Francisco Malê Vettorazzo Cannalonga
das contradições do pensamento puramente intelectivo. Esbarrar em
tais limites pode significar para o pensamento humano – se este
percebe nisso um problema a ser solucionado e, como Hegel notou
acertadamente, “indício e sinal da racionalidade”, isso quer dizer, a
mais alta forma de conhecimento – um ponto de partida do
desenvolvimento do pensamento para a dialética. O irracionalismo,
pelo contrário […] só chegou até esse ponto, absolutizou o problema,
petrificou os limites do conhecimento intelectivo e transformou-os em
limites absolutos do conhecimento, mistificando até mesmo o
problema, convertendo-o artificialmente em problema insolúvel,
atribuindo-lhe uma resposta “suprarracional”. A equiparação entre
entendimento e conhecimento, entre os limites do entendimento e os
limites do conhecimento em geral, a adoção da “suprarracionalidade”
(da intuição etc.) ali onde é possível e necessário avançar para um
conhecimento racional – essas são as características mais gerais do
irracionalismo filosófico. (LUKÁCS, 2020, p. 86)
Há que se dizer, contudo, que os limites que separam essas duas tendências
centrais do pensamento burguês contemporâneo são profundamente tênues e a
passagem de um polo ao outro é constante, não somente no desenvolvimento
filosófico propriamente dito, mas também nas transformações conceituais e
metodológicas observadas no seio da reflexão científica18. O elo que liga essas
tendências, contudo, é precisamente a ontologia empírica que ambos tomam por base
e que implica na insolubilidade do problema da gênese dos fenômenos (sobretudo no
plano dos fenômenos sociais e históricos) e na emergência de uma zona obscura
incontornável na estrutura de seu pensamento:
A exclusão consequente de toda gênese histórico-social no caso de
fenômenos eminentemente sociais, o que necessariamente eleva o
plano atemporal suas características condicionadas pelo tempo, é
apenas uma consequência metodológica do modo fundamental de ver
as coisas, da exclusão por princípio de todo e qualquer ente-em-si do
âmbito das duas filosofias. (LUKÁCS, 2012, p. 90)
Ambas as opções fundamentais – que, seguindo os parâmetros ora
estabelecidos, caracterizamos de maneira geral como “positivismo” e “irracionalismo”
– assim como a flexível linha de demarcação entre elas, refletem por sua vez as
determinações sociais da decadência ideológica. Mais especificamente, as duas formas
primordiais de apologética que emergem do mesmo fundamento social. Por um lado,
no positivismo, observa-se a apologia direta do modo de produção: a aceitação do
18
Nesse aspecto, acreditamos ser de enorme importância o trabalho de Paul Forman (cf. FORMAN,
1971). Muito embora suas teses operem sob o eixo de uma “capitulação” do pensamento científico
balizado pelo positivismo em relação as tendências irracionalistas da lebensphilosophie (a questão,
acreditamos, é mais complexa – as transformações conceituais que se operam nos parece desenvolver-
se de maneira mais imanente ao próprio universo conceitual do que uma simples capitulação externa),
a maneira arrojada que desenvolve seu argumento e a ampla documentação, nos parece ser uma
contribuição indispensável para compreender os elementos conceituais que circunscrevem a totalidade
do pensamento burguês e a maneira como os elementos positivistas podem ser extrapolados em sentido
abertamente irracionalista.
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X, v. 30 n. 2, pp. 301-329 – jul.-dez., 2025
nova fase