Ester Vaismam; Ronaldo Vielmi Fortes
em meras determinações lógico-dialéticas da consciência. O erro residiria em converter
a classe trabalhadora em um sujeito metafísico, um portador quase automático da
racionalidade histórica — algo que o Lukács maduro repudia.
Não por acaso, o mesmo autor rechaça com veemência tais imputações
filosóficas à realidade, em Para uma ontologia do ser social, destacando a postura de
Marx frente aos pensadores e filosofias de seu tempo.
O posicionamento sumamente consciente [de Marx], simultaneamente
de aprofundamento e crítica em relação a todos os predecessores (a
Hegel, à economia clássica, aos grandes utópicos) mostra isso com
toda a clareza. O marxismo, portanto, jamais escondeu a sua gênese
e função ideológicas: é possível encontrar em seus clássicos
frequentes formulações no sentido de que ele justamente seria a
ideologia do proletariado. Por outro lado e simultaneamente, em
todas as suas exposições teóricas, históricas e sociocríticas, ele
sempre levanta a pretensão da cientificidade; a sua polêmica contra
concepções falsas (por exemplo, as de Proudhon, Lassalle etc) sempre
se mantém, pela própria essência da coisa, num plano puramente
científico, consistindo na comprovação racional e programática de
incoerências na teoria, de imprecisões na exposição de fatos históricos
etc. O fato de tais abordagens com muita frequência serem reforçadas
pela crítica à gênese social dessas concepções falsas, como às vezes
é o caso do caráter infundado, da ingenuidade, da malafides etc.
muitas vezes espontâneas do comportamento ideológico em questão,
nada muda no caráter científico dessas controvérsias.9
Por essa razão, a contribuição mais sólida das obras tardias de Lukács talvez
seja justamente o estabelecimento de um critério: nenhuma teoria do ser social pode
substituir a investigação concreta, e nenhuma categoria pode anteceder a realidade
sem cair no risco do dogmatismo. A crítica à cientificidade e a crítica às pseudo-
objetividades fundadas em raciocínios pragmáticos, em Lukács não é rejeição da
ciência, mas crítica ao fetiche da ciência enquanto sistema fechado de garantias. Seu
projeto, ao mesmo tempo rigoroso e antidogmático, procura articular filosofia e ciência
sem permitir que uma substitua a outra — evitando, assim, as armadilhas dos
filosofemas especulativos que, ao prometerem explicações definitivas, acabam por
afastar-se da historicidade viva do ser social.
Como sempre, a edição atual da Verinotio Nova fase traz vários artigos que
contemplam direta ou indiretamente o legado de Karl Marx, assim como o de György
Lukács. Ademais, sempre que possível, o conselho editorial da revista se esforça em
publicar contribuições que se voltem ao caso brasileiro e ao cenário atual, nas suas
várias dimensões.
9 LUKÁCS, Para uma ontologia..., op. cit.; p. 569-70.
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 2, pp. IX-XVI – jul.-dez., 2025
nova fase