DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.2.782  
Notas sobre estado e políticas públicas a partir  
da crítica da economia política marxiana  
Notes on the state and public policy from the critique  
of Marxian political economy  
Rossi Henrique Chaves*  
Resumo: Este artigo desenvolve uma análise  
imanente da obra magna de Karl Marx, O capital,  
com o objetivo de demonstrar que sua crítica da  
economia política fornece os fundamentos  
indispensáveis para uma análise radical do  
Abstract: This article develops an immanent  
analysis of Karl Marx's magnum opus, Capital,  
with the aim of demonstrating that his critique  
of political economy provides the indispensable  
foundations for a radical analysis of the state  
and public administration. We argue that the  
apparent neutrality and merely technical  
function of the state apparatus are ideological  
abstractions that obscure its subordination to  
the logic of accumulation. To unveil this  
dynamic, the analysis mobilizes categories from  
Marxian political economy criticism, as well as  
the Marxian concept of the impotence  
[Ohnmacht] of administrationunderstood as  
its structural inability to resolve the social ills  
that the capitalist mode of production itself  
engenders. To this end, we perform an exegesis  
of the three volumes of Capital, articulating its  
main concepts with the problem of state  
management. Book I is analyzed to reveal the  
estado  
e
da  
administração  
pública.  
Argumentamos que a aparente neutralidade e a  
função meramente técnica do aparato estatal são  
abstrações ideológicas que obscurecem sua  
subordinação à lógica da acumulação. Para  
desvelar essa dinâmica, a análise mobiliza  
categorias da crítica da economia política  
marxiana, assim como o conceito marxiano de  
impotência [Ohnmacht] da administração –  
compreendido como sua incapacidade estrutural  
para resolver as mazelas sociais que o próprio  
modo de produção capitalista engendra. Para  
tanto, realizamos uma exegese dos três volumes  
de O capital, articulando seus principais  
conceitos com a problemática da gestão estatal.  
O Livro I é analisado para revelar a gênese dos  
problemas sociais (a pauperização relativa) como  
produto imanente da acumulação, estabelecendo  
os limites intransponíveis da ação administrativa.  
O Livro II é explorado para elucidar a natureza do  
trabalho estatal e do fundo público enquanto  
custos de gestão sistêmica, análogos aos custos  
de circulação por sua função na realização do  
mais-valor e por seu caráter improdutivo. Por fim,  
o Livro III é mobilizado para situar o estado e sua  
administração como arena central da luta de  
classes pela distribuição do mais-valor,  
genesis  
of  
social  
problems  
(relative  
pauperization) as an immanent product of  
accumulation, establishing the insurmountable  
limits of administrative action. Book II is  
explored to elucidate the nature of state labor  
and public funds as systemic management  
costs, analogous to circulation costs due to their  
role in the realization of surplus value and their  
unproductive character. Finally, Book III is  
mobilized to situate the state and its  
administration as the central arena of the class  
struggle for the distribution of surplus value,  
especially under the pressure of the tendency of  
the rate of profit to fall and the dynamics of  
credit capital. We conclude that Capital, by  
unveiling the laws of motion of capital, offers  
the essential theoretical tools to demystify the  
state, understanding its functional duality its  
power to serve capital and its impotence to  
promote human emancipation and reaffirming  
the relevance of its analysis to the contemporary  
debate on (counter) reform of the state,  
especialmente sob  
a
pressão da queda  
tendencial da taxa de lucro e da dinâmica do  
capital de crédito. Concluímos que O capital, ao  
desvelar as leis de movimento do capital, oferece  
as ferramentas teóricas essenciais para  
desmistificar o estado, compreendendo sua  
dualidade funcional sua potência para servir ao  
capital e sua impotência para promover a  
emancipação humana e reafirmando a  
pertinência de sua análise para o debate  
* Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor substituto do  
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) campus Belo Horizonte. E-mail:  
rossichaves@hotmail.com. Orcid: 0000-0003-2229-9472.  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 2 jul.-dez., 2025  
Verinotio  
nova fase  
 
Rossi Henrique Chaves  
contemporâneo sobre (contra)reforma do estado,  
austeridade econômica e políticas públicas.  
economic austerity, and public policies.  
Keywords: Karl Marx; burgeois state; public  
administration; public fund; Capital.  
Palavras-chave: Karl Marx; estado burguês;  
administração pública; fundo público; O capital.  
Introdução  
O debate contemporâneo sobre o estado é marcado por um impasse  
persistente. De um lado, o aparato estatal é cada vez mais convocado a intervir como  
mediador e solucionador de crises sociais de complexidade crescente: exército  
industrial de reserva, precarização do trabalho, colapso dos sistemas de saúde e  
educação, emergências ambientais e sanitárias e aprofundamento da desigualdade  
econômica. De outro, a cada ciclo de intervenção, revela-se sua incapacidade de atacar  
as causas profundas desses fenômenos, resultando em um movimento perpétuo de  
(contra)reformas administrativas, modernizações gerenciais e redesenho de políticas  
públicas que, geralmente, preservam as estruturas geradoras dos mesmos problemas  
que pretendem sanar. Essa dinâmica alimenta a percepção de um estado “ineficiente”  
ou “capturado”, cuja solução residiria em uma gestão tecnicamente mais apurada ou  
moralmente mais íntegra.  
Contudo, uma perspectiva teórica alicerçada na crítica da economia política, nos  
termos formulados por Karl Marx, sugere que este impasse é um sintoma de uma  
questão estrutural. A análise imanente das leis do movimento do capital revela que o  
estado burguês opera sob uma dualidade contraditória: por um lado, ele é  
extremamente potente e indispensável para criar e gerir as condições gerais da  
acumulação; por outro, é estruturalmente impotente para resolver as mazelas que  
afligem a classe trabalhadora, pois estas são o resultado necessário do próprio sistema  
que ele visa perpetuar. A recuperação das categorias da crítica marxiana da economia  
política e do conceito marxiano de impotência [Ohnmacht] da administração, formulado  
em sua juventude nas Glosas críticas1 é, assim, parte do ferramental analítico  
mobilizado que pretende demonstrar como O capital fornece as bases fundamentais  
para uma crítica radical do estado e da Administração pública.  
Nesse contexto, o presente artigo se propõe a uma tarefa fundamental:  
demonstrar que os alicerces teóricos para a crítica radical do estado não se encontram  
apenas nos chamados “escritos políticosde Marx, mas estão profundamente  
enraizados em sua obra principal, O capital. Argumentamos que a crítica da economia  
1
“Sim, frente às consequências decorrentes da natureza associal dessa vida burguesa, dessa  
propriedade privada, desse comércio, dessa indústria, dessa espoliação recíproca dos diversos círculos  
burgueses, frente a essas consequências a lei natural da administração é a impotência [Ohnmacht].”  
(MARX, 2010, p. 39, grifos do autor).  
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Notas sobre estado e políticas públicas a partir da crítica da economia política marxiana  
política, ao desvelar as leis de movimento do capital, fornece o fundamento para se  
compreender a forma e a função do estado burguês e, consequentemente, os limites  
e as reais finalidades de sua administração. A análise que se segue não busca  
“encontrar” uma teoria do estado acabada em O capital, mas revelar como sua análise  
do processo de produção, circulação e distribuição do valor é a condição sine qua non  
para se desmistificar o poder político e sua gestão. Para tanto, este trabalho está  
estruturado em três seções principais, cada uma dedicada um dos volumes da obra. A  
primeira seção abordará o Livro I para expor a gênese das contradições sociais e os  
limites da ação estatal. A segunda recorrerá ao Livro II para analisar o estado como  
um custo de gestão sistêmico e o fundo público2 como uma dedução do mais-valor  
social. A terceira e última seção utilizará o Livro III para situar a administração estatal  
na arena da luta de classes pela distribuição do valor e sob a pressão das crises  
imanentes ao capital. Ao final, esperamos ter demonstrado que, longe de ser um tema  
ausente, a crítica do estado é uma consequência lógica e necessária da crítica do  
capital.  
1. A base material do estado: acumulação, pauperização e os limites  
da gestão pública (Livro I)  
A crítica radical ao estado burguês e à sua gestão requer, antes de tudo, uma  
investigação de sua base material. É no primeiro volume de O capital que Marx disseca  
a “morada secreta da produção”, o lugar onde se origina o mais-valor e, com ele, as  
contradições fundamentais da sociedade burguesa. A análise do processo de produção  
revela que as mazelas sociais, como a pobreza e a superpopulação relativa, não são  
anomalias a serem corrigidas pela gestão pública, mas sim resultados imanentes e  
necessários da lógica da acumulação capitalista.  
É a partir dessa constatação que se pode apreender a dualidade contraditória  
da ação estatal, já esboçada por Marx em seus escritos de juventude. O estado burguês  
demonstra, por um lado, uma imensa potência para criar, garantir e gerir as condições  
gerais que permitem a expansão da acumulação. Por outro, revela uma impotência  
[Ohnmacht] estrutural para suprimir os antagonismos sociais que este mesmo modo  
2
Utilizamos o conceito de fundo público, desenvolvido e sistematizado no Brasil por Francisco de  
Oliveira (1998), ainda que guardemos ressalvas sobre a discussão promovida pelo autor do seu papel  
de “antivalor”. Oliveira (1998) considera que o fundo público se tornou componente central da  
acumulação capitalista contemporânea, ao olhar para a realidade brasileira o autor destaca que,  
particularmente no capitalismo dependente, o fundo público se articula com a superexploração da força  
de trabalho, revelando as contradições, limites e possibilidades do financiamento de políticas sociais no  
capitalismo periférico (OLIVEIRA, 1998). Consideramos para os fins de análise aqui propostos que o  
fundo público se constitui como uma mediação decisiva no capitalismo por possuir função central no  
processo de valorização do valor.  
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de produção engendra de forma necessária. Ao contrário de uma entidade neutra ou  
de um árbitro imparcial, o estado se revela como um produto e um perpetuador das  
relações sociais que geram, simultaneamente riqueza e pauperização.  
Portanto, a análise que se segue sobre o Livro I é a condição indispensável para  
desmistificar o poder político e sua gestão. Ao examinar o processo de valorização, a  
lei geral da acumulação e a violência da acumulação primitiva, estabelecemos os limites  
objetivos que condicionam a gestão estatal, situando sua função não em um plano de  
falhas de gestão ou de falta de vontade política, mas nas próprias leis de movimento  
do capital.  
1.1. Processo de valorização e a origem do antagonismo social  
Marx (2013) inicia sua análise distinguindo o processo de trabalho em geral –  
a atividade humana de transformação da natureza para criar valores de uso do  
processo de valorização capitalista. Neste último, o objetivo não é a produção de bens  
para a satisfação de necessidades, mas a produção de valor que se valoriza, a  
produção de mais-valor. O capitalista compra duas mercadorias distintas: os meios de  
produção (capital constante, c) e a força de trabalho (capital variável, v). A  
especificidade da força de trabalho é ser a única mercadoria cujo valor de uso sua  
“utilidade” – é a capacidade de criar um valor maior do que seu próprio valor de troca  
(o salário). O salário paga apenas o tempo de trabalho necessário para a reprodução  
do trabalhador, mas a jornada de trabalho se estende para além desse ponto, gerando  
um tempo de trabalho excedente e não pago, que se materializa como mais-valor (m).  
Essa extração de mais-valor é a essência da exploração capitalista e a fonte de  
todo o lucro. É aqui que nasce o antagonismo de classes fundamental, não como um  
desvio moral ou uma falha de gestão, mas como a própria condição de existência do  
sistema capitalista de produção. A gestão estatal, ao operar dentro de uma sociedade  
cuja finalidade é a autovalorização do valor, já se encontra, de partida, condicionada  
a gerir os resultados desse antagonismo, mas sem poder tocar em sua causa.  
1.2. A lei geral da acumulação capitalista e a produção da pauperização  
A consequência mais direta desse processo é a “Lei Geral da Acumulação  
Capitalista”, desenvolvida no Capítulo 23. Marx (2013) demonstra que o progresso  
técnico e o aumento da composição orgânica do capital (a crescente proporção de c  
em relação a v) fazem com que a capacidade de produção (c) cresça mais rapidamente  
que a necessidade de força de trabalho (v) do capital. Isso significa que, para uma dada  
quantidade de capital, a proporção investida em máquinas, matérias-primas e  
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tecnologia aumenta, enquanto a proporção investida em salários (o que coloca mais  
trabalhadores em movimento) diminui. O resultado é a produção contínua de uma  
“superpopulação relativa”, um contingente de trabalhadores que se torna excedente  
às necessidades médias de valorização do capital. Esse “exército industrial de reserva”  
é, contraditoriamente, uma condição vital para o sistema capitalista de produção. Marx  
esclarece que essa superpopulação relativa não decorre de leis naturais, mas sim de  
uma “lei populacional peculiar ao modo de produção capitalista” (MARX, 2025, p.  
444). Marx é categórico: “A acumulação capitalista produz constantemente, e na  
proporção de sua energia e de seu volume, uma população trabalhadora adicional  
relativamente excedente, isto é, excessiva para as necessidades médias de valorização  
do capital e, portanto, supérflua.” (MARX, 2013, p. 857)  
Essa população excedente, em seus diversos estratos (líquida/flutuante latente,  
estagnada e o lumpemproletariado), constitui a base do pauperismo moderno,  
condição que Marx compreende como “a acumulação de miséria correspondente à  
acumulação de capital”. E ainda, ao constituírem o exército industrial de reserva, todos  
esses estratos da classe trabalhadora exercem uma pressão para baixo sobre os  
salários, função que é fundamental para o capital, pois mantém a remuneração do  
trabalho dentro dos limites que convêm à valorização, quebrando as pretensões dos  
trabalhadores empregados mesmo nos momentos de maior prosperidade. Não se trata  
de uma pobreza por escassez, mas de uma pobreza produzida pela própria abundância  
de capital. É a manifestação mais visível da miséria social que Marx sintetiza na célebre  
passagem:  
Por último, a lei que mantém a superpopulação relativa ou o exército  
industrial de reserva em constante equilíbrio com o volume e o vigor  
da acumulação prende o trabalhador ao capital mais firmemente do  
que as correntes de Hefesto prendiam Prometeu ao rochedo. Ela  
ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à acumulação  
de capital. Portanto, a acumulação de miséria, o suplício do trabalho,  
a escravidão, a ignorância, a brutalização e a degradação moral no  
polo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto  
como capital. (MARX, 2013, p. 877)  
A gestão pública, em sua função potente de fomentar o “progresso” e a  
“competitividade” (p. ex., através de subsídios à inovação, investimento em tecnologia  
etc.), atua diretamente para acelerar o aumento da composição orgânica do capital. Ao  
fazer isso, o estado contribui para criar as condições que dão origem ao exército  
industrial de reserva, o problema de fundo que suas políticas sociais serão chamadas  
a administrar de forma impotente. As políticas públicas sociais de combate à pobreza,  
os programas de transferência de renda ou de qualificação profissional, por mais que  
possam atenuar conjunturalmente o sofrimento e a miséria, não podem eliminar a  
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superpopulação relativa sem ferir de morte a disciplina salarial e as condições de  
valorização do capital.  
Medrado (2021) destaca, por exemplo, o papel histórico das workhouses para  
gerenciamento do contingente da classe trabalhadora e para alcance das necessidades  
do capital. A autora aponta que, entre outras coisas, as workhouses “assumiam um  
importante papel de administração do exército industrial de reserva”, esse  
gerenciamento atuaria “tanto no sentido de garantia da oferta de mão-de-obra  
conforme as exigências do mercado em uma dada quadra histórica quanto no sentido  
de assegurar a regulação dos salários nos trilhos convenientes do capital” (MEDRADO,  
2021, p. 36). Ainda, nas palavras de Marx:  
Que meio mais sensato do que as workhouses para manter à  
disposição um exército industrial de reserva para os períodos  
favoráveis e, ao mesmo tempo, durante os períodos desfavoráveis  
para o comércio, transformá-lo, pela punição nestes piedosos  
estabelecimentos, em máquina sem vontade, sem resistência, sem  
exigência, sem necessidades. (MARX, 2020, p. 363)  
A administração pública, portanto, gerencia a pobreza, não a supera. Sua função  
é garantir que a miséria não extravase em revolta social, mantendo-a em “limites  
absolutamente condizentes com a avidez de exploração e a mania de dominação do  
capital” (MARX, 2013, p. 868). Qualquer política que visasse eliminar a exploração,  
por definição, significaria a abolição do próprio modo de produção capitalista, e em  
última instância da autofagia do estado, algo que está para além do horizonte e da  
função do estado burguês.  
1.3. O papel do estado na fundação da sociedade burguesa: a violência da  
acumulação primitiva  
Marx dedica a parte final do Livro I à análise da “assim chamada acumulação  
primitiva” (Capítulo 24). Ele desmistifica a narrativa burguesa de uma acumulação  
originada da poupança e da diligência, revelando seu verdadeiro caráter: um processo  
histórico de expropriação violenta dos trabalhadores de seus meios de subsistência, e  
o ator central desse processo foi o poder do estado. O aparato estatal e seu  
ordenamento jurídico não surgem como mediadores neutros de uma sociedade já  
constituída, mas como os instrumentos coercitivos que tornaram possível a própria  
constituição dessa sociedade. Portanto, nesse processo o estado é um agente ativo e  
fundamental na criação das condições materiais para o desenvolvimento do modo de  
produção capitalista.  
A economia política burguesa, na visão de Marx (2013), tenta explicar a origem  
da riqueza capitalista por meio de um “pecado original” idílico, no qual “havia, por um  
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lado, uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo parcimoniosa e, por outro, uma súcia  
de vadios a dissipar tudo o que tinham e ainda mais” (MARX, 2013, p. 859). No  
entanto, Marx desvela a brutal realidade por trás dessa anedota:  
Na história real, como se sabe, o papel principal é desempenhado pela  
conquista, a subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a  
violência. Já na economia política, tão branda, imperou sempre o idílio.  
Direito e trabalhoforam, desde tempos imemoriais, os únicos meios  
de enriquecimento, excetuando-se sempre, é claro, este ano. Na  
realidade, os métodos de acumulação primitiva, podem ser qualquer  
coisa, menos idílicos. (MARX, 2013, p. 860)  
Marx (2013) detalha como o estado inglês, a partir do século XV, sancionou a  
expulsão dos camponeses de suas terras (os enclosures [cercamentos]), promoveu a  
rapina dos bens da Igreja e impôs uma “disciplina sanguinária” contra a massa de  
expropriados que passaram a constituir o proletariado assalariado. O autor ainda  
destaca a “sórdida ação do estado que, por meios policiais, elava o grau de exploração  
do trabalho e, com ele, a acumulação do capital” (MARX, 2013, p. 989). Isso demonstra  
que a criação da classe trabalhadora “livre” foi um processo violento e coercitivo,  
ativamente orquestrado pelo poder estatal e que foi ampliado no sistema colonial3. A  
lei e a administração foram mobilizadas para forçar essa população à disciplina do  
trabalho assalariado. Ainda sobre estas leis, Marx escreve: “Assim, a população rural,  
depois de ter sua terra violentamente expropriada, sendo dela expulsa e entregue à  
vagabundagem, viu-se obrigada a se submeter, por meio de leis grotescas e terroristas,  
e por força de açoites, ferros em brasa e torturas, a uma disciplina necessária ao  
sistema de trabalho assalariado.” (MARX, 2013, p. 983) Sartori (2021) também chama  
atenção para esta questão abordada por Marx no que diz respeito a relação entre  
estado, migração e superpopulação relativa.  
A dívida pública (que discutiremos mais profundamente adiante no texto), é  
tratada por Marx como uma das “alavancas mais poderosas da acumulação primitiva”.  
Pois ela permite que a riqueza de toda a sociedade seja transferida e concentrada nas  
mãos de um grupo de privilegiados. Embora suas origens remontem a Gênova e  
Veneza na Idade Média, ela se expandiu por toda a Europa durante o período  
manufatureiro e se consolidou na Holanda e na Inglaterra, Marx (2013) ironiza dizendo  
que “um povo torna-se tanto mais rico quanto mais se endivida”. O que revela que a  
3 “Tais métodos, como, por exemplo, o sistema colonial, baseiam-se, em parte, na violência mais brutal.  
Todos eles, porém, lançaram mão do poder do estado, da violência concentrada e organizada da  
sociedade, para impulsionar artificialmente o processo de transformação do modo de produção feudal  
em capitalista e abreviar a transição de um para o outro. A violência é a parteira de toda sociedade  
velha que está prenhe de uma sociedade nova. Ela mesma é uma potência econômica.” (MARX, 2013,  
p. 998)  
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gestão fiscal e financeira do estado foi historicamente constituída para enriquecer uma  
fração da burguesia à custa do restante da sociedade, um padrão que se repete até  
os dias atuais.  
A dívida pública, isto é, a alienação [Veraussaung] do estado seja  
ele despótico, constitucional ou republicano imprime sua marca  
sobre a era capitalista. A única parte da assim chamada riqueza  
nacional que realmente integra a posse coletiva dos povos modernos  
é sua dívida pública. [...] A dívida pública torna-se uma das alavancas  
mais poderosas da acumulação primitiva. (MARX, 2013, pp. 1.002-3)  
Cabe também pontuar que o sistema colonial serviu como palco para espoliação  
em escala mundial, proporcionando à burguesia europeia acesso a metais preciosos,  
matéria-prima e trabalho escravizado. A pilhagem das colônias, a exploração  
escravagista na América, o tráfico de escravizados africanos, o extermínio de  
populações nativas e a exploração comercial, foram conduzidos e garantidos pelo  
estado, impulsionando o capital comercial e industrial. Empresas como a Companhia  
das Índias Orientais, embora privadas, contavam com apoio militar do estado e a  
chancela pela atuação monopolista até meados de 1833.  
A descoberta de terras auríferas e argentíferas na América, o  
extermínio, a escravização e o soterramento da população nativa das  
minas, o começo da conquista e saqueio das Índias Orientais, a  
transformação da América numa reserva para a caça comercial de  
peles-negras caracterizam a aurora da produção capitalista. (MARX,  
2013, p. 998)  
O estado burguês, portanto, não é um poder que surge para “moderar” o  
conflito de classes; ele é o poder que, historicamente, contribuiu para a acomodação  
das classes da sociedade burguesa moderna. O seu conjunto de aparatos e práticas  
organizativas atuam, desde a origem, a favor dos interesses das classes proprietárias.  
Esta análise histórica serve como um contraponto fundamental a qualquer visão que  
conceba o estado como uma esfera autônoma ou potencialmente a serviço do  
“interesse público” (abstrato) em geral.  
2. O estado como custo de gestão: circulação, fundo público e  
trabalho improdutivo (Livro II)  
O Livro II de O capital, frequentemente considerado o mais árido, é, contudo,  
essencial para se avançar na compreensão da função econômica do estado. Ao  
deslocar a análise para o movimento cíclico e ininterrupto do capital (D−M...P...M’−D’),  
Marx fornece as categorias para se entender o aparato estatal como um gigantesco,  
porém necessário, custo de gestão do sistema capitalista em seu conjunto, e o fundo  
público como sua expressão monetária que cobre esses custos. Entretanto, este  
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circuito não é isento de percalços, pelo contrário, o capital precisa superar duas fases  
na esfera da circulação (D-M e M’-D’) que, embora indispensáveis para a valorização,  
não são em si mesmas momentos de valorização.  
2.1 Os custos de circulação e o trabalho improdutivo  
O capital, para se valorizar, precisa não apenas ser produzido, mas também  
circular. Ele deve passar da forma-dinheiro (D) para a forma-mercadoria (meios de  
produção e força de trabalho, M), atravessar o processo produtivo (P) para se  
transformar no capital-mercadoria (M’), uma mercadoria prenhe de mais-valor e,  
finalmente, ser vendida realizando assim o mais-valor nela contido, para retornar à  
forma-dinheiro acrescida de mais-valor (D’). Marx no Livro II revela que o tempo gasto  
na esfera da compra e da venda constitui o “tempo de circulação”. Este, somado ao  
tempo de produção, compõe o tempo de rotação do capital: o período total que o  
capital leva para percorrer seu ciclo completo e retornar à sua forma original, acrescido  
de mais-valor. O tempo de circulação se apresenta, portanto, como uma barreira  
negativa ao processo de acumulação: quanto mais longo ele for, mais lento será o  
tempo de rotação, limitando o número de vezes que um mesmo capital pode ser  
valorizado em um determinado período e, consequentemente, reduzindo a taxa anual  
de mais-valor. Todo momento em que o capital se encontra na forma dinheiro ou de  
mercadoria à venda é um momento em que ele não está no processo produtivo  
gerando mais-valor. A velocidade e a fluidez da circulação são, portanto, condições  
centrais para a lucratividade.  
[...] se as diferentes partes do capital percorrem o ciclo uma depois  
das outras, de modo que o ciclo do valor de capital inteiro se realiza  
sucessivamente no ciclo de suas partes alíquotas na esfera da  
circulação, menor terá de ser sua parte que atua constantemente na  
esfera da produção. Assim, a expansão e a contração do tempo de  
curso, agem como limite negativo à contração e à expansão do tempo  
de produção, ou da extensão na qual um capital de dada grandeza  
pode funcionar como capital produtivo. (MARX, 2014, p. 228)  
É precisamente para superar ou mitigar as barreiras inerentes à circulação que  
um aparato para a gestão das condições gerais da produção se torna necessário. A  
garantia da propriedade privada (através do poder de polícia), a padronização de  
pesos e medidas, a estabilidade da moeda, a execução de contratos e a manutenção  
da ordem burguesa são pré-condições para que os atos individuais de compra e venda  
possam ocorrer com um mínimo de previsibilidade e segurança.  
A análise de Marx sobre os “custos de circulação” (Capítulo 6) fornece a chave  
para compreender a natureza econômica de grande parte da atividade estatal. Em sua  
exposição, Marx (2014) estabelece uma distinção fundamental: ele separa os custos  
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que surgem da produção material e que continua na esfera da circulação cujo  
exemplo principal é a indústria dos transportes, que adiciona valor à mercadoria dos  
custos puros de circulação. Estes últimos referem-se às atividades que decorrem  
unicamente da metamorfose do valor (vendas, compras, contabilidade) e que, por si  
mesmas, não criam nem adicionam mais-valor, sendo, portanto, um trabalho  
improdutivo no sentido capitalista4.  
Esta distinção nos permite qualificar as funções da gestão estatal. Muitas de  
suas atividades são, economicamente, análogas, aos custos puros de circulação. O  
trabalho realizado no sistema jurídico (que garante contratos), em agências  
reguladoras (que normatizam mercados), aparatos policiais (que garantem a  
propriedade privada), a burocracia estatal e em órgãos fiscais e tributários (que gerem  
a apropriação do mais-valor) é indispensável para a realização do valor e a reprodução  
ordenada do sistema de produção capitalista. Outras funções estatais, como as dos  
sistemas de saúde e educação, atuam em um ponto distinto, mas igualmente crucial:  
na esfera da produção e reprodução da mercadoria força de trabalho. Embora seus  
papéis funcionais sejam diferentes umas garantido a circulação de mercadorias,  
outras, a reprodução do trabalhador -, ambas as atividades representam, para o capital  
social total, faux frais: custos gerais e necessários para a acumulação, financiados por  
uma dedução do valor total produzido pela sociedade. Nas palavras do autor alemão,  
Mas todo trabalho que adiciona valor pode adicionar também mais-  
valor e, sobre uma base capitalista, adicionará sempre mais-valor, pois  
o valor que ele cria depende de sua própria grandeza, e o mais-valor  
que ele cria depende de quanto o capitalista paga pelo trabalho.  
Assim, os custos que encarecem a mercadoria sem nada adicionar ao  
seu valor de uso e que, do ponto de vista da sociedade, pertencem,  
portanto, aos faux frais da produção, podem constituir uma fonte de  
enriquecimento para o capitalista individual. Por outro lado, na  
medida em que o valor que agregam ao preço da mercadoria não é  
mais do que a distribuição equitativa desses custos de circulação,  
estes não perdem seu caráter improdutivo. (MARX, 2014, p. 241)  
A categoria dos faux frais revela-se, portanto, central para a análise do estado  
burguês. Para o capital social total, os custos de manutenção do aparato estatal seja  
para gerir a circulação, seja para administrar a reprodução da força de trabalho são  
despesas necessárias, um custo geral para garantir as condições gerais de acumulação.  
Para cada capitalista individual, contudo, esses mesmos custos, uma despesa a ser  
incessantemente minimizada. A administração pública se encontra, assim, no centro  
desta contradição: sua função é gerir os custos que são indispensáveis para a classe  
4
“O mesmo ocorre com os gastos de todos os chamados trabalhadores improdutivos: funcionários  
estatais, médicos, advogados etc. e todos os que, sob a forma de ‘grande público’, prestam ‘serviços’  
aos economistas políticos, explicando o que estes deixaram de explicar.” (MARX, 2014, p. 628)  
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capitalista como um todo, mas que são vistos como um fardo por cada um de seus  
membros em particular.  
2.2 A administração pública como custo geral e o fundo público  
A analogia com os faux frais nos permite avançar na compreensão da função  
estatal. Contudo, como Marx já apontava em suas Glosas críticas, seria um equívoco  
reduzir a administração público a uma identidade direta com sua função de “gestora  
dos custos gerais do capital”. O aparato estatal não é meramente um conselho de  
administração da burguesia; ele é a expressão política da contradição entre a vida  
pública e a vida privada. Para que o “público” possa gerir e reproduzir as bases da  
riqueza privada, ele precisa operar sob o véu do interesse geral, mascarando sua  
natureza de classe.  
É precisamente nessa tensão que reside sua especificidade: se cada empresa  
privada arca com seus próprios custos de circulação, o estado assume os custos que  
são comuns a toda a classe capitalista, garantindo as condições de fundo para a  
acumulação. Mas ele o faz por meio de uma mediação política que o constitui,  
simultaneamente, como o gestor indispensável para o capital e como uma arena de  
conflitos que reflete, de forma mistificada, os antagonismos da sociedade burguesa.  
Essa mediação política, através do qual o estado assume os custos comuns à  
classe capitalista, requer uma base material e centralizada. Esta base é o fundo público.  
Sua substância não é criada pelo estado, mas apropriada da riqueza socialmente  
produzida por meio do sistema tributário, incidindo sobre o mais-valor e também  
sobre parte do salário dos trabalhadores. O fundo público, é a expressão monetária e  
centralizada dos faux frais socializados. Trata-se da massa de valor que a sociedade é  
coagida a reservar para custear as condições gerais de sua própria exploração.  
A disputa política em torno do orçamento estatal a luta por mais verbas para  
a saúde e educação, de um lado, ou por desonerações fiscais e subsídios para a  
indústria, de outro é, em sua essência, a luta de classes pela apropriação e destinação  
dessa massa de valor centralizada. O discurso sobre a “carga tributária” e a “eficiência  
do gasto público” é a manifestação ideológica dessa disputa. Como apontaram Ferraz  
e Chaves (2021), para o capital, todo gasto social (p. ex., saúde, previdência e  
educação) que não contribua diretamente (ou contribua pouco em relação do que é  
pretendido) para a valorização é visto como um “custo” excessivo, uma dedução  
indesejada de seus lucros potenciais. Para a classe trabalhadora, é a única forma de  
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reaver, como “salário indireto5, uma ínfima parte da riqueza que ela mesma produziu.  
A administração pública, nesse fogo cruzado, gerencia a alocação dessa dedução, mas  
sua impotência reside em sua incapacidade de alterar a natureza dessa relação: a de  
que o fundo público que ela administra é, em sua essência, derivado de trabalho não  
pago.  
O argumento de que a atividade estatal é análoga aos custos de circulação  
improdutivos requer, contudo, nuances que a própria análise de Marx (2014) fornece.  
Nem todos os custos que ocorrem na esfera da circulação são “puros”. Como  
mencionado anteriormente, o transporte, por exemplo, é uma atividade que ocorre  
entre a produção e o consumo final, mas que Marx (2014) trata como uma continuação  
do processo produtivo. A indústria dos transportes, para o autor, adiciona valor à  
mercadoria ao movê-la no espaço, portanto, produtiva de valor e mais-valor:  
Mas o que a indústria do transporte vende é o próprio deslocamento  
de lugar [...] homens e mercadorias viajam num meio de transporte, e  
sua viagem, seu movimento espacial, é justamente o processo de  
produção efetuado. [...] Também em relação a seu consumo, esse  
efeito útil se comporta do mesmo modo que as outras mercadorias.  
Se consumido individualmente, seu valor desaparece com o consumo;  
se consumido produtivamente, de modo que ele mesmo constitua um  
estágio da produção da mercadoria transportada, seu valor é  
transferido à própria mercadoria como valor adicional. (MARX, 2014,  
p. 145)  
O que se segue desta reflexão é que quando o estado, através de sua gestão,  
investe, por exemplo, em infraestrutura de transporte (estradas, portos, ferrovias e  
aeroportos), ele não está apenas incorrendo em um custo geral, mas criando condições  
materiais que barateiam os elementos do capital e aceleram o processo de valorização.  
Esta ação revela a potência da ação estatal em fomentar a acumulação, não por  
produzir mais-valor diretamente em seus próprios projetos, mas por socializar os  
custos de infraestrutura que reduzem o tempo de circulação e o valor dos meios de  
produção para os capitais privados.  
Demonstra, ainda, que a fronteira entre as funções “improdutivas” (p. ex.,  
burocracia e regulação) e aquelas funcionalmente “produtivas” (investimento em  
infraestrutura) do estado é um campo sinuoso. As primeiras sãos puros custos de  
gestão; as segundas, embora não gerem mais-valor em si mesmas, são condições  
materiais diretas para que o mais-valor seja produzido e realizado de forma mais  
eficiente no setor privado. Em ambos os casos, a finalidade última que se impõe é a  
de servir às necessidades do processo de valorização do capital.  
5 Utiliza-se aqui o conceito de “salário indireto”, consagrado no debate marxista, para se referir à parcela  
do valor da força de trabalho que é socializada e provida pelo estado na forma de serviços públicos.  
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2.3 Salário indireto e disputa pelo fundo público  
Em relação ao “salário indireto”, a mercadoria força de trabalho tem seu valor  
determinado pelos meios de subsistências necessários para sua reprodução (moradia,  
alimentação etc.), assim como pelos custos de formação/qualificação técnica, de  
manutenção de sua saúde e de garantia de sua existência quando não pode mais ser  
explorada (previdência). As políticas sociais financiadas pelo fundo público, constituem  
o que pode ser chamado de “salário indireto”, pois socializam uma parte dos custos  
de reprodução da classe trabalhadora como um todo.  
Cabe destacar que essas políticas não são “dádivas” do estado burguês, mas o  
resultado histórico da luta de classes. Como Marx demonstrou na luta pela jornada de  
trabalho no Livro I6, qualquer limite imposto à exploração é uma concessão  
conquistada pela classe trabalhadora. Da mesma forma, a existência de um sistema  
público de saúde ou de educação representa a apropriação, pela classe trabalhadora,  
de uma parcela do valor que ela mesma produziu, forçando o estado a devolvê-la na  
forma de serviços que garantem suas condições de vida.  
Contudo, essas políticas, embora conquistada pelos trabalhadores, são também  
funcionais para a reprodução ampliada do próprio capital. Um sistema de saúde que  
mantém a força de trabalho fisicamente apta e um sistema de educação que a qualifica  
técnica e ideologicamente são fundamentais para a valorização do capital. Elas ajudam  
a baratear o custo individual que cada capitalista teria para garantir a qualidade da  
força de trabalho que necessita. O estado, ao assumir estes custos, atua precisamente  
como aquilo que Engels (2016) definiu como o “capitalista global ideal”7: a instância  
6
Marx (2025) ilustra que inicialmente (séculos XIV-XVII) a intervenção estatal atuou para prolongar a  
jornada de trabalho. Autores da época, como um anônimo que escrevia para o Essay on trade and  
commerce, defendiam o encarecimento dos meios de subsistência e a coerção para forçar os  
trabalhadores a laborar seis dias da semana, chegando a propor uma “casa do terror” (um tipo de  
workhouses) com jornadas de trabalho de 14 horas diária como forma de combater a “preguiça” dos  
pobres. Com o advento da grande indústria no final do século XVIII, o capital derrubou todas as barreiras  
à jornada de trabalho, incluindo as que se baseavam em idade e sexo, levando a exploração desenfreada,  
“o capital celebrava suas orgias” (MARX, 2025, p. 224). Nesse contexto as Factory acts (leis fabris)  
inglesas foram a “primeira reação consciente e planejada da sociedade à configuração espontaneamente  
desenvolvida de seu processo de produção” (MARX, 2025, p. 347). Embora visando inicialmente  
mulheres e crianças, o trabalho na fábrica fez com que a limitação legal da jornada para esses grupos  
se estendesse, na prática, também aos trabalhadores masculinos adultos. Marx destaca a minuciosa  
regulamentação dos horários, pausas e limites de trabalho, que se desenvolveram gradualmente a partir  
das circunstâncias e foram arrancadas do capital sendo que “sua formulação, reconhecimento oficial e  
sua proclamação pelo estado foram o resultado de prolongadas lutas de classes.” (MARX, 2025, p.  
228).  
7
O conceito é desenvolvido por Friedrich Engels em seu Anti-Duhring. Engels (2016, pp. 392-3)  
argumenta: “E o estado moderno, por sua vez, é apenas a organização que a sociedade burguesa monta  
para sustentar as condições exteriores gerais do modo de produção capitalista contra ataques tanto  
dos trabalhadores como de capitalistas individuais. O estado moderno, qualquer que seja sua forma, é,  
portanto, uma máquina essencialmente capitalista, é o estado dos capitalistas, é o capitalista global  
ideal. Quanto maior é o número de forças produtivas que ele assume como sua propriedade, mais ele  
se torna um capitalista global real, maior é o número de cidadãos do estado que ele espolia. Os  
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que zela pelos interesses comuns e de longo prazo da acumulação, inclusive em alguns  
momentos contra os próprios interesses imediatos dos capitalistas individuais.  
É sob essa mesma lógica que o estado lida com as consequências da “lei geral  
da acumulação”. Como a produção de uma superpopulação relativa é imanente ao  
sistema, a política social é chamada a intervir. Assim, não é demais reforçar que ela  
gerencia a pobreza, mas não a supera; administra a reprodução da mercadoria força  
de trabalho, mas não pode abolir sua condição de mercadoria.  
A disputa pelo fundo público (a massa de valor, composta de mais-valor e parte  
dos salários, centralizadas pelo estado via impostos) é a arena onde essa contradição  
se revela. A classe trabalhadora luta para ampliar o salário indireto, enquanto a classe  
capitalista pressiona para reduzir essa dedução do mais-valor, especialmente em  
tempos de crise ou de queda na taxa de lucro.  
Segundo o que afirmamos previamente, muitos serviços públicos operam como  
faux frais socializados, ou seja, custos gerais necessários para a reprodução do  
sistema, financiados por uma dedução do valor social total. Nesse prisma é possível  
se ver os processos de privatização de serviços públicos ou de eliminação de direitos  
conquistados como processo pelo qual o capital transforma o que era um “custo” para  
o capital social total em uma fonte privada de lucro. Um hospital público, por exemplo,  
é um custo de reprodução da força de trabalho financiado pelo fundo público. Um  
hospital privatizado é uma empresa capitalista cujo objetivo não é a saúde em si, mas  
a produção e apropriação de mais-valor através da venda de serviços de saúde como  
mercadorias e da exploração do trabalho de médicos, enfermeiros e demais  
trabalhadores.  
Este movimento é impulsionado pela pressão de queda de taxa de lucro (que  
aprofundaremos no tópico seguinte). Em face da saturação dos campos de  
investimentos privados, o capital busca constantemente novas áreas para se valorizar.  
Os serviços públicos, com sua demanda cativa e seu potencial de mercantilização, são  
um campo privilegiado para exploração. A promoção do discurso ideológico, pelos  
representantes ideológicos dos interesses da burguesia, da “ineficiência estatal”, por  
exemplo, serve como justificativa para legitimar a transferência desses setores para a  
gestão privada, cuja eficiência é medida por um único critério: a capacidade de extrair  
lucros.  
Por fim, o processo de transferência de serviços públicos para a gestão privada  
trabalhadores permanecem trabalhadores assalariados, proletários. A relação com o capital não é  
revogada; ao contrário, é levada ao extremo. Só que, chegando ao extremo, ela sofre uma reversão. A  
propriedade estatal das forças produtivas não é a solução do conflito, mas abriga em si o meio formal,  
o manejo da solução.”  
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constitui uma dupla via de expropriação. Primeiramente, ocorre a expropriação do  
patrimônio público. Ativos estatais hospitais, escolas, empresas de saneamento e  
energia que foram construídos ao longo de décadas com recursos do fundo público  
(ou seja, como valor produzido pela classe trabalhadora) são transferidos para o capital  
privado a preços, via de regra, subavaliados. O que era propriedade social coletiva  
torna-se propriedade privada com fins lucrativos.  
Em segundo lugar, ocorre a expropriação do salário indireto. O serviço público  
que antes era acessado coletivamente como um direito, financiado por impostos,  
transforma-se em uma mercadoria que deve ser comprada no mercado. O trabalhador,  
é assim, expropriado duas vezes: primeiro, do patrimônio que ajudou a construir;  
segundo, enquanto consumidor, forçado a pagar novamente, com seu salário, por um  
serviço que antes constituía seu salário indireto. A administração pública atua como  
um agente de classe que conduz esse processo, através de alterações legais,  
regulatórias e contratuais, desmantela o serviço público, legitimando sua transferência  
para o capital privado.  
3. O estado na arena da distribuição: crise, crédito e a luta pelo  
mais-valor (Livro III)  
Se os dois primeiros volumes de O capital fornecem os fundamentos para se  
compreender a origem do mais-valor e o caráter do aparato estatal como um custo de  
gestão sistêmico, o Livro III completa a análise ao tratar do processo capitalista em  
seu conjunto, focando na distribuição do mais-valor entre as diferentes frações da  
classe dominante no processo de autonomização das fases de acumulação do capital.  
É aqui que o estado e sua administração aparecem de forma explícita como um ator  
político e econômico, um gestor das contradições e arena decisiva para a luta de  
classes.  
3.1 Partilha do mais-valor: o estado e o imposto  
O mais-valor, essa massa de valor gerada pelo trabalho não pago da classe  
trabalhadora (analisada no Livro I), não permanece nas mãos do capitalista industrial  
em sua totalidade. Ele é a substância comum que se reparte entre as diferentes frações  
da classe proprietária, assumindo as formas autônomas e aparentemente  
desconectadas de lucro industrial, lucro comercial, juro e renda da terra. Essa partilha  
não é harmoniosa, mas um campo de conflito entre frações da classe burguesa como  
industriais, comerciantes, banqueiros e proprietários de terra. O estado, através de seu  
poder de tributação, insere-se como um quarto ator nesta disputa, reivindicando para  
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si uma parcela primária do valor total produzido pela sociedade para constituir o fundo  
público.  
O imposto, na visão de Marx, não é uma categoria autônoma, mas uma das  
formas de existência necessárias do mais-valor. Longe de desenvolver uma “teoria  
fiscal”, Marx demonstra que o imposto é a parcela do trabalho excedente total  
apropriada pelo poder estatal. Sua análise, portanto, vai além de situar a tributação na  
esfera da distribuição; ela a revela como uma subforma do mais-valor, cuja existência  
é indispensável para a manutenção das condições gerais da produção. Em condições  
normais, essa dedução afeta todas as classes, mas sua substância material deriva  
fundamentalmente do valor gerado pela classe trabalhadora e não pago.  
A administração pública, através de sua política fiscal, age como gestora dessas  
deduções, o que inclui gerir não apenas dos conflitos entre capital e trabalho, mas  
também das disputas intraclasse burguesa. As decisões sobre a estrutura tributária (se  
os impostos devem incidir mais sobre o lucro, a renda da terra, o consumo ou os  
salários) são decisões eminentemente políticas que refletem a correlação de forças de  
um dado momento e sua influência sobre as ações do estado. Marx, no último capítulo  
do Livro III, critica a “fórmula trinitária” (capital – lucro; Terra renda da terra; Trabalho  
salário), que a economia vulgar apresenta como a fonte natural da riqueza. Ele a  
revela como a forma mais acabada de mistificação da sociedade burguesa, pois ela  
apaga a origem comum de todo o rendimento das classes dominantes o mais-valor.  
E ainda apresenta a exploração como uma relação harmoniosa e técnica entre três  
fatores de produção independentes (lucro, renda da terra e salário). O debate  
consolidado no senso comum sobre como a administração pública deve operar em sua  
estrutura tributária, por exemplo, reforça essa mistificação, ao tratar das formas de  
distribuição da riqueza socialmente produzida sem questionar a relação de exploração  
que lhes dá origem.  
3.2 A queda tendencial da taxa de lucro e a pressão sobre a administração estatal  
No Livro III, Marx expõe a “lei da queda tendencial da taxa de lucro”. Ele  
demonstra que as mesmas forças que impulsionam a acumulação a competição entre  
os capitais e a busca incessante por uma taxa de mais-valor mais elevada forçam o  
capitalista a revolucionar constantemente os meios de produção. Esse processo resulta  
em um aumento progressivo da composição orgânica do capital (a razão entre o capital  
constante e o variável c/v), o que significa que, embora a massa de mais-valor possa  
crescer, sua proporção em relação ao capital total adiantado tende a diminuir. Como  
o mais-valor é produzido apenas pelo capital variável (trabalho vivo), a taxa de lucro,  
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que mede o mais-valor em relação ao capital total, tem uma tendência imanente de  
cair, ainda que a massa de lucro possa aumentar  
Essa lei opera como uma pressão sobre a classe capitalista, forçando-a a uma  
busca desesperada por “causas contrarrestantes” para reverter esta queda, através,  
por exemplo, de meios de baratear a produção e aumentar a exploração. Muitas das  
principais “causas contrarrestantes” que Marx lista no Capítulo 14 dependem  
diretamente da ação potente da gestão estatal e atuam para retardar, frear ou em  
alguns casos anular os efeitos dessa tendência.  
A lei da queda progressiva da taxa de lucro está diretamente ligada ao aumento  
na taxa do mais-valor, ou seja, no grau de exploração do trabalho. O estado pode  
sancionar e promover, através de seus instrumentos políticos e administrativos, o  
prolongamento da jornada de trabalho ou, mais sutilmente, o aumento da intensidade  
do trabalho. Marx nota que pela dinâmica social contraditória, até o próprio aumento  
do mais-valor relativo encontra limites:  
[...] por um lado, converter em mais-valor a maior quantidade possível  
de dada massa de trabalho, por outro, empregar em proporção ao  
capital adiantado, a menor quantidade de trabalho em geral, de modo  
que os mesmos motivos que permitem aumentar o grau de exploração  
do trabalho impeçam que com o mesmo capital se explore tanto  
trabalho quanto antes. São essas as tendências antagônicas que,  
enquanto atuam para uma elevação da taxa de mais-valor, promovem  
simultaneamente a diminuição da massa do mais-valor gerado por um  
capital dado e, assim, a queda da taxa de lucro. (MARX, 2017, p. 233)  
Assim como também aponta que “tudo o que estimula a produção de mais-  
valor mediante o aperfeiçoamento dos métodos, [...] porém mantendo inalterada a  
grandeza do capital empregado, surte o mesmo efeito” (MARX, 2017, p. 233). Na  
sequência do argumento, Marx (2017) ainda menciona a compreensão do salário-  
mínimo abaixo de seu valor, o que significa que os trabalhadores são pagos com um  
valor inferior ao custo de reprodução de sua força de trabalho, aumentando a parcela  
do mais-valor (trabalho não pago) apropriada pelo capitalista. O papel do estado nesse  
processo, manifesta-se de maneira concreta através de políticas governamentais que  
contribuam para a compressão salarial, como é o caso de políticas de arrocho salarial  
no setor público e privado. Um exemplo, é a referência feita por Marx às leis dos  
cereais, promulgada no contexto inglês em 1815, que permitiu que os salários dos  
trabalhadores agrícolas fossem reduzidos a níveis muito baixas, por vezes “até mesmo  
abaixo do mínimo físico” (MARX, 2017, p. 590).  
O barateamento dos elementos do capital constante é outra importante causa  
contrarrestante da queda da taxa de lucro. Se o valor desses elementos diminui (p. ex.,  
maquinaria, matéria-prima etc.), o capital constante em relação ao capital variável se  
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reduz, o que, por sua vez, eleva a taxa de lucro, mesmo que a taxa de mais-valor  
permaneça a mesma: “a economia de capital constante, por um lado, aumenta a taxa  
de lucro e, por outro, libera capital constante; ela é, com isso, importante para o  
capitalista” (MARX, 2017, p. 77). O papel do estado nesse processo é fundamental e  
direto. Ele influencia esse barateamento ao financiar, por exemplo, com recursos do  
fundo público, a pesquisa e desenvolvimento (P&D) que geram as inovações  
tecnológicas. Isso ocorre tanto no âmbito das universidades públicas, que produzem  
ciência cujos resultados são posteriormente apropriados pelo capital privado, quanto  
por meio de subsídios e incentivos fiscais a setores industriais específicos. Juntamente  
com as políticas comerciais que facilitam a importação de insumos mais baratos, estas  
ações estatais socializam os custos e os riscos da inovação, permitindo que os capitais  
individuais incorporem tecnologia mais eficiente a um custo menor, o que atua  
diretamente contra a tendência de queda da taxa de lucro.  
Juntamente com o fomento à inovação tecnológica, a política estatal para o  
comércio exterior se revela como uma das mais importantes causas contrarrestantes.  
Ao proporcionar um barateamento tanto dos meios de produção quanto dos bens de  
consumo que determinam o valor da força de trabalho, pois pode elevar a taxa de  
lucro ao reduzir o valor dos componentes do capital constante e variável. Marx aponta  
que:  
Os capitais investidos no comércio exterior podem produzir uma taxa  
de lucro mais elevada porque nesse caso, em primeiro lugar, compete-  
se com mercadorias produzidas por outros países, com menos  
facilidades de produção, de modo que o país mais avançado vende  
mercadorias acima de seu valor, embora mais baratas que os países  
concorrentes. Na medida em que o trabalho do país mais adiantado  
se valoriza como trabalho de maior peso específico, aumenta a taxa  
de lucro ao vender-se como qualitativamente superior o trabalho que  
não foi pago como tal. O mesmo pode ocorrer no caso de um país ao  
qual se enviam mercadorias e do qual se levam mercadorias; a saber,  
que tal país forneça trabalhado objetivado in natura numa quantidade  
maior do que a que recebe e que, apesar disso, obtenha a mercadoria  
por um preço menor do que se ele mesmo a produzisse. (MARX, 2017,  
p. 237)  
A realização desse potencial, entretanto, pressupõe um conjunto de ações  
estatais: políticas alfandegárias, tratados comerciais, diplomacia e, por fim, o poderio  
militar para “abrir” mercados e garantir rotas comerciais e fontes de matéria-prima (a  
própria essência do que foi a administração imperial e colonial). A liberalização do  
comércio exterior (ou seja, uma política estatal de redução de tarifas) atua no sentido  
de baratear os elementos do capital constante importados, o que não apenas eleva a  
taxa de lucro, mas também permite a ampliação da escala de produção e acelera a  
acumulação de capital. A administração pública se revela aqui como mediação que  
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Notas sobre estado e políticas públicas a partir da crítica da economia política marxiana  
transforma a necessidade econômica do capital em política econômica de estado.  
Outra medida contrarrestante central é o “aumento do capital acionário”. Marx  
(2017) argumenta que o surgimento e avanço das sociedades por ações representam  
uma forma avançada de organização do capital, que permite a concentração de vastos  
montantes de capital de diferentes indivíduos, superandos os limites do capital  
individual. Ele aponta que essa forma de organização, embora ainda se mova no  
terreno capitalista, já representa uma “suprassunção [Aufhebung] do capital como  
propriedade privada dentro dos limites do próprio modo de produção capitalista”  
(MARX, 2017, p. 423). Essa superação, no entanto, depende inteiramente do aparato  
jurídico-administrativo do estado, que cria e garante a forma legal da “pessoa jurídica”,  
limita a responsabilidade dos acionistas e regula os mercados de capitais. Engels, em  
uma nota a edição do Volume 3, menciona que, para facilitar o investimento de “capital  
monetário flutuante”, foram estabelecidas “novas formas legais de sociedades de  
responsabilidade limitada, reduzindo-se também mais ou menos as obrigações dos  
acionistas, que até então eram de responsabilidade ilimitada.” (ENGELS in MARX,  
2017, p. 845). Essa ação legislativa foi fundamental, pois ao limitar a responsabilidade  
dos investidores, o estado torna a aplicação de capital em grandes empreendimentos  
menos arriscada para o capitalista individual. Isso estimula a captação de pequenos e  
médios capitais, que se agregam para formar o gigantesco capital das sociedades por  
ações, impulsionando a acumulação e o emprego de capital de uma maneira que antes  
era inviável.  
Marx ainda sugere que a expansão das sociedades por ações também envolveu  
“ao mesmo tempo, a transformação dessas empresas, que antes eram governamentais,  
em empresas sociais” (MARX, 2017, p. 423). Nesta passagem Marx ao se referir à  
transformação de “empresas governamentais” em “empresas sociais”, Marx está  
analisando o surgimento do capital acionário, que ele considera uma forma de “capital  
social” em oposição ao capital puramente privado do empresário individual. Trata-se  
de um processo em que funções antes exercidas pelo estado passam a ser organizadas  
sob a forma de sociedades por ações, um movimento que, em termos,  
contemporâneos, se assemelha a uma política de privatização. Ao fazê-lo, o estado  
não só transfere ativos ao setor privado, mas também expande o universo do capital  
acionário, contribuindo para a dinâmica de acumulação e para o movimento global da  
taxa de lucro.  
Em síntese, a pressão econômica descrita pela lei da queda da taxa de lucro se  
traduz diretamente em uma agenda política, econômica e administrativa. As “reformas  
estruturais” e as políticas de austeridade econômica, apresentadas cotidianamente na  
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agenda política como necessidades técnicas para a “saúde da economia”, são, na  
verdade, a resposta do capital, mediada pelo estado, à sua crise crônica de  
lucratividade.  
3.3 A dívida pública, o sistema de crédito e o estado como gestor da crise  
A análise do capital portador de juros, do sistema de crédito e da dívida pública  
no Livro III é bem atual para a análise aqui pretendida. Marx desenvolve a categoria  
de “capital fictício” (títulos que representam não um capital real, mas uma reivindicação  
sobre o mais-valor futuro) e situa a dívida pública como sua forma mais pura. Os títulos  
da dívida pública não têm valor intrínseco, são uma promessa de pagamento futuro  
pelo estado, garantida por sua capacidade de arrecadar impostos. Na mão dos  
credores, os títulos da dívida são “facilmente transferíveis, que continuam a funcionar  
em suas mãos como se fossem a mesma quantidade de dinheiro sonante” (MARX,  
2025, p. 521). Para Marx, a dívida pública cria uma “classe de rentistas ociosos”,  
enriquece “financistas que atuam como intermediários entre o governo e a nação”,  
proporciona que uma “boa parcela de cada empréstimo do estado rende o serviço de  
um capital caído do céu.” (MARX, 2025, p. 521). Em suma, para o autor alemão a  
dívida pública “faz prosperar as sociedades por ações, o comércio com títulos  
negociáveis de toda espécie, a agiotagem, em uma palavra: o jogo da Bolsa e a  
moderna bancocracia” (MARX, 2025, p. 521).  
A dívida pública torna-se um mecanismo central para o enriquecimento da  
burguesia financeira, que empresta ao estado e recebe juros pagos com dinheiro  
extraído de toda a sociedade. Marx (2017) aprofunda sua análise mostrando como os  
títulos da dívida pública se tornam um componente central do capital bancário e a  
base para a expansão do crédito. A administração da dívida pública torna-se uma das  
funções mais importantes do estado burguês moderno, uma atividade que demonstra  
sua potência para garantir os rendimentos da classe rentista.  
A dívida pública exige um complemento necessário no estado burguês  
moderno, o sistema tributário e fiscal. Com seu Banco Central e sua capacidade de  
emitir dívida pública, converte-se no gestor e o garantidor em última instância de todo  
o sistema financeiro. A administração pública, aqui, é extremamente potente, ela pode  
regular a taxa de juros, controlar a oferta de moeda e, em momentos de crise, atuar  
como o deus ex machina que procura salvar o sistema de si mesmo. Os resgates  
bancários (os bailouts), financiados com o fundo público, são a expressão máxima  
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dessa potência a serviço do capital financeiro8.  
O estado é potente o suficiente para criar leis que moldam todo o sistema  
financeiro, mas sua administração é impotente para controlar as forças econômicas  
que ele mesmo contribuiu para desencadear. O estado socializa as perdas privadas,  
utilizando a riqueza produzida pela sociedade para resgatar os responsáveis pela crise,  
enquanto impõe à classe trabalhadora a “austeridade” como remédio. A administração  
da dívida pública reforça o mecanismo de transferência de riqueza da base da  
sociedade para o topo.  
Em suma, o Livro III revela que a administração pública, longe de ser um mero  
corpo técnico, é um instrumento estratégico na gestão da distribuição do mais-valor e  
na mediação das crises do capital. Sua impotência para evitar as crises é a contraface  
de sua potência para garantir que seus custos sejam pagos pela classe trabalhadora,  
e não pela classe capitalista.  
Considerações finais  
Nossa caminhada pelos três volumes de O capital, guiada pela questão da forma  
e da função do estado burguês, revela os fundamentos de uma crítica coerente e  
profunda, ainda que não sistematizada em uma obra única pelo autor alemão9. A  
8 Em relação ao conceito de “capital financeiro” cabe destacar a crítica realizada por Sabadini (2015) à  
utilização indiscriminada do termo no debate marxista contemporâneo. O autor faz uma crítica à maneira  
como certas abordagens marxistas atribuem ao capital financeiro um poder monolítico e externo às  
relações sociais de produção. Sabadini (2015) destaca que embora o termo “capital financeiro” não  
exista no texto original de Marx (tendo sido introduzido pela tradução francesa de O capital), é possível  
se fazer um uso político do conceito partindo de uma leitura do movimento concreto do capital. A partir  
de uma releitura a obra de Hilferding (O capital financeiro, de 1910), Sabadini (2015) destaca para cada  
vez mais complexa e crescente interligação entre produção e finanças na atualidade, onde os  
movimentos especulativos exercem forte influência na dinâmica de acumulação. Em síntese, Sabadini  
(2015) argumenta que a ideia de associação ou subordinação não é suficiente para explicar a dinâmica  
atribuída ao capital financeiro no capitalismo contemporâneo. A dinâmica fictícia e especulativa exige o  
entendimento da desmaterialização do dinheiro sob a forma de capital fictício, sustentando-se pela  
autonomização das formas funcionais do capital (SABADINI, 2015).  
9 De Deus (2015) ao sistematizar os planos de redação de O capital de Karl Marx, revela que estava no  
plano inicial do autor alemão dedicar um volume ao tratamento específico do estado. Em carta  
endereçada à Lassalle, datada de 22 de fevereiro de 1858, Marx anunciou um plano ambicioso para a  
“crítica das categorias econômicas”. O plano inicialmente incluía a divisão em seis livros, sendo o quarto  
“O estado”. De Deus (2015) aponta ainda que Marx descreve um plano inicial onde, após tratar do  
capital, da propriedade da terra e do trabalho assalariado, viria o “estado”. No detalhamento o livro  
sobre o estado deveria abordar: “Estado e sociedade civil; Os impostos, ou a existência da classe  
improdutiva; A dívida pública; A população; O estado em direção ao exterior: colônias, comércio exterior,  
câmbio, dinheiro como moeda internacional; Mercado mundial; Domínio da sociedade civil sobre o  
estado; As crises; Dissolução do modo de produção e forma social baseados no valor de troca. Trabalho  
individual realmente posto como social e vice-versa.” (DE DEUS, 2015, p. 932). Posteriormente de Deus  
(2015) ressalta que Marx reviu este plano inicial, condicionado por diversos motivos de ordem pessoal  
e política, o que incluiu não publicar mais um volume em separado para tratamento do estado, o que  
indica uma possibilidade de tratamento da questão do estado em conjunto com outras discussões a  
serem compreendidas dentro da lógica do capital. Estes planos, ainda que não concretizados em vida,  
revelam a intenção de Marx de tratar o estado como uma entidade profundamente ligada às relações  
econômicas, à distribuição do produto social (impostos, dívida pública) e as crises. A menção explícita  
aos “impostos, ou a existência da classe improdutiva” já indica que, para Marx, os impostos são um  
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análise de Marx, demonstra que a esfera política não é autônoma, mas um momento  
necessário e determinado pela reprodução das relações sociais de produção. Ao partir  
da célula fundamental da sociedade burguesa a mercadoria e reconstruir as leis de  
movimento do capital em sua totalidade, estabelecemos as bases para uma análise  
radical do estado e de sua gestão. Desta forma concordamos com Wellen (2025),  
segundo o qual a pesquisa econômica desenvolvida por Marx ao longo de suas obras  
(com destaque para O capital), “não pode ser tratada de forma isolada, e precisa ser  
utilizada também como parâmetro para a análise do estado” (WELLEN, 2025, p. 18).  
A investigação nos permitiu concluir que o estado opera sob uma dualidade  
contraditória fundamental. Vimos como o Livro I estabelece sua base material,  
demonstrando que o estado não pode superar a pobreza porque ela é um produto  
funcional da própria acumulação. Em seguida, a partir do Livro II procuramos  
demonstrar que o aparato estatal opera como um custo geral de gestão do sistema,  
administrando um fundo público que é, em essência, uma dedução do mais-valor  
extraído da classe trabalhadora. Por fim, a partir do Livro III buscamos situar o estado  
na arena da luta de classes, submetido às crises imanentes ao capital e atuando como  
o gestor dos interesses da classe dominante, seja na distribuição do mais-valor, na  
socialização das perdas ou na criação de novos flancos para intensificação da  
exploração da força de trabalho.  
A partir deste argumento, a impotência [Ohnmacht] da gestão estatal não é uma  
premissa, mas uma conclusão lógica de sua função estrutural: sua impotência para  
promover a emancipação humana é a contraface de sua potência para servir à  
acumulação de capital.  
Estas constatações são de suma importância para o debate atual, porque nos  
permitem, entre outras coisas, desmistificar o discurso hegemônico que atribui as  
crises sociais a falhas de gestão, à corrupção ou à “ineficiência” do setor público.  
Permite-nos ainda ver as políticas de austeridade econômica e as (contra)reformas na  
gestão estatal não como erros técnicos, mas como expressões da luta de classes em  
um momento de acirramento das contradições do capital.  
A crítica de Marx nos revela que a superação das mazelas sociais não virá de  
uma gestão pública mais “eficiente” ou “moderna”, mas apenas da superação das  
relações de produção que tornam essa administração, simultaneamente, tão potente  
para o capital quanto impotente para a humanidade. A tarefa, portanto, não é a de  
reformar o estado burguês, mas a de lutar por uma transformação política que, ao  
mecanismo pelo qual parcelas do produto social são apropriadas para sustentar camadas sociais que  
não geram diretamente valor.  
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Notas sobre estado e políticas públicas a partir da crítica da economia política marxiana  
abolir a dominação de classe, torne possível o fim da própria política como esfera  
separada e, com ela, do estado burguês.  
Dado a magnitude d’O capital, ressaltamos que não consideramos esgotadas  
as possibilidades de discussão da temática na obra marxiana. O movimento  
argumentativo aqui realizado teve como pretensão sintetizar e destacar, como ponto  
de partida, alguns dos elementos da crítica da economia política que consideramos  
fundamentais para uma reflexão radical a respeito do estado e de sua gestão.  
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Como citar:  
CHAVES, Rossi Henrique. Notas sobre estado e políticas públicas a partir da crítica da  
economia política marxiana. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 2, pp. 211-233,  
2025.  
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