seja limitando a 1 ano o  
prazo da medida de segurança, seja libertando o condenado que, cumprida a exígua  
pena de prisão simples por 15 dias a 3 meses, não fosse removido para inexistentes  
colônias” (BATISTA et al., 2003, p. 463).  
De todo modo, após o Decreto nº 19.445, de 1º de dezembro de 1930,  
indultar as pessoas processados ou condenadas por vadiagem ou capoeiragem, a Lei  
de Contravenções Penais endurece, com exceção da capoeira, o tratamento penal das  
infrações contra os costumes. Os reflexos nos dados de encarceramento já vimos no  
último escrito: entre 1934 e 1939, há um aumento de 60% nas detenções por  
vadiagem, com redução drástica no período subsequente, entre 1939 e 1943  
(concomitante ao aumento das detenções por “desobediência” e das “prisões para  
averiguação), seguido de uma triplicação entre 1943 e 1951 (TEIXEIRA; SALLA;  
MARINHO, 2016, pp. 394-6). Elizabeth Cancelli também chama atenção para o fato  
de que a vadiagem e o alcoolismo não deixam de ser motivo relevante de prisões  
correcionais os números de 1942 para o interior de São Paulo são de 11.473 prisões  
por alcoolismo, 1.086 prisões por vadiagem, 277 por jogo e 98 por mendicância  
(CANCELLI, 1994, p. 182). Mas, como se avolumam as prisões para averiguações (34%  
do total de detenções) e as prisões por desordem (21%), a representação cai de forma  
relevante, com exceção da embriaguez: a vadiagem responde por apenas 3% das  
prisões, o jogo por 1% e a mendicância por menos de 1%. Disso se conclui um  
aumento da relevância, durante a Era Vargas e sobretudo no Estado Novo, da  
Verinotio  
190 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
utilização do sistema penal como instrumento de repressão política a comunistas,  
anarquistas, lideranças sindicais, trabalhadores, opositores e estrangeiros,  
especialmente judeus, ao mesmo tempo que a persecução das contravenções ligadas  
à administração política da pobreza e à coação ao trabalho, embora caiam em  
representação, não deixam de ter um papel bastante significativo.  
Endossa essa percepção a criação em São Paulo, em 1934, da Delegacia de  
Repressão à Vadiagem e da Guarda Noturna da Capital, enquanto a Delegacia de  
Vigilância e Capturas teve sua competência expandida em 1935 para atuar na prisão  
de mendigos e menores, mesmo ano em que foram criados, também, o Departamento  
de Comunicações e o Serviço de Rádio Patrulha, também com tarefas de vigilância e  
de repressão (ZANIRATO, 2000, pp. 252-3). Enquanto isso, os relatórios anuais da  
Secretaria de Segurança Pública de São Paulo dos anos 1930 e 1940 descreviam com  
apreensão o fluxo de migrantes e desempregados para a capital paulista,  
principalmente mineiros, baianos e pernambucanos, retratados como “alienígenas  
nacionais”, uma massa de ignorantes, com deficiência na educação do lar, portadores  
de vícios como a bebida e doenças como a sífilis (ZANIRATO, 2000, p. 250).  
As detenções aumentaram, e aquelas de natureza correcional permaneceram  
amplamente majoritárias. Só em São Paulo capital, os números variaram entre 45 mil  
e 48 mil detenções por ano entre 1939 e 1942, número sete vezes maior que o total  
de pessoas condenadas em todo o país em 1934 (CANCELLI, 1994, p. 182). Embora  
de difícil precisão, devido à queima dos arquivos da chefatura de polícia em 1942,  
fala-se no número de dez mil presos políticos entre 1935 e 1945. A tortura era prática  
comum: arrancar unhas com alicate, enfiar alfinetes sob as unhas, espancar o preso  
e/ou suas esposas ou filhas, introduzir duchas de mostarda em vaginas de mulheres,  
queimar testículos com maçarico, extrair dentes com alicates, introduzir arame  
aquecido na uretra e nos ouvidos, queimar as pontas dos seios com charutos ou  
cigarros, uso de cadeira americana e máscara de couro eram alguns dos muitos  
métodos brutais utilizados pela polícia política de Vargas (CANCELLI, 1994, pp. 193-  
4).  
O estado das prisões era caótico. A Casa de Detenção do Rio de Janeiro,  
transformada em Presídio no período, embora projetada para 450 pessoas, chegou  
ao número de 1.480 internos após a repressão ao levante comunista de 1935. Em  
celas pequenas com capacidade para receber entre nove e vinte e sete homens,  
contando com um sanitário, nenhuma cama e possibilidade de banho uma vez por  
semana, amontavam-se entre cinquenta e sessenta presos, que precisavam fazer  
revezamento de sono (CANCELLI, 1994, pp. 183-5). Descrições de precariedade  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 191  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
similares apareciam em relação a cadeias públicas do Recife, de Natal e da colônia  
correcional de Fernando de Noronha, mostrando o agravamento generalizado das  
condições de encarceramento no período. Mesmo na Casa de Correção do Distrito  
Federal idealizada nos 1800’s como vitrine da modernização das penas na América  
Latina e que se tornou penitenciária em 1941 nem sequer havia água encanada nas  
galerias e as estruturas físicas estavam prestes a ruir (CANCELLI, 1994, pp. 189-90).  
Nas colônias correcionais, os castigos físicos somavam-se à superlotação, à fome e à  
proliferação de doenças: uma edição do jornal O Globo de 1934 descrevia um  
açoitamento público de cinco presidiários na Colônia Correcional de Dois Rios, no Rio  
de Janeiro, não à toa conhecida como “ilha maldita”, cuja barbárie servia de vitrine  
ameaçadora para o conjunto das pessoas potencialmente sujeitas ao sistema penal  
(CANCELLI, 1994, p. 187). No Estado Novo, a unidade, situada em Ilha Grande,  
multiplicou seu número de internos: de 150, em 1934, para cerca de 1.200 em 1937  
(CANCELLI, 1994, p. 188).  
A II Guerra Mundial havia criado uma janela de oportunidades positiva para a  
economia brasileira, com o crescimento vertiginoso da demanda internacional de  
gêneros alimentares e matérias-primas, que aumentam o valor das exportações, e um  
concomitante declínio das importações advindas dos países em guerra, o que força o  
país, a exemplo da I Guerra Mundial, a um impulso industrializador, no afã de  
responder às suas necessidades internas. Essas circunstâncias excepcionais e  
transitórias levam a uma balança comercial positiva e a um significativo, embora  
artificial, crescimento econômico, que se dá, entretanto, “à custa da massa  
trabalhadora do país, que suportou todo o ônus daqueles sacrifícios (por efeito, em  
particular, das restrições alimentares e do encarecimento considerável da vida, e são  
somente as classes possuidoras que dele participarão efetivamente”, enquanto o que  
se tem, com o aumento do custo de vista e a estagnação do nível de salários, é um  
“forte acréscimo da exploração da força de trabalho e um sobrelucro apreciável que  
provoca intensa acumulação capitalista” (PRADO JR., 1994, p. 304).  
Nesse contexto, o reforço do sistema penal do estado autocrático brasileiro,  
especialmente com o endosso de um aparato de repressão política que vinha se  
desenhando desde as primeiras décadas do século XX, aniquilou as formas  
espontâneas de organização da classe trabalhadora, ao mesmo tempo que consolidou  
a hegemonia política de uma determinada fração da burguesia nacional. Sobretudo,  
viabilizou, em detrimento de uma plataforma reformista colocada pela ANL, pelo PCB  
e pelo sindicalismo, a continuidade e o recrudescimento de um projeto de evolução  
nacional sem progresso social. Como violência extraeconômica, agudizou a  
Verinotio  
192 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
superexploração da força de trabalho, forçando a resignação do proletariado e  
otimizando a administração política da pobreza, a partir de um processo de  
especialização do aparato correcional, cada vez mais influenciado por um ideário  
cientificista a serviço da higiene social.  
Tanto como uma forma de controle sobre a classe trabalhadora, quanto como  
uma maneira de colocar os interesses industrialistas acima dos das demais frações do  
capital, “o modelo corporativista, aperfeiçoado e consolidado pela ditadura  
bonapartista, mostrar-se-ia como uma arquitetura institucional extremamente útil para  
a burguesia industrial” (DEMIER, 2012, p. 432). Prova contundente disso é a felicitação  
de aniversário em carta publicada em 1942 n’O Estado de S. Paulo pela Associação  
Comercial de São Paulo, bancos, a Fiesp e várias grandes indústrias, que enfatizaram  
o apoio a Vargas, nomeando-o como “apóstolo da Ordem” e implementador de uma  
democracia há muito almejada no Brasil (DEMIER, 2012, p. 433).  
Em uma tentativa de balanço, Vargas sepultou as oligarquias rurais, superou  
regionalismos, impulsionou a indústria nacional e garantiu importantes direitos sociais  
aos trabalhadores e significativas políticas assistenciais à população de baixa renda.  
Mas não rompeu com a subordinação ao capital internacional e não apenas deixou de  
efetivar a reforma agrária reivindicada pela ANL, como sequer incluiu os trabalhadores  
rurais em seu projeto corporativista. E respondeu à pretensão anti-imperialista e  
democrática de seus críticos com repressão brutal. Vargas, enfim, intentou uma forma  
específica de conciliação do novo com o velho. Buscou afirmar um desenvolvimento  
nacional autônomo sem destruição da velha produção agroexportadora subordinada  
que esse desenvolvimento exigia e sem que o sujeito histórico desse processo (uma  
burguesia mais radical em seu modo de existência e em suas pretensões) estivesse  
presente (COTRIM, 1999, p. 292).  
Em 1945, com a deposição de Getúlio Vargas por um golpe militar, o pêndulo  
retorna à autocracia burguesa institucionalizada. A mesma burguesia que esteve na  
base de sustentação do governo Vargas, agora já consolidada política e  
economicamente, viu-se capaz de assumir diretamente o controle do estado (MAZZEO,  
1995, p. 36). Segundo Chasin (2000, p. 15), o golpe foi empreendido “com certeza  
não por aqueles que desejavam mudar as coisas” e o próprio Vargas havia tentado  
viabilizar uma autorreforma do bonapartismo do Estado Novo, sem sucesso, “talvez  
porque tenha intentado algo para além da simples autorreforma”.  
A entrada do Brasil na guerra em 1944 agudiza as forças de oposição, com  
manifestações operárias e estudantis e uma crescente aversão ao fascismo na opinião  
pública. Um novo Plano Cohen já não seria possível: os comunistas haviam participado  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 193  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
da luta que derrotou o nazifascismo em 1945 e o autoritarismo varguista já não  
poderia se sustentar em espantalhos fáceis (MAZZEO, 1995, pp. 36-7). Já em 1945,  
Vargas, sob pressão militar, convoca eleições presidenciais e a Assembleia Nacional  
Constituinte, com o retorno dos partidos à legalidade. A Constituição de 1946, com  
previsão de um regime presidencialista com tripartição de poderes e um sistema de  
freios e contrapesos, eleições diretas livres, ampliação dos direitos políticos e sociais,  
autonomia dos estados, liberdade sindical e garantia abstrata do direito de greve  
sedimentou o fim do período ditatorial. A transição se dá, entretanto, sem acerto de  
contas com o bonapartismo varguista e conservando parte significativa do controle  
sindical e do aparelho repressivo construído no contexto antecedente. Passamos de  
uma “truculência de classe manifesta” para uma “oposição de classe velada ou  
semivelada” (CHASIN, 2000, p. 128).  
Como aponta Chasin, à saída do Estado Novo, o Brasil era um país a meio de  
um trânsito hipertardio para o capitalismo verdadeiro (industrial), com um perfil  
regionalizado e com uma subordinação ao capital estrangeiro que “continha ainda  
ambiguidades, lacunas ou latências próprias de um processo inconcluso, que ainda  
permitiam, talvez, a suposição ou a projeção de possibilidades de um capitalismo  
autônomo(CHASIN, 2000, p. 128). Dão dimensão dessa projeção a proliferação das  
greves Marcelo Badaró fala em 480 só na cidade do Rio de Janeiro entre 1945 e  
1964 (MATTOS, 2004, p. 258) e a significativa popularização do PCB, que chegou  
a obter 10% dos votos nas eleições de 1945 e elegeu uma importante bancada na  
Constituinte, além de senadores, deputados e vereadores em todo o Brasil (OLIVEIRA,  
2018, p. 53).  
Em algum sentido, como defende Chasin em contraste com o pós-64, o pós-45  
foi acima de tudo um período de programas econômicos”, de que seriam  
exemplificativos a implantação do monopólio estatal do petróleo e a propositura, ainda  
que muito debilmente elaborada, das chamadas reformas de base (CHASIN, 2000, p.  
9). De fato, como aponta Caio Prado Júnior, o período situado entre 1946 e 1964 é  
de continuidade e de aprofundamento da crise do sistema colonial, que abre margens  
para a transformação final desse sistema (PRADO JR., 1994, p. 301).  
Mas esse novo ainda se afirmava e já era ruína. O antigo modelo agroexportador  
dá sinais de esgotamento, mas a industrialização que emerge em seu lugar não  
apresenta uma ruptura com a subordinação, mas sim sua reprodução, agora sob a era  
dos trustes. Apesar do protagonismo estatal no desenvolvimento econômico e embora  
o volume da produção brasileira tenha mais que triplicado entre 1947 e 1961, com  
significativo impulso industrial e melhoria da composição orgânica do capital, com  
Verinotio  
194 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
maior participação de bens de produção (maquinaria, motores, material elétrico e  
outros bens duráveis como automóveis), esse processo se deu, ao menos em grande  
parte, com a perpetuação dos vícios que marcam a indústria brasileira desde a sua  
gênese.  
Em primeiro lugar, permaneceu o caráter reativo da industrialização brasileira,  
que continuou privilegiando o bom aproveitamento de janelas contingenciais de  
oportunidade geradas por momentâneas demandas externas (como na II Guerra  
Mundial) em detrimento de um desenvolvimento orgânico, solidificado e estável. Em  
segundo lugar, seu caráter suntuário privilegiou a produção de bens de consumo  
duráveis (como automóveis e eletrodomésticos, quando não bens de luxo) focalizados  
em um pequeno segmento urbano com alto poder aquisitivo, em detrimento das  
necessidades básicas da grande massa da população brasileira. Em terceiro lugar, a  
substituição de importações e a aposta na inversão de capitais estrangeiros, por meio  
de trustes instalados no país como estratégia de viabilizar insumos e tecnologias  
necessários ao desenvolvimento industrial, elevou o endividamento externo e  
aprofundou e complexificou a subordinação agora não apenas comercial, mas  
também tecnológica e gerencial, favorecendo o controle direto sobre o aparelho  
produtivo e os setores estratégicos da economia subordinada. Em quarto lugar, há a  
conservação de uma estrutura agrária altamente concentrada, dominada por práticas  
agrícolas predatórias e itinerantes que impedem a integração do trabalhador rural no  
mercado consumidor interno. O resultado é uma indústria de bens de consumo durável  
substitutiva de importações, sem infraestrutura relevante e dependente do externo no  
fornecimento de insumos e de tecnologia; um “modesto fim de linha de estruturas  
industriais exteriores ao país [...], que não vai além de uma dispersa constelação de  
filiais ou dependências periféricas, em maior ou menor grau, de grandes empresas  
internacionais(PRADO Jr., 1994, p. 354).  
À breve esperança no desenvolvimento da indústria nacional sucede, assim, a  
manutenção dos caracteres da subordinação de via colonial e a reprodução de um  
modelo em que evolução nacional se dá em prejuízo do progresso social, sob a forma  
de uma modernização excludente, que não aproveita a maior parte da população.  
Apesar da afirmação sem precedentes de liberdades institucionais, o país ainda esteve  
longe de uma democracia burguesa nos limitados moldes franceses ou  
estadunidenses.  
Para assegurar a reprodução desses caracteres, o liberalismo à brasileira é  
chamado novamente a conviver em plena harmonia com fortes mecanismos de  
repressão política e com o achatamento salarial, dentro da lógica autocrática que, na  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 195  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
via colonial, não aceita nem sequer impulsos reformistas. O aparelho policial é mantido  
e aperfeiçoado, novas restrições ao direito de greve são formuladas, partidos são  
postos na ilegalidade, representantes eleitos são cassados, organizações sindicais são  
suspensas. O que se teve, na verdade, foi a “combinação de um aparato constitucional  
de feitio e ingredientes liberais (Constituição de 46) com um amplo complexo legal  
destinado a ‘organizar’, controlar e reprimir o movimento operário em especial e o  
sindicalismo em geral(CHASIN, 2000, p. 129).  
Nesse sentido foi criado, em 1944, o Departamento Federal de Segurança  
Pública, com atribuições nacionais e locais, e que incluía, em sua estrutura, a Divisão  
de Polícia Política e Social (DPS), órgão que conectaria os vários Delegacias de Ordem  
Política e Social (Dops) dos estados e teria, por meio de seu Setor de Fiscalização  
Trabalhista, o papel de vigilância e de repressão aos grevistas. Entre 1954 e 1955,  
quando da tentativa de golpe para impedir a posse de Juscelino Kubitschek, a DPS  
contava com um contingente entre 600 e 700 funcionários que, somados aos  
informantes, chegava a 3.000 pessoas trabalhando apenas para a Seção de  
Investigações, dirigida por Macedo Borer, uma figura histórica que personifica os elos  
de ligação entre esquadrões da morte, polícia política na Era Vargas e subsistema  
repressivo da ditadura militar.  
O Partido Comunista, que crescia em expressão, foi novamente posto na  
ilegalidade já em 1947, com a cassação dos mandatos eletivos. Antes disso, ainda em  
1946, o governo Dutra já havia determinado a demissão de todos os funcionários  
públicos conhecidos como membros do Partido. O direito de greve recém-garantido  
na Constituição de 1946 encontrou obstáculos inviabilizadores de seu exercício no  
mesmo ano. O Decreto-Lei n. 9.070, de 13 de março, editado sob o governo Dutra,  
desautorizava a realização de greve no âmbito de uma extensa lista de “atividades  
profissionais fundamentais” e, mesmo para as atividades “acessórias”, condicionava a  
cessação coletiva do trabalho à notificação prévia e ao esgotamento dos meios de  
conciliação e decisão da Justiça do Trabalho, sob pena de configuração de falta grave  
(BRASIL, 1946). Já a exigência de um “atestado de ideologia” para concorrer à direção  
de sindicatos permaneceu vigente até pelo menos o segundo governo Vargas,  
vedando aqueles tachados como comunistas ou grevistas/agitadores, assim como  
continuaram frequentes a elaboração de dossiês voltados à vigilância e as intervenções  
em organizações políticas e sindicais, por vezes sangrentas e envolvendo as forças  
armadas (somente o Sindicato dos Metalúrgicos eliminou, em novembro de 1947,  
cerca de 900 associados classificados como comunistas).  
A tortura como método também persistiu, ainda que não como prática  
Verinotio  
196 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
corriqueira como no Estado Novo. O relatório da Comissão Nacional da Verdade  
(BRASIL, 2014) cita alguns exemplos que, não por trivialidade, deram-se em contexto  
de lutas que colocavam em xeque a reprodução de nosso sistema colonial: 1) a  
repressão na base aérea de Parnamirim, em Natal, onde, entre 1952 e 1953, oficiais  
da Aeronáutica torturaram militares e civis engajados na campanha “O Petróleo é  
nosso!”; 2) torturas entre 1952 e 1953 na Ilha das Cobras e em quartéis do Rio de  
Janeiro, também de integrantes da mesma campanha; 3) atuação da Invernada de  
Olaria, delegacia criada no Rio de Janeiro, em 1962, com ligações com o Esquadrão  
da Morte, especialmente o caso de tortura de Clodomir Morais, advogado das Ligas  
Camponesas, e de sua Célia Lima, que o acompanhava.  
De modo mais amplo, a estrutura policial foi drasticamente ampliada. Na cidade  
de São Paulo, por exemplo, que cresceu sua participação na renda nacional e passou  
concentrar a maior parte dos operários do país, enquanto a população cresceu 74%  
entre 1947 e 1964, os efetivos da Força Pública e da Guarda Civil, responsáveis pelo  
policiamento ostensivo, aumentaram 170% e 275%, respectivamente (BATTIBUGLI,  
2010).  
A expansão da estrutura policial é acompanhada de uma política de expansão  
física das prisões. Em 1950, São Paulo possuía 596 instituições prisionais (incluindo  
cadeias, xadrezes, casa de correção, casa de detenção e penitenciária), crescendo para  
686 em 1955 e chegando, no fim da década, a possuir a capacidade para aprisionar  
cerca de cinco mil pessoas em apenas duas de suas unidades, ostentando o maior  
parque carcerário da América Latina. Com isso, houve uma multiplicação da população  
reclusa em penitenciárias tratando aqui apenas de presos com condenação criminal  
da ordem de seis vezes no espaço de apenas uma década de cerca de 1.000  
presos em 1949 para mais de 6.000 em 1960, com posterior redução para 4.000 em  
1963 (FERREIRA, 2021, p. 39). O número de presos definitivos também cresceu no  
Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, embora apenas posteriormente, em ritmo bem  
mais lento e com oscilações1. Acelera também a mudança no perfil dos presos  
definitivos, caindo a participação do número de crimes contra a pessoa (60% na  
Penitenciária de São Paulo em 1930), que cede lugar cada vez mais aos crimes  
patrimoniais.  
Mas as prisões correcionais permaneceram sendo amplamente majoritárias.  
Persiste a repressão penal a infrações como desordem, alcoolismo, mendicidade,  
escândalo e, em menor grau, vadiagem, além da prisão para averiguação. Embora a  
1
Esses números, claro, são ínfimos comparados aos do encarceramento atual, tanto em termos  
absolutos quanto em relativos, mas refletem uma mudança histórica relevante.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 197  
nova fase  
 
Nayara Rodrigues Medrado  
taxa de prisões correcionais tenha caído pela metade durante a década de 1950, o  
número continuou alto e inclusive bastante superior às taxas de prisão-pena ou,  
mesmo, do número de flagrantes ou de mandados de prisão: em 1959 os mandados  
de prisão preventiva e por condenação na cidade de São Paulo representaram menos  
de 10% da média de detenções correcionais da década (TEIXEIRA, 2015, p. 65). A  
discrepância era tão grande que o Departamento de Estatística do estado passou a  
divulgar os dados em duas seções separadas a das prisões correcionais e a dos  
inquéritos instaurados.  
As prisões por vadiagem sobem de 105 em 1943 para 365 em 1951 e para  
848 em 1960 na cidade de São Paulo, um crescimento relevante, mas com números  
absolutos pouco representativos no total das detenções correcionais, especialmente  
quando comparados com a desordem e o alcoolismo. A mendicidade sai de 344 em  
1943 para 1.708 em 1951, seguida de novo decréscimo para 148 em 1960. A  
desordem tem uma redução significativa de 6.966 em 1951 para 2.853 em 1960,  
embora tenha se mantido em número elevado.  
Mas o que mais chama atenção é o crescimento vertiginoso das taxas de prisão  
“para averiguação”, que triplicaram entre 1951 e 1960, chegando a 8.286 casos em  
1962, o que corresponde a 20% do total de prisões correcionais e quatro vezes o  
total de mandados de prisão cumpridos na capital em 1959 (TEIXEIRA, 2015, p. 74).  
O uso desse tipo de prisão para práticas de extorsão e corrupção contra a população  
pobre tornou-se mais corriqueiro no início dos 60’s, especialmente na região da Boca  
do Lixo em São Paulo, chegando as chamadas “caixinhas mensais” a serem  
reconhecidas pelo Secretário de Segurança Pública do estado em 1963. A prática é  
ilustrativa da crise vivida pela Polícia Civil, em suas tensões com a Força Pública e a  
Guarda Civil, que gerará uma reestruturação das polícias, com a criação da Polícia  
Militar no final da década e com o fenômeno do esquadrão da morte. Conhecida por  
seu uso para repressão propriamente política, sobretudo nos períodos bonapartistas,  
a prisão para averiguação, no contexto dos anos 50 e 60, era também usada na  
“gestão diferencial de ilegalismos” próprios das camadas mais excluídas da população:  
trabalhadores de baixíssima renda, prostitutas, vadios, mendigos etc. Não apenas ela:  
os esquadrões da morte e outros mecanismos de execução sumária dos excluídos  
ganharam a cena justamente nesse período. A “Operação Mata-Mendigos”  
empreendida pelo Serviço de Repressão à Mendicância do Estado da Guanabara no  
início dos anos 60 é um dos exemplos mais contundentes nesse sentido (ANTONIO,  
2020, p. 164).  
As colônias correcionais, marcadas pelo isolamento geográfico e por especiais  
Verinotio  
198 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
condições de precariedade que incluíam frequentes castigos físicos, veem reforçadas  
seu papel de punição a contraventores persistentes, agora, sob o Código Penal de  
1940 e a Lei de Contravenções Penais de 1941 e por influência do positivismo  
criminológico, tomados como presumidamente perigosos e sujeitos, por consequência,  
a medidas de segurança detentivas. O Presídio Político da Ilha de Anchieta é  
transformado, em reforma de 1942, em Instituto Correcional, voltado à aplicação das  
medidas de segurança, da prisão simples por outras contravenções penais e de penas  
de reclusão e de detenção, com o objetivo de desafogar as prisões da capital. A  
proporção de pessoas não brancas (45%) era semelhante à das prisões correcionais,  
e muito superior àquela verificada na Casa de Detenção (25%), voltada para presos  
condenados (FERREIRA, 2016, p. 103). O orçamento do instituto se multiplicaria por  
oito entre 1945 e 1953, algo semelhante ao que acontece com o orçamento da polícia  
e das prisões do estado. O instituto chegaria a abrigar 10% da população prisional  
de São Paulo em 1952, ano em que foi palco de uma rebelião que marcou a história  
das prisões no Brasil (FERREIRA, 2016, pp. 92; 109). As variadas formas de  
insurgência da população prisional, aliás, tornam-se mais comuns a partir dos fins dos  
anos 1940, com rebeliões, fugas em massa e motins repercutindo nos espaços  
prisionais de diversos estados brasileiros (FERREIRA, 2021, p. 44)  
Em tentativa de síntese, a autocracia burguesa institucionalizada de 46-64 é  
marcada por um impulso industrializador que reproduz e acentua os caracteres da via  
colonial, dentre eles a modernização excludente e a superexploração da força de  
trabalho, que passa a se concentrar, por meio de intensos fluxos migratórios, em  
centros urbanos como São Paulo, que triplica sua população. A industrialização, a  
urbanização e o crescimento demográfico são usados como fundamento para uma  
ampla expansão da malha repressiva do estado, incluindo polícia e prisões, em um  
discurso que parecia unir ingredientes da escola clássica e da escola positiva, com  
pitadas relevantes de higienismo social (FERREIRA, 2021).  
O aparato repressivo do estado autocrático brasileiro segue engajado na  
administração política da pobreza e em dinamitar possíveis formas de insubordinação  
dos trabalhadores organizados. As contravenções e as respectivas prisões correcionais  
caem em número, mas seguem relevantes, ainda com impressionante discrepância com  
os números da prisão-pena, e com destaque para as prisões por averiguação, dotadas  
de maior arbitrariedade e indefinição. Ao mesmo tempo, os crimes patrimoniais  
tornam-se cada vez mais representativos nas estatísticas prisionais e, apesar do  
corrente discurso ressocializador descompassado de uma tendência europeia de  
desencarceramento, as prisões seguem superlotadas, com condições degradantes de  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 199  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
existência e as ilhas do inferno seguem em pleno vigor. A transformação da questão  
social em questão policial continua sendo, nessa autoafirmada fase democrática, a  
marca de uma via colonial que apenas acata uma modernização com caráter  
excludente, que impeça a conjugação da evolução nacional com o progresso social:  
Resultam, pois, dois polos para a genuína dominação capitalista no  
Brasil: a truculência de classe manifesta e a imposição de classe velada  
ou semivelada, que se efetivam através de um mero gradiente,  
excluída a possibilidade de a hegemonia burguesa, no caso, resultar  
de e no quadro integracionista e participativo de todas as categorias  
sociais, que caracteriza, com todos seus limites conhecidos, a  
dominação de tipo democrático-liberal. [...] Ou seja, do mesmo modo  
que, aqui, a autocracia burguesa institucionalizada é a forma de  
dominação burguesa em tempos de paz, o bonapartismo é sua  
forma em tempos de guerra. E na proporção em que, na guerra de  
classes, a paz e a guerra sucedem-se continuamente, no caso  
brasileiro, no caso da objetivação do capitalismo pela via colonial, as  
formas burguesas de dominação política oscilam e se alternam entre  
diversos graus de bonapartismo e de autocracia burguesa  
institucionalizada, como toda a nossa história republicana evidencia.  
(CHASIN, 2000, pp. 127-8)  
Ainda assim, com os quilômetros de distância que separam, em termos  
econômicos, políticos e sociais, a realidade histórica brasileira das exigências de uma  
também limitada democracia burguesa, essa autocracia dos tempos de paz sofreu  
muitos abalos no período assinalado. Essa década e meia viu “o suicídio de um  
presidente, a renúncia de um outro e a derrubada pela força de um terceiro; e tudo  
isso já sem contar com um pequeno enxame de golpes e contragolpes, e com o fato  
de que exclusivamente um único presidente da república conseguiu exercer, até o fim,  
o mandato que recebera em eleições diretas” (CHASIN, 2000, p. 103). Após uma série  
de tentativas de golpe, uma delas pôs fim à paz e instaurou a guerra, ensejando uma  
nova volta do pêndulo.  
A segunda volta: golpe de 1964 e autorreforma negociada  
A segunda volta do pêndulo seria dada em 1964, com a instauração de um  
novo bonapartismo. O início dos anos 60 é marcado por uma agudização da luta de  
classes, com greves gerais mobilizando centenas de milhares de pessoas e o  
fortalecimento de partidos de esquerda, do movimento operário e sindical, das Ligas  
Camponesas, do movimento estudantil e de outros movimentos sociais e populares,  
animados também pelos ventos da Revolução Cubana de 1959. João Goulart, que  
assumira a presidência diante da renúncia de Jânio Quadros, propunha as chamadas  
“reformas que base” (administrativa, bancária, tributária, cambial, eleitoral, urbana e  
educacional), que, embora não-revolucionárias, constituíam uma plataforma  
nacionalista e popular, com potencial de mitigar o caráter excludente próprio da  
Verinotio  
200 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
trajetória de via colonial, de modo a “democratizar as relações socioeconômicas e  
políticas, ampliando o acesso à riqueza material e espiritual pela modificação do modo  
de sua produção e da posição nele ocupada pelas distintas classes sociais(COTRIM,  
2016, p. 15).  
Diante das ameaças postas nessa conjuntura sobretudo ao latifúndio e ao  
capital imperialista , a burguesia brasileira, com apoio de setores da sociedade civil  
e do governo estadunidense, cede o exercício do controle político direto às Forças  
Armadas, que efetivam um empreendimento de dinamitar organizações políticas,  
movimentos sociais e as variadas formas de insubordinação da classe trabalhadora,  
impondo subserviência e, com isso, uma diminuição politicamente forjada do valor da  
força de trabalho (RAGO FILHO, 1998, p. 362). Nas palavras de Chasin: politicamente,  
a ditadura militar bonapartista “desorganizara e aterrorizara o movimento de massas,  
especialmente o movimento operário, e desbaratara as oposições, especialmente do  
ponto de vista ideológico, mas também emasculara sua programática e influíra  
poderosamente em sua orgânica” (CHASIN, 2000, p. 127). Com isso, como aponta  
Antônio Rago Filho (2004, p. 141), o golpe aniquila a esperança de uma nova ordem  
societária que, sob a forma de uma República democrática, colocaria as massas na vida  
pública, incorporadas ao mercado interno por meio de um conjunto de reformas  
estruturais, a começar pela agrária”, bem como obstaculiza “o processo de  
nacionalização dos setores estratégicos de nossa economia e o controle da remessa  
de lucros, que ameaçavam as empresas estrangeiras.  
Na sua dimensão econômica, a ditadura opera o assim chamado “milagre”, um  
período de crescimento econômico novamente propiciado por circunstâncias externas  
excepcionais e contingentes e baseado no aumento da subordinação brasileira com a  
abertura massiva ao capital estrangeiro e, internamente, no arrocho salarial. Já no início  
da ditadura, o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) estabeleceu uma rígida  
política de controle do aumento dos salários, o que resultou em 50% de perda do  
valor real do salário-mínimo entre 1964 e 1985. Por outro lado, o crescimento de  
produtividade - em 1974, o PIB cresceu 14% - se deu com o aumento do  
endividamento externo da ordem de trinta vezes, gerado pela apropriação dual das  
multinacionais e pelos pesados juros de empréstimos tomados no exterior  
(BARRUCHO, 2024). O resultado foi uma piora vertiginosa na concentração de renda  
e a degradação das condições de vida do trabalhador brasileiro.  
O reforço da superexploração da força de trabalho apenas foi possível, claro,  
com o endurecimento da repressão. O bonapartismo de 1964 incorporou, aperfeiçoou  
e profissionalizou o aparato repressivo do Estado Novo, conformando um subsistema  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 201  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
(ou um sistema penal paralelo) de repressão política.  
Dois meses após o golpe, uma nova lei antissindical (Lei n. 4.330/64) foi  
editada, tornando a greve basicamente impraticável, ao opor exigências como quóruns  
exorbitantes, intervenção estatal na assembleia e longos prazos de notificação, além  
de proibir “greve política e de solidariedade”, censurando e fragmentando as  
organizações grevistas. Junto a isso, o Ato Institucional n. 1 deslocou o julgamento de  
civis por crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares para o Superior  
Tribunal Militar, e o Ato Institucional n. 2 atribuiu à Justiça Federal o processamento e  
julgamento de crimes contra a organização do trabalho e o exercício do direito de  
greve, retirando os dissídios classistas da órbita da Justiça do Trabalho, e assim  
contribuindo para a criminalização de grevistas. O posterior Ato Institucional n. 5, por  
fim, suspendeu a garantia de habeas corpus para diversos crimes em que se  
enquadrariam as lideranças políticas e sindicais e excluiu da apreciação judicial ações  
praticadas de acordo com o Ato, além de prever a possibilidade de suspensão, pelo  
Presidente da República, de direitos políticos de qualquer cidadão e, dentro deles, o  
de ser votados em eleições sindicais.  
Ao esvaziamento do sentido político do sindicato foi imposto um “novo  
trabalhismo” que, à semelhança da política varguista, buscava cooptar as organizações  
de trabalhadores, assimilando-as à estrutura burocrática do estado, seja com a  
nomeação de interventores, seja com a eleição de pelegos. Em 1966, a Lei n. 5.107  
extinguiu o direito à estabilidade adquirido após 10 anos de serviço (estabilidade  
decenal), criando o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) como medida  
indenizatória. A medida gerou um processo de demissão em massa de trabalhadores  
mais experientes e gerou uma rotatividade que prejudicou fortemente a organização  
sindical.  
Paralelamente a isso, outras normativas colocavam mecanismos mais amplos de  
repressão ao conjunto de opositores e de movimentos de massa. O Decreto-Lei n.  
314, de 13 de maio de 1967, instituiu oficialmente a Doutrina da Segurança Nacional,  
centrada na repressão à guerra psicológica adversae à guerra revolucionária ou  
subversiva”, prevendo crimes específicos com competência do foro militar, ainda que  
praticados por civis, e inafiançáveis, devendo a pena privativa de liberdade ser  
cumprida em estabelecimento militar ou civil, mas “sem rigor penitenciário”, e sendo  
cabível prisão preventiva decretada de ofício. A lei manteve e ampliou as hipóteses de  
criminalização da lei anterior (Lei n. 1.802/53), fazendo muitas referências a conceitos  
ambíguos como atividades, organizações ou propagandas “subversivas”. À greve que  
acarretasse paralisação de serviços públicos ou atividades essenciais era prevista pena  
Verinotio  
202 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
de reclusão de dois a seis anos. O Decreto-Lei n. 510 de 1969 aumentou as penas  
previstas para os crimes criados pelo decreto anterior e aumentou seu âmbito de  
incidência, passando a fazer referência a expressões como “sabotagem” e “terrorismo”.  
Já o Decreto-Lei n. 898, de 29 de setembro de 1969, é conhecido pela readmissão  
da prisão perpétua e da pena de morte e pelo aumento das penas dos crimes previstos  
nos decretos anteriores, inclusive do crime de greve. Por fim, o Decreto-Lei n. 417, de  
10 de junho de 1969 dispunha sobre a expulsão de estrangeiro que praticassem uma  
vasta gama de crimes ou cujo procedimento o tornasse nocivo ou perigoso à  
conveniência ou aos interesses nacionais, ou, ainda, que se entregasse à vadiagem ou  
à mendicância, prevendo investigação sumária ou, mesmo, a expulsão pelo Presidente  
da República antes da conclusão de qualquer ação, inquérito ou investigação.  
O sistema Dops/DOI-Codi constituiu o núcleo central do aparelho repressivo do  
regime. O Dops, como já apontado, tem origem nos anos 1920, quando se tornaram  
mais comuns as prisões políticas, sobretudo ligadas ao trabalho e ao anarquismo,  
enquanto o DOI-Codi foi criado entre 1969 e 1970, de forma descentralizada em  
diferentes zonas militares. A eles se acresciam uma complexa teia de instituições, como  
os centros de informação das Forças Armadas, além de outros organismos ligados à  
Polícia Civil, à Polícia Militar e, em menor grau, à Polícia Federal e de vários centros  
clandestinos de tortura sob coordenação militar. Já o Serviço Nacional de Informações,  
criado pela Lei n. 4.341/64, era a peça-chave de um complexo esquema de  
espionagem a serviço da repressão política, a que seu próprio idealizador, o general  
Golbery do Couto e Silva, um dos principais ideólogos do bonapartismo de 64, chegou  
a se referir como sendo um monstro (MEMORIAL DA DEMOCRACIA, 2025). O Serviço  
também contava com a colaboração de informantes civis e ostentava tentáculos em  
empresas públicas e privadas.  
O saldo compõe um dos capítulos mais sombrios da história nacional. A  
Comissão Nacional da Verdade (BRASIL, 2014) registrou 191 mortes e 243  
desaparecimentos forçados de opositores políticos, enquanto a Secretaria de Direitos  
Humanos da Presidência da República estima em 20.000 o número de torturados,  
incluindo crianças e adolescentes, além de inúmeros casos de violência sexual. Já nos  
primeiros dias de ditadura, foram empreendidas mais de 5.000 prisões arbitrárias, que  
foram uma marca durante todo o período: prisões em massa, com meios ilegais,  
desproporcionais ou desnecessários e sem informação sobre os fundamentos da  
prisão, nem registro formal da detenção e mantendo os presos incomunicáveis por  
longos períodos, além da submissão a violências das mais diversas. Sete em cada 10  
confederações de trabalhadores tiveram suas diretorias depostas. Lideranças de  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 203  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
movimentos sociais foram neutralizadas pelo exílio ou pela clandestinidade  
(GONZALEZ, 1982). E se agudizou o genocídio dos povos indígenas, que também  
foram submetidos à exploração do trabalho, inclusive em prisões similares a campos  
de concentração, como o Reformatório Krenak. Some-se a isso, apenas entre 1964 e  
1970, 536 intervenções em organizações operárias.  
Houve a participação de ao menos 80 empresas no esquema repressivo e 40%  
dos mortos e desaparecidos da ditadura o foram pela condição de trabalhadores  
(BORGES, 2024). 14 dessas empresas estão atualmente mais de seis décadas após  
a instauração do regime sendo investigadas pelo Ministério Público do Trabalho e  
pelo Ministério Público Federal por colaboração com a ditadura (AGÊNCIA PÚBLICA,  
2025). A usina de Itaipu deixou mais 100 operários mortos e 43 mil acidentes de  
trabalho durante sua construção nos anos 1960. A Petrobrás teria atuado junto ao  
Exército na instauração de 1,5 mil processos de investigação, que geraram  
processamento de 712 operários; também teria criado um centro de tortura em um  
alojamento de funcionários na Bahia e monitorado a orientação sexual de  
trabalhadores. A Companhia Siderúrgica Nacional é processada por 11 tipos diferentes  
de violações de direitos humanos; o racismo na vedação de acesso de pessoas negras  
aos clubes sociais da empresa levou à criação do Clube Palmares em 1965. A Embraer  
nasceu em 1969, articulando o poder público militar e o poder empresarial que bancou  
o golpe; é acusada de sequestrar e internar funcionários à força em clínica psiquiátrica  
particular. A Volkswagen teria chegado a manter por 12 anos uma fazenda de  
exploração de trabalho escravo financiada pela ditadura. A Fiat, que recebeu uma série  
de incentivos estatais no período, tinha seu próprio sistema clandestino de  
espionagem, que teria chegado a contar com 145 agentes e sala exclusiva para  
interrogatório de funcionários, tendo sido instrumento-chave na prisão e morte de  
militantes importantes da ALN. A Belgo-Mineira é acusada de abuso sexual, tortura e  
demissões arbitrárias, inclusive com relatos de participação do médico da empresa na  
tortura de mulheres no DOI-Codi de Minas Gerais.  
Mas, para além da repressão a trabalhadores e a opositores políticos, a ditadura  
também deixa seu legado de criminalização da pobreza de forma mais ampla. Como  
aponta Alessandra Teixeira (2012, pp. 78-81), as prisões correcionais seguem  
amplamente majoritárias: correspondem a 87% das prisões em 1967 e a 96% em  
1977, permanecendo o alcoolismo e a prisão por averiguação, seguidos de desordem,  
como os principais motivos de detenção. A vadiagem segue em decréscimo, mas ainda  
aparece nos dados: 1.413 dentre as 38.078 detenções policiais e correcionais na  
Grande São Paulo em 1968.  
Verinotio  
204 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
Já para as prisões fundadas em inquéritos, os crimes patrimoniais,  
especialmente o furto, mas também o roubo a partir dos anos 70, superam  
progressivamente os crimes contra a pessoa em representação nas estatísticas  
criminais, e a figura do “menor”, “trombadinha”, “menino de rua” passa a ser central  
no imaginário social da violência e do medo. Ele será o grande alvo de execuções  
sumárias pelas forças policiais, justiceiros e matadores locais e dos linchamentos dos  
anos 70 e 80: na avaliação de Alessandra Teixeira (2012), gradativamente, o  
ilegalismo se converte em delinquência e o controle do ilegalismo se converte em  
controle da delinquência.  
O bonapartismo de 64 forjou novos instrumentos de repressão, como a polícia  
orientada pela política de guerra às drogas e pela defesa do patrimônio e as milícias;  
e reforçou as ferramentas já existentes. Os grupos de extermínio, por exemplo,  
surgidos no final da década de 1950 em pleno período dito “democrático”, seguem  
operando, se expandem e ganham notoriedade, praticando execuções sumárias de  
pessoas taxadas como criminosas, trombadinhas, vadias, moradoras de rua, travestis  
ou marginais. Evidenciando a relação umbilical entre repressão política e administração  
política da pobreza, alguns dos principais personagens do Bonapartismo de 1964,  
como o próprio delegado Sérgio Fleury do Dops, eram egressos de esquadrões da  
morte, ao mesmo tempo que as técnicas de violência utilizadas por esses esquadrões  
foram refinadas para serem aplicadas na repressão política.  
Há, de modo mais contundente, o legado direto da instituição-chave da  
dominação autocrática burguesa contemporânea: em 1969 a Guarda Civil e a Força  
Pública são extintas e seu contingente é aproveitado na criação da Polícia Militar, com  
atribuição exclusiva do policiamento ostensivo, algo inédito para a organização das  
polícias, e vinculada a hierarquias e cadeias de comando rígidas que, diferentemente  
das polícias militarizadas anteriores, exercia atividade nas ruas (GUERRA, 2016, p.  
120). É o ponto de chegada de uma progressiva militarização das forças de segurança  
pública brasileiras ao longo da história, e que teve no regime instaurado em 1964 um  
relevante elemento impulsionador que lhe imprimiu caracteres fundamentais,  
especialmente o caráter violento e autoritário gestado em meio a um contexto  
bonapartista militarizado e a íntima correlação com a repressão à dissidência política  
e aos movimentos de massa. Alessandra Teixeira (2012, p. 150) usa o exemplo das  
Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) como emblemático da politização e do elevado  
grau de violência extralegal que caracteriza a PM desde o seu nascedouro: concebida  
pelo regime militar como uma unidade de choque fortemente armada para  
enfrentamento da resistência armada à ditadura, teve sua atuação transposta à  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 205  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
repressão da criminalidade comum com a revogação do AI-5. O bonapartismo de 64,  
portanto, aproveitou, revitalizou e profissionalizou os instrumentos repressivos  
gestados no bonapartismo de 37, ao mesmo tempo que criou novos equipamentos de  
repressão.  
Em um sentido geral, enquanto o bonapartismo do Estado Novo envolvia uma  
intencionalidade de desenvolvimento econômico autônomo, a ditadura de 1964 visou  
à reafirmação da subordinação brasileira. Como aponta Chasin, “no plano econômico,  
64 é muito mais amplo que 37, ao passo que, do ponto de vista político, 45/46 é  
muito mais generoso que o quadro atual” (2000, p. 126). E, enquanto o bonapartismo  
alemão impulsionou a industrialização e o ingresso do país, como elo débil e atrasado,  
na corrida imperialista, os bonapartismos brasileiros, sobretudo o de 1964, reforçaram  
os caracteres próprios da via colonial brasileira, como a subordinação, a  
superexploração da força de trabalho e seu caráter autocrático e excludente.  
O que se seguiu a isso, com o esgotamento do milagre e a revigoração da luta  
política, foi a última volta do pêndulo, com uma transição estreita, realizada pelo alto  
e novamente sem acerto de contas, para um novo período de autocracia burguesa  
institucionalizada, momento que coincide com o processo de mundialização do capital  
e que vivenciamos até os dias de hoje. A mundialização do capital cristalizou o lugar  
subordinado do Brasil na acumulação mundial e fez ruir qualquer esperança de um  
desenvolvimentismo autônomo. Na síntese de J. Chasin em 1982:  
Hoje, emergindo da forma bonapartista do sistema montado em 64,  
o país, titular, negativamente privilegiado, de uma imensa e  
inamortizável dívida externa, atestado e radiografia da natureza da  
acumulação praticada no período, é um território econômico  
estruturado na figura de um capitalismo monopolista subordinado,  
sotoposto às engrenagens de um mundo definido pelos monopólios  
imperialistas. País que conservou e inflou desníveis e contrastes  
regionais, mas que se apresenta organicamente centralizado, com um  
mercado capitalista integralmente formado. A internacionalização da  
economia completou e aprofundou sua subsunção econômica,  
conferindo-lhe os limites de sua acumulação industrial, que se  
concretizou na distorção e na incompletude, determinando a total e  
definitiva impossibilidade de qualquer fantasia quanto  
à
autonomização do sistema capitalista nacional. (CHASIN, 2000, p.  
129)  
O sistema penal paralelo foi formalmente desmontado, mas sobreviveu em  
estruturas herdadas pelo sistema penal comum, que segue impedindo qualquer  
questionamento da equação econômica e política da via colonial brasileira. A ideologia  
da segurança nacional foi atualizada na ideologia da segurança pública e o aparato  
repressivo do estado segue central na ainda incompleta modernização excludente do  
país e na reprodução diuturna da miséria brasileira, “de modo que, se o dispositivo  
Verinotio  
206 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
montado na transição do Estado Novo já era perverso, e o era, a sua perversidade na  
transição atual só fez crescer (CHASIN, 2000, p. 130).  
Apesar dos muitos avanços da Constituição de 1988 na previsão de princípios  
penais e de garantias processuais, segue a previsão da subordinação e da coordenação  
da Polícia Militar ao Exército, bem como a positivação das operações de garantia da  
lei e da ordem. E a violência do estado autocrático segue em vigor. O Brasil hoje tem  
a terceira maior população carcerária do mundo e uma polícia que mata três vezes  
mais que a estadunidense. A Comissão Pastoral da Terra (2025) fala em 59 massacres  
no campo com 302 vítimas fatais desde 1985. Já de defensores dos direitos humanos  
que sofrem violências decorrentes de suas atuações, o número é de 486 casos, com  
55 assassinatos, entre 2023 e 2024 (TERRA DE DIREITOS; JUSTIÇA GLOBAL, 2025).  
Só em 2024, foram 211 indígenas assassinados.  
Ainda na década de 1980, Chasin (2000, p. 130) observou que ao contrário  
de Vargas, o sistema à época recém-saído da ditadura buscava apenas e tão-somente  
a autorreforma, já ali se encontrando muito adiantado da sua execução. À época  
pontuou: “e nada permite suspeitar, no momento, de que não completará inteiramente  
seu objetivo. O que podemos dizer, olhando para as tentativas de golpe (inclusive as  
recentíssimas) empreendidas desde então, e para a crescente presença dos miliares na  
política cotidiana, é que ele de fato o completou.  
Conclusão  
Buscamos apontar, nos limites de espaço deste artigo, as bases objetivas do  
movimento pendular entre bonapartismo e autocracia burguesa institucionalizada no  
contexto republicano brasileiro, e para a relevância que nesse contexto assume o  
aparelho repressivo do estado. Longe de uma afirmação democrática, sustentamos a  
continuidade do caráter autocrático do estado brasileiro como expressão necessária  
dessa via específica de objetivação capitalista a via colonial , e, particularmente, a  
sobrevivência e a revitalização, com períodos de reforço e de inovação, dos  
equipamentos de violência institucional do estado: prisões, polícia, esquadrões, salas  
de tortura.  
Demonstramos como o sistema penal desempenha um importante papel de  
viabilizar a superexploração da força de trabalho, de forma reforçada nos períodos  
bonapartistas como base objetiva dos “milagres”, mas também presente nos períodos  
de autocracia institucionalizada. Isso se dá a partir do ataque violento às formas de  
organização política dos trabalhadores e das insurgências variadas dos movimentos  
de massa, da repressão à recusa ao trabalho (vadiagem e mendicância), quando não  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 207  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
diretamente pelo aprisionamento cumulado com trabalho compulsório.  
Destacamos também o papel de administração política do pauperismo e o  
caráter de contrarrevolução preventiva permanente, que garantem, pela força, o  
esquema de uma modernização excludente incapaz de conciliar desenvolvimento  
econômico e progresso social típico de uma burguesia que renuncia a seus papeis  
históricos. Nesse sentido, identificamos mais continuidades que rupturas tanto no  
lugar privilegiado conferido às prisões correcionais (e, nelas, a convivência entre  
prisões por mendicância e prisões por averiguação, em oscilações) quanto na  
progressiva militarização das forças policiais públicas, que sobrevive à última volta do  
pêndulo. Também representa continuidade o estado absolutamente precário do  
cárcere brasileiro desde sua gênese, e que convive com eventuais formas criativas de  
aprofundar sua desumanização, seja pelas colônias correcionais (as famosas “ilhas  
malditas”), seja pelas técnicas de morte, tortura e desaparecimento forçado dos  
períodos bonapartistas. Vale o destaque, também, para como a repressão aos  
ilegalismos “comuns” e a repressão propriamente política se retroalimentam nessa  
história de vários começos, com elos impressionantes mesmo para uma trajetória de  
via colonial entre prisões por averiguação, esquadrões da morte, Dops/DOI-Codi e  
Polícia Militar do pós-constituinte de 1988.  
Ao mesmo tempo, sem perder de vista a diferença específica, apontamos as  
marcas particulares de cada um dos períodos históricos abordados, sobretudo  
analisando as aproximações e os afastamentos entre os sentidos do bonapartismo de  
1937 e o contexto do bonapartismo de 1964. Mas todas elas confluindo, ao fim, para  
a reprodução e a perpetuação da miséria brasileira ainda subsistente.  
Referências bibliográficas  
ANTONIO, Mariana Dias. A “Operação mata-mendigos” (Rio de Janeiro, 1962-1963)  
às margens de alguns livros. Simbiótica, Vitória, v. 7, n. 2, jan.-jun. 2020.  
ASSUNÇÃO, Vânia Noeli. Ditadura como bonapartismo: apreensões marxistas sobre o  
regime inaugurado em 1964. Verinotio, n. 17, ano IX, p. 38-62, abr. 2014.  
BARRUCHO, Luis. Os números por trás do “milagre econômico” da ditadura no Brasil.  
BBC  
News  
Brasil,  
Londres,  
13  
dez.  
2024.  
Disponível  
em:  
2025.  
BATISTA, Nilo et al. Direito penal brasileiro v. I: teoria geral do direito penal. 2. ed.  
Rio de Janeiro: Revan, 2003.  
BATTIBUGLI, Thaís. Polícia, democracia e política em São Paulo (1946-1964). São  
Paulo: Humanitas, 2010.  
BISI, Adriana. (In)justiça de segurança nacional: a criminalização do comunismo no  
Brasil entre 1935-1945. Tese (Doutorado) Faculdade de Direito de Vitória,  
Vitória, 2016.  
BORGES, Beatriz. Mais de 80 empresas colaboraram com a ditadura militar no Brasil.  
Verinotio  
208 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial  
El  
País,  
8
set.  
2014.  
Disponível  
em:  
Acesso em: 16 set. 2024.  
BRASIL. Decreto n. 20.348, de 29 de agosto de 1931. Institui conselhos consultivos  
nos estados, no Distrito Federal e nos municípios e estabelece normas sobre a  
administração local.  
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de  
1934.  
BRASIL. Lei n. 38, de 4 de abril de 1935. Define crimes contra a ordem política e  
social.  
BRASIL. Lei n. 136, de 14 de dezembro de 1935. Modifica vários dispositivos da Lei  
nº 38, de 4 de abril de 1935 e define novos crimes contra a ordem política e social.  
BRASIL. Lei n. 192, de 17 de janeiro de 1936. Reorganiza, pelos estados e pela União,  
as Polícias Militares sendo consideradas reservas do Exército.  
BRASIL. Lei n. 244, de 11 de setembro de 1936. Institui, como órgão da Justiça  
Militar, o Tribunal de Segurança Nacional, que funcionará no Distrito Federal sempre  
que for decretado o estado de guerra e dá outras providências.  
BRASIL. Decreto-Lei n. 431, de 18 de maio de 1938. Define crimes contra a  
personalidade internacional, a Estrutura e a segurança do estado e contra a ordem  
social.  
BRASIL. Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções  
Penais.  
BRASIL. Decreto-Lei n. 9.070, de 15 de março de 1946. Dispõe sobre a suspensão  
ou abandono coletivo do trabalho e dá outras providências.  
BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório. Brasília: CNV, 2014.  
CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. 2. ed. Brasília:  
Editora Universidade de Brasília, 1994.  
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Massacres no campo: acompanhamento contínuo  
de massacres no campo no Brasil, pela Comissão Pastoral da Terra, desde 1985 até  
campo/massacres-no-campo/>. Acesso em: 27 set. 2025.  
COTRIM, Lívia. O ideário de Getúlio Vargas no Estado Novo. 1999. Dissertação  
(Mestrado em Filosofia) Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1999.  
COTRIM, Lívia. Estado Novo: as raízes do bonapartismo. Disponível em:  
content/uploads/2021/03/2013_Estado-Novo-As-raizes-do-bonapartismo.pdf.  
Acesso em: 12 out. 2024.  
COTRIM, Lívia. Violência política e formas particulares de objetivação do capitalismo.  
In: Congreso Nacional de Estudios de los Movimientos Sociales, 1, Ciudad de  
México. Anais [...]. Universidad Autónoma Metropolitana, Ciudad de México, 2016.  
DEMIER, Felipe Abranches. O longo bonapartismo brasileiro (1930-1964):  
autonomização relativa do estado, populismo, historiografia e movimento operário.  
Tese (Doutorado) Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2012.  
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Companhia das Letras,  
2006.  
FERREIRA, Dirceu Franco. Rebelião e reforma em São Paulo: aspectos  
socioeconômicos e desdobramentos políticos da primeira fuga em massa de um  
presídio brasileiro (Ilha Anchieta, 1952). Dissertação (Mestrado) Universidade de  
São Paulo. São Paulo, 2016.  
FERREIRA, Dirceu Franco. Virada punitiva em São Paulo em meados do século XX.  
Revista de Historia de las Prisiones, n. 12, p. 28-51, Enero-Junio 2021.  
GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Autoritarismo e processo penal: uma genealogia das  
ideias autoritárias no processo penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.  
GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Perseu Abramo, 2016.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025 | 209  
nova fase  
Nayara Rodrigues Medrado  
GUERRA, Maria Pia. Polícia e ditadura: a arquitetura institucional da segurança pública  
de 1964 a 1988. Brasília: Ministério da Justiça e Cidadania, 2016.  
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Trad. Nélio Schneider. São Paulo:  
Boitempo, 2011.  
MATTOS, Marcelo Badaró. Greves, sindicatos e repressão policial no Rio de Janeiro  
(1954-1964). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, jul. 2004.  
MAZZEO, Antônio Carlos. Burguesia e capitalismo no Brasil. São Paulo: Editora Ática,  
1995.  
MEMORIAL DA DEMOCRACIA. SNI: nasce o monstro da espionagem. Disponível em:  
Acesso em: 24 ago. 2025.  
NUNES, Diego. Legislação penal e repressão política no Estado Novo: uma análise a  
partir de julgamentos do Tribunal de Segurança Nacional (1936-1945). Acervo, Rio  
de Janeiro, v. 30, n. 2, pp. 126-143, jul./dez. 2017.  
OLIVEIRA, Francisco de. Brasil: uma biografia não-autorizada. São Paulo: Boitempo,  
2018.  
PACHECO, Thiago da Silva. Trabalhando para Vargas: agentes secretos, espiões e  
delatores no estado Novo. Locus: Revista de história, Juiz de Fora, v. 25, n. 1, pp.  
107-131, 2019.  
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 6. ed. São Paulo:  
Editora brasiliense, 1961.  
PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. 41. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.  
RAGO FILHO, Antônio. A ideologia 1964: os gestores do capital atrófico. Tese  
(Doutorado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1998.  
RAGO FILHO, Antônio. O ardil do politicismo: do bonapartismo à institucionalização  
da autocracia burguesa. Projeto História, São Paulo, n. 29, t. 1, pp. 139-167, dez.  
2004.  
SERRA, Marco Alexandre de Souza. Economia política da pena. Rio de Janeiro: Revan,  
2009.  
TEIXEIRA, Alessandra. Construir a delinquência, articular a criminalidade: um estudo  
sobre a gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. São Paulo: FFLCH/USP,  
2015.  
TEIXEIRA, Alessandra; SALLA, Fernando; MARINHO, Maria Gabriela. Vadiagem e prisões  
correcionais em São Paulo: mecanismos de controle no firmamento da República.  
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 58, pp. 381-400, mai./ago. 2016.  
TERRA DE DIREITOS; JUSTIÇA GLOBAL. Síntese dos dados Na linha de frente:  
violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil. Disponível  
ZANIRATO, Silvia Helena. São Paulo 1930/1940: novos atores urbanos e a  
normatização social. História Social, Campinas, n. 7, pp. 241-64, 2000.  
Como citar:  
MEDRADO, Nayara Rodrigues. Determinações da punição no capitalismo de via  
colonial: bonapartismo e autocracia burguesa institucionalizada na industrialização  
brasileira. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 2, pp. 177-210, 2025.  
Verinotio  
210 |  
ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 177-210 jul.-dez., 2025  
nova fase