REVISTA VERINOTIO  
NOVA FASE  
Edição Especial  
Volume 30.1  
J. Chasin  
A miséria brasileira  
1º. semestre  
2025  
VERINOTIO - REVISTA ON-LINE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS  
ISSN 1981-061X v. 30, n. 1 - Edição Especial, 1º. semestre de 2025  
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SUMÁRIO  
Editorial: Essencial é enterrar os mortos ........................................................................... IX  
Vitor Bartoletti Sartori  
Edição especial  
A miséria brasileira J. Chasin  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo: uma reflexão marxista sobre  
nossa formação sócio-histórica ..................................................................................................... 1  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-  
1937)……………………………………………………………………………….............. 40  
Antonio Rago Filho  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização ................................................................. 60  
Lívia Cotrim  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império: fundamentos da subordinação  
financeira (1822-1840) ..............................................................................................................101  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
Determinações da punição no capitalismo de via colonial brasileiro: da colônia à  
formação da classe trabalhadora livre .................................................................................... 130  
Nayara Rodrigues Medrado  
O racismo na via colonial ........................................................................................................... 154  
Maria Goreti Juvencio Sobrinho  
Uma filosofia para a acumulação: o pensamento isebiano na miséria brasileira ...... 184  
Leandro Theodoro Guedes  
Antinomias da “via prussiana” à brasileira de Carlos Nelson Coutinho ........................... 216  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
A reforma trabalhista de 2017 enquanto expressão da miséria brasileira: o rebaixamento  
salarial como objetivo da lei ………………………………………...………………..…. 259  
Pedro Rocha Bado  
A crise que se agrava e a miséria brasileira que persiste ……………………..………. 290  
Thiago Martins Jorge  
Via colonial, o tempo das crises e a necessidade um programa econômico de esquerda:  
socialismo ou a tragédia da barbárie cotidiana ainda hoje ……………...……..……. 318  
Vitor Bartoletti Sartori  
O “pavoroso deserto ideológico”: dos fundamentos à atualidade do ideário politicista  
na miséria brasileira ………………………………………………………...…..………. 352  
Elcemir Paço Cunha  
Entrevista  
J. Chasin:  
‘A produção teórica do marxismo no Brasil é decepcionante’ .......................................... 385  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.756  
EDITORIAL  
Essencial é enterrar os mortos: os cadáveres  
insepultos e o vampirismo da esquerda diante do  
passado  
Vitor Bartoletti Sartori*  
A presente edição vincula-se à futura republicação de A miséria brasileira, de J.  
Chasin. A opção da Verinotio de dar seguimento ao projeto de disponibilização das  
obras completas do filósofo paulista se explica pela busca por, simultaneamente,  
viabilizar a consulta a textos fundamentais para sua própria época e intervir ativamente  
no debate das ideias do presente.  
Por essa razão, a retomada de teorizações de Chasin, clássicas acreditamos –  
para o marxismo nacional, não configura uma atitude laudatória ao pensamento do  
autor de O futuro ausente, mas o destaque de possíveis pontos de partida para a  
compreensão das determinações da especificidade do capitalismo brasileiro. Em  
palavras distintas e explicitando as consequências de nosso raciocínio: ao mesmo  
tempo em que a simples transposição das posições chasinianas para o presente é  
inviável e anacrônica, devido às transformações que ocorreram no sistema capitalista  
de produção (com as consequentes mudanças na circulação, distribuição etc.) e em  
nosso capitalismo de via colonial, ignorar ou silenciar sobre o filósofo paulista deixa  
aberta uma grande oportunidade para a reiteração dos descaminhos da esquerda, em  
particular do marxismo tupiniquim.  
***  
Um tema primordial para a obra chasiniana é a derrota das revoluções que,  
* Mestre em história social pela PUC-SP, doutor em filosofia e teoria geral do direito pela USP, professor  
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: vitorbsartori@gmail.com. Orcid: 0000-0001-  
9570-9968.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
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Vitor Bartoletti Sartori  
grosso modo, deram a tônica da história de 1848 até 1989. Assim,  
retrospectivamente, é imprescindível constatar que esses acontecimentos conformam  
o que havia de mais grandioso do passado; eles também foram dotados de um papel  
formativo vital para as gerações pregressas de intelectuais e de militantes socialistas.  
Contudo, como até mesmo os mais limitados marxistas sabem, uma revolução dos  
tempos atuais independentemente de sua conformação concreta e de suas  
determinações não pode retirar sua poesia do passado. Por conseguinte, o futuro da  
esquerda também depende de seu acerto de contas com os eventos e com as  
teorizações pretéritas. Assim, a impossibilidade de não exime pelo contrário a  
esquerda de uma investigação criteriosa sobre as razões das derrotas das lutas da  
classe trabalhadora e, particularmente, das lutas socialistas. Ademais, tal estudo não  
nos desobriga de apreender a diferença específica entre as distintas épocas,  
dessemelhança que torna inviável quaisquer transposições do passado ao tempo  
presente.  
A investigação do passado revolucionário constitui parte do entendimento  
necessário de nosso tempo, até  
o
presente momento, efetivamente  
contrarrevolucionário. E, assim, o cardápio de estudos imprescindíveis é vasto e  
poderia incluir, para que mencionemos somente acontecimentos mundiais: a retomada  
das derrotas de 1848 nos países europeus (e não só na França); os estudos sobre  
revoltas agrárias da mesma época em países como a Polônia; a análise crítica, e não a  
celebração apoteótica, da Comuna de Paris e da Internacional Comunista; o  
entendimento post festum sobre os limites da Revolução Russa e da  
interessantíssima década de 1920; a compreensão sobre a década de 1930, a derrota  
do movimento comunista, a ascensão do nazifascismo e da miséria ideológica  
irracionalista a ele relacionado; a percepção sobre a degeneração da revolução  
soviética sob Stálin e sob o stalinismo e a emergência da guerra fria; o reconhecimento  
da crise do marxismo como ideologia de massas já no último quarto do século XX,  
dentre muitos outros temas. Mencionamos esses eventos vitais porque, depois que um  
tempo tem seu termo, é factível olhar para o passado sem as ilusões que lhe eram  
características e, assim, torna-se uma tarefa indispensável identificar os mortos e os  
enterrar de modo próprio, com as devidas honras e críticas. Por conseguinte, como  
temos tentado salientar, a mirada para o passado é também parte da necessária  
retomada da perspectiva e da posição de esquerda.  
O olhar retrospectivo deve, entretanto, investigar sobretudo as (auto)ilusões e  
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as limitações subjetivas e objetivas que levaram às derrotas da esquerda, sem qualquer  
romantismo. Dotada do realismo daqueles que reconhecem tanto a própria miséria  
teórica e prática quanto a urgência da apreensão das contradições do presente, é  
primordial tomar uma posição declaradamente socialista após derrotas duras, que  
tornaram o capitalismo o horizonte atual. Queremos, então, como herdeiros de Chasin  
que somos, reiterar desde logo nossa profunda convicção acerca da necessidade e da  
possibilidade histórica da revolução social, posição a partir da qual são feitas as críticas  
a seguir.  
Se seguirmos as posições defendidas por Marx já na década de 1840, a perda  
das ilusões é a maior vitória que um movimento de massas pode angariar depois de  
seus revezes. Em seu Lutas de classes na França, o autor foi muito claro ao tratar das  
Jornadas de Junho. Para ele, a revolução estava morta. Ela havia sido derrotada. No  
entanto, o fruto de tal evento não estava consubstanciado somente no retrocesso do  
movimento dos trabalhadores, mas na abertura dos horizontes decorrente da perda  
das ilusões. Nesse sentido, o autor conclamou com todas as letras: “a revolução  
morreu! Viva a revolução”! O próprio Marx, portanto, foi obrigado a reconhecer de  
modo claro a derrota da classe trabalhadora na sua primeira aparição revolucionária  
na cena pública. Mais do que isso, identificar os revezes sofridos pela classe  
trabalhadora foi condição sine qua non para o desenvolvimento da prática e da teoria  
marxianas. Por conseguinte, na obra do autor, bem como na de Engels, havia uma  
incontornável unidade entre a análise conjuntural, a teorização sobre as lutas de  
classes e a política, sobre as limitações do estado e do direito e, em primeiro e principal  
lugar, sobre a crítica da economia política. A tão aclamada correlação entre teoria e  
prática teve por base a mencionada vinculação.  
Da mesma forma, na primeira geração de marxistas do movimento comunista –  
aquela de Lênin e Rosa Luxemburgo , mesmo com nuances distintas, a mesma  
unidade de teoria e prática também dá a tônica. O desenvolvimento do capitalismo na  
Rússia e Acumulação de capital são grandes obras, indissociáveis tanto dos textos de  
intervenção dos autores (como Que fazer? e Reforma ou revolução?) quanto da  
atividade política dos melhores militantes de uma geração. Ainda sobre o caráter  
primordial da crítica da economia política, podemos destacar em uma geração mais  
recente de marxistas, aquela posterior à II Guerra Mundial, obras como Capital  
monopolista e Capitalismo tardio, respectivamente de Paul A. Baran e Paul Sweezy e  
de Ernst Mandel, são vitais. Nesses casos, porém, a unidade entre a atividade prática  
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da política e a teorização das categorias econômicas da sociedade capitalista estava  
marcada por muitos matizes suplementares, se comparada com a geração de Lênin e  
de Rosa. Não buscamos elencar todos os grandes marxistas do passado, contudo, a  
simples amostragem que mencionamos acima é suficiente para expressar o quanto o  
movimento comunista foi profícuo no que diz respeito ao desenvolvimento de uma  
crítica da economia política que fundamentasse as posições políticas de seu tempo. A  
grandeza da produção teórica mencionada também chama a atenção, principalmente,  
ao adotarmos a perspectiva contemporânea do marxismo.  
A tradição marxista tem nesses autores verdadeiros clássicos da crítica da  
economia política. Trata-se de gigantes cujos ombros dão apoio às gerações seguintes.  
Porém, pelo que dissemos, a unidade da teorização desses autores com o movimento  
comunista não resultou no triunfo das revoluções que vão de 1848 a 1989. Antes, a  
vinculação do proletariado revolucionário segundo Engels, herdeiro da filosofia  
clássica alemã com a intelectualidade comunista redundou tanto em acontecimentos  
grandiosos quanto no dolorido fracasso do movimento de massas que deu a tônica da  
esquerda até pouco tempo.  
Os séculos XIX e XX foram aqueles em que o aviltamento da força de trabalho  
e, em específico, daquela pertencente ao proletariado da grande indústria trazia  
como potencialidade a superação do capitalismo. Ou seja, cada crise do capitalismo  
portava em seu ventre a possibilidade de emergência do novo, de modo que ao  
menos assim se pensava o socialismo era uma possibilidade concreta. Em outras  
palavras, a potência do movimento comunista fundamentou-se no fato de a própria  
sociedade capitalista propiciar a emergência de uma classe social interessada na  
mudança substancial do modo de produção. Tal movimento também se apoiou na  
circunstância de as crises capitalistas expressarem tanto o anacronismo da apropriação  
privada da produção quanto o surgimento de formas de produção que eventualmente  
poderiam ter por base a confluência entre o desenvolvimento das forças produtivas e  
relações de produção assentadas na organização dos trabalhadores livremente  
associados. Hoje, porém, talvez vivamos em uma época distinta, em que as crises não  
engendram de imediato tais potências, mas a reposição, em escala ampliada, dos  
pressupostos do próprio capital. Por essa razão, em oposição ao passado  
revolucionário da esquerda, Chasin denomina sua época o que, entendemos, é  
perfeitamente adequada também para o presente momento de tempo das crises, a  
época em que, momentaneamente, as contradições no sistema capitalista de produção  
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deixaram de dar ensejo ao socialismo como possibilidade concreta. Nesse sentido, há  
mudanças substanciais, que precisam ser reconhecidas.  
Tal posicionamento chasiniano lança luz sobre um fato que deveria ser evidente.  
A esquerda, nós inclusos, ainda tiramos a poesia do passado. Ademais, não é raro que  
tentemos realizar o exercício pueril de buscar aquilo que poderia ter sido e que não  
foi no passado revolucionário, em especial o soviético. Somos herdeiros de grandes  
homens e mulheres, bem como de um movimento ligado a acontecimentos  
revolucionários sem igual. Contudo, vivemos sob a sombra de um passado que se foi  
e de revolucionários cujo ímpeto autocrítico nos é escasso. O movimento comunista  
do passado era profícuo na busca por programas econômicos, por mais problemáticos  
que eles tenham sido. Nós, por outro lado, ainda nem sequer conseguimos apreender  
as razões que consignaram a falência daquilo que foi entendido como economia  
socialista. Ou seja, vivemos no presente tanto eclipsados pela grandiosidade dos  
revolucionários do passado quanto pelos problemas das formulações teóricas e de  
suas práticas, as quais, como sabemos, mesmo que de modo sinuoso, redundaram em  
derrotas estarrecedoras, ainda não digeridas adequadamente por nós. A única  
vantagem dos revezes é que eles poderiam propiciar a potencial perda das ilusões,  
mas, infelizmente, não são raros entre nós os que nutrimos a ficção segundo a qual é  
possível simplesmente retomar os tempos áureos do marxismo e do movimento  
comunista.  
***  
Não se trata de reviver fatos e lutas derrotadas, mas de analisar as condições  
que levaram à derrota histórica da perspectiva do trabalho. De um lado, isso implica  
realizar uma crítica da economia política voltada à figura atual do capitalismo  
contemporâneo e, bem assim, buscar formas de organização correspondentes a tal  
investigação e que possam dar ensejo a uma adequada atividade (meta)política. De  
outro, reconhecer as insuficiências presentes mesmo nos melhores homens e mulheres  
que balizam nossas reflexões teóricas e que, inegavelmente, fizeram parte da falência  
do projeto socialista do século XX. Por todas essas razões, retirar a poesia do futuro  
significa destituir as ilusões do passado e apreender as determinações das relações  
de produção do presente de modo rigoroso para, então, poder transformá-las de  
acordo com as suas potencialidades latentes.  
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Tal contatação é, no entanto, quase uma tautologia. Em verdade, ela depende  
de condições práticas e teóricas, as quais sempre conformam o essencial da questão.  
Acerca do assunto, primeiramente, é visível que já nas décadas de 1980 a 2000,  
mas ainda mais hoje o marxismo e a esquerda como tal são meras sombras do que  
já foram.  
A estatura de Lênin, Rosa, Baran, Sweezy e Mandel é incomparável com a dos  
envolvidos com a crítica da economia política de hoje. Correlacionadamente, adite-se  
a pobreza de horizontes da esquerda contemporânea, a qual, no que é fundamental,  
oscila entre procurar enterrar qualquer perspectiva emancipatória e buscar preservar  
as ilusões do passado. Ou seja, o que é crucial a ser entendido parece nos escapar.  
Reafirmar os princípios basilares do marxismo pode ser fundamental, mas seria  
demasiadamente nominalista acreditar que basta a enunciação de categorias fundantes  
da crítica à economia política para que o marxismo e a perspectiva de esquerda  
novamente se encontrem sobre os próprios pés. Ironicamente, o marxismo corre o  
risco de buscar, com Austin e pensadores dos mais idealistas possíveis, “fazer coisas  
com palavras”.  
Certamente, podemos enumerar grandes autores em tempos recentes, como R.  
Kurz e I. Mészáros, por exemplo. No entanto, é visível em suas teorizações certa pressa  
em oferecer respostas à nova situação do sistema capitalista de produção. Ambos, por  
vezes, caem em raciocínios catastrofistas, em que, por exemplo, no autor de Para além  
do capital, a chamada “crise estrutural do capital” faz crer num capitalismo em estado  
terminal. A coragem de ambos os autores é admirável, já que reafirmam reiteradamente  
a necessidade de supressão do valor, do capital e do estado. Mas, em suas obras, é  
escasso o uso de estatísticas e de análises concretas e há disposições afetivas  
extremas: de um lado, certo pessimismo incondicional de Kurz e dos membros do  
grupo Krisis e, de outro, certo wishfull thinking de Mészáros, que não deixou de render  
elogios acríticos ao chamado “socialismo de século XXI”, da Venezuela chavista. Ou  
seja, Kurz reconhece a derrota da esquerda, mas acaba quase enterrando a perspectiva  
da esquerda junto com os mortos de ontem; sob outro enfoque, são notáveis as  
dificuldades do autor húngaro de identificar que, ao fim, a esquerda de nosso tempo,  
para que se diga com Chasin, está morta e vaga como um cadáver insepulto.  
Ainda seria possível elencar os herdeiros da tradição teórica de Sweezy e Baran  
como importantes para o marxismo contemporâneo. John Bellamy Foster e Fred  
Magdoff, ao contrário de Mészáros e Kurz, são pródigos no tratamento de situações  
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EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
concretas da economia capitalista. Porém, tal qual seus ascendentes intelectuais,  
tendem a utilizar uma terminologia keynesiana em momentos decisivos da apreensão  
das determinações da realidade. As difíceis análises da realização do mais-valor dão  
lugar à tematização sobre a demanda efetiva, por exemplo e, assim, a desenvoltura  
empírica dos autores ligados à Monthly Review convive com certa aproximação  
somente tangencial com os grandes temas de Mészáros e de Kurz, como a teoria do  
valor, a supressão do estado e da relação-capital. Ou seja, não é porque se apontam  
elementos importantes do capitalismo contemporâneo que a figura atual desse modo  
de produção foi realmente compreendida.  
Não obstante os inúmeros méritos de importantes marxistas da atualidade,  
trata-se de uma teorização típica de um tempo circunscrito por um futuro ausente. É  
imprescindível que isso seja reconhecido de pronto. Trata-se do tempo das crises,  
inclusive, da crise da própria esquerda.  
Seguramente, poderíamos elencar muitos outros importantes autores marxistas  
contemporâneos, e não é possível descartar de antemão os ganhos de suas  
investigações. Porém, o tempo das crises não tem permitido que haja um efetivo  
entrelaçamento entre a crítica da economia política e o desenvolvimento de um projeto  
econômico e político socialista. Na ausência de um sujeito social interessado na  
mudança substantiva da produção social, e na medida em que se oscila entre a pressa  
na apreensão da novidade do estágio atual do desenvolvimento capitalista e o recurso  
a um passado que não nos serve mais, o marxismo e a esquerda em geral estão em  
uma posição defensiva inédita em sua história.  
É verdade que, enquanto o capitalismo perdurar, a perspectiva da esquerda  
subsiste e a imprescindibilidade de uma posição socialista é igualmente atual.  
Contudo, uma condição para que a esquerda possa voltar a ser uma força real é o  
reconhecimento de sua derrota e de sua morte, até mesmo porque tal reconhecimento  
possibilita a renúncia a reescrever em forma de pastiche a prosa do passado. Se as  
teorizações pretéritas não se prestam mais a se apoderar das massas e se os  
marxismos mais contemporâneos (o nosso e o de Chasin inclusos, por óbvio) são  
insuficientes, identificar tal circunstância é um passo somente inicial, mas  
indispensável.  
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Até agora, apontamos que o futuro está ausente e evidenciamos a  
imprescindibilidade do reconhecimento, de nossa parte, de que, ao fim e ao cabo, a  
esquerda está morta. Assim, ainda não nos posicionamos propriamente sobre nosso  
país e a miséria brasileira, o que constitui tarefa basilar para aqueles educados em  
uma tradição que se recusa a subsumir as formações sociais específicas às  
determinações mais universais de um determinado modo de produção. Em outros  
termos, deve-se apreender a posição do Brasil no tempo das crises, quando a esquerda  
está morta e, para isso, é crucial captar alguns elementos basilares da conformação  
atual da miséria brasileira.  
Nesse sentido, um elemento vital para a tese da via colonial para o capitalismo  
é ser o capitalismo brasileiro. não só incompleto, mas incompletável. Nesse sentido,  
Chasin destacou n’A miséria brasileira que, se o capitalismo tardio alemão pode  
desenvolver-se plenamente por meio da brutalidade militar imperialista, o capitalismo  
tupiniquim, híper-tardio, subordina-se tanto às potências imperialistas de via clássica  
quanto às potências de via prussiana, o que determina sua atrofia. A consequência de  
tal raciocínio é que, na via colonial para o capitalismo, a burguesia nacional possui  
tanto atributos essencialmente antidemocráticos e antipopulares quanto um ímpeto  
prático subserviente diante dos imperativos da reprodução do capital transnacional,  
da qual mendiga migalhas. E, por essas razões, o capitalismo verdadeiro, amparado  
no ciclo completo da industrialização, no incremento de forças produtivas e na  
formação de um robusto mercado interno, é inviável no Brasil.  
Uma problemática essencial sobre o tema gira em torno da persistência da via  
colonial, ou de seu eventual encerramento, como chegou a indicar Chasin em alguns  
de seus textos tardios. As seguintes questões se colocam na ordem do dia: a inserção  
do Brasil no mercado mundial a partir dos governos FHC seria uma determinação que  
tornaria anacrônica a noção de via colonial? Depois dos governos do PT e hoje, qual  
a posição da esquerda nacional diante do capitalismo do tempo das crises?  
Com o objetivo de responder a tais questões, e na esteira do que já foi lembrado  
neste Editorial, em princípio, salienta-se que a unidade entre crítica da economia  
política e elaboração de um programa econômico elemento basilar da concepção  
marxista apareceu nas principais elaborações da esquerda nacional somente de  
modo tangencial e subliminar. É possível mencionar pensadores de grande valia, como  
Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré, Florestan Fernandes e, complementamos, o  
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próprio Chasin, que foram responsáveis pela elucidação de aspectos notáveis do  
capitalismo nacional e da configuração econômica dessa formação social. Inobstante,  
não há neles, no geral, uma unidade consciente, explicitamente elaborada, entre  
processo imediato de produção, processo de circulação e as figuras do processo global  
de produção, para que se use a dicção de O capital de Marx. Ou seja, o patamar  
alcançado pelos melhores pensadores da crítica nacional esteve aquém dos clássicos  
do marxismo e, em especial, daqueles amparados pela teorização sobre a crítica da  
economia política. Há também autores que abordaram diretamente tal problemática,  
como Ruy Mauro Marini e os teóricos ligados à teoria marxista da dependência,  
contudo, em verdade, eles ainda estão sendo resgatados do esquecimento no qual  
estiveram lançados e ainda há, portanto, que analisar o acerto e o saldo qualitativo de  
suas análises.  
Consequentemente, ainda que consideremos os melhores marxistas nacionais,  
como os citados, as determinações mais basilares do sistema capitalista de produção  
abordadas na obra magna de Marx não puderam ser interrelacionadas  
cuidadosamente e de modo a se realizar uma leitura da peculiaridade do capitalismo  
nacional que propiciasse uma unidade sólida entre crítica da economia política,  
programa econômico e estratégia política.  
Ademais, verdadeiramente, os autores mencionados podem até mesmo ter feito  
parte de agremiações políticas, como o PCB e o PT, mas foram secundarizados nesses  
partidos, em que, não raro, prevaleciam, respectivamente, teorizações vulgares do  
marxismo e uma abordagem politicista e eclética da realidade nacional, elaborada pela  
nata da intelectualidade universitária de esquerda, alocada na Universidade de São  
Paulo. Assim sendo, os grandes autores do marxismo nacional não ditaram os rumos  
da perspectiva da esquerda nacional; antes, foram marginalizados por ela. Não é o  
caso de se realizar o exercício supérfluo e fantasioso de imaginar como a realidade  
teria sido, caso eles tivessem tido o devido reconhecimento e a devida influência. Há,  
portanto, uma dimensão intelectual na morte da esquerda no Brasil e ela está vinculada  
tanto ao caráter não hegemônico das leituras mais interessantes do marxismo nacional  
quanto ao fato de que essas interpretações foram incapazes de estabelecer a conexão  
entre programa político e crítica da economia política.  
Há algumas razões para tal constatação, que são óbvias, mas, infelizmente,  
precisam ser assinaladas. A mais basilar diz respeito à impossibilidade de se retirar a  
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poesia do passado, ainda mais de um passado que não ocorreu. Por conseguinte, nem  
sequer é desejável tomar como modelo para hoje autores como Lênin, Rosa, Sweezy,  
Baran e Mandel, em que a unidade entre a crítica da economia política e o  
desdobramento de posições políticas consequentes é bastante factível.  
Como estipulamos, mesmo nos nossos maiores teóricos, a unidade entre a  
crítica da economia política e o desdobramento de posições políticas consequentes é  
mais tênue se comparada aos principais pensadores do marxismo mundial e, em função  
disso, os clássicos do marxismo nacional podem até mesmo oferecer pontos de partida  
ainda válidos sob aspectos específicos, mas nunca uma concepção suficiente para a  
apreensão da natureza do capitalismo contemporâneo e das determinações por meio  
das quais se atua na realidade concreta, seja no nível nacional, seja no internacional.  
Antes de tudo o mais, porque, mesmo que tais autores nacionais tivessem  
fornecido uma leitura impecável do sistema capitalista de produção, do capitalismo  
brasileiro e do que seria imprescindível para a superação do capitalismo aqui e alhures,  
os tempos atuais são outros e teorizações como as de Caio Prado Jr., Werneck Sodré,  
Florestan Fernandes e Chasin fazem parte de um momento anterior ao que vivemos.  
Mesmo Chasin, o mais contemporâneo dos pensadores marxistas elencados, é  
consciente dessa diferença entre as épocas, de que escreve no início de um tempo  
histórico, sem nos oferecer mais que indicações a nosso ver, indispensáveis sobre  
as raízes da miséria do presente. Ou seja, mesmo os melhores dos nossos  
antepassados são, como não poderia deixar de ser, parte de um pretérito que, para o  
bem e para o mal, não pode ser revivido. Como resultado, definitivamente, não  
estamos munidos da teorização necessária para a apreensão do tempo das crises e  
para o ressurgimento da esquerda no horizonte temporal.  
Também nesse sentido, é premente destacar que a esquerda, da qual somos  
parte, está morta. Há, porém, outro sentido em que tal afirmativa polêmica e  
provocadora é real. Trata-se de algo que remete ao direcionamento para a práxis  
que ainda hoje é retomado e que se destacou justamente nas organizações políticas  
da esquerda brasileira: no Brasil atual, de um lado, há certa reavaliação do stalinismo  
(e, portanto, da vertente mais influente do marxismo vulgar) que vem ganhando espaço  
na intelectualidade e nos partidos de esquerda; de outro lado, as categorias  
desenvolvidas pela intelectualidade uspiana e tomadas como parâmetro desde a  
década de 1960, como as teorias da marginalidade e da dependência e as críticas do  
Verinotio  
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ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025  
nova fase  
EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
populismo e do autoritarismo (aquilo que Chasin chamou de “quadrúpede teórico”)  
ainda possuem força no discurso teórico e político à esquerda, chegando, inclusive, a  
serem operacionalizadas na eleição de 2022. Da mesma forma, o desenvolvimentismo,  
ou seja, a crença na possibilidade histórica de completar o capitalismo nacional e  
sustentá-lo de forma autônoma, apresentou-se como tema na ordem do dia nos  
últimos anos. Ou seja, mesmo os melhores dos nossos antepassados são, como não  
poderia deixar de ser, parte de um pretérito que, para o bem e para o mal, não pode  
ser revivido ao passo que, cotidianamente, as perspectivas à esquerda intentam  
resgatar as fundamentações teóricas que foram dominantes em contraposição aos  
grandes autores do marxismo nacional e que não puderam animar as massas em um  
sentido vitorioso, antes ao contrário, as desarmaram em relação ao enfrentamento dos  
problemas concretos da nossa formação social. Em outros termos, atualmente são  
reanimadas teorias, como o marxismo vulgar, a analítica paulista e o  
desenvolvimentismo já historicamente ultrapassado, que não puderam ter vitórias  
duradouras e efetivas e, em verdade, ainda não as podem ter.  
No caso da retomada do stalinismo, internacionalmente, talvez tenha sido  
Domenico Losurdo um dos principais responsáveis pela reavaliação da figura de Stálin.  
Em textos com rigor pífio quanto ao uso das fontes históricas e com um tom pouco  
afeito ao debate teórico dos clássicos do marxismo, o autor italiano acabou por  
influenciar tanto personagens nacionais de baixíssimo quilate quanto pensadores  
sérios ligados ao PCB. No último caso, inclusive, foi visível a mudança de tom quanto  
ao stalinismo a ideologia do fracasso do socialismo de acumulação, conforme Chasin  
por parte de alguns dos principais teóricos do marxismo ligados ao partido. Deixou-  
se, desse modo, de fazer a crítica de toda uma era que terminou por representar um  
beco sem saída, dado que seus pressupostos materiais não eram suficientes para  
construir uma nova sociedade. E, assim, deparamo-nos com uma esquerda que, não  
só não assume as derrotas do passado, mas procura reavivá-las como se tivessem  
significado grandes vitórias, cujo sentido ainda nos diz respeito. Na ausência de um  
horizonte claro para o futuro, o passado dá a tônica e as ilusões agigantam-se,  
parecendo ser necessário ter algum dogma a que se apegar. A esquerda deixa de  
rasgar qualquer horizonte e pretende viver de uma representação imaginativa do  
passado, ao invés de deparar-se criticamente com as suas próprias ilusões. Soma-se a  
tal ideário sofrível a influência irrisória sobre as massas por parte da esquerda marxista  
organizada nos partidos políticos (de cuja qualidade teórica não é possível falar aqui):  
Verinotio  
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Vitor Bartoletti Sartori  
a resultante é que nos deparamos com um cadáver insepulto, que procura sua poesia  
no passado derrotado em que pesem heróis e batalhas memoráveis do movimento  
comunista. A necessidade de se apegar a um dogma também expressa não só  
elementos de não superação do stalinismo; em verdade, transparece que a própria  
atitude religiosa ainda marca a esquerda, que, com um nominalismo sem igual, parece  
acreditar que pode reavivar as formações pós-revolucionárias (vistas como socialistas)  
por meio de uma mudança na narrativa sobre o século XX e ao invocar ritualisticamente  
expressões e trejeitos típicos da época em que o socialismo de acumulação ainda  
conquistava o coração das massas. Ao invés de acertar as contas com o passado,  
identificando as limitações presentes inclusive nos melhores autores e militantes do  
marxismo, a esquerda nacional (e, em parte internacional) abandona sua autocrítica  
envergonhada. Ela passa a assumir o dogmatismo orgulhoso daqueles que são  
incapazes de reconhecer os próprios revezes e atuam como se o mundo se organizasse  
a partir de suas próprias cabeças. Nesse cenário, o marxismo vulgar revitalizado  
emerge como uma figura farsesca do marxismo de outrora. Em verdade, a situação é  
ainda pior, porque, nas mãos dos admiradores tardios de Stálin, está um marxismo  
carente de qualquer conteúdo que não seja a apologia justamente daquilo que  
necessita de crítica para que a esquerda e a perspectiva socialista possam ressurgir  
no horizonte histórico.  
A retomada crítica da lei do valor, da necessidade de fenecimento do estado e  
da supressão do capital são retiradas de cena em favor do orgulho revisionista  
neosstalinista.  
Ao lado de tal posição, mas dialogando explicitamente com a perspectiva  
desenvolvimentista, surge certo elogio do “socialismo de mercado” chinês. Com o  
apoio de intelectuais militantes como Elias Jabbour, tudo aquilo que foi  
problematizado (o mercado, o dinheiro, a lei do valor, a persistência do estado e do  
direito, a oposição cidade-campo e a organização hierarquizada do trabalho na  
produção) pelos mais perspicazes revolucionários da década de 1920, como Lênin,  
Pachukanis, Rubin e Preobrazhensky, é naturalizado como parte de um caminho mais  
adequado ao socialismo.  
São raciocínios que, alegando um apego à liberdade supostamente utópico no  
pensamento de Marx, defendem a alternativa chinesa e o “socialismo de mercado”. É  
um tipo de releitura objetivando fazer um acerto de contas com o marxismo e com o  
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socialismo que, ao fim, redunda na apologia do mercado, do valor, do desenvolvimento  
realizado com empresas estatais e privadas, do controle de fluxos financeiros. Ou seja,  
tal interpretação é incapaz de realizar o mínimo necessário e, sob a veste da  
recuperação de um socialismo possível, é mais uma expressão fantasmal da morte da  
esquerda. A suposta esquerda do século XXI aceita todos os pressupostos da direita  
e, em verdade, defende o essencial do horizonte do modo de produção capitalista.  
Também por essa razão, longe de reestabelecer qualquer força da perspectiva de  
esquerda, ocorre o oposto e as esperanças são alocadas no destino do país que  
produz substantiva parte do mais-valor disponível na configuração atual do sistema  
capitalista de produção.  
Essas tentativas de reanimar os moribundos são, contudo, marginalizadas na  
esquerda em nossa época, quando a hegemonia do pensamento socialmente engajado  
ainda está expressa em uma teoria que remota às décadas de 1950-60, mas que  
almeja ter robustez e sustentação política a partir da força eleitoral de que ainda  
dispõe o PT.  
Em verdade, o que prevalece é uma perspectiva que nem sequer pretende uma  
crítica ao capitalismo como tal. Tal abordagem, ligada a uma posição de  
pseudoesquerda, também expressa a mencionada morte da esquerda, mas não deixa  
de movimentar aqueles mais envolvidos na conformação defensiva diante dos ataques  
da direita e da extrema-direita. Em verdade, essa abordagem obteve destaque  
novamente nas eleições de 2022, em que Lula venceu Bolsonaro com o apoio  
substantivo de intelectuais e militantes autoproclamados de esquerda. Houve a  
retomada tímida das teses da marginalidade, do autoritarismo, do populismo e da  
dependência, além da reposição de posições do desenvolvimentismo, supostamente  
crente na possibilidade de completar o capitalismo nacional; porém, isso transcorreu  
sem qualquer proposta de uma política econômica, de modo que a lembrança de Celso  
Furtado, por exemplo, foi manipulada para mobilizar alguns poucos setores  
identificados com a esquerda e a pseudoesquerda. Ou seja, o ideário político que foi  
derrotado no golpe de 1964 e que ressurgiu com uma mistura de tragédia barata e  
comédia de mau gosto na institucionalização da autocracia burguesa em 1985 e em  
1989, agora, deu as caras com tons abertamente farsescos. Sem qualquer programa  
atinente à indústria e à tecnologia, de inserção do país nas tramas produtivas do  
capitalismo avançado e com a mera pretensão de gerir o capital atrófico no horizonte  
de um capitalismo subordinado, as bases da via colonial para o capitalismo parecem  
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ser repostas diariamente pelo governismo.  
Os motes teóricos da década de 1960 e a forma artificial pela qual eles foram  
trazidos para o final da década de 1980 e para o começo da década de 1990  
reaparecem na forma de pastiche e com um cinismo considerável, de tal maneira que  
não há crítica ao capitalismo como tal, nem à figura subordinada do capitalismo  
nacional. E, como consequência, persevera uma forma de entificação do capitalismo  
incompleta e incompletável na medida mesma em que o pensamento social brasileiro  
é paralisado e se torna uma sombra ofuscada do passado com o qual seria preciso  
acertar as contas.  
Economicamente, a inserção do país no mercado internacional significou o  
reforço de sua posição de exportador de commodities, sendo tanto o “choque de  
competitividade” dos governos FHC quanto o “neodesenvolvimentismo” dos anos mais  
engajados do governo Dilma e de Guido Mantega, como demonstrou Cláudio Katz,  
maneiras de reforçar o agronegócio monopolista e a mineração e, portanto, a produção  
ligada ao vilipêndio brutal dos recursos naturais, da fauna e da flora nacionais. Desse  
modo, passou-se longe de superar a via colonial de entificação do capitalismo. Pelo  
contrário, ela foi reforçada a partir de uma perspectiva supostamente à esquerda e  
que, ao fim, foi vista como o horizonte último do (neo)desenvolvimento nacional.  
Acreditamos que essa talvez seja a derrota mais estrondosa da perspectiva de  
esquerda no âmbito brasileiro. A posição da pseudoesquerda diante do tempo das  
crises continua sendo invocar as ilusões de outrora, como se nada novo estivesse  
acontecendo. Com isso, sem qualquer autocrítica, reiteram-se pontos de vista  
derrotados e desgastados. Dessa maneira, o campo da crítica deixa de ser o da  
esquerda e o avanço possibilitado pela perda das ilusões não aparece no horizonte, o  
qual, por seu turno, continua aquele de um futuro ausente. Entretanto, o pior  
apresenta-se nesse cenário quando as ilusões desgastadas, pueris e passadistas da  
pseudoesquerda são percebidas claramente pelas massas, as quais, diante de tal  
situação, preferem o realismo rude e cru daqueles que propagam não haver alternativa  
ao domínio brutal do capital. Em outras palavras, ainda mais duras, o grande revés da  
perspectiva de esquerda está no fato de a extrema-direita ter ocupado as ruas, ter se  
amparando na crítica às ilusões e, do mesmo modo cínico, ter reconhecido as suas  
derrotas do passado.  
O tempo das crises corresponde ao momento em que a perspectiva de esquerda  
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é mais atual no Brasil. Os horizontes do capitalismo não podem se desenvolver de  
modo autêntico e, por isso, urge eliminar as ilusões sobre a possibilidade de um  
caminho para o capitalismo não subordinado ao capital transnacional e à divisão  
internacional do trabalho. No entanto, um primeiro passo para que a perspectiva de  
esquerda possa ressurgir encontra-se no reconhecimento da morte da esquerda no  
mundo, e em solo nacional em específico. Sem isso, as ilusões reproduzem-se,  
conjuntamente com a recolocação dos pressupostos da reprodução do capital em sua  
especificidade na via colonial. E, nesse processo, aqueles que professam a perda das  
ilusões civilizatórias do capital ganham espaço ao defender não a necessidade de  
supressão do capital, mas da civilização. A barbárie cotidiana ganha espaço e as  
massas são parcialmente tomadas por um realismo cínico daqueles que só conseguem  
criticar as ilusões de ontem ao descartar quaisquer perspectivas e horizontes que não  
sejam inerentemente brutais. Uma grande contradição de nosso tempo é que a  
perspectiva de esquerda é tão atual quanto está distante da esquerda e, enquanto  
esta última não conseguir enterrar os mortos, a situação permanecerá dessa maneira.  
Sob o cadáver insepulto da esquerda, crescem os vermes da extrema-direita, os quais  
não possuem ilusões, mas também são destituídos de horizontes.  
Hoje, enterrar mortos torna-se uma condição para a reorganização da  
perspectiva de esquerda e para que sejamos mais que grupelhos de diferentes matizes.  
Enquanto nos mantivermos nessa conformação, não conseguiremos romper horizontes  
e exercer qualquer influência na consciência das massas populares e o resultado será  
tanto a expansão da extrema-direita quanto a reprodução diuturna da barbárie  
cotidiana que procura extirpar tudo o que existe de minimamente civilizado. Restamos  
como cadáveres insepultos que se alimentam de glórias passadas, as quais, em  
verdade, nem sequer são tão incontestáveis quanto aparentam ser à primeira vista. E,  
enquanto o cinismo da extrema-direita avança, mantemos ilusões pueris que somente  
afastam a perspectiva de esquerda daqueles que vêm sendo afetados diretamente pelo  
caráter antipopular, autocrático e subordinado do capitalismo de via colonial. Também  
por isso, a derrota avassaladora da esquerda precisa ser reconhecida com a finalidade  
de romper o círculo vicioso de uma esquerda iludida, sem base social e socialmente  
insignificante.  
A via colonial de entificação do capitalismo persiste no Brasil de modo claro,  
inclusive, na medida em que o governismo petista somente faz jogo de cena com a  
pseudoesquerda, procurando tornar-se um mero gestor do capital atrófico. A gestão  
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econômica, quase empresarial, do ex-professor e ministro Fernando Haddad,  
verbalmente remete às categorias desgastadas da analítica paulista e do  
desenvolvimento. Entretanto, não há qualquer programa econômico em sua gestão  
tecnocrática e, portanto, inexistem tentativas de realizar reformas minimamente ligadas  
às aspirações populares.  
Não só a pseudoesquerda petista está morta e continua vagando como um  
cadáver insepulto; sob o pretexto de barrar o avanço da extrema-direita, ela paralisa  
todas as iniciativas à esquerda e procura implementar o projeto da direita de modo  
civilizado.  
Economicamente, isso efetiva-se afastando o apoio das massas; politicamente,  
deparamo-nos com as acomodações espúrias e frágeis do chamado presidencialismo  
de coalização. Ao invés de os autoproclamados representantes da esquerda  
aproximarem-se de movimentos sociais e da população afetada pela inflação e pelo  
desalento, em nome da governabilidade e em decorrência da acomodação diante de  
um capitalismo incompleto e incompletável, vinculam-se ao fisiologismo mais grotesco  
e tornam-se reféns da gestão supostamente competente do capital atrófico no tempo  
das crises.  
Ademais, além de uma política econômica herdada da direita e do fisiologismo  
típico de uma esfera pública essencialmente autocrática, o terceiro governo Lula  
expressa de modo explícito o esgotamento das ilusões bem-intencionadas  
desenvolvidas pela analítica paulista. Primeiramente, porque o mesmo líder histórico  
das greves de 1978-80 e político que disputa a presidência desde 1989 ainda figura  
como o único líder à esquerda com algum respaldo eleitoral contra o avanço da  
extrema-direita. Em segundo lugar, devido à espiral descendente dos governos  
petistas, os quais, hoje, somente com muita boa-vontade poderiam remeter a uma  
gestão “de centro-esquerda” e, também por isso, Lula é um pastiche e uma sombra  
do que já foi. Por fim, há a impotência petista diante dos golpistas confessos de ontem,  
com a aproximação entre o governismo e camadas importantes dos militares. A  
consequência desse cenário é o vampirismo da pseudoesquerda, a qual sobrevive  
fazendo um jogo de cena quanto ao seu passado supostamente glorioso e se  
conformando como um parasita de todas as possibilidades do futuro. Enquanto o  
horizonte colocado contra a extrema-direita tiver essa conformação, o futuro  
continuará ausente e a barbárie cotidiana ganhará força. Por essas razões, a  
Verinotio  
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EDITORIAL: Essencial é enterrar os mortos  
republicação de A miséria brasileira de J. Chasin pode prestar um serviço importante  
no presente momento, em que é necessário reconhecer as derrotas da esquerda e  
extirpar as ilusões. Os textos publicados neste número da Verinotio, em torno d’A  
miséria brasileira, buscam aprofundar, problematizar e/ou desenvolver algumas das  
suas conclusões, de maneira que também eles apresentam uma oportunidade para  
refletir sobre os dilemas deste tempo de crises e contribuir para abrir horizontes à  
poesia do futuro.  
Belo Horizonte, maio de 2025  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 30, n. 1, pp. IX-XXV jan.-jun., 2025 | XXV  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.757  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do  
capitalismo: uma reflexão marxista sobre nossa  
formação sócio-histórica1  
J. Chasin and the colonial path of capitalism: a Marxist  
reflection on our socio-historical formation  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção*  
Resumo: Apresentam-se nesse texto os  
principais lineamentos da via colonial de  
objetivação do capitalismo, tal como elaborados  
pelo filósofo paulistano J. Chasin. Expomos,  
assim, as principais determinações que Chasin  
encontrou nessa forma específica de objetivação  
capitalista, como seu caráter autocrático,  
incompleto e excludente, a subordinação ao  
capital estrangeiro e o que o autor qualificou de  
encerramento deste caminho histórico, bem  
como os dilemas postos às esquerdas nesse  
quadro.  
Abstract: This text presents the main outlines of  
the colonial path of capitalism, as elaborated by  
the philosopher from São Paulo J. Chasin. We  
expose the main determinations that Chasin  
found in this specific form of capitalism, such as  
its autocratic, incomplete and exclusionary  
character, the subordination to foreign capital  
and what the author called the closure of this  
historical path, as well as the dilemmas posed  
to the left in this context.  
Keywords: Colonial path; Brazilian socio-  
historical formation; J. Chasin (1937-1998);  
Bonapartism; autocracy.  
Palavras-chave: Via colonial; formação sócio-  
histórica brasileira; J. Chasin (1937-1998);  
bonapartismo; autocracia.  
Aqui, tudo parece que é ainda construção  
E já é ruína  
Caetano Veloso, sobre Claude Lévi-Strauss  
O paulistano J. Chasin (1937-98) foi um filósofo e professor universitário  
marxista. Pesquisador do tema da marxologia, da politicidade e da ontologia,  
comparece nesta coletânea pela sua elaboração da noção de via colonial de entificação  
do capitalismo, apresentada em artigos publicados dos anos 1970 aos 1990 e  
1
Resultante de curso oferecido pelo canal no YouTube do Grupo de Estudos Marxistas da UFF Rio  
das Ostras durante o período da pandemia, este texto foi publicado originalmente na coletânea  
Pensando o Brasil (ASSUNÇÃO; MELO; JIMENEZ, 2023). A autora agradece imensamente a Ângela Maria  
Sousa e Ester Vaisman pelos argutos comentários a versões anteriores deste texto.  
*
Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF Rio das Ostras) e coeditora da Verinotio –  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: vanianoeli@uol.com.br. Orcid: 0000-0003-  
4119-9987.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
posteriormente coligidos no livro A miséria brasileira (1964-1989): do golpe militar à  
crise social, lançado após seu falecimento precoce. Infelizmente muito pouco  
conhecido no Brasil do século XXI, o autor em pauta é um pensador fundamental para  
a compreensão deste país.  
Chasin dedica sua vida a duas tarefas complementares, indissociáveis e  
retroalimentadas: a redescoberta de Marx em particular, a recuperação do estatuto  
ontológico da sua obra e a determinação ontonegativa da politicidade (cf. CHASIN,  
2000a) e a compreensão da particularidade da entificação capitalista no Brasil. Neste  
texto, trataremos apenas do último tema, ou seja, nosso objetivo é expor as suas  
principais descobertas sobre a formação social brasileira. Tal será feito de forma  
introdutória, mas completa, permitindo ao leitor ter uma visão geral da reflexão  
chasiniana sobre a matéria.  
Assinale-se que, bem distante de resultar de uma mera curiosidade  
enciclopédica, a aproximação chasiniana do tema da via colonial deveu-se a embates  
prático-teóricos efetivos, no interior dos quais se fazia necessária análise e tomada de  
posição em face de cenários específicos. Desta maneira, o assunto é tratado em  
variados textos, escritos no decorrer de aproximadamente 30 anos e nos quais houve  
níveis de aproximação diferentes e significativas mutações do próprio objeto, a  
realidade brasileira. Sem acompanhar em detalhe as mudanças socioeconômicas e o  
amadurecimento teórico de Chasin no trato do assunto, optamos aqui pela exposição  
apenas dos principais momentos relativos ao tema em tela, tomando como ponto de  
partida seu momento mais desenvolvido.  
Chasin, inspirando-se em Marx, busca entender o caminho específico pelo qual  
o capitalismo se objetivou no Brasil, concluindo que este tinha sido diferente daquele  
dos países ditos clássicos (a exemplo de França e Inglaterra) e dos chamados países  
retardatários (como Alemanha e Itália, de via prussiana), dessemelhanças que  
obrigavam à destilação de uma nova categoria: a via colonial de entificação do  
capitalismo, assunto deste texto.  
Antes, porém, de adentrar no tema propriamente dito, apresentamos ao leitor  
alguns momentos importantes da vida de Chasin. Em seguida, introduzimos o assunto  
com um brevíssimo apontamento preliminar acerca da questão das formas de  
objetivação do capitalismo e da relação entre universal e particular. Por fim, nos  
tópicos seguintes discutimos aspectos da via colonial (que são inextricáveis, separados  
aqui apenas para fins didáticos): a industrialização e a constituição de um capital  
Verinotio  
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ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 1-39 jan.-jun., 2025  
nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
atrófico, as formas de dominação burguesa, a incompletude das classes e as  
dificuldades da esquerda e, por fim, o encerramento da via colonial no processo de  
globalização.  
1. J. Chasin: momentos biográficos de uma trajetória ímpar  
A formação universitária de José Chasin (nascido em São Paulo, no dia 6 de  
janeiro de 1937) se iniciou em 1959, quando ingressou no curso de filosofia da antiga  
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, onde foi aluno  
de professores como João Cruz Costa, José Arthur Giannotti, Gilles-Gaston Granger e  
Michel Debrun. Ali, teve uma inserção no Partido Comunista (PCB), ainda que pontuada  
por divergências, e participou do movimento estudantil, inclusive tornando-se vice-  
presidente da Campanha pela Defesa da Escola Pública (presidida por Florestan  
Fernandes), enquanto representante da União Nacional dos Estudantes (UNE). Pouco  
antes de concluir a graduação, em 1962, aos 25 anos, coordenou uma pesquisa acerca  
do I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas ocorrido em Belo  
Horizonte (1961). Neste período, Chasin estava próximo de Caio Prado Jr., que o  
influenciou decisivamente na compreensão da formação sócio-histórica brasileira.  
Chasin se tornou professor na Escola de Sociologia e Política de São Paulo em  
1972. Por esse período, tomando como inspiração A destruição da razão de G. Lukács,  
passou a estudar um dos fenômenos ideológicos típicos do Brasil, o integralismo.  
Numa pesquisa que rastreou e fez a análise imanente de toda a obra do líder  
integralista Plínio Salgado, incluindo a literária e os discursos políticos, o filósofo  
paulistano buscou compreender a gênese, a determinação e a função sociais do  
pensamento pliniano no Brasil dos anos 1930. Neste trabalho ele se afastava da  
análise tradicional, que tomava (com base em semelhanças no plano da aparência) o  
integralismo por uma mera cópia do fascismo europeu, demonstrando que não só o  
discurso integralista pliniano tinha características completamente diferentes daquelas  
do nazi-fascista como as suas raízes sociais eram totalmente díspares. A ausência do  
elemento racial e o distanciamento da agressividade conquistadora imperialista –  
substituída pela regressividade a um passado idílico e por uma postura anticapitalista  
romântica típicas de um país colonizado e com forte presença da grande propriedade  
rural eram duas das maiores diferenças entre o ideário do líder integralista e o nazi-  
fascista. A tese O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no  
capitalismo hiper-tardio (1999), orientada por Mauricio Tragtenberg (um amigo leal  
Verinotio  
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nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
durante toda a vida de Chasin), foi defendida em 1977 na Escola de Sociologia e  
Política. A banca julgadora, da qual participou Antonio Candido, reconheceu o rigor e  
o brilhantismo do trabalho.  
Após um autoexílio de quase dois anos em Moçambique, aonde foi por ser  
então sua única oportunidade de trabalho, em 1980 Chasin se tornou professor na  
recém-fundada Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Ali, foi presidente da  
Associação dos Docentes (Adufpb) e membro do comando nacional da greve de 1980,  
a primeira grande greve das instituições federais de ensino superior. Contribuiu para  
a estruturação na região Nordeste da Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas  
(Seaf), entidade que era um importante fórum de debates à época. Também participou,  
em 1983, em Diamantina, da criação da Associação Nacional de Pós-Graduação em  
Filosofia (Anpof), de cuja diretoria foi membro duas vezes.  
No final dos anos 1980, já trabalhando na Universidade Federal de Minas Gerais  
(UFMG), criou o grupo de pesquisa Marxologia: Filosofia e Estudos Confluentes e veio  
a orientar pesquisas sobre a formação e o amadurecimento do pensamento marxiano,  
num projeto coletivo de grande envergadura.  
A busca de estudar e compreender a realidade brasileira e o marxismo o levou  
à editoria diversas vezes durante sua vida. Ele acreditava que o desenvolvimento de  
pesquisas rigorosas e a sua divulgação deveriam ser feitas simultaneamente e por  
canais próprios. Daí que tenha criado, juntamente com seu irmão, a editora Senzala2,  
que acabou falindo em 1968. Em 1977, junto com Nelson Werneck Sodré e outros  
teóricos significativos, fundou a revista Temas de Ciências Humanas.  
Já em 1984 veio à luz a Ensaio, um movimento de ideias articulado em três  
fundamentos: a produção teórica rigorosa, com a recusa e a crítica das objetivações  
materiais e espirituais do capital, do marxismo vulgar e da nova esquerda; a divulgação  
do resultado das pesquisas; e a orientação teórico-prática metapolítica, que tomava  
como norte a emancipação revolucionária do gênero humano (e poderia, futuramente,  
dar origem a um agrupamento partidário). O coletivo de pesquisas, a editora3 e a  
Revista Ensaio eram, assim, elementos de um mesmo projeto, em prol da compreensão  
2 Por esta editora foram publicados Marxismo ou existencialismo (1967), de G. Lukács, Navalha na carne  
(1967), de Plínio Marcos, e Hai-kais (1968), de Millôr Fernandes, entre outros títulos.  
3 A Ensaio publicou obras de István Mészáros (Filosofia, ideologia e ciência social, O poder da ideologia  
e outros); Ernest Mandel (A crise do capital), Victor Serge (O ano I da Revolução Russa), Heinrich Mann  
(A juventude do rei Henrique IV) e Goethe (Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister), entre muitos  
outros.  
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J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
rigorosa e da transformação radical da realidade. Nesse período, articulou-se em torno  
de Chasin um grupo de pesquisas de fôlego sobre o movimento operário-sindical e  
sobre vertentes do pensamento conservador aqui existente (em particular, os que  
foram elaborados durante a última ditadura), o que contribuiria para a compreensão  
da formação sócio-histórica brasileira, bem como sobre o legado ontológico de Marx  
Em 1997, depois da inviabilização da Editora Ensaio, Chasin criou a Estudos e  
Edições Ad Hominem e a revista Ensaios Ad Hominem, às quais se dedicava quando  
faleceu precocemente, em 31 de dezembro 1998, em Belo Horizonte, vítima de um  
ataque cardíaco.  
2. A relação das sociedades locais com o sistema capitalista global4  
Argumentando que o reconhecimento e o estudo das formas particulares de  
objetivação do capitalismo estiveram presentes em Marx da juventude às últimas  
obras, Chasin, em sua busca de desvendar o Brasil, faz um movimento de retorno ao  
filósofo alemão. Para este, em sua época, nos países europeus e nos por estes  
colonizados, a sociedade era capitalista, em estágios mais ou menos desenvolvidos,  
conforme uma série de processualidades históricas; e o estado, embora mudasse de  
fronteira para fronteira, era sempre determinado pela sociedade civil. De forma que “a  
sociedade pode se apresentar mais ou menos desenvolvida do ponto de vista  
capitalista, mais ou menos expurgada de elementos pré-capitalistas, mais ou menos  
modificada pelo processo histórico particular de cada país” (CHASIN, 2000, p. 38).  
Fundamenta, assim, a ideia de que não há um só caminho de efetivação do capitalismo,  
de que este modo de produção não é um estêncil do qual se faz uma nova cópia numa  
folha em branco, idêntica ou com apenas pequenas alterações, mas é “uma totalidade  
anatomicamente ordenada e em processo, apta e obrigada a colher o particular  
concreto” (CHASIN, 2000, p. 38). Dessa maneira, “há modos e estágios de ser, no ser  
e no ir sendo capitalismo, que não desmentem a universalidade de sua anatomia, mas  
que a realizam através de objetivações específicas” (CHASIN, 2000, p. 13).  
Ele também critica duramente as tentativas marxistas de apreensão da  
especificidade do capitalismo brasileiro até então existentes que ora generalizavam  
acriticamente as características universais do capitalismo aqui como alhures, ora  
4
Dado o caráter introdutório deste texto, não nos deteremos nos fundamentos filosóficos do debate  
sobre a relação universal, particular e singular, senão que apenas abordaremos os elementos  
estritamente necessários para a compreensão do tema que nos propusemos a expor (cf. CHASIN, 2021).  
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Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
superevidenciavam as singularidades, negligenciando os liames com a universalidade.  
Afasta-se, por isso, dessas interpretações, nas quais “a relação entre universal e  
singular (...) se mostra[va] como uma relação entre categorias exteriores uma à outra”,  
que confundiam singularidade concreta com dado empírico, não compreendiam o que  
é o universal concreto e desprezavam os caracteres ontológicos por desconhecerem  
a categoria da particularidade, que faz a mediação real entre universal e singular  
(CHASIN, 2000, p. 12-3).  
O autor em pauta desenvolve, a partir de Marx, a ideia de que o capital industrial  
era até então a forma matrizadora do regime capitalista, era o motor das  
transformações nas sociedades havia mais de 150 anos e o seu domínio é que  
instaurava o “verdadeiro capitalismo”. As vias de objetivação do capitalismo são  
justamente formas específicas pelas quais este se pôs, alavancado pelo processo de  
industrialização. De maneira que se atingem os nódulos centrais de cada formação  
social capitalista quando se analisa como se deu seu processo de industrialização, ou  
seja, seu ritmo e intensidade ao longo do tempo, seus vínculos com outras esferas da  
produção da vida e o modo como procederam os diferentes agentes sociais diante de  
tais demandas. Enfim, trata-se de avaliar o modo e a cadência do desenvolvimento das  
forças produtivas a partir do momento em que emerge o capital em sua forma  
“verdadeira”, a industrial.  
Apenas para ilustrar aqui o mais fundamental da questão (cujo aprofundamento,  
embora necessário, ultrapassa os objetivos deste texto), lembremos as muitas  
comparações feitas por Marx no tocante à história de países como Inglaterra, França e  
Estados Unidos, de um lado, e a alemã, de outro. Nos primeiros, países que  
percorreram a via clássica5 ao capitalismo, a burguesia assumira o papel de  
representante dos interesses universais das classes subjugadas sob o feudalismo e  
realizara uma revolução, e seu triunfo significara não a vitória de uma classe específica  
sobre o antigo sistema político, mas a instituição de todo um novo sistema social. A  
5
Conforme Chasin, tais caminhos são clássicos “porque mais coerentes, mais congruentes ou  
consentâneos, no plano da sua própria totalidade, enquanto totalidade capitalista, na qual as diversas  
partes fundamentais imbricam entre si e em relação ao todo de forma mais amplamente orgânica”  
(CHASIN, 2000, p. 43). Por isso, em suas obras econômicas Marx se ocupou mais detalhadamente da  
forma de objetivação do capitalismo que se pode denominar clássica muito especialmente, a do  
capitalismo inglês , tendo em vista o desenvolvimento normal do capitalismo que ocorreu ali, quer  
dizer, no qual não houve obstáculos ou impedimentos postos externamente e que o tivessem impedido  
ou deturpado. A classicidade de uma fase de desenvolvimento se refere, pois, a que tal transcurso tenha  
se dado de forma mais pura e nítida, sem que houvesse a contaminação por elementos a ele estranhos,  
o que possibilita levar a configuração de tais processos e das suas relações a sua máxima potência.  
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burguesia efetivara suas tarefas históricas ainda nos séculos XVII (Inglaterra) e XVIII  
(França), com a realização concreta de uma economia e uma sociedade capitalistas,  
mutuamente articuladas, organicamente estruturadas em sua interdeterminação e na  
integralidade de sua condição (CHASIN, 2000, p. 216), estabelecendo sua dominação  
econômica e política “na identidade formal da soberania popular” (CHASIN, 2000, p.  
158).  
Coisa distinta ocorreu em países retardatários, como Alemanha, Itália e Japão,  
típicos da via prussiana. Chasin toma por base principalmente a análise feita por Marx  
do seu país natal, a Alemanha, cujos dilemas o filósofo de Trier sintetizou na expressão  
miséria alemã. Aborda, dessa maneira, o atraso do processo histórico alemão (sua  
industrialização se iniciou já em meados do século XIX e só se acelerou com a  
unificação, em 1871), a ausência de revoluções e, portanto, o seu caráter conciliador  
com a antiga ordem, engendrando uma situação que era a combinação de novos e  
velhos males, de regressão e desenvolvimento. Chasin recorre também aos estudos  
acerca da via prussiana feitos por Engels, que salientava como a burguesia prussiana  
se impôs sem um processo revolucionário, tendo renunciado ao poder político,  
estabelecendo-se por meio de concessões e acordos com as classes representantes da  
antiga ordem e excluindo as grandes massas, dominadas pela força. Ainda assim, foi  
capaz de dar acabamento às suas tarefas econômicas, completando a industrialização,  
com uma importante indústria de base. Em suma, a “burguesia prussiana é  
antidemocrática, porém autônoma”, quer dizer, “realiza um caminho econômico  
autônomo, centrado e dinamizado pelos seus próprios interesses” (CHASIN, 2000, p.  
104). Nosso autor remete, ainda, a Lênin no que diz respeito às diferentes formas de  
resolução da questão agrária, para comentar a manutenção da grande propriedade  
rural alemã na transição para o capitalismo. E sintetiza os principais caracteres da via  
prussiana, segundo os autores clássicos: desenvolvimento do capitalismo de forma  
tardia, lenta, resistente ao progresso e conciliada entre os representantes da sociedade  
nascente e os daquela em desaparição, portanto, na ausência de uma ruptura  
revolucionária que incluísse as categorias sociais subalternas, de maneira que a  
sociedade sofreu formas de dominação heteróclitas, que combinavam iniquidades de  
várias formas de estado.  
Chasin, como outros autores, chama a atenção para as similitudes de tais  
caracteres com o caso brasileiro. Assim, “no afã de tracejar um contorno interpretativo  
geral do caso brasileiro”, afirma, “é precisamente enquanto modo particular de se  
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Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
constituir e ser capitalismo que o caminho prussiano tem para nós importância teórica  
básica” (CHASIN, 2000, p. 15). Nunca, entretanto, como modelo, mas como uma via  
histórica concreta de objetivação do capitalismo, como a nossa, contrastante com a  
clássica. Quais eram as determinações mais gerais que aproximavam as duas formas  
não clássicas de objetivação do capitalismo mencionadas?  
(...) tanto no Brasil quanto na Alemanha, a grande propriedade rural é  
presença decisiva; de igual modo, o reformismo pelo alto”  
caracterizou os processos de modernização de ambos, impondo-se,  
desde logo, uma solução conciliadora no plano político imediato, que  
exclui as rupturas superadoras, nas quais as classes subordinadas  
influiriam, fazendo valer seu peso específico, o que abriria a  
possibilidade de alterações mais harmônicas entre as distintas partes  
do social. Também nos dois casos o desenvolvimento das forças  
produtivas é mais lento e a implantação e progressão da indústria,  
isto é, do “verdadeiro capitalismo”, como distinguia Marx, do modo  
de produção especificamente capitalista, é retardatária, tardia,  
sofrendo obstaculizações e refreamentos decorrentes da resistência  
de forças contrárias e adversas (CHASIN, 2000, p. 15-6).  
Temos, pois, que há importantes traços comuns entre as formações sócio-  
históricas que objetivaram o capitalismo pela via prussiana e o Brasil. É, contudo, pela  
via do contraponto que Chasin avança na reflexão sobre o caso brasileiro. Isso porque,  
inobstante os avizinhamentos entre os dois caminhos, havia dessemelhanças que os  
distanciavam radicalmente. De fato, as características apontadas como análogas  
referem-se a abstrações razoáveis, que nos aproximam dos objetos de estudo,  
destacando e fixando elementos comuns, mas não esgotam o seu entendimento. Isto  
porque estes são “um conjunto complexo, um conjunto de determinações diferentes e  
divergentes”, “síntese de várias determinações”, tornando-se decisivo para sua  
apreensão conhecer a forma como se singularizam em formações específicas.  
Nesse mister, Chasin frisa as grandes distinções entre os casos prussiano e  
brasileiro tão grandes que mais os distanciam dos casos clássicos do que os  
aproximam entre si. Assim, a gênese da grande propriedade mencionada é totalmente  
distinta (na Alemanha, o latifúndio feudal; no Brasil, a empresa colonial, numa  
economia mercantil). Bem assim, se ambos passaram a trilhar o caminho da  
industrialização tardiamente em comparação aos países clássicos, a industrialização  
germânica ocorreu ainda no século XIX, foi rápida e completa, alçando o país ao  
panteão imperialista; em Terra Brasilis, por sua vez, a industrialização ocorreu  
tardiamente em relação à própria Alemanha, já num contexto de guerras imperialistas  
(a partir de 1930). E a burguesia prussiana manteve-se autônoma neste processo, bem  
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ao contrário do que ocorreu no caso brasileiro. De sorte que, insiste Chasin, não há  
justificativa possível para equiparar a situação de países como Alemanha, Itália e Japão  
– “elos débeis da cadeia imperialista, portanto fenômenos do capitalismo altamente  
avançado, entidades da fase superior do capitalismo” – à do Brasil na mesma quadra  
histórica, momento crucial do seu processo de industrialização, quando era objeto da  
disputa interimperialista (CHASIN, 2000, p. 58).  
Continuando a comparação entre Brasil e Alemanha, no caminho para o  
progresso histórico-social, palmilhado por ambos de forma irregular, intermitente e  
lenta, carregam os dois um pesado encargo, contudo, essa herança do passado era  
bastante distinta. E não se tratava de um mero atraso cronológico, que poderia ser  
superado com o tempo, antes ao contrário, em tal situação, o retardamento histórico  
significava estar em outro patamar histórico:  
Enquanto a industrialização tardia se efetiva num quadro histórico em  
que o proletariado já travou suas primeiras batalhas teóricas e  
práticas, e a estruturação dos impérios coloniais já se configurou, a  
industrialização híper-tardia se realiza já no quadro da acumulação  
monopolista avançada, no tempo em que guerras imperialistas já  
foram travadas, e numa configuração mundial em que a perspectiva  
do trabalho já se materializou na ocupação do poder de estado6 em  
parcela das unidades nacionais que compõem o conjunto  
internacional. Ainda mais, a industrialização tardia, apesar de  
retardatária, é autônoma, enquanto a híper-tardia, além de seu atraso  
no tempo, dando-se em países de extração colonial, é realizada sem  
que estes tenham deixado de ser subordinados das economias  
centrais. (CHASIN, 2000, p. 34)  
Híper-retardatário, o capitalismo brasileiro, na sua forma propriamente  
industrial, tornou-se realidade em circunstâncias históricas nas quais as lutas de  
classes já estavam bem avançadas não só em relação às dos países clássicos, mas  
inclusive comparativamente àquelas que ocorreram no momento da industrialização  
dos países de via prussiana. Diferentemente da alemã, tardia mas completa, a  
industrialização brasileira nunca se completou, o que teve repercussões amplas e  
determinou que o capital aqui presente não tenha se posto em sua figura integral e  
organicamente articulada em seus diversos elementos. Ademais, as classes dominantes  
brasileiras nunca romperam sua subordinação aos centros hegemônicos,  
6 Trata-se, aqui, de uma situação em que o poder de estado foi reivindicado em nome da classe operária,  
mas que acabou sendo voltado contra ela. Ainda jovem, Chasin já é crítico do stalinismo. Depois atesta  
o fracasso das transições intentadas no Leste Europeu e congêneres, embora tenha tido graus diversos  
de amadurecimento em relação ao tema, ao tempo que reafirma até o fim da vida a necessidade histórica  
e a possibilidade objetiva da revolução social, em prol da emancipação humana (cf. CHASIN, 2017).  
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diferentemente de sua congênere alemã.  
Chasin frisa, dessa forma, a necessidade de compreender a especificidade da  
objetivação do capitalismo nos países subordinados. Em seus termos:  
Na medida em que um país de economia subordinada não é distinto  
dos países subordinantes simplesmente em grau; na medida em que  
sua estrutura e seu processo histórico são de natureza apropriada e  
decorrente à sua condição de subordinado, seus fenômenos  
particulares não podem ser simplesmente igualizados aos fenômenos  
de aspecto semelhante que se verificam nos países dominantes.  
(CHASIN, 1977a, p. 134)  
Dessa maneira, em face das abissais discrepâncias entre os países de via  
prussiana e o Brasil, ressalta Chasin, é forçoso reconhecer não uma, mas ao menos  
duas formas particulares não-clássicas de objetivação do capitalismo, a via prussiana  
e aquela percorrida pelo Brasil, que ele denomina via ou caminho colonial. Nesta  
expressão que combina a dimensão histórico-genética (relativa às origens da  
formação social brasileira) e as interdeterminações categoriais , o adjetivo “colonial”  
diz respeito à subordinação estrutural, e não à política ou cultural. Chasin destaca,  
ainda, que, tal como cunhada, ou seja, como particularidade da objetivação do  
capitalismo quer dizer, enquanto mediação objetiva entre a universalidade do  
capitalismo e sua efetivação singular –, a via colonial segue o oposto da “‘criação’ de  
novos universais, tal como se dá quando, a colonial, se antepõe modo de produção”  
(CHASIN, 2000, p. 17).  
Por fim, observa, identidade nacional é algo distinto de aspectos pitorescos no  
campo cultural ou social, está associada à “equação relativa à produção e reprodução  
das categorias sociais que a integram(CHASIN, 2000, p. 220-1). Para compreender  
a identidade nacional brasileira, vamos, então, perscrutar a produção e reprodução  
social efetivada em seu seio.  
3. Contradições, intermitências e incompletude da objetivação do capitalismo  
industrial no Brasil7  
A industrialização brasileira foi um processo que teve vários adventos e surtos  
desde o século XIX, os quais inicialmente não prosperaram, depararam-se com diversos  
óbices e foram objeto de desacordos e oposições. Ademais de híper-tardia, a  
7 Neste item, esperamos desfazer confusões e restabelecer a especificidade do pensamento chasiniano  
em relação a outros autores que trataram do tema da formação nacional, indo, portanto, em direção  
diferente daquela que tomamos em texto anterior (“Constituição do capitalismo industrial no Brasil: a  
via colonial”, publicado em 2002).  
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entificação do capital industrial no Brasil “atravessou toda a primeira metade deste  
século [XX] em tentativas e contramarchas” e permaneceu incompleta (CHASIN, 2000,  
p. 34). Tais dificuldades deitam raízes na configuração econômica existente no país,  
de caráter agroexportador.  
Recorrendo a Francisco de Oliveira e Caio Prado Jr., Chasin explica que o Brasil  
havia se especializado na produção de algumas poucas mercadorias agrárias, e dentre  
estas daquelas exportáveis, cujo valor se realizava externamente. Aprofundando-se  
essa opção, com base na falácia da “vocação agrária” do país, gerou-se um círculo  
vicioso, segundo o qual a realização do valor na economia agroexportadora dependia  
do financiamento externo, e este implicava a manutenção da mesma forma de  
produção do valor, agroexportadora. Era necessária a reiteração do círculo vicioso da  
intermediação comercial e financeira externa para que o processo pudesse ter  
continuidade, implicando, por exemplo, a desatenção ao mercado interno. O que foi  
levado a tal ponto que as exigências desse mecanismo passaram a corroer todo o valor  
produzido pelo sistema agroexportador, consumido no processo de intermediação  
comercial e financeira estrangeira, porquanto, na distribuição do mais-valor entre  
lucros internos e lucros e juros externos, estes últimos foram largamente favorecidos  
(CHASIN, 2000, p. 56).  
Gastava-se, nesse mister, a maior parte do excedente social produzido pela  
totalidade do sistema econômico, na medida em que se transferiam recursos e rendas  
dos demais setores econômicos para o agroexportador. De maneira que os princípios  
da economia agroexportadora a inviabilizavam e, concomitantemente, bloqueavam o  
avanço da divisão do trabalho na direção do capitalismo industrial e, por conseguinte,  
o desenvolvimento das forças produtivas. Em síntese, a economia agroexportadora  
estava estruturada em prol dos interesses das burguesias subordinantes e direcionada  
para o exterior, de maneira que não houve uma acumulação interna revertida para a  
consubstanciação das bases necessárias à industrialização. Assim, as duas fases, a do  
auge e a da inviabilização da economia agroexportadora, significaram um bloqueio ao  
avanço do capitalismo industrial no Brasil, num quadro de subordinação ao  
imperialismo, mormente o inglês.  
O grande período de expansão da ordem agroexportadora havia sido  
subitamente interrompido e descambado em crise acelerada a partir de 1930. Apenas  
nesse contexto de auge e crise subsequente da economia agroexportadora (e do  
desequilíbrio crônico das contas externas do país) é que se tornaram necessárias  
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atividades econômicas alternativas, uma das quais veio a ser a indústria (CHASIN,  
2000, p. 56-7). Ou seja, o fim da hegemonia agroexportadora só veio a se pôr no  
horizonte na terceira década do século XX, quando se deu início definitivo à (várias  
vezes intentada) industrialização, e nos anos 1950, à predominância da estrutura  
produtiva urbano-industrial. Trata-se, pois, de um processo ultrarretardatário mesmo  
com relação aos países de capitalismo tardio, que naquela quadra já estavam  
envolvidos em contendas imperialistas. O Brasil, que ainda estava em estágio  
incipiente no tocante ao modo de produção estritamente capitalista, fazia parte  
justamente do território em disputa.  
A modernização da economia brasileira antes agroexportadora, agora  
industrial não alterou, entretanto, a lógica da produção determinada pelo exterior, a  
associação subordinada da burguesia nacional à estrangeira e a produção para um  
mercado interno restrito, com base na superexploração do trabalho. Exemplifique-se  
com o (mal) chamado “milagre econômico”, um “surto” econômico de crescimento dos  
que (como as ditaduras), longe de serem excepcionais, “fazem parte, lamentavelmente,  
do que há de mais característico, profundo e dominante da nossa formação histórica”  
(CHASIN, 2000, p. 59). Centrado na produção de produtos para exportação e/ou  
consumo das classes médias urbanas, em condições de carência de bases internas que  
lhe permitissem crescer autonomamente, implicou “concomitante, irreversível e  
determinantemente” a importação dos bens de produção e outros não produzidos  
internamente (CHASIN, 2000, p. 65). De fato, aduz Chasin, com uma boa dose de  
ironia, a formação e estrutura coloniais do país foram conservadas sob diferentes  
formas, com maior ou menor grau de complexificação, desde o “milagre” da exploração  
açucareira colonial, passando pelo da mineração, do café e, finalmente, o “milagre” da  
industrialização de 1968-73, o mais curto de todos, que alcançou muito rapidamente  
a inviabilização com os próprios pressupostos (CHASIN, 2000, p. 60).  
A via colonial de objetivação do capitalismo é marcada, antes de tudo o mais,  
pelo “estabelecimento da existência societária do capital sem interveniência de  
processo revolucionário constituinte”, característica que “é responsável por traços  
fundamentais do modo de ser e de se mover da formação nacional” (CHASIN, 2000,  
p. 220). “Toda revolução para ele é temível, toda transformação uma ameaça, até  
mesmo aquelas que foram próprias de seu gênero.” (CHASIN, 2000, p. 169) Sem a  
organicidade proporcionada por um processo revolucionário, o que constituiu o Brasil  
foi uma unidade territorial e linguística cuja subsunção formal ao capital se deu por  
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meio de uma sociedade escravista, radicalmente excludente e exploradora, inorgânica,  
desagregada, sem identidade econômica ou cultural, a que unia apenas uma ilusória  
autonomia política. Inserida nos processos de universalização do capital, foi  
experimentando o cosmopolitismo ao tempo que se mantinha provinciana,  
subnacional.  
Saliente-se, em acréscimo, a essência parasitária do capital atuante no país, “um  
aventureiro que abomina riscos e nunca os assume, e se acredita sempre no direito de  
ser financiado”, “sempre disposto (...) a se apropriar dos lucros e a impor a socialização  
dos prejuízos” (CHASIN, 2000, p. 170). Consoante tal inclinação íntima, este capital  
atribuiu frequentemente ao estado a realização dos pressupostos ao capitalismo,  
adquirindo o péssimo sestro de transferir para o estado os investimentos mais pesados  
e as atividades que não gerassem lucro líquido e certo num prazo relativamente curto,  
incluindo aí a indústria de base. As burguesias que se objetivaram pela via colonial,  
acomodadas à mesquinhez de sua situação, não realizaram as tarefas econômicas que  
as burguesias clássicas e prussianas levaram a cabo. Foi, pois, o estado que aqui atuou  
para firmar os fundamentos de uma economia capitalista, socializando eventuais  
prejuízos e privatizando lucros.  
Chasin adita um importantíssimo elemento, lembrado por Florestan Fernandes:  
na periferia, a acumulação se dá pela articulação da sucção da riqueza e dos recursos  
naturais e humanos ali existentes levada a efeito por mecanismos complexos e  
estrategicamente localizados nos setores e estruturas mais avançados e produtivos –  
com a institucionalização de taxas de mais-valor altíssimas. Estas são necessárias  
porque o excedente econômico passa por uma apropriação dual, qual seja, precisa  
abastecer simultaneamente as burguesias externa e interna sendo que para esta  
última resta uma parcela muito menor do espólio. De maneira que o ônus da  
acumulação de capital é carregado pelos países periféricos, enquanto os efeitos  
multiplicadores são absorvidos pelas economias centrais (CHASIN, 2000, p. 167).  
Entretanto, longe de se revoltar com tal situação, amplas frações burguesas do capital  
atrófico perceberam a própria fraqueza e subsumiram conscientemente ao estrangeiro,  
aceitando seu papel de sócio menor.  
No Brasil, de fato, a burguesia nasceu e cresceu à sombra de suas congêneres  
metropolitanas e “não é capaz de perspectivar, efetivamente, sua autonomia  
econômica, ou o faz de um modo demasiado débil”, é “incapaz, por iniciativa e força  
próprias, de romper com a sua subordinação ao imperialismo(CHASIN, 2000, p. 103-  
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4). Em suma, a incompletude do capital perfaz também a tibieza conata das categorias  
sociais que engendra, a qual se manifesta especialmente mas não se limita a ela –  
na burguesia, “classe que em seu bojo supostamente deveria ocupar o espaço  
hegemônico” (CHASIN, 2000, p. 34).  
Nesse cenário, em que “a evolução nacional é reflexa, desprovida  
verdadeiramente de um centro organizador próprio, está implicada a “própria  
excludência do progresso social” (CHASIN, 2000, p. 221). De fato, dinâmica a ponto  
de estar entre as maiores economias do mundo o que é antes um “índice da pobreza  
da maioria das nações” –, a economia brasileira também é campeã em miséria social  
(CHASIN, 2000, p. 167). Aqui, as categorias sociais não foram organicamente inseridas  
num projeto de integração nacional proveniente do capital, pelo contrário, a própria  
constituição deste implicava a exclusão de vastos contingentes populacionais. Sua  
própria compleição levava o capital atrófico ao pagamento de salários abaixo do seu  
valor histórico, à superexploração do trabalho que acarretava o pauperismo  
generalizado. Em outros termos, a exclusão social, que se ampliava na mesma medida  
em que a economia se tornava mais moderna e complexa (já que esta atualizava as  
mesmas características essenciais enquanto crescia e se complexificava), era  
consequência inevitável desse mecanismo. Os assim chamados excluídos são, portanto,  
produto genuíno da produção brasileira, do capital atrófico, “que reitera de modo  
particularmente agigantado a lógica intrínseca de todo capital: a produção em paralelo  
de imensa riqueza e de imensa miséria” (CHASIN, 2000, p. 166).  
Sintetizando em poucas palavras, à via colonial de efetivação do capitalismo é  
inerente o estrangulamento da potência autorreprodutiva do capital, a limitação  
acentuada da sua capacidade de reordenação social e a redução drástica da sua força  
civilizatória”, mantendo em irresolução crônica as questões mais elementares, a  
contradição estrutural entre o capital e o trabalho” (CHASIN, 2000, p. 221). Muitos  
dos que se debruçaram sobre a extrema desigualdade social brasileira deixam de  
apreendê-la como resultante da prática fundante da superexploração do trabalho e  
propuseram como solução mecanismos distributivos, desconsiderando a inter-relação  
dialética entre produção, distribuição, circulação e consumo (que tem na produção seu  
momento preponderante). A reprodução ampliada da miséria brasileira é, porém,  
resultante da forma como a produção se organiza e é esta que precisa ser desmontada  
(CHASIN, 2000, p. 174).  
A subordinação, a exclusão social (e a autocracia, como veremos) não eram,  
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portanto, superficiais e externos, mas efetivamente formas de existência típicas do  
capital aqui constituído que Chasin designou, a certa altura de suas pesquisas, de  
atrófico, justamente por essa sua má formação congênita, cujos caracteres sintetizou  
assim:  
na particularidade a que pertence o caso brasileiro, acumulação  
moderna e dinâmica e pauperismo estrutural ou superexploração do  
trabalho perfazem os membros contraditórios de uma mesma equação  
unitária do capital. Amálgama que reproduz, com toda sorte de  
tensões e desequilíbrios, junto com a modernização e o pauperismo,  
a subordinação estrutural do “hospedeiro”, e nesta a figura da  
incompletude de classe do capital que o caracteriza, a saber, sua  
fraqueza econômica (e política) relativa e sua falta de autonomia, sem  
as quais a associação desigual seria impossível (CHASIN, 2000, p.  
167).  
Este conjunto de mazelas “é o território precípuo de nossas categorias  
dominantes”, “não abstraídas suas equações modernizadoras e nem mesmo seus  
eventuais e pretensos arroubos menos acanhados” (CHASIN, 2000, p. 160). Não se  
tratava, dessa forma, simplesmente de modernizar a economia e a sociedade  
brasileiras para que se alçassem a novo patamar, num percurso que teria sido outrora  
percorrido pelos países centrais e no decorrer do qual seriam corrigidas as suas piores  
mazelas. Chasin frisa que o capital atrófico era estruturalmente incompleto e  
incompletável e que, pela sua forma de existir e de se mover, reiterava  
permanentemente sua condição de subalternidade no seu processo de constituição e  
modernização  
que se tornava “imediatamente reafirmação de sua  
incontemporaneidade”, isto é, “modernização sem ruptura é meramente a reciclagem  
do arcaico” (CHASIN, 2000, p. 214).  
Do exposto, resta evidenciado que à incompletude de classe de nossos  
proprietários estão emaranhadas sua subordinação às burguesias estrangeiras, seu  
congraçamento com os capitais mais atrasados, sua incapacidade de cumprir suas  
tarefas históricas já que promoveu a transferência das propriamente econômicas para  
o estado, enquanto deixou irrealizadas as políticas, como se abordará no próximo item.  
4. Autocracia e bonapartismo: formas de dominação burguesa na via colonial  
Vimos que o traço mais marcante da sociabilidade forjada pelo capital no Brasil,  
que objetivou hiper-retardatariamente a configuração social capitalista em sua fase  
industrial (que exige e impulsiona o desenvolvimento de todo um conjunto orgânico  
aqui nunca plenamente posto), é a inexistência de um processo revolucionário. A  
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burguesia colonial abandonou qualquer veleidade revolucionária, que implicaria  
ampliar os processos decisórios pela participação popular e, igualmente, a  
disseminação de ideologias e esforços práticos de instituir a democracia e o  
liberalismo, tal como observou Carlos Nelson Coutinho, citado por Chasin.  
Nesta forma de ser específica, os proprietários estão impedidos de  
desempenhar o papel de representantes dos interesses conjuntos da sociedade, como  
fizeram as classes burguesas ascendentes na aurora do capitalismo, função que aqui  
dá lugar à conciliação com os representantes da economia agroexportadora. Após  
1848, as burguesias clássicas acabaram também, por fim, renunciando a todo elã  
revolucionário, tornando-se conservadoras, mas antes disso haviam forjado toda uma  
sociabilidade nova, como já mencionado. Já o ultrarretardatário capital industrial  
brasileiro foi encarnado em personae que, além de surgidas numa era  
contrarrevolucionária, nunca chegaram a empunhar as bandeiras humanistas,  
racionalistas e liberais clássicas da burguesia revolucionária, antes ao contrário:  
tiveram seus objetivos e atuação estreitamente delimitados, objetiva e subjetivamente,  
sempre estiveram mesquinhamente voltadas para seus próprios interesses  
particulares. Em poucas palavras, “para algumas burguesias a democracia chegou a  
ser um objetivo, enquanto outras jamais cogitaram tal possibilidade” (CHASIN, 2000,  
p. 131), sendo esta a situação daquela presente no Brasil.  
Como o caso concreto em terras tupiniquins muito se distancia daqueles nos  
quais nasceu a democracia moderna, em vez de tomá-la como regime político natural  
nos mais diversos tipos de capitalismo, seria necessário indagar da possibilidade  
objetiva do seu advento, das condições reais de sua efetivação, bem como dos sujeitos  
coletivos que a poderiam sustentar e, é claro, de quem seriam seus inimigos. A  
análise das possibilidades concretas de nascimento e consolidação, dos protagonistas  
e dos antagonistas de um regime democrático é fundamental, porquanto, de outra  
forma, “corre-se o risco de reduzir a luta pela democracia, pelo recurso sempre  
arbitrário da dilatação das ‘autonomias relativas’, a um pobre ato de vontade, e a  
resvalar do pretendido caráter estratégico para uma estiolada taticidade politicista”  
(CHASIN, 2000, p. 104).  
Deixando de lado o dever-ser e analisando realisticamente a formação social  
brasileira, o que se percebe é uma repulsa à democracia os liberais eram  
representados, no Brasil, por algumas poucas individualidades por parte da  
burguesia, cuja incompletude de classe entrelaça-se com sua “inapetência congênita  
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para a democracia liberal” (CHASIN, 2000, p. 156). Sua subserviência ao capital  
estrangeiro a impedia de desempenhar o papel centrípeto que o foi o das burguesias  
outrora e alhures. No Brasil, os interesses mais íntimos das massas implicavam, antes  
de tudo, mudanças na estrutura produtiva e na política econômica, a fim de que estas  
se voltassem ao atendimento de suas necessidades, passando, em primeiro e principal  
lugar, pelo fim da superexploração do trabalho (o que, por sua vez, implicava a  
eliminação da apropriação dual do mais-valor para remuneração das burguesias  
externa e, em menor escala, interna). Ou seja, sinteticamente, os interesses das massas  
só se realizariam com a mudança na estrutura produtiva e com o fim da subordinação  
ao capital estrangeiro, que encaixilhava as ações dos proprietários brasileiros. Ora,  
como poderiam as personae do capital brasileiro ceder espaço à soberania política  
popular se elas, além de estarem cativas de sua própria estreiteza orgânica, eram  
súditos das burguesias dos países centrais?  
Donde capital vassalo e soberania popular não se integrarem, sendo  
incapazes de efetivar, de modo minimamente coerente e estável, o  
círculo mágico e vicioso do “circuito institucional do capital, que  
consta da totalização recíproca entre sociedade civil e estado”,  
quando se trata da democracia liberal, ou seja, da democracia dos  
proprietários. (CHASIN, 2000, p. 156)  
A dominação material limitada, seu capital não autocentrado, nem autônomo,  
nem completável portanto, atrófico , bem como a época em que surgiu e se tornou  
hegemônico no consórcio no poder, implicava potência política acochada da burguesia  
tupiniquim, o que a compelia ao monopólio do poder.  
Desprovido de energia econômica e por isso mesmo incapaz de  
promover a malha societária que aglutine organicamente seus  
habitantes, pela mediação articulada das classes e segmentos, o  
quadro brasileiro da dominação proprietária é completado cruel e  
coerentemente pelo exercício autocrático do poder político. (CHASIN,  
2000, p. 221)  
Aqui a burguesia era obrigada, pois, a tomar distância, a um tempo, de uma  
solução orgânica e autônoma para a sua acumulação capitalista, e das equações  
democrático-institucionais, que lhe são geneticamente estranhas e estruturalmente  
insuportáveis, na forma de um regime minimamente coerente e estável” (CHASIN,  
2000, p. 124). Daí que se mantivesse em permanente conflito aberto com as  
categorias sociais dominadas, com maior ou menor grau de violência e repressão,  
enquanto mansamente se subordina ou concilia com aquelas que se emparelham na  
sua própria altura ou estão acima dela” (CHASIN, 2000, p. 128).  
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É por isso que, quando se investiga a história brasileira, fazendo dobradinha  
com os ciclos econômicos de crescimento subitâneo e efêmero que se sucederam  
continuamente, encontravam-se as formas autocráticas de dominação. Salta aos olhos,  
com efeito, a inexistência de uma democracia no país, mesmo nos moldes liberais,  
durante a quase totalidade de sua história (levando-se em conta, evidentemente, que  
estado de direito e democracia não são idênticos). Durante o período monárquico, a  
maior parte da população brasileira era escravizada, e na vigência da escravidão a  
existência de uma democracia moderna é uma absurdidade. Já na república, a “política  
dos governadores” dos seus primeiros 40 anos era, sob fachada liberal-democrática,  
uma “real ditadura das oligarquias rurais” (CHASIN, 2000, p. 60). Ainda nos anos  
1930, viu-se a ascensão do bonapartismo de Vargas. Em 1946, fim do Estado Novo,  
um militar na presidência, no espírito da guerra fria, reprimiu fortemente a sociedade  
em geral e os comunistas em particular, inclusive cassando os mandatos dos seus  
parlamentares e relegando o partido novamente à ilegalidade. Uma incipiente  
democracia teve lugar apenas, de acordo com Chasin, no curto período de menos de  
15 anos entre o segundo governo Vargas e o golpe de 1964 nos quais houve  
o suicídio de um presidente, a renúncia de um outro e a derrubada  
pela força de um terceiro; e tudo isto já sem contar com um pequeno  
enxame de golpes e contragolpes, e com o fato de que exclusivamente  
um único presidente da república conseguiu exercer, até o fim, o  
mandato que recebera em eleições diretas (CHASIN, 2000, p. 103).  
Foi, portanto, uma fase de menos “de década e meia, através da qual a  
democracia vigente, com todas as suas limitações, foi várias vezes duramente atacada,  
e ao cabo da qual não se conseguiu firmar” (CHASIN, 2000, p. 60). Por tudo isso,  
assevera, trata-se de conquistar a democracia, de fato, dado que ela não existiu de  
modo permanente e efetivo no país: “a democracia é o vir a ser, o historicamente novo,  
tendo, pois, de ser conquistada e construída, e não simplesmente reconquistada, dado  
que, num sentido legítimo e concreto, nunca a tivemos em nosso país [até este ano de  
1980]” (CHASIN, 2000, p. 103).  
Como nunca instituiu e nem mesmo desejou a democracia liberal, a burguesia  
da via colonial pôde, no máximo, comedir sua natureza autocrática e moldar  
civilizadamente o seu conservantismo (CHASIN, 2000, p. 153). Anuiu e se amoldou ao  
liberalismo econômico, mas nunca aspirou a ser democrática: “a ‘democracia’ possível  
da hiper-retardatária burguesia brasileira se resume na legalização, na  
institucionalização da sua insuperável negação da própria democracia” (CHASIN, 2000,  
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p. 132). Donde, por estas terras, as formas da dominação capitalista genuína oscilaram  
entre dois polos: o da truculência de classe manifesta(o bonapartismo, forma de  
dominação burguesa “em tempos de guerra”, expressão armada do politicismo) e o da  
imposição de classe velada ou semivelada(a autocracia institucionalizada, forma de  
dominação burguesa “em tempos de paz”, expressão jurídica do politicismo), tipos de  
soberania do mesmo capital atrófico (CHASIN, 2000, p. 128). Tal alternância bloqueou,  
obviamente, a possibilidade de uma hegemonia burguesa de viés integracionista e  
com participação de todas as categorias sociais, quer dizer, as classes dominantes  
brasileiras “estão impedidas de conceber e exercitar a forma menos perversa de sua  
dominação, que é a democracia de classe dos proprietários” (CHASIN, 2000, p. 153).  
Chasin conclui que, no Brasil, a burguesia pode ser arrastada ou compelida à  
democracia, esta pode ser feita à sua revelia, mas ela própria não é nunca o seu  
agente” (CHASIN, 2000, p. 131).  
Nos países clássicos, o capital protege o modo de produção capitalista de  
qualquer impugnação radical (teórica e prática), mas nesse mister tolera  
questionamentos que proponham soluções reformistas. Este capital, posto de forma  
mais orgânica e coerentemente articulada, tem condições de suportar tais  
contestações, o que explica, segundo Chasin, a importante presença da social-  
democracia nos países de via clássica. Nos países subordinados, por sua vez, não há  
espaço para nenhuma indulgência:  
o capitalismo subordinado da periferia, como o brasileiro, não  
possuindo a folga daquele, sempre roído pelo seu subordinante, e  
compelido a roer superlativamente seus subalternos, não só preserva  
na generalidade o modo de produção, mas nega qualquer gênero de  
questionamento econômico, pois não pode lhe escapar que, dentro  
da realidade de sua estreiteza capitalista, toda alteração significativa  
só pode provir da angulação das massas, implicando, mesmo quando  
não fere seu arcabouço fundamental, uma parcela de sua  
desmontagem, algo, portanto, em seu detrimento, no prejuízo  
imediato e na abertura de uma perigosa perspectiva (CHASIN, 2000,  
p. 133-4).  
Premida por amarras tão apertadas, a burguesia encontrou uma forma de se  
preservar de críticas e pressões transformadoras: o politicismo. De fato, em suas  
análises concretas da história brasileira, Chasin percebe uma politicização dos  
processos e debates8, ou seja, neles se promovia, em detrimento da determinação  
8
Bem entendido, não se está falando aqui da “consideração de que todo grande problema é um  
problema político, no sentido de que as grandes questões sociais têm sempre a magnitude dos negócios  
públicos”; nem de politizar, já que este ato “implica partir de uma equação da totalidade,  
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econômica, o isolamento e a supervalorização do político, “o desossamento do todo”  
(CHASIN, 2000, p. 8), que ficava esvaziado, desenraizado e sem concretude (isso para  
não falar dos que adstringiam ainda mais o campo, reduzindo o próprio debate político  
aos seus aspectos político-institucionais). Uma compreensão politicista reduz a  
totalidade social, articulada e complexa, exclusivamente a um dos seus elementos o  
político, ou seja:  
Considera, teórica e praticamente, o conjunto do complexo social pela  
natureza própria e peculiar de uma única das especificidades (política)  
que o integram, descaracterizando com isto a própria dimensão do  
político, arbitrariamente privilegiada. (CHASIN, 2000, p. 123)  
Dissolvendo-se a complexa realidade concreta em uma sopa política,  
transformava-se a “totalidade estruturada e ordenada do real complexo repleto de  
mediações – num bloco de matéria homogênea”, promovia-se a hipertrofia do político,  
que, além de constituir uma falsificação intelectual, “configura para a prática um objeto  
irreal”, resultado do desprezo das dimensões social, política, ideológica e,  
especialmente, das relações e fundamentos econômicos que constituem o ente  
concreto (CHASIN, 2000, p. 123).  
Tal procedimento secciona política e economia, tornando o segundo um  
epifenômeno ou uma derivação da primeira, desconsiderando suas interdeterminações  
e negando o caráter fundante, ontologicamente matrizador, do econômico (CHASIN,  
2000, p. 124). Ato contínuo, de forma despolitizada, propõe o debate (e põe,  
portanto, a possibilidade de aperfeiçoamento) do político, enquanto trancafia o  
econômico em minudências e tecnicalidades. É um modo de proceder tipicamente  
liberal, cujos princípios remetem a economia à vida privada vista como o ambiente  
dos interesses egoístas desbragados e conflituosos , enquanto a política, inchada  
formalmente, é dada como coisa pública, esfera dos debates e decisões públicos, do  
bem viver coletivo, da resolução dos conflitos.  
O politicismo implica a perda de potência e eficácia da atuação política, já que  
esta, autonomizada da economia (em que se deve buscar a anatomia da sociedade  
civil), é voluntarista e, assim, condenada à impotência. Com o apelo ao politicismo,  
restava protegida a espinha dorsal da dominação burguesa de via colonial, lastreada  
na economia (e, em particular, na superexploração do trabalho), a cujo debate  
enquanto importante assunto público se esquivava. O politicismo funcionava, pois,  
conceitualmente elaborada” (CHASIN, 2000, p. 8). O politicismo é, na verdade, um fenômeno simétrico  
ao economicismo e antípoda da politização.  
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como protetor da estreiteza econômica e política da burguesia” e, na medida em que  
efetivamente subtrai o questionamento e a contestação à sua fórmula econômica e  
aparentemente expõe o político a debate e a ‘aperfeiçoamento’”, “atua como freio  
antecipado, que busca desarmar previamente qualquer tentativa de rompimento deste  
espaço estrangulado e amesquinhado” (CHASIN, 2000, p. 124). É por isso que o  
politicismo não era meramente um recurso ideológico do conservantismo civilizado,  
senão que “é resultante primeira da obra prática de sua dominação de classe” (CHASIN,  
2000, p. 153). Ou seja, a burguesia brasileira tinha no politicismo sua “forma natural  
de procedimento”, estava “na forma de sua irrealização econômica (ela não efetiva, de  
fato e por inteiro, nem mesmo suas tarefas econômicas de classe) a determinante do  
seu politicismo. E este integra, pelo nível do político, sua incompletude geral de classe”  
(CHASIN, 2000, p. 124).  
Impedidas por natureza de efetivar sua autoedificação (porque vazias de  
identidade transformadora, apavoradas das revoluções), as personae do capital  
punham-se como figuras transformistas, termo que Chasin usa como sinônimo de uma  
forma de manipulação. Esta não era, assegura, atributo exclusivo das burguesias  
periféricas: em verdade, toda a burguesia de sua época estava trespassada pela  
“inteligência da manipulação”, sendo, porém, que nas burguesias do centro capitalista,  
esta veio depois que foi abandonada sua centelha revolucionária. O distintivo das  
burguesias subordinadas residia justamente em que nunca tiveram interesse ou  
condições de efetivar transformações, que substituíram pela manipulação (CHASIN,  
2000, p. 174). Não havia, na atuação manipuladora, espaço para transformação ou  
mudança qualitativa: toda alteração mantinha e reiterava as condições estruturais  
prévias e os lugares ocupados pelas categorias sociais, o que salientava desde logo  
sua eficiência, inobstante sua falsidade (CHASIN, 2000, p. 174). Muito mais importante  
que a mera trapaça ou engodo, subjazia aí a dispensa do senso e dos critérios  
objetivos de aferição do real e a substituição da verdade por fins utilitaristas, cuja  
perseguição imediatista orientava a prática.  
Obstada a transformação pela atuação das categorias sociais que  
personificavam o capital, dada sua incompletude, poder-se-ia abrir o espaço às que  
encarnavam a lógica do trabalho, que, diferentemente da burguesia, tinham a  
potencialidade universal de integralização (CHASIN, 2000, p. 164). O que quer dizer,  
na miséria brasileira: a irresolubilidade crônica do capital atrófico abriria possibilidades  
de transformação da perspectiva do trabalho. Nesse sentido, caberia ao proletariado  
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arrastar a burguesia para a democracia e não ser arrastado por ela ao campo dos  
formalismos liberais ou submetido sem subterfúgios a alguma forma de opressão  
despótica. Em suma, dada a particularidade da formação nacional, caracterizada pelo  
itinerário da via colonial, aqui “a construção democrática é possibilidade concreta  
apenas enquanto resultante das lutas sociais nucleadas pela ótica do trabalho”  
(CHASIN, 2000, p. 145) e “até mesmo os mais formais dos valores da democracia  
política” real e estável estariam associados à lógica e à ação do trabalho, então  
centradas na perspectiva operária (CHASIN, 2000, p. 105).  
O fato de o agente histórico do processo democrático (que pressuporia a  
ruptura com a via colonial) ser a massa trabalhadora, empuxada pelos trabalhadores  
da indústria em particular, denotaria necessariamente que “a motivação e o  
direcionamento não permanecem voltados, pura e simplesmente, para a objetivação  
de formas institucionais”, “mas implica necessariamente a democracia econômica, a  
democracia social, a democracia cultural”, ou seja, a totalidade concreta da vida em  
sociedade (CHASIN, 2000, p. 76; 131). Seria necessário efetivar medidas para superar  
a via colonial, cuja ruptura ainda que não se desse inicialmente enquanto superação  
do modo de produção, mas apenas do sistema produtivo alicerçado no arrocho  
salarial, o que não era pouco na realidade brasileira só era possível pela sua ação  
(CHASIN, 2000, p. 221). Em vez de garantir avanços institucionais para depois  
assegurar outros direitos (como os materiais), tratar-se-ia desde logo de articular as  
franquias legais com outras, mais substantivas: condições de salário e de trabalho sob  
as quais os trabalhadores produziam e reproduziam sua existência material, ou seja,  
modificar sensivelmente o enquadramento econômico do sistema e romper, assim, com  
o politicismo. A “desarrumação” e “desmontagem” de aspectos do aparato produtivo  
o impediria de reproduzir a superexploração do trabalho, abrindo espaço para uma  
democracia verdadeira, fundada na soberania dos trabalhadores (CHASIN, 2000, pp.  
132; 164).  
Similarmente à burguesia, a classe trabalhadora também foi, porém, afetada  
pelas condições históricas que presidiram o seu nascimento. Com isso, para Chasin, os  
representantes teórico-político-ideológicos da perspectiva do trabalho estiveram  
igualmente aquém de sua tarefa histórica, como se verá a seguir.  
5. Nascimento e morte das esquerdas no capital atrófico  
Chasin debate, embasado nos elementos formativos da realidade brasileira, não  
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só as características antiliberais da burguesia endógena como as graves deficiências  
das esquerdas. Também em relação a tal temática sua análise se distingue das mais  
corriqueiras, pois ressalta que as insuficiências e equívocos da esquerda dos países de  
via colonial estão diretamente ligados à incompletude de classe do capital. Assim, tais  
debilidades (“antes um indicador de qualidade do que um índice quantificador de  
força”, cf. CHASIN, 2000, p. 152) não são meramente devidas a incapacidades  
pessoais ou gremiais, mas remetem aos próprios segmentos da sociedade brasileira –  
os quais, por sua vez, têm sua forma de ser explicada pela atrofia da instituição  
histórica do capitalismo no país, consubstanciada por um capital atrófico. Inobstante,  
se “na débil torrente democrática do processo brasileiro, fraca é também a corrente  
proletária que nele atua”, em face da “incompletude de classe, que também atinge o  
proletariado no Brasil”, ela acabou sendo “superenfraquecida pela desorientação a que  
é submetida, sistematicamente, pelos partidos que o querem representar e conduzir”  
(CHASIN, 2000, p. 140).  
Para melhor compreendê-lo, façamos uma rápida referência comparativa aos  
países clássicos. Ali, o novo sistema social, o mundo burguês, um circuito orgânico  
formado pela economia capitalista e pela sociedade burguesa, foi instituído pelas  
revoluções burguesas, das quais as massas participaram e nas quais puderam,  
portanto, influir, introduzindo algumas das suas demandas sob o signo dos interesses  
universais. De tal maneira que, quando as revoluções de 1848 proclamaram a  
autoemancipação do proletariado, “a emersão social e política, prática e teórica, desta  
nova categoria social fez-se, lá onde alcançou seu significado mundial, contra a figura  
integralizada da burguesia(CHASIN, 2000, p. 157). Foi, pois, por sobre as  
reivindicações e realizações históricas progressistas da burguesia, retomadas e  
elevadas até o nível da ruptura revolucionária, que a perspectiva do trabalho se  
assentou em países clássicos. Com isto, ali, a crítica prática e teórica encetada pelos  
agrupamentos e ideologias representantes da perspectiva do trabalho teve início  
precisamente onde se estancou a crítica prática e teórica revolucionária dos  
proprietários. Não à toa, “a primeira aparição de um partido comunista  
verdadeiramente atuante se dá no seio da revolução burguesa” (CHASIN, 2000, p.  
158). Nessas condições, “a revolução do trabalho nasce como o melhor dos produtos  
da revolução do capital. Os trabalhadores retomam e elevam as bandeiras decaídas  
das mãos dos proprietários”, sua própria obra “começa por onde aquela termina”  
(CHASIN, 2000, p. 158).  
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Radicalmente distinta era a situação da esquerda na via colonial, porque nesses  
países jamais houve uma revolução burguesa. “A crítica prática e teórica dos  
trabalhadores, aqui, não principiou por onde os proprietários haviam concluído. Estes  
não só não haviam terminado, como não podiam terminar nunca.(CHASIN, 2000, p.  
159) Relembremos, com Chasin, a gênese do PCB, agora centenário: “ressalvada meia  
dúzia de anos da década de [19]20 (sem entrar no mérito do elaborado), já ao final  
desta, com a adoção das teses genéricas sobre o mundo colonial do VI Congresso da  
III Internacional, engendra-se a postura deplorável da cópia intelectual bisonha”  
(CHASIN, 2000, p. 157). Esta inanição teórica tornou-se crônica e foi elevada à  
tragédia no período stalinista e à farsa pelo neosstalinismo, com o pragmatismo e a  
dissimulação que lhe são típicos. A existência de transições tencionadas cuja falência  
não foi reconhecida por longo tempo no Leste europeu e a consequente crise do  
movimento comunista internacional agravaram o problema. Da divisão do PCB  
resultaram um grupo atraído para o viscoso pântano do eurocomunismo (com o  
abandono da perspectiva revolucionária) e outro atracado ao lamentável referencial  
(sino)albanês (apegado a uma suposta sociedade de transição inexistente), na prática  
deixando aberto o caminho à instrumentalização do neoconservadorismo e à tomada  
de espaço pela nova esquerda.  
Tomou forma no Brasil, por conseguinte, uma esquerda (a tradicional, ligada às  
tradições comunistas) esquartejada entre duas opções: a busca por completar como  
acreditava que poderia , via revolução democrática, as tarefas burguesas  
abandonadas pela própria burguesia e que não poderiam jamais ser as suas; e a de  
realizar a (possibilidade genérica tomada abstratamente) própria revolução proletária  
ou, nos dizeres de Chasin, “dar início ao processo de integralização categorial dos  
trabalhadores(cf. CHASIN, 2000, p. 159). Não havia, evidentemente, condições  
objetivas (nem subjetivas) para uma revolução socialista no Brasil dos anos 1960-80,  
um solo em que o capitalismo mais avançado nem existia efetivamente. Entre esta  
revolução incogitável, posta apenas idealmente, e a força muito concreta, com seus  
conflitos e exigências efetivos, de um capital incompleto e incompletável, a esquerda  
tradicional do capital atrófico acabou se dobrando a esta última. Insipiente do papel e  
das tarefas que lhe cumpria realizar, do seu lócus de nascimento e tempo histórico,  
“toma os parâmetros abandonados desta [burguesia clássica] como se fossem os  
supostos de itinerário e de projeto da burguesia de extração colonial, dos quais nem  
esta nem ela própria poderiam pretensamente escapar” (CHASIN, 2000, p. 159).  
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Labutou, assim, por um projeto de capitalismo nacional que “supunha, em última  
análise, a reprodução do padrão integral do capital desenvolvido, autonomizado pela  
ruptura com o capital metropolitano, de modo que seria alcançado o traçado clássico  
do sistema do capital, abstraídas distinções quantitativas” – acreditava ser possível um  
“sistema capitalista internacional formado pela justaposição de parcelas similares”  
(CHASIN, 2000, p. 215).  
Ao fim e ao cabo, “o devaneio de principiar a integralização de classe dos  
trabalhadores reduz-se a miserável voto piedoso” e “a empresa impossível de levar à  
completude o capital incompletável se amesquinha, progressivamente, em simples e  
melancólico ativismo caudatário” (CHASIN, 2000, p. 160). A esquerda tradicional  
passou, então, a atuar a reboque de uma suposta burguesia “nacional”, em prol de  
uma revolução democrático-burguesa que cumpriria uma etapa necessária para só  
depois se bater pela revolução socialista, a ser atingida posteriormente e  
necessariamente – a esta. Assim, ficou “entravada entre o revolucionarismo abstrato e  
o ativismo caudatário” e “neste movimento pendular consumiu quase toda sua  
capacidade teórica” (CHASIN, 2000, p. 161).  
Ademais, desacerto no imo do equívoco, a esquerda dita marxista deixou-se  
seduzir pelo ideário liberal (ao qual já havia abdicado a própria burguesia ali onde  
outrora fora revolucionária) que configurava, naquele momento, uma subsunção aos  
supostos anseios do conservantismo civilizado, que parecia liberal comparativamente  
à autocracia burguesa instituída em 1964. Aqui como alhures, estas foram  
enclausuradas na hegemonia ideológica burguesa e presas, junto com os defensores  
ideológicos do sistema, ao politicismo que “corresponde à faixa de segurança onde se  
movem em terreno próprio” (CHASIN, 2000, p. 125). Apropriaram-se e reproduziram,  
sob parâmetros dos ideários neoliberais internacionais, “os diagnósticos de realidade  
e os projetos de ação do conservantismo civilizado nacional” (CHASIN, 2000, p. 156).  
Manifestava-se, nessa mimese, sua astenia, mas também sua renúncia à independência  
teórica que, como sua tibieza, não era nova, tampouco involuntária. Assim, a  
esquerda tradicional, com diagnósticos equivocados e práticas desorientadas e  
desorientadoras, teve um lastimável papel na perda de uma importante oportunidade  
histórica, as lutas envidadas no pré-64. Reboquista, etapista, determinista e atrelada  
ao estado, acabou não estando à altura do desafio que foi o golpe de 1964 e o  
bonapartismo que se seguiu a este.  
Crítica à esquerda tradicional, surgiu no final dos anos 1970, no bojo das  
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greves operárias do ABC paulista, uma “nova esquerda”, assumidamente não marxista.  
Chasin analisa muito diversamente aqueles movimentos, pelo menos em sua  
potencialidade, e a esquerda dali originada. As greves traziam “em seu bojo o  
direcionamento histórico da conquista e da construção democráticas, das quais o  
programa econômico alternativo é a vertebração” (CHASIN, 2000, p. 102). Ressalva  
que os trabalhadores grevistas em nenhum momento punham em causa o próprio  
capitalismo e nem mesmo tinham um programa econômico alternativo mais ou menos  
desenvolvido (como outrora foram as reformas de base), mas ao politicismo proposto  
pelo sistema contrapuseram, na prática, conteúdos relativos às bases, à economia,  
quais sejam, a liquidação da política econômica sobre a qual se sustentava a ditadura  
(a política salarial do arrocho). Pugnando por reivindicações econômicas, acabaram  
também tendo conquistas políticas (como a derrubada factual da lei antigreve). Como  
“democracia minimamente efetiva e arrocho salarial não coexistem, nem podem  
coexistir, a não ser na ‘democracia’ da autocracia burguesa institucionalizada” (CHASIN,  
2000, p. 132), punha-se, então, a possibilidade de uma verdadeira objetivação da  
democracia, sob a égide dos trabalhadores. O que implicava o rompimento com o  
politicismo, tendo por eixo um amplo desmantelamento de aspectos do aparato  
produtivo, impedindo-o, desta forma, de reproduzir a superexploração do trabalho e,  
assim, possibilitando a transformação das relações sociais.  
O que houve, porém, foi a perda de outra oportunidade histórica de romper  
com os mais danosos aspectos da via colonial, pois o sistema tratou de “encaminhar  
o desenho de outra forma de sustentar a mesma dominação”, efetivando uma  
passagem politicista do bonapartismo à autocracia institucionalizada (CHASIN, 2000,  
p. 127). E teve nas esquerdas um cúmplice voluntário ou não , tendo em vista que  
aquele percurso proposto pelas massas foi sustado pelas suas representações, que  
atuaram apenas no campo de segurança proposto pelo sistema e sucumbiram ao  
politicismo. As massas que, de moto próprio, não podem determinar os processos e  
direcionar os movimentos rumo a conteúdos presentes espontaneamente em algumas  
das suas iniciativas foram subordinadas e desfibradas pelas oposições ao regime  
bonapartista (CHASIN, 2000, p. 125). Para Chasin, “A dinâmica da construção  
democrática pelas bases não é, simplesmente, ter as massas em movimento, mas dotar  
o movimento das massas, ao mesmo tempo, da arma programática que reordena a  
sistemática da produção” (CHASIN, 2000, p. 132). Mas se deu exatamente o contrário  
no final dos anos 1970 e início da década seguinte, com as esquerdas pelejando para  
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redirecionar as lutas sociais que se davam nas fábricas, principalmente, mas também  
em comitês de apoio, nas ruas etc. para o campo institucional, quando, na verdade,  
as lutas sociais é devem determinar a ação parlamentar, “de modo que atualizassem  
sua potência de forçar a representação parlamentar (...), vindo assim a conferir a ela  
conteúdo e direção” (CHASIN, 2000, p. 145). Assim, “depois de uma longa trajetória,  
à qual não se nega o valor de resistência e até momentos de pesado sacrifício”, as  
esquerdas sucumbiram ao ardil do politicismo porque “mantiveram e reproduziram a  
ignorância prática da centralidade operária, desconheceram a necessidade de romper  
o politicismo, e não compreenderam o imperativo de um programa econômico de  
transição democrática(CHASIN, 2000, p. 133).  
Transitou-se, pois, sem transformação, num processo conduzido pelo sistema,  
que continuou mantendo fora de perigo seu cerne, a política econômica, mesmo que  
reformando alguns dos seus aspectos, com vistas à manutenção do poder. Na medida  
em que se limitaram à reivindicação (e de forma abstrata) das franquias democráticas  
e, no máximo, a uma irresolutiva redistribuição de renda, as oposições à ditadura  
militar, esquerdas incluídas, levadas de roldão pelo politicismo, não atenderam para o  
fato de que o projeto global do bonapartismo era antes de tudo econômico. Donde,  
não conseguiram entender e denunciar os esteios do projeto econômico da ditadura  
e suas consequências necessárias.  
Faceta não desprezível da obsequiosidade teórica da esquerda e da penúria de  
seus padrões de reflexão é o conjunto de conceitos do qual se valia, que em muitos  
casos emprega ainda hoje, para entender a realidade e combater suas mazelas.  
Sintetizado nas teorias da dependência e da marginalidade e nas críticas ao populismo  
e ao autoritarismo9, foi forjado nos altos-fornos da epistemologia liberal mas,  
inobstante, passou a ser identificado como interpretação oficial do marxismo para o  
Brasil. A esquerda tradicional, carente de um diagnóstico e um prognóstico da  
realidade nacional próprios, em vez de lhes dirigir a crítica radical e rigorosa que  
mereciam, assimilou elementos dessas teorias, amalgamando-as a suas antigas  
posições; e a nova esquerda as considerava sua essência, tomando-as como “aspectos  
válidosdo marxismo dos quais se valeria para fazer a crítica da esquerda tradicional.  
Ao fazer essa necessária – crítica, a proclamada “nova esquerda” perdeu-se  
nas brenhas de outro tipo de tentativa de finalização, a do poder liberal ininstaurado  
9 Não há espaço, aqui, para reproduzir as críticas a esse quarteto teórico feitas por Chasin. Remetemos  
os interessados aos textos originais deste (especialmente, CHASIN, 1989).  
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e inistaurável” (CHASIN, 2000, p. 161), ou seja, a questão da soberania política  
burguesa num país onde o liberalismo era impossível. É por isso que, tomando  
igualmente para si fósseis liberais, impôs-se uma escolha simplória entre  
democratismo e autoritarismo explicitando que sua diferença para com a esquerda  
tradicional era de acento, não de qualidade. No âmago de seu democratismo, um  
“participacionismo” – degeneração da participação, que reduz a força dos agentes à  
presença física e à quantidade, totalmente imerso no espontaneísmo que toma a  
política como o campo da vontade ou da invenção. Para Chasin, participar é estar  
jungido de forma consciente à política concreta pelas “demandas finitas de um  
momento histórico dado, no processo verdadeiramente infinito da autoedificação  
humana e de sua emancipação”, quer dizer, atua-se dentro de circunstâncias históricas  
determinadas, que impõem escolhas possíveis, mas sempre tendo como fim a  
emancipação humana. Já participacionar implica “servir como número à manipulação  
politicista, destituído de classe, consciência e individuação, sem vínculo concreto com  
a construção do humano e de sua liberdade”, é “a participação sem consciência  
participante ou a presença participante sem consciência”, tornada puro testemunho e  
cedida à instrumentalização em seus mais variados níveis(CHASIN, 2000, p. 161).  
No início dos anos 1980, em suma, o diagnóstico da situação das esquerdas  
no Brasil era bastante negativo. Estas não tinham independência teórico-ideológica  
nem autonomia política, eram “raquíticas em número e anacrônicas nas formas de  
organização” e não obstante haver “mártires e sacrificados, ofendidos e humilhados”,  
verdadeiros “heróis no equívoco e vítimas de todas as regressões” aos quais a mais  
digna homenagem “é a coragem de recomeçar” – acabaram conduzindo sua ação de  
uma forma “que atinge e desencanta, limita e desorienta o conjunto dos trabalhadores  
do país” (CHASIN, 2000, p. 160). A união entre o “embrião maldito do capital  
incompletável” e a “insubstancialidade teórica e prática” da esquerda é que determina  
a miséria brasileira, expressão que diz da gênese, processo e consequências da  
objetivação do capital no país.  
Segundo Chasin, na sua acepção desenvolvida historicamente, direita e  
esquerda são “campos políticos de natureza diversa, compreendidos pela dinâmica  
excludente entre as lógicas do capital e do trabalho e suas respectivas formas  
societárias”, e, assim, o que qualifica o campo da esquerda é ser figura organizada  
pela lógica humano-societária do trabalho” (CHASIN, 2000, p. 229). Diante da  
derrocada da União Soviética e outros países pós-revolucionários (que se deveram,  
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antes de tudo, a problemas internos) e do estabelecimento incontestado do domínio  
global do capital, houve um retraimento da esquerda até seu completo  
desaparecimento enquanto esfera de atuação política da perspectiva do trabalho. Num  
fenômeno que manteve similitudes com o que ocorreu no restante do mundo, no Brasil,  
a esquerda, enquanto representante da lógica onímoda do trabalho, após dissensões  
e dissidências e um agudo empobrecimento teórico, cedeu passo a representantes  
postos no lado esquerdo do campo do capital, que em solo não revolucionado soam  
como radicais.  
Restaram ou sugiram alguns organismos partidários, de portes  
distintos, que, perdidos em suas pobres diferenças, desvalidos para  
tudo que não sejam disputas irrelevantes de caráter bizantino, se  
igualizam como organizações políticas que ocupam posições na  
esquerda do arco político do capital. (CHASIN, 2000, p. 231)  
De tal maneira que, a partir do final dos anos 1980, o campo da esquerda foi  
o grande ausente10, existindo, no máximo, individualidades e agrupamentos “situados  
no polo da radicalidade burguesa, espaço que o capital subordinado nunca preencheu,  
dado o caráter autocrático de sua dominação, que implica a exclusão dos de baixo,  
isto é, do povo e do princípio de sua soberania” (CHASIN, 2000, p. 233).  
A morte da esquerda se somou à extensão da utilidade histórica do sistema do  
capital para proliferar os obstáculos e dilemas da via colonial. A extraordinária  
transformação imposta pela globalização determinou o fim de todas as possibilidades  
de romper com a via colonial a partir das condições dadas no próprio país, como se  
verá a seguir.  
6. Via colonial: encerramento sem ruptura  
Desde meados dos anos 1970 Chasin aponta os equívocos e limites da atuação  
das esquerdas, especialmente a não apresentação de um projeto econômico, pensado  
da perspectiva do trabalho, alternativo ao do sistema. Mas não só: considera parte da  
tarefa da crítica fixar alguns marcos acerca de elementos que jamais poderiam deixar  
de estar incluídos neste. Assim, com diferentes graus de formulação, por meio de  
10 Constatar a morte da esquerda não significa abdicar da revolução social e desacreditar da perspectiva  
do trabalho: esta não foi extinta nem pode sê-lo, pois persiste enquanto houver trabalho, ou seja,  
humanidade. Bem ao contrário de derrotismo ou pessimismo, trata-se de reconhecer objetivamente a  
situação histórica e, por sobre um balanço da produção teórico-ideológica e da atuação prática, embasar  
um possível renascimento da esquerda, desta vez, quiçá, efetivamente assentada sobre a autêntica  
perspectiva do trabalho, que forje os diversos instrumentos organizacionais necessários e adequados  
às lutas social, sindical e política no momento de sua gênese (CHASIN, 2000, p. 201).  
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aproximações sucessivas (que aqui não há espaço para reproduzir11), ele traz à tona  
transformações que seriam necessárias e factíveis para que houvesse a ruptura  
com os mais danosos caracteres da via colonial. Tais medidas subentendem um  
combate realizado no campo adequado, e justamente aquele que tem sido  
resguardado e protegido pelo capital atrófico, qual seja, o econômico. Trata-se, pois,  
de “fundir luta econômica com luta política”, procedendo-se à substituição da política  
econômica vigente por outra, elaborada da perspectiva do trabalho. Seria alcançado,  
dessa forma, um crescimento verdadeiro e resolutivo, que articulasse progresso social  
a evolução nacional. Assim, se alguns momentos da primeira transição aqui  
apresentada se transformaram conforme a conjuntura, foi mantida sua ossatura.  
O conjunto de medidas apresentado por Chasin não se esgotaria em si mesmo,  
antes ao contrário, faria parte de um movimento mais amplo constituiria a primeira  
etapa de um processo articulado de superação do capital, o qual ele chamou de dupla  
transição. As disposições que apresentamos constituem justamente o seu momento  
inicial, a primeira transição, de ruptura com um capital induzido, subordinado e  
excludente, de maneira a transformar o perfil do sistema produtivo mas sem querer  
saltar imediatamente, por sobre as condições (in)existentes, para outro modo de  
produção. A primeira transição tomaria como arena de luta justamente a incompletude  
econômica e política do capital atrófico, a qual combateria não no sentido de completá-  
la, mas de desmontar os pressupostos do sistema produtivo (ainda defensivamente,  
no âmbito do mesmo modo de produção) para, assim, abrir caminho para uma segunda  
transição, esta sim já no terreno próprio da lógica do trabalho (CHASIN, 2000, p. 281-  
2). Em síntese, a primeira transição está vinculada em sua distinção à transição  
socialista, consubstancia as transformações imediatamente possíveis e abre  
estruturalmente para a transição última, que projeta para além do capital(CHASIN,  
2000, p. 219).  
Sua propositura se caracterizava, em primeiro lugar, justamente por não supor  
uma constituição ideal do capitalismo no país, mas ser realista, partir da configuração  
do capital particularmente instituído por estas plagas. Tal significa não pleitear, por  
11 Não cabe, aqui, o acompanhamento do programa proposto para cada momento histórico, tampouco  
o deslindamento da densa elaboração de Chasin acerca dos diversos temas nos muitos artigos e  
editoriais que escreveu (muitos deles, vale lembrar, realizados a quente, durante os acontecimentos e  
para embasar posicionamentos que julgava importantes). Dados os objetivos deste texto, apenas  
apresentamos os aspectos mais importantes de um percurso possível e o itinerário realmente percorrido,  
tomando por parâmetro a primeira transição pensada nos primórdios da globalização.  
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exemplo, a tentativa de chegar a alguma forma de capitalismo modernizado que  
desconsideraria sua real constituição e seus nexos visceralmente subordinados, bem  
como a crença algo ingênua num distributivismo redentor autônomo com relação às  
estruturas produtivas subordinadas e excludentes mas a tentativa de superá-las.  
Chasin não se deixa, assim, engolfar nem pelo fatalismo (pois a primeira transição não  
se tratava de destino inelutável), nem pelo caudatarismo (de vez não era o caso de ela  
tomar para si as tarefas incompletas e incompletáveis da burguesia), nem pelo  
etapismo (já que não era uma etapa necessária e inescapável para se chegar a outro  
patamar). Bem entendida, estava posta no gradiente das possibilidades concretas, era  
uma “alternativa real da perspectiva do trabalho, inscrita no campo dos possíveis da  
atualidade brasileira(CHASIN, 2000, p. 282). A processualidade da dupla transição  
também permitiria escapar do maniqueísmo que contrapunha abstratamente reforma  
a revolução, já que reafirma o socialismo ao mesmo tempo que reconhece a  
impossibilidade de sua realização imediata, sem conduzir ao imobilismo e sem permitir  
que a afirmação socialista seja transformada em discurso melancólico da mais nobre  
volição ou da mais tacanha teimosia” (CHASIN, 2000, p. 219).  
A proposição passava, antes de tudo, por levar a cabo tarefas para promover  
uma grande transformação qualitativa no campo das relações internacionais do  
capital12, para o rompimento das relações subordinantes, de que depende toda  
alteração interna (CHASIN, 2000, p. 282-3). Chasin realça que uma estreita inter-  
relação no âmbito das relações econômicas internacionais fez parte de todo o  
incompleto processo de constituição do Brasil enquanto nação. Com tal histórico, e  
sendo um país de grande porte e complexidade econômico-produtiva, sua dissociação  
da revolução tecnológica e do mercado global era impossível (e indesejável, pois  
equivaleria a isolar-se, estagnar e regredir num mundo cada vez mais universal). De  
forma que se tratava de discutir a qualidade da inserção.  
Umbilicalmente vinculada, e como ponto fulcral da proposta, a redefinição do  
12  
As propostas contidas na primeira transição mantiveram uma coerência interna fundamental, para a  
qual foi necessário ir ajustando medidas concretas às mudanças históricas pelas quais passou o país.  
Nesse sentido, o papel do estado, p.ex., foi bastante modificado dos anos 1970 para meados dos anos  
1990, bem como a importância da transformação das relações internacionais. Nessa mesma direção,  
nos anos 1970 e 80, Chasin realça a importância da plataforma de luta pela democracia, que deveria  
articular e potencializar, a seu tempo, a anistia, a convocação de uma assembleia constituinte e todas  
as diversas prerrogativas democráticas, sempre cuidando de avançar do plano institucional para as  
efetivas condições de vida e trabalho da imensa maioria da população. Já nos anos 1990, ele salienta  
a conquista de certa estabilidade democrática, sem que os mourões da via colonial tivessem sido  
derribados.  
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aparato produtivo por meio de medidas de curto, médio e longo prazos para inativar  
as dimensões mais perniciosas do capital atrófico mormente a superexploração do  
trabalho para, então, eliminar pela raiz a causa da exclusão social endêmica no país  
(CHASIN, 2000, p. 74; 237) , no interior de  
um programa econômico de recomposição da malha dos setores  
produtivos, do redirecionamento de prioridades e da alocação de  
recursos (privados e públicos), de maneira que o aparato de produção  
e reprodução material da vida seja posto a serviço da sociedade  
global (CHASIN, 2000, p. 283).  
O enfrentamento da questão agrária também era inescapável (“a estrutura no  
campo é a matriz histórica [da] excludência”, cf. CHASIN, 2000, p. 284), com especial  
atenção às reivindicações trabalhistas dos assalariados do campo, tão desatendidas  
historicamente e tão desapercebidas pelas esquerdas. No mesmo bojo, deveriam ser  
tomadas providências variadas, de maneira a dar conta da diversidade do campo  
brasileiro, prevendo propriedades de tipos e caracteres diferentes (incluída a  
propriedade social, de contornos comunais, não estatal), voltadas ao atendimento de  
necessidades e especificidades de distintos setores, considerando-se a permanência  
do empreendimento diante do desmonte dos mecanismos da superexploração do  
trabalho, a sua viabilidade econômica e os avanços de produtividade (CHASIN, 2000,  
p. 286).  
E, finalmente, a formação dos blocos econômicos internacionais, com a  
promoção da integração econômica latino-americana o que subentenderia a  
desmontagem das relações subordinantes com as economias centrais , que teria um  
grande peso sobre o sistema mundial (CHASIN, 2000, p. 286). Se deixado a sua  
própria lógica, o capital atrófico poderia, no máximo, reiterar sua subalternidade  
estrutural ao capital metropolitano, em vez de empreender a formação de um mercado  
único latino-americano capitaneado pelas nações mais fortes articuladas aos demais  
países (forma de alcançar algum poder de pressão no cenário global). Nesse sentido,  
o início dos anos 1990 trazia amplas perspectivas ao Brasil, país que fazia parte do  
pequeno agrupamento de países periféricos (com Argentina e México) para os quais a  
inserção na nova forma de acumulação ampliada do capital poderia ser mais proveitosa  
(para além de ser inescapável, sob pena de retrocesso) (CHASIN, 2000, p. 286).  
O perfil inicialmente defensivo das transformações econômicas fazia parte da  
visão objetiva que, ao mesmo tempo, era talhada de molde a induzir uma ampla  
reconfiguração econômico-societária, desordenar a lógica do capital atrófico, se não  
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J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
extinguindo, ao menos moderando a (des)ordem social posta por ele, ao controlá-lo  
socialmente (e não politicamente, como tem sido a regra no campo da pseudoesquerda  
voluntarista). Tais medidas, por desorganizarem aspectos centrais da estruturação do  
capitalismo no país, ainda que pudessem resultar em “fortalecimento do capital local  
e da continuidade da exploração do trabalho, é inverossímil que seja muito dificilmente  
seria operada, agora ou depois, sob a égide do capital atrófico(CHASIN, 2000, p.  
164; 169): somente poderiam ser consumadas por uma frente político-eleitoral  
articulada a partir das massas, fortemente estacada nas necessidades populares, tendo  
por eixo a aliança entre trabalhadores urbanos e rurais, mas articulando em torno de  
si a pequena e média burguesias, interessadas na ampliação do mercado interno.  
A possibilidade concreta de ruptura com os caracteres mais perniciosos da via  
colonial esteve presente especialmente em alguns momentos da história brasileira,  
como mencionado, com destaque para as lutas do imediato pré-64, para as greves do  
final dos anos 1970 e para as eleições presidenciais de 1989, as primeiras após o  
bonapartismo instituído pelo golpe em 1964). Em nenhuma delas houve o rompimento  
desejado, graças a diversos fatores (os quais, por sua vez, se devem a diversas  
questões das quais já mencionados algumas); vários dos descaminhos trilhados pelo  
país se devem a equívocos da autointitulada esquerda lamentavelmente, diz Chasin,  
no Brasil, “as melhores forças têm primado em perder oportunidades” (CHASIN, 2000,  
p. 294).  
Durante quase todo o século XX, a produção de mercadorias no plano  
internacional tinha gradações ainda despretensiosas, e sua circulação dava-se quase  
sempre por meio de relações bilaterais em mercados controlados pelas potências  
centrais restritos ou cativos. A partir dos anos 1990, com a globalização, tudo isso  
desapareceu em face da “produção ampliada a grandezas sem limites e [d]o  
intercâmbio comercial elevado ao primado das trocas infinitas e superpostas, sem  
embaraços de fronteira” (CHASIN, 2000, p. 304). Certos capitais, antes circunscritos,  
ultrapassaram seus antigos limites à busca de lócus mais amplos para sua reprodução  
ampliada, alçando-se ao nível global, entre nações dispostas em graus diferentes e  
hierarquizados agregadas em blocos também desigualmente constituídos e que  
competem entre si e internamente. Com as imensas implicações da revolução  
tecnológica, as fronteiras se tornam mais dúcteis, mas não são eliminadas, bem como  
as relações de subsunção e o desenvolvimento desigual e combinado típicos dos  
movimentos do capital.  
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nova fase  
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Nos novos marcos da revolução tecnológico-produtiva, há apenas um capital  
social global e os mercados interno e externo não mais se distinguem. Essa “nova  
(des)ordem internacional do capital” é “o mundo real a ser vivido por todos, embora  
sob a diversidade com que os países estejam habilitados a participar dele por efeito  
do desenvolvimento desigual que os enforma” (CHASIN, 2000, p. 304). Crescer agora  
é ocupar nichos na infinitude da malha produtiva e no mercado único globais,  
certamente com contradições (muitas delas inimagináveis) inéditas e em proporções  
gigantescas das quais já foi possível ter algumas amostras. Mercado mundial e novo  
patamar produtivo que não são opções ideológicas ou conspirações bem elaboradas  
e insidiosas, mas uma realidade inelutável, uma nova forma de existência humana,  
ainda sob o capital.  
A existência nacional, sob os influxos de uma nova realidade, passa, então, a se  
conformar pela “lógica sem precedentes da nova fase de acumulação ampliada do  
capital, ou seja, pelos nexos operantes do novo patamar tecnológico e da  
mundialização do mercado” (CHASIN, 2000, p. 302). Nesse sentido, só integrado a  
esta seria possível existir civilizadamente a partir de então inclusive para, no futuro,  
labutar pela ultrapassagem do mundo regido pela lógica do capital.  
A nova configuração do capital, à qual o Brasil está atrelado, põe em patamar  
diferente todos os parâmetros de debate e de atuação possíveis. Este novo estágio  
produtivo global reformula completamente o quadro no qual se desenrolam os  
processos internos a cada país, impossibilitando alternativas resolutivas que em algum  
momento haviam se posto no interior das fronteiras nacionais. A revolução tecnológica  
elimina os vestígios de uma lógica do capital (já esgotado havia muitas décadas) que  
nutria a ilusão da possibilidade de autonomia do capital nacional, que no Brasil se  
encarnou até na “esquerda”. A via colonial encontra seu fim num processo que significa  
o fechamento de ciclos que se deram internamente ao país ainda apenas parcialmente  
inserido nas relações internacionais (em comparação com a globalização) e, no mesmo  
passo, inviabiliza soluções no âmbito nacional. Trata-se, enfatize-se, do fim de um  
longo ciclo da história brasileira, no decorrer do qual se cristalizaram determinados  
aspectos da nossa sociabilidade sem que fossem enfrentados revolucionariamente e  
que encontraram um encerramento “natural”, coerente com sua existência. Tomar em  
conta essa nova realidade, afirma Chasin, é imprescindível para compreender o tempo  
histórico e prospectivar o futuro.  
Verinotio  
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nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
Considerações finais  
Nos seus aspectos mais gerais, a via colonial de objetivação do capitalismo  
descoberta por Chasin foi a instituição da economia e da sociedade burguesas que  
não teve um processo revolucionário por parteiro. Marcada pela grande propriedade  
rural já empresarial, de origem colonial , resistiu ao processo de industrialização,  
que só se afirmou após muitas intermitências, resistências e recomeços, híper-  
tardiamente, em condições de subordinação aos interesses das burguesias dos países  
centrais, tendo o estado por um dos seus principais agentes e sem nunca se completar  
totalmente. Tratava-se de um capital atrófico, porque incompleto e incompletável, que  
deixou irresolvidas suas mais elementares questões estruturais, ademais (e em  
consequência) de nunca romper com sua condição subserviente aos polos  
hegemônicos da economia internacional.  
Ausente a revolução burguesa que instituiu a sociabilidade do capital nos países  
de via clássica, objetivou-se uma formação que dissociava a evolução nacional (aqui,  
determinada desde o exterior) do progresso social, quer dizer, em que a sociedade  
evoluiu e se modernizou sem que sua classe dominante encarnasse o papel de  
representante universal dos interesses das classes dominadas, enjeitadas e mantidas  
à margem, excluídas e/ou reprimidas pela violência abertamente bonapartista ou  
institucionalizada. Na via colonial o progresso só se pôs por meio de acertos e  
acomodações com os representantes da ordem agroexportadora, instituindo-se um  
reformismo pelo alto impeditivo de uma hegemonia burguesa em moldes liberal-  
democráticos, integracionista. Assim, por estas plagas o fenômeno da exclusão social,  
os graus abissais de desigualdade e a dominação autocrática que frequentemente  
resvalava para a ditadura não se deviam ao atraso, mas eram uma forma de ser e ir  
sendo do capital na qual a classe dominante, embrionariamente contrarrevolucionária,  
abandonou suas tarefas históricas e sujeitou-se docilmente às burguesias estrangeiras.  
Totalmente dedicada aos próprios interesses mesquinhos, servil às classes dominantes  
estrangeiras, selvagem com as classes dominadas, a burguesia dominou com mão de  
ferro “em tempos de guerra” e impôs-se com concessões desconfiadas “em tempos de  
paz”.  
Em síntese, a via colonial  
particulariza formações sociais economicamente subordinadas,  
socialmente inconsistentes e desastrosas, politicamente instáveis em  
sua natureza autocrática e culturalmente incapacitadas de olhar para  
si com os próprios olhos e traçar um horizonte para seus dilemas  
Verinotio  
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nova fase  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção  
específicos na universalidade dos impasses mundiais. Sob os influxos  
e refluxos do capital metropolitano, produzem e reproduzem a miséria  
de sua incontemporaneidade, armada sobre a incompletude de seu  
capital incompletável e, por isto, sobre a natureza invertebrada de  
suas categorias sociais dominantes e, por decorrência, sobre a  
inorganicidade de suas categorias sociais subalternas (CHASIN, 2000,  
p. 212).  
Como a classe dominante não efetivou seu papel histórico, as classes  
dominadas não puderam concretizar suas próprias tarefas partindo do patamar de um  
mundo já transformado pela revolução burguesa a incompletude de classe é a ferida  
supurante do capital atrófico. Assim, as classes dominadas, superexploradas e  
reprimidas, e vendo tolhido o conflito que é o demiurgo das classes, não tiveram  
condições de exercitar sua organização política independente e desenvolver-se teórica  
e ideologicamente de forma autônoma. Seus representantes teóricos, desatentos às  
específicas características da nossa sociabilidade, gastaram rios de tinta em querelas  
abstratas e embrenharam-se pelo cipoal de rematar as tarefas que foram outrora  
efetivadas pelas burguesias clássicas, fossem elas as econômicas (caso da esquerda  
tradicional) ou as políticas (caso na esquerda não marxista). Nesse processo, as  
esquerdas foram se confundindo, cindindo e apequenando até a desaparição. Restam  
representações que ocupam o arco à esquerda do capital, que na via colonial aparece  
como radical. Mas, frise-se, para Chasin, a morte da esquerda realmente existente não  
significa o fim da perspectiva do trabalho.  
Até os anos 1990, Chasin afirma que a eliminação pela raiz da miséria brasileira  
era tarefa dos trabalhadores em geral, então empuxados pelo proletariado industrial.  
A imensa transformação promovida pela revolução tecnológica e pela globalização,  
que engolfa (subordinadamente) o capital atrófico, modifica a configuração geral13 e  
reenquadra as possibilidades de cada país. De acordo com Chasin, as economias  
nacionais têm de se adequar a determinados protocolos do sistema de produção  
global nos quais estão profunda e desigualmente imersas. No caso brasileiro, isso  
significa que as inviabilidades típicas da via colonial são transpostas para um quadro  
de universalização da produção capitalista que é o único no qual poderiam ser  
solucionadas. Inexequível agora qualquer transformação substancial nos estreitos  
marcos da nacionalidade; dado o novo patamar de determinação internacional do  
13  
E, nesta, o agente revolucionário deixou de ser a classe operária, ultrapassada com a perda de  
importância da indústria, cabendo investigar quem é o mais lídimo representante da lógica onímoda do  
trabalho em sua mais nova e revolucionária configuração histórica (cf. CHASIN, 2000).  
Verinotio  
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nova fase  
 
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
capital, verifica-se que se encerra todo um período histórico no qual o país poderia ter  
escolhido o caminho a percorrer, ou a velocidade da marcha, ou ao lado de quem  
avançaria, ou ainda quem carregaria as tralhas de viagem e quem aproveitaria as  
delícias da paisagem. Findo o percurso, põe-se, antes de mais, o desafio de entender  
a nova realidade dada e de manter a lucidez, ato revolucionário em tempos obscuros.  
Do início ao fim de sua vida teórica, Chasin se dedica à crítica teórica e prática  
da sociabilidade brasileira, corrigindo, aprofundando, atualizando, especificando  
suas reflexões sobre o tema, num processo ininterrupto e infinito de aproximação de  
um objeto também ele em constante movimento. Importante salientar que, como  
intentamos demonstrar, ele não faz uma “teoria da história” brasileira, abstrata, mas  
decanta categorias a partir da própria concretude. Distancia-se dos modelos teórico-  
metodológicos e típico-ideais, bem como das interpretações que ora destacavam as  
mazelas internas, ora salientavam a subordinação ao exterior, quebrando a estreita  
dialética que unia as duas pontas da miséria brasileira. Ao se debruçar sobre a  
realidade brasileira, ele captura por sobre os caracteres culturais, linguísticos e  
outros suas principais determinações sócio-históricas, da produção e reprodução  
material da vida tal como possível no processo efetivo pelo qual se objetivaram as  
categorias do capital no contexto sócio-histórico dado no país.  
Como o próprio autor frisou, que não se tratava de uma teoria plenamente  
desenvolvida, mas de uma tematização em processo, que impunha “sucessivas  
aproximações cada vez mais concretizantes” (CHASIN, 2000, p. 12) e da qual  
algumas críticas e caracterizações foram menos desenvolvidas que outras, que  
restaram, assim, mais abstratas. A colaboração de pesquisadores de áreas diversas  
havia, inclusive, sido expressada como necessária para o aprofundamento e o  
desenvolvimento das análises, mas acabou em larga medida não sendo concretizada.  
Adite-se que, dado o encaminhamento da sociabilidade brasileira (inserida no mundo  
global) nesses quase 25 anos desde sua morte, é nossa a tarefa urgente de avaliar  
a pertinência, a atualidade e a necessidade de aprofundamento dos diversos elementos  
de sua análise, cujo rigor, de resto, esperamos ter demonstrado.  
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Verinotio  
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nova fase  
J. Chasin e a via colonial de objetivação do capitalismo  
Vermelha, set. 2021. Disponível em:  
<https://www.youtube.com/watch?v=LzXhe5tGy_g>.  
Como citar:  
ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. J. Chasin e a via colonial de objetivação do  
capitalismo: uma reflexão marxista sobre nossa formação sócio-histórica. Verinotio,  
Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 1-39, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
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nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.758  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e  
fascismo europeu (1922-1937): formas de  
regressividade na via colonial e na via prussiana  
de objetivação do capital1  
Historical differences between Brazilian integralism and  
European fascism (1922-1937): forms of regressivity in  
the colonial path and in the Prussian path of  
objectification of capital  
Antonio Rago Filho*  
Abstract: In this article, we discuss the  
Resumo: Neste artigo, discutimos a diferença  
difference between Brazilian integralism and  
entre o integralismo brasileiro e o fascismo  
European fas-cism, two ideologies that are  
europeu, duas ideologias que são radicalmente  
radically regressive but not identical. They differ  
regressivas, mas que não são idênticas. Elas se  
in several aspects based on the distinct social  
dife-renciam em diversos aspectos com base no  
ground in which they were generated: the  
chão social distinto no qual foram geradas: a via  
Prussian path, in the case of fascism, and the  
prussiana, no caso do fascismo, a via colonial, no  
colonial path, in the case of integralism. We also  
do integralismo. Ainda, a apresentamos algumas  
present some of the traditional interpretations  
das interpretações tradicionais do fenômeno do  
of the phenomenon of integralism in Brazil,  
integralismo no Brasil, as quais se desenvolvem  
which are developed in the field of culturalism,  
no campo do culturalismo, e lhes opomos aquela  
and we oppose them with the one that aims to  
que objetiva apreender a gê-nese ontológica e a  
under-stand the ontological genesis and the  
função social cumprida por esta ideologia  
social function fulfilled by this reactionary  
reacionária, desenvolvida no Brasil por J. Chasin.  
ideology, developed in Brazil by J. Chasin.  
Palavras-chave: Fascismo; integralismo; via  
Keywords: Fascism; integralism; colonial path; J.  
colonial; J. Chasin; via prussiana; G. Lukács.  
Chasin; Prussian path; G. Lukács.  
O século XX assistiu à irrupção de vários movimentos de massa que  
empunharam as bandeiras do nacionalismo expansionista, de natureza imperialista, a  
fim de aniquilar os movimentos revolucionários e controlar o movimento dos  
trabalhadores que ameaçavam a ordem do capital. O fascismo e o nazismo foram  
1 Este texto se vale de parte das reflexões desenvolvidas em minha dissertação de mestrado intitulada  
A crítica romântica da miséria brasileira: o integralismo de Gustavo Barroso (1989). [Uma versão  
bastante estendida deste texto foi publicada como “Posfácio” à 2. ed. do livro de J. Chasin O  
integralismo de Plínio Salgado (1999). NE]  
* Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-  
SP. Coordenador do Núcleo de Estudos de História do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC-  
SP. E-mail: aragofilho@pucsp.br. Orcid: 0000-0002-2643-2798.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
   
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
expressões geradas a partir de um solo histórico específico, num período de partilha  
do mundo colonial e subordinado, mas que se sentem ameaçadas pela revolução da  
classe trabalhadora, a Revolução Russa de 1917. Nasceram na particularidade histórica  
da objetivação do capital que Lukács denominou de via prussiana, cujo processo de  
modernização foi tardio, sinuoso, reacionário, onde o historicamente novo paga  
altíssimo tributo ao historicamente velho. Conservando as estruturas de dominação e  
exploração do antigo regime, a solução da conciliação pelo alto, o compromisso entre  
as classes dominantes, imprime um caráter autocrático à dominação dos proprietários,  
reprimindo e manietando camponeses e operários. Essas formações históricas que  
desconhecem processos revolucionários constituintes, no entanto, alçam-se ao estágio  
do imperialismo, num mundo já partilhado e que coloca suas burguesias com ambições  
desmedidas de praticarem guerras para anexação de povos, territórios, economias,  
áreas dependentes. Lukács advertia que o fascismo não poderia ser pensado como um  
abcesso separado do capitalismo tardio: “O fascismo é a atrocidade, a desumanidade,  
de uma forma de capitalismo altamente desenvolvido.” (LUKÁCS, 1969, p. 136) A  
relação entre os grandes capitais e os esforços de guerra revela a sua íntima conexão,  
particularmente na Alemanha, como salienta Alejandro Cieri: “La gran novedad que  
aportaban las exigencias del esfuerzo de guerra era la implicación directa de los  
principales grupos económicos privados en los organismos estatales responsables del  
esfuerzo productivo bélico que superaba lo alcanzado en la I Guerra Mundial.” (CIERI,  
2004, p. 387, n. 672)2  
Lukács, em seu El asalto a la razón, detectou que o atraso alemão não foi  
interdição para o salto ao capitalismo monopolista, forjando um imperialismo  
altamente voraz, num novo estágio do desenvolvimento das forças produtivas  
materiais. Nesse sentido, a Alemanha se converterá na campeã das ideologias  
reacionárias3:  
Não é casual que o antidemocratismo se tenha constituído pela  
primeira vez como concepção de mundo naquela Alemanha atrasada,  
2 Recorde-se que, para este autor: “El mito nazi se construyó a partir de la convicción de la primacía del  
cuerpo como organismo biológico, frente al nacimiento de la inteligencia, como determinante de la  
essencia humana. Por lo tanto y de manera primordial eran las leyes naturales que regían a ese sistema  
biológico las que también imponían las condiciones de existencia del intelecto y la razón, por eso era  
vano para ellos el intento que se produce desde la Ilustración de trascender esos límites férreos que  
impone la biología, ese intento de distanciamiento con que el hombre cree que es libre.” (CIERI, 2004,  
p. 361)  
3
Segundo Karl Mannheim: “Na realidade, a Alemanha fez com a ideologia do conservantismo o que a  
França fez com o Iluminismo. Explorou-a até o limite das suas conclusões lógicas.” (cf. COHN, 1979, p.  
10)  
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nova fase  
   
Antonio Rago Filho  
nem que no período imperialista a Alemanha tenha ocupado o  
primeiro lugar na função de produzir ideologias reacionárias. Porém  
o decisivo é que logo a grande velocidade de desenvolvimento do  
capitalismo tardio na Alemanha fez do Reich um estado imperialista  
de primeira ordem. Um estado imperialista, contudo, cujas possessões  
coloniais  
e
cujas esferas de  
interesses mostravam-se  
desproporcionadamente pequenas, comparadas com sua força e com  
as pretensões de seu capitalismo. Este é o fundamento último de que  
a Alemanha tenha tentado por duas vezes forçar uma nova divisão do  
mundo mediante guerras totais. (LUKÁCS apud CHASIN, 1999, p. 51)  
Numa situação histórica distinta, as formações sociais que se desenvolveram  
por meio da via colonial de objetivação do capital foram conquistadas por estrangeiros  
que impuseram suas maneiras particulares de ser, que tentaram aniquilar, constranger,  
impedir povos inteiros de manifestarem livremente suas próprias culturas. A forma  
particular de instauração do processo de modernização pela destruição das sociedades  
conquistadas, com o legado do escravismo, matrizou um espaço induzido de  
objetivação do capital, cuja reprodução atrófica reitera a subalternidade do arcaico.  
Estas entificações produziram formações economicamente subordinadas,  
sociabilidades profundamente desiguais, modos autocráticos de dominação dos  
proprietários, que praticam o liberalismo excludente e abusam dos métodos contra-  
revolucionários.  
Na década de 20 do século passado, na sociedade brasileira, vários movimentos  
sociais, políticos, artísticos marcam a cena histórica. O movimento anarquista faz  
tremer a sociedade liberal com suas greves operárias nos centros industriais mais  
desenvolvidos de então: São Paulo e Rio de Janeiro. A Semana de Arte, na cidade de  
São Paulo, marca a presença vigorosa do modernismo, entretanto, compartilhando em  
seu seio tendências nacionalistas, que mais adiante se aglutinaram numa frente de  
direitas: a Ação Integralista Brasileira (AIB). Em 1922, é criado o Partido Comunista do  
Brasil (PCB) por dissidentes anarquistas que miram os feitos dos operários russos.  
Aglutinando vários segmentos e movimentos da direita, em outubro de 1932  
é criada a AIB (1932-1937). Após a vitória da Frente Liberal comandada por Getúlio  
Vargas, na denominada “Revolução de 1930”, Plínio Salgado, nacionalista católico e  
escritor romântico, propõe-se a fundar um movimento político para influir nos  
acontecimentos que considerava imponderáveis. Nesse ano, estivera em Roma com  
Benito Mussolini e já divisara a criação da AIB. O fundador da AIB, analisando as  
diferenças entre o nazismo e o integralismo, dirá: “Dessa maneira, surgiu um  
movimento de exterioridades brasileiras opostas a exterioridades estrangeiras, quer  
do imperialismo nazista, quer do imperialismo soviético. Não se tratava de imitação  
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nova fase  
Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
nem de subordinação. Era um fogo de encontro, manifestando a vontade decidida de  
defender o Brasil para que não se sujeitasse ao predomínio de qualquer nação.”  
(SALGADO apud CAVALARI, 1999, p. 213)  
Entende-se, pois, a natureza social dessa forma de regressividade que luta  
desesperadamente contra o maquinismo e o materialismo da ordem social burguesa,  
mirando um retorno à terra: “Nós, caboclos dos trópicos, proclamamos, em face de  
uma civilização que nos quer deprimir, os sagrados direitos do homem brasileiro”,  
escrevia Salgado no Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo, a janeiro de  
1931. Ideologia reacionária que busca atingir aquilo que considera a raiz dos males  
que afetam a nação brasileira. Verdadeiro engendrador dos conflitos e dos contrastes  
sociais, “o estado liberal democrático é um estado opressor”. Por isto, no jornal A  
Razão de 17 de julho de 1931, Salgado condena: “A luta de classes tem a sua origem  
na concepção desse estado que exerce, através de sua força armada e do seu judiciário,  
apenas o papel de esbirro.”  
A visão integralista do mundo se constitui numa visão romântica de oposição  
ao capital industrial e que ancorada num catolicismo rústico, vislumbra uma totalidade  
social espiritualmente coesa, sem grandes transformações materiais, almejando, com  
isso, barrar o desenvolvimento de uma civilização urbano-industrial na formação social  
brasileira. Esta civilização industrial e materializada é tomada como forma corruptora  
do verdadeiro destino espiritual que se vinca às tradições históricas do povo brasileiro.  
Esta construção fantasmagórica idealiza um ser social próprio e harmônico às  
finalidades da vocação histórica nacional: a figura do homem do campo, autêntico  
portador do sentimento telúrico e cristão do povo brasileiro. O integralismo vê o  
mundo em ruínas, as singularidades humanas, com o advento do capitalismo,  
tornaram-se abstratas e fragmentadas, sem personalidade própria. O elemento nodal  
desse ideário gira em torno do repúdio das formas sociais da civilização urbano-  
industrial, manifestações que são do espírito burguês. A possibilidade de um  
reequilíbrio nesse mundo sem espírito reside na esperança de um renascimento de  
uma nova cultura a cultura integral. Esta, por sua vez, é entendida,  
fundamentalmente, como forma superior do espírito. Toda a oposição ao capitalismo  
se assenta nessa arma da revolução subjetiva: a restauração da cristandade. O  
cristianismo foi a maior de todas as revoluções, por esta razão, o integralismo tem  
como centro o pensamento cristão tradicional. Só, por essa via é possível a salvação  
das consciências individuais.  
Verinotio  
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nova fase  
Antonio Rago Filho  
Um dos principais ideólogos do integralismo, Gustavo Barroso, exprimiu todos  
os males que afligiam a civilização cristã, frutos de uma inteligência do mal: as filosofias  
do liberalismo e do Iluminismo que, afirmando a vontade e a razão, a liberdade de  
consciência, potencializavam a destruição da religião e da hierarquia social. O  
individualismo, sob a máscara da emancipação humana, conduzia à dissolução do  
sentimento social e da comunitariedade solidária; o liberalismo, com suas teorias  
democráticas, subverte por inteiro o conceito de poder divinizado com o sufrágio  
universal; a industrialização, com suas técnicas modernas, traz o materialismo  
mecanicista, matriz básica do ateísmo moderno; o imperialismo econômico, com a  
crescente monopolização dos setores produtivos, destrói a pequena propriedade e,  
com isso, produz a proletarização e miserabilidade das massas. Finalmente, com o  
domínio universal do capital, surge o internacionalismo marxista, obra de um mesmo  
espírito, a fim de efetuar e coroar todo um plano de subversão do mundo cristão: a  
religião do anticristo.  
A ideologia integralista, em que pese seus matizes, visava à construção de um  
grande movimento ascético de massas, uma frente contra o materialismo moderno. O  
reino das máquinas e a civilização materializada destruíam a concepção de uma  
sociedade harmônica, orgânica e hierarquicamente estruturada. A resposta do  
integralismo para a crise do nosso tempo, da falência do liberalismo e da ameaça do  
comunismo, segundo sua perspectiva reacionária, era a reação espiritualista: a  
revolução subjetiva. O mundo invertido, sem centro espiritual, tinha abandonado o  
critério fundamental da regência ordenadora do social: Deus. O homem, que o substitui  
pela humanidade, mais adiante, pelo homem individualizado, agora é obrigado a  
reconhecer: só o espírito do bem pode recompor o equilíbrio perdido com o advento  
da revolução capitalista.  
O integralismo surge como a derradeira esperança na luta entre civilizações,  
que pode combater os desígnios traçados no “plano judaico”. É, segundo esta  
ideologia, o verdadeiro “espírito do século XX”, a verdadeira síntese, que vem para  
superar os seus contrários: o liberalismo e o marxismo, produtos do espírito judaico.  
O liberalismo dominou o século XVIII. O marxismo, o século XIX. O integralismo restitui  
a verdadeira composição do homem: a dimensão espiritual, a dimensão racional e a  
dimensão cívica. Numa época de indefinições espirituais, numa crise de valores, o  
integralismo reascende a ideia segundo a qual cabe “à Providência conservar e  
governar o mundo”. O raciocínio é bastante simples: “Não há, pois, moral sem Deus.  
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Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
Não havendo moral, não pode haver justiça social, e, se não há justiça social, não há  
pão para todos.” (BARROSO apud RAGO FILHO, 1989, p. 36) A proposta integralista  
visualiza a instauração de um estado forte, protetor e ético, que determina direitos e  
deveres, tendo por base a moral cristã.  
Daí surge a proposta de um estado integral que conteria as componentes  
básicas do espírito nacional: o sentimento cristão e a ideia de unidade nacional. Como  
as formas do presente devem se modelar ao espírito do passado, o integralismo  
barrosiano recupera “o idealismo de três raças”. Da comunidade tupi, o sonho de um  
paraíso terrestre. Dos povos escravizados, o sonho de libertação. Dos conquistadores  
e dos bandeirantes, o sonho de glória e heroísmo. Por esta razão, “o sangue de todos  
os uniu no mesmo destino. O seu culto é a cruz que junta as três raças e os três  
sonhos” (BARROSO apud RAGO FILHO, 1989, p. 38).  
Nessa perspectiva, que se inscreve numa distopia reacionária, o estado integral  
deveria defender os interesses comuns e solidários entre capital e trabalho, por esse  
motivo, as corporações não deveriam ser entendidas como instrumentos de lutas  
sociais, mas sim caminhar “no sentido da fraternidade e solidariedade espiritual”. O  
estado forte, aprumado pelos valores cristãos, seria o instrumento necessário para se  
alcançar a coesão nacional.  
Durará isso para sempre? Será esse o nosso trágico destino? Seremos  
servos humildes do judaísmo capitalista de Rotschild ou escravos  
submissos do judaísmo de Trotsky, pontos extremos de oscilação do  
pêndulo judaico no mundo? Ou encontraremos no fundo da alma  
nacional aquele espírito imortal de catequizadores, descobridores,  
bandeirantes e guerreiros, único que nos poderá livrar de ambos os  
apocalipses? (BARROSO, 1989)  
Os embates historiográficos acerca do fenômeno do integralismo  
Diante desse legado e dessas evidências empíricas, a crítica acadêmica do  
integralismo jamais se questionou acerca da possibilidade ontológica desta  
identificação com o fascismo. É possível que mesmo se reconhecendo a distância  
entre o desenvolvimento histórico da Alemanha e Itália e o do Brasil em contextos  
históricos distintos possam brotar fenômenos ideológicos idênticos? Segundo a  
analítica convencional, a resposta é indiscutível: o integralismo é uma cópia brasileira  
do fascismo europeu.  
Grosso modo, a historiografia do integralismo passa após o terremoto  
chasiniano a ser polarizada por duas vertentes, radicalmente contrapostas, uma de  
natureza culturalista e outra ontológica; a que considera o discurso integralista “fora  
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de lugar” e, posta numa formulação sintética, não encontrando as mesmas condições  
históricas: “Copia-se (sic!) os módulos políticos e culturais da Europa, mas vocifera-se  
ao mesmo tempo contra o mimetismo eis a contradição que atormentou os  
integralistas.” (VASCONCELLOS, 1979, p. 193) E, do primado ontológico, a captura  
da particularidade concreta feita por J. Chasin que considera a diversidade entre os  
fundantes das objetivações ideológicas em causa. Nesse sentido:  
Ostensivamente, e até mesmo de forma acusada por adeptos do  
fascismo, as bases fundantes do integralismo e do fascismo são  
distintas e perfeitamente discerníveis, repercutindo isto, no nível do  
conjunto dos dois ideários, e de forma decisiva. Diríamos melhor, que  
necessidades de objetivação social diferentes, em condições diversas,  
levaram a reflexões de naturezas distintas, determinando ideologias  
que de modo algum podem ser confundidas. De fato, entre ter, como  
suposto último, uma concepção que se identifica com o catolicismo  
tradicional ou o racismo biológico vai uma grande distância. (CHASIN,  
1978, p. 650)  
Ao contrário das teses consagradas, que vão apontar a identidade fascista do  
integralismo pela via do mimetismo ideológico a assimilação do fascismo dar-se-ia  
no terreno da idealidade ao copiar-se o “modelo europeu” –, Chasin faz ver que,  
precisamente, pela particularidade da objetivação capitalista num caso e noutro, o  
fascismo e o integralismo, reconhecidos como realidades históricas distintas no  
universo do capital, conformaram, concretamente, fenômenos diferentes que não  
podem ser reduzidos à uma mesma configuração histórica. Daí, a tese central desta  
obra: “Ontológica e teleologicamente, fascismo e integralismo se põem como  
objetivações distintas.”  
Revelando sua enorme sensibilidade, pois se coloca como um não-especialista  
do tema, Antônio Candido aponta suas concordâncias e dissonâncias em relação à  
obra chasiniana e, permanecendo ainda no terreno da generalidade abstrata, detecta  
as possíveis similitudes entre os dois fenômenos históricos:  
Por exemplo: o fato de fascismo e integralismo serem formas de falso  
anticapitalismo, mas na verdade funcionarem como defesa deste, seja  
ele pleno, “tardio” ou “híper-tardio”. O fato de ambos insistirem nos  
direitos dos operários e na iniquidade da burguesia, mas, ao mesmo  
tempo, preconizarem todas as medidas necessárias para o domínio  
desta e oferecerem àqueles uma espécie de miragem de  
aburguesamento. Com efeito, assim como os nazistas e fascistas, os  
integralistas pregavam a substituição da luta de classes pela ascensão  
dos melhores, para renovar as camadas dirigentes gastas e continuar  
estrutural e funcionalmente o seu papel na sociedade. (CANDIDO in  
CHASIN, 1978, p. 17)  
Mesmo não descartando a identidade fascista atribuída ao integralismo, e já  
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mediatizando sua maneira de interpretar esse movimento político por parâmetros  
postos pela tese chasiniana, o crítico Antônio Candido inferiu:  
Estejamos ou não de acordo com a premissa de Chasin (o integralismo  
não é um fascismo), o fato é que não será mais possível ver o  
fenômeno integralista com os mesmos olhos, porque ele realizou um  
dos feitos mais difíceis para um estudioso: alterar as noções  
dominantes e transformar em problema o que era considerado fato  
estabelecido. Se pessoalmente não aceito a sua premissa, sinto que  
não poderei mais falar do assunto sem passar por ela e sem que ela  
me leve a matizar o meu ponto de vista. (CANDIDO in CHASIN, 1978,  
p. 20)  
Nada mais justo, nada mais próximo da verdade histórica, todavia, do que esta  
autêntica apreciação de “alterar as noções dominantes”, as quais simplesmente  
anularam as especificidades históricas, tornando-as indistintas, porque, de fato, a  
crítica chasiniana do fenômeno integralista se alça a um verdadeiro divisor de águas,  
que nos obriga a repensá-lo em sua integridade ontológica. De outra parte, Antonio  
Candido reclamará um certo exagero no intento de Chasin, uma “certa prolixidade”  
própria à sua obsessão de não deixar escapar nenhuma determinidade que pudesse  
gerar alguma dúvida, que abrisse alguma brecha para o debate desqualificador. Daí  
a força probante da tese chasiniana, levada à saturação. O combate deveria ser travado  
no domínio da objetividade histórica. Se a tese punha de modo cabal a importância da  
crítica ontológica da ideologia para o desvelamento dos produtos espirituais e da  
particularidade histórica da objetivação capitalista em nosso país, da natureza de suas  
classes sociais, da variedade das formas de nacionalismo e da especificidade da  
oposição romântica à miséria brasileira , a recepção da tese à esquerda, no entanto,  
foi um rotundo fracasso. Mesmo um autor do porte de Florestan Fernandes foi  
categórico na rejeição de tal empreitada. “O que me põe de quarentena é o assunto.”  
Comenta, ao prefaciar a obra A ideologia curupira de Vasconcellos: “Hoje está na moda  
dizer-se que se deve estudar o integralismo. Não compartilho dessa opinião. Nem  
mesmo devemos nos preocupar com destruí-lo. [...] O que nos coube, na ‘virada  
fascista’ da história recente, merece mais a novela picaresca que a investigação  
sociológica séria.” (FERNANDES in VASCONCELLOS, 1979, p. 13) Todavia, a sua  
argumentação se insere na mesma lógica da análise convencional, uma vez que,  
segundo Florestan, os integralistas teriam forjado uma consciência social, com a  
aparência de autonomia ao capital estrangeiro, mas que, na verdade, buscava “fixar a  
consciência burguesa” em nosso país. “Eles se adaptaram a um fascismo destituído de  
visibilidade fascista”, portanto, apresentam-se com o ardil do engodo deliberado.  
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No campo da analítica convencional, outros intérpretes tentaram explicar a  
ideologia integralista como estruturada no mimetismo dos fascismos europeus, fora  
do lugar, e cujo comportamento é ditado pela tática do engodo deliberado. Seguindo  
o viés culturalista de Helgio Trindade, Gilberto Vasconcellos abre sua obra A ideologia  
curupira com o alvo pretendido: “A busca da especificidade do integralismo enquanto  
discurso fascista que se insere numa sociedade capitalista periférica”. Nesse sentido,  
tenta buscar e precisar a “especificidade” da cópia do fascismo europeu: “embora de  
ponta a ponta mimético, o discurso integralista ostenta um traço que o diferencia de  
seus congêneres europeus, e cuja razão de ser nasce da resposta equivocada (mas  
sociologicamente compreensível) à heteronomia de país periférico, a saber: a  
fantasmagoria de uma utopia autonomística em relação às nações capitalistas  
hegemônicas”. Pois, como deseja o autor, tendo como base os resultados da analítica  
paulista: “o pano de fundo: mostrar que o contexto da dependência, no qual se moviam  
os camisas-verdes, acabou por afetar (independentemente de sua consciência) a  
apropriação dos fascismos europeus” (VASCONCELLOS, 1979, p. 17). Vasconcellos  
tenta provar que aqui não ocorre uma relação orgânica entre ideologia e estrutura  
social tal como se verifica em países capitalistas dominantes, pois estes não sofrem da  
“heteronomia estrutural da dependência” ao imperialismo, proporcionando, desta  
forma, aos países periféricos uma espécie de “indeterminação social” do pensamento,  
caindo assim no campo das ideologias “de segundo grau”. Com isso, tenta  
consubstanciar “as ideias fora do lugar” do movimento integralista, pois, “em outros  
termos, é justamente através da ausência de organicidade entre superestrutura  
ideológica e a base material da sociedade que se realiza o modo particular de as ideias  
se produzirem socialmente na periferia”. Concluindo que, no discurso do “fascismo  
caboclo”,  
transparece o timbre característico da vida ideológica na periferia: o  
funcionamento dessa não se autoimpulsiona em conexão com a  
estrutura social que lhe corresponde, permanece mais à mercê dos  
influxos externos. Em suma, ele se enquadra perfeitamente naquilo  
que Schwarz denomina ideologia de “segundo grau”, ou seja,  
ideologias que “não descrevem falsamente a realidade, e não gravitam  
segundo uma lei que lhes seja própria! Um discurso fora do lugar, a  
expressão que aqui se justifica (VASCONCELLOS, 1979, p. 190).  
Como Vasconcellos se propôs à compreensão da “especificidade” das formas  
do “irracionalismo fascista”, todavia, as determinações essenciais próprias à via  
colonial de objetivação capitalista são descartadas, ainda que o autor se esforce em  
apontar que os conflitos sociais não se encontravam sob o mesmo plano de  
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Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
radicalidade que no capitalismo avançado. Por isso, reconhece:  
Tendo em mira o contexto brasileiro dos anos 30, a emergência de  
um irracionalismo fascista do tipo camisa-verde não corresponde a um  
resultado da evolução social. Noutras palavras, se o discurso  
integralista segue os parâmetros das doutrinas fascistas europeias,  
concluindo que há no Brasil um nítido descompasso entre ele e a  
estrutura social. Falta a base social fundamental que acompanha a  
reação fascista e que faz desta um discurso eminentemente  
contraconceitual (oposição ao liberalismo e ao marxismo), a saber:  
organização política da classe operária. A perspectiva de uma  
revolução proletária era uma quimera dos anos 30; e nem mesmo  
havia o “desafio do bolchevismo” (E. Nolte), pré-requisito essencial  
dos movimentos fascistas. (VASCONCELLOS, 1979, p. 182)  
Comparando as formas históricas distintas, o capitalismo tardio ao capitalismo  
subordinado brasileiro, Vasconcellos aponta que aqui os “fascistas caboclos” não  
encontraram uma classe operária altamente organizada disputando o poder; as classes  
médias não se sentiam ameaçadas com a destruição da ordem que as “educam” para  
o fascismo; aqui, o liberalismo não se põe como um inimigo político, tal qual no mundo  
europeu. Assim, com a varinha mágica na mão, é possível afirmar que, como há  
correspondência, no mundo europeu, entre grande capital e fascismo (obviamente,  
esta única generalização é abstrata), no caso brasileiro, como “as ideias estão fora do  
lugar”, não encontram sua determinação social (a sua burguesia monopolista  
imperialista no confronto com a classe operária organizada), resta a Vasconcellos  
aderir à proposta de Trindade.  
Eis uma outra via que desemboca no núcleo deste ensaio: ao contrário  
do que sucede com o fascismo europeu, cujo laço com o capitalismo  
monopolista salta aos olhos, a demanda que solicitaa emergência  
do discurso integralista nos anos 30 não se localiza no plano da  
estrutura social. [...] Como se vê, do ponto de vista das condições  
ideológicas internas, a busca da gênese do discurso integralista se  
afasta da estrutura social propriamente dita; ela tem mais a ver,  
conforme sugerem as conclusões de Trindade, com a esfera cultural:  
é sobretudo o filão nacionalista que o informa. Ora, esse não esteve  
imune à glosa das ideias hegemônicas do Ocidente. É decisivo,  
portanto, o peso dos influxos ideológicos externos. (VASCONCELLOS,  
1979, pp. 189-90)  
É interessante observar que, ao considerar o “peso externo”, não levando em  
conta a significação interna do discurso ideológico integralista, Vasconcellos não se  
detém objetivamente em sua estrutura interna, determinação social e finalidade no  
âmbito de seu complexo histórico, e com isso acaba por desqualificar a expressão e o  
protesto do projeto integralista. O próprio autor atualmente assumindo de peito  
aberto as cores do nacionalismo trabalhista, que renuncia a qualquer conciliação com  
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a analítica paulista –, em seu estudo, focaliza mais intensamente o “nacionalismo  
verde-amarelo” do que a doutrina integralista propriamente dita.  
Desse modo, a “utopia reacionária” ou o “paraíso rural”, a barragem e combate  
às formas da “civilização urbano-industrial”, à “materialização da vida”, à acumulação  
ampliada do capital que o integralismo tentou promover como realização das  
“verdades eternas da raça e da terra”, contra o domínio do “banqueirismo  
internacional”, ganham uma total inversão: regressivismo econômico vira, nessa leitura,  
expansionismo, pois nesse condão  
a utopia integralista pode ser vista como um ensaio de realizar, no  
plano imaginário, as condições plenas da acumulação de capital.  
Noutras palavras, ele espelha ainda que ao avesso a própria  
impotência da burguesia brasileira em realizar o desenvolvimento  
capitalista autossustentado. [...] A saída para essa situação seria a  
“Independência do Brasil de toda e qualquer influência estrangeira”,  
única maneira de escapar à “civilização artificial” (VASCONCELLOS,  
1979, p. 59).  
Em seu ensaio “Integralismo: teoria e práxis política nos anos 30”, Helgio  
Trindade tentou a desqualificação da obra chasiniana apontando para o fato de que  
esta era teoricamente monolítica (modo de imputar arbitrariamente a um marxista  
como estreito e dogmático), uma vez que centrada apenas nos discursos plinianos,  
descuidou-se de tratar os “mais fascistas”, tais como o secretário nacional de doutrina,  
Miguel Reale, e poderíamos dizer na mesma linha de argumentação, o “mais nazista”,  
por causa do seu propalado antissemitismo, Gustavo Barroso, o chefe nacional da  
milícia. O fato de Chasin se centrar no principal formulador do integralismo, ter  
mostrado a linha de continuidade de seu pensamento dado que a constituição de  
sua ideologia já estava delineada bem antes da existência da AIB, presente na estrutura  
interna de O estrangeiro, o conhecido romance de 1926, e ter destacado a coerência  
ideológica de Plínio Salgado para além da extinção do movimento , é visto como uma  
arte retórica e manipulatória de Chasin. Trindade chega ao desplante de afirmar que  
Chasin desconhece a chicana de Salgado, que se valeria de adulterações de seus  
próprios textos e manifestos. Porque, conclui, “o chefe integralista, no afã de  
escamotear a linguagem fascista do seu discurso ideológico (menos enfático deve-se  
reconhecer do que transparece nas obras de Miguel Reale), provocou deliberadamente  
adulterações nos textos originais dos documentos oficiais transcorridos” (TRINDADE,  
1981, p. 311). Acusando Chasin de não ter apoio documental suficiente para sua tese,  
Trindade reafirma o recurso ao mimetismo ideológico como sendo a determinante  
fundamental da existência do fascismo no solo brasileiro, em suma, o integralismo  
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Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
nasce pela força do discurso fascista. Não é a existência social que determina a  
consciência, mas a formação ideal que gera a vida.  
Em sua principal obra, intitulada Integralismo: o fascismo brasileiro na década  
de 30, Helgio Trindade opera com construtos subjetivos típicos do viés  
psicocomportamental que subsumem amplo material empírico coletado por meio de  
depoimentos, a fim de encaixar as opiniões e posições dos integralistas como produtos  
de dissimulação tática. O paradoxo entre as declarações integralistas, de que eram  
diferentes e superiores à concepção fascista e a imputação de “fascistas” por seus  
adversários, será resolvida da forma a mais tópica. Segundo a analítica convencional,  
os integralistas passaram o tempo todo dissimulando a sua verdadeira face: cópias  
emprestadas ao fascismo. Quando eles se proclamam como originais e autônomos com  
respeito às formulações estrangeiras, a analítica convencional vê um engodo  
deliberado, um ato em permanente estado de mistificação, sem jamais se questionar  
acerca da validade ontológica de tal recurso gnosiológico.  
O que deveria ser posto como um problema a ser investigado, por uma  
abstração irrazoável, torna-se uma arbitrariedade. Nada mais evidente do que a  
rejeição ao empenho à objetividade, ao respeito à lógica imanente do objeto histórico,  
uma vez que Trindade é explícito quando diz sem titubear:  
O fenômeno fascista [...] teria podido se desenvolver no Brasil, nesta  
época, com um discurso ideológico e uma organização nacionais. A  
realidade, porém, foi outra. [...] A análise da Ação Integralista nos leva  
a concluir que sua natureza, organização hierárquica, estilo do chefe  
e rituais não se podem explicar sem levar em consideração a influência  
do modelo de referência externo. (TRINDADE, 1974, p. 289)  
Como se pode notar, o autor é obrigado a se esforçar ao máximo para  
fundamentar o seu ponto de partida, o empréstimo ideológico condiciona a vida, a  
referência ao modelo externo é a determinante, própria ao viés culturalista de sua  
construção, acabam por compor o objeto da investigação. Como demonstrar, porém,  
que em meios históricos diferentes, em realidades econômicas historicamente  
desiguais, em categorias sociais diferentes, brote uma mesma ideologia por um  
processo de cópia, por influxos externos que condicionam o comportamento  
ideológico? A sua resposta, diretamente dirigida a Chasin, tropeça mais uma vez em  
seus limites idealistas e especulativos:  
Não seria o caso de questionar se a viabilidade de um mimetismo  
ideológico não suporia que as ideias estivessem fora de lugar, e que  
o objeto de explicação deveria, justamente, em se tratando de  
sociedades econômica e socialmente diferentes, como estas ideias  
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conseguem ser importadas e reelaboradas não só pelas elites  
intelectuais, mas também como penetram em segmentos mais amplos  
da sociedade? (TRINDADE, 1981, p. 313)  
Com esta resposta à pergunta chasiniana, o autor ainda permanece na mesma  
tecla, adicionando que a cópia não é igual ao original. É o movimento em torno do  
mesmo círculo.  
Dentre as ambiguidades do culturalismo, vamos encontrar a afirmação de que  
o equívoco da maioria dos críticos do integralismo está em que parte de uma posição  
apriorística, configurando a realidade por meio de ideias preconcebidas, tais como as  
de “vazio, atraso, tardio, desigual, imaturo, importado”, relevando com isso o  
indeterminado do movimento histórico: “Assim em lugar de assumirmos a  
indeterminação inicial pela qual haverá processo, supomos que no ponto de partida  
do caminho histórico e do trabalho teórico tudo já está determinado, restando-nos  
apenas a tarefa de articular os dados esparsos para recuperar o caráter plenamente  
determinado da situação.” (CHAUÍ, 1978, p. 29)  
Em sua primeira posição em face do fenômeno do integralismo, Chauí se  
mantém presa às formulações da analítica convencional, esforçando-se em demonstrar  
“que essa importação é determinada pelo ritmo internamente necessário do  
capitalismo brasileiro para ajustar-se ao compasso da música internacional, é coisa de  
que não duvidamos”, sem se colocar que permanece no mesmo terreno problemático  
do formalismo dos intérpretes. Não se põe em discussão, desse modo, se a doutrina  
integralista é produto ou não de um mimetismo ideológico, mas que “no caso  
específico do pensamento autoritário, a importação de ideias possui um sentido  
peculiar” (CHAUÍ, 1978, pp. 35-6). Assim, a filósofa busca justificar o empréstimo de  
ideias produzidas em solo europeu, na determinante do “autoritarismo”, porque aqui  
sua forma vazia foi devidamente preenchida por “conteúdos locais”. O engodo  
deliberado ocorre na medida em que “o pensar autoritário tem a peculiaridade de  
precisar recorrer a certezas decretadas antes do pensamento e fora dele para que  
possa entrar em atividade” (CHAUÍ, 1978, p. 37),  
A engenhosidade epistemológica monta agora seu fundamento no quadro da  
“cultura autoritária”, que permite enquadrar e interpretar qualquer fenômeno político  
desta época. Desvendar as razões que permitem a ideologia comandar as operações  
de ocultamento e dissimulação. Tal como no caso do conceito de totalitarismo, este  
construto subjetivo não nasce desprovido de determinação social, uma vez que, como  
especifica a crítica ontológica, “a noção de totalitarismo nada mais reflete que o  
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Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
liberalismo com sinal trocado” (CHASIN, 1978, p. 49). Referindo-se ao vigor da crítica  
chasiniana, que denuncia a improcedência da equalização entre fenômenos históricos  
distintos, Antonio Candido observa que:  
O seu principal ponto de apoio teórico talvez seja a discussão sobre  
o conceito de totalitarismo, que funcionaria, para os que os  
identificam, como denominador comum de ambos os movimentos.  
Mas é claro que a sua veemente discussão mira mais longe; visa ao  
próprio conceito, que serve à crítica liberal para operar a assimilação  
mais grave entre fascismo e comunismo, na medida em que ambos  
seriam afastamentos de um modelo ideal, suprassumo da filosofia e  
da organização política o do liberalismo. (CANDIDO in CHASIN,  
1978, pp. 13-4)  
Este obnubilamento criado pela conceituação liberal se serve de universais  
abstratos para tentar descrever o real e, com isso, tal conceituação fica impossibilitada  
exatamente pela determinação social de sua perspectiva de apropriar-se dos  
universais concretos por meio das mediações e particularizações concretas. Este  
procedimento formalista, de natureza politicista, além de tornar equivalentes  
fenômenos históricos, por mais distintos que possam ser, acaba por reduzir a história  
a uma construção eventista. Assim sendo, ao contrapor a todo monopólio de poder, a  
todo estado totalitário, os valores do estado liberal, a análise convencional oculta a  
questão da própria hegemonia de classe, operando-se, assim, a própria eternização  
do estado e da dominação de classe.  
Confundindo manifestações históricas concretas, e reduzindo-as à sua  
expressão política, o conceito de totalitarismo opera simplesmente  
uma sorte de tautologia ao determinaro fascismo, o nacionalismo e  
tantos outros eventos que ele se permite englobar e que de algum  
modo contrariam o perfil liberal. [...] Com isto não estamos querendo  
confundir ou dissolver as distintas formas de hegemonia; pelo  
contrário, queremos ressaltá-las, afirmando que ela, a hegemonia,  
sempre está presente ao fenômeno do poder, ao contrário do que a  
análise liberal pressupõe. (CHASIN, 1978, pp. 53-4)  
Submersa ao conceito de autoritarismo, de corte liberal, na interpretação de  
Chauí, a ideologia integralista, como todo “pensar autoritário”, reduz-se a uma “região  
das consequências sem premissas, [que] precisa localizar em algum ponto externo,  
anterior e fixo um conjunto de afirmações protocolares graças às quais entra a pensar”  
(CHAUÍ, 1978, p. 38). O passo subsequente desse ato especulativo, que se transforma  
em seu novo ponto de partida, está em assinalar que a peculiaridade desse  
pensamento “é o de operar com imagens em lugar de trabalhar com conceitos” (CHAUÍ,  
1978, p. 40). O que faculta a operação da ideologia autoritária, transformando os  
integralistas em peritos na arte de manipular, em produzir imagens, algumas por meio  
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Antonio Rago Filho  
de “livre associação”, sem nenhum espelhamento com o real. Como se vê, Chauí que  
transita num ecletismo sofisticado, que começa com Marx e acaba nas reflexões de  
Claude Lefort, age como se estivesse num mesmo campo teórico. Com isso, jamais  
poderá responder acerca da determinação social do pensamento integralista. Qual é a  
posição e o sentido da utopia reacionária ou do paraíso rural no integralismo de Plínio  
Salgado? Em seu empreendimento intelectual não poderemos encontrar essa resposta.  
Ainda mais porque estamos diante de uma analítica que, elidindo a objetividade da  
produção histórica de uma subjetividade determinada, propõe-se a “não tomar como  
critério a adequação ou inadequação entre o texto e o real, mas a representação do  
real veiculada pelo texto e, então, interpretar as diferenças e os conflitos entre os  
documentos segundo as representações que oferecem do social, do político e da  
história e, consequentemente, segundo os destinatários que elegem” (CHAUÍ, 1978,  
p. 34).  
Esta postura dará margem para imputações as mais diversas aos  
comportamentos dos integralistas como se eles fossem governados pelo poder de  
manipular de acordo com o destinatário a que se dirigem , promovendo uma autêntica  
autonomização do pensamento em relação ao sujeito histórico que o produziu. Mesmo  
Salgado sendo católico assumido, tecendo a sua concepção com a doutrina social da  
Igreja Católica e escrevendo sobre a vida de Jesus, Chauí acredita estar revelando um  
segredo: “Sem dúvida, um texto como o Sofrimento universal, ciclo de conferências de  
Salgado para os católicos portugueses, é prova de que o catolicismo é um elemento  
tático e ideológico de grande envergadura, porém, é preciso não ignorarmos a  
natureza do público a que era destinado: salazaristas convictos.” (CHAUÍ, 1978, pp.  
76-7)  
Marilena Chauí, que identifica ideologia com representação imaginária, passa  
por cima da pertinência da afirmação marxiana, acerca da natureza ontológica da  
consciência social: “Se a expressão consciente das relações reais dos indivíduos é  
ilusória, se em suas representações põem a realidade de cabeça para baixo, isto é  
consequência de seu modo de atividade material limitado e das suas relações sociais  
limitadas que daí resultaram.” (MARX in FERNANDES, 1983, p. 192) Comentando esta  
problemática, Chasin esclarece:  
Vincadas à sociabilidade, dela nascendo, as formas do pensamento  
“são a expressão consciente – real ou ilusória de relações e  
atividades efetivas”. Em outras palavras, verdadeiras ou falsas, as  
representações dos indivíduos, os únicos dotados de capacidade  
Verinotio  
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Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
espiritual, brotam sempre do terreno comum do intercâmbio social.  
Correta ou fantasiosa, efetiva reprodução ideal de um objeto, ou  
rombudo borrão mental, as ideações não são autoengendradas,  
variando de um polo a outro em função do potencial societário em  
que se manifestam. (CHASIN, 1995, p. 406)  
A chave está na especificação da natureza do ser social, que se estrutura no  
“sujeito decifrado como atividade sensível, do qual o espírito é inerência reiterada na  
própria confirmação objetiva daquele”. Como não encontramos as premissas efetivas  
nos textos do “imaginário integralista”, com sua liberdade de associar imagens, trata-  
se de encontrar o destinatário representado para o qual devem convergir os interesses  
das classes dominantes e, consequentemente, as suas manipulações. Esta será,  
inclusive, considerada a causa do fracasso da corrente integralista, a saber, a ideologia  
integralista peca por estar direcionada às “classes médias”, pois o sucesso do  
getulismo foi o de dirigir-se aos operários. Não é exagero dizer que toda a sua análise  
está ancorada nessa concepção de ideologia como arte de ocultar e mistificar, que em  
seu movimento apresenta “ofertas” e “promessas” às necessidades mais “sensíveis”  
do destinatário.  
Se o integralismo se vale de uma “história imaginária”, uma ficção típica do  
“pensar autoritário”, tal como é supostamente construído por seus ideólogos, sem  
nexo com a realidade histórica, trata-se, então, de apontar mais uma vez, pelo viés  
politicista se o determinante externo ainda convém à análise do fenômeno  
integralista. O recurso ao mimetismo ideológico torna-se, assim, descartável:  
Nessa medida, torna-se de menor importância saber se houve  
importação dos fascismos europeus, pois o que interessa  
compreender é que, importando ou não ideias que não poderiam  
espelhar a situação brasileira, as formulações integralistas exprimiram,  
na forma da construção pura, a verdade do nacionalismo como política  
autoritária, mesmo quando os militantes aderiam à AIB pelo medo ao  
comunismo ou pelo antiliberalismo, na esperança de ver realizados  
ideais que, de outra maneira, permaneceriam como simples  
desiderato. (CHAUÍ, 1978, pp. 117-8).  
A grande novidade da análise de Chauí, segundo suas próprias palavras ao  
contrário do “lugar-comum da historiografia brasileira, isto é, a afirmação do  
atrelamento da classe média à classe dominante”, que supõe o fato de seus dirigentes  
e militantes terem se transformado em massa de manobra de Vargas –, é que “sob a  
bandeira do combate ao comunismo, a classe média desse período serve de ponta de  
lança para a repressão exercida contra o proletariado”. Getulismo e integralismo se  
articulam com a finalidade de barrar o movimento operário, nesse sentido, “não se  
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Antonio Rago Filho  
trata sequer da suposta convergência político-ideológica entre integralistas e o golpe  
de 37, nem se trata do suposto fascismo de uns e de outros, mas sim de que, por  
motivos diferentes, o autoritarismo e a ditadura surgem para dominantes e classe  
média integralista como freio indispensável quando se tem em mira a paralisia  
operária” (CHAUÍ, 1978, p. 108). Chauí aos poucos vai se livrando da importação das  
ideias fascistas e, portanto, do preenchimento integralista das formas vazias  
emprestadas do mundo europeu fascistizado, para garantir que, em certo sentido, o  
integralismo estaria mais próximo de um “populismo” de Jânio Quadros ao invés do  
mimetismo, “oposto ao paternalismo e ao clientelismo do líder, em nome da  
moralidade, da autoridade e da burocratização estatal, pelos quais o chefe deve ser  
responsável”. Completando, por fim:  
O integralismo pode ser tido como fenômeno político-ideológico local,  
prenúncio de um populismo falhado, diverso do de Vargas, e que não  
se ocuparia com o povo operário, mas como o povo-classe média.  
Sob este prisma é possível supor que o fracasso da AIB tenha algo a  
ver com o sucesso de Vargas, não porque este teria estado mais à  
altura da grande política, mas sim porque não permaneceu cego à  
prática operária, enquanto o movimento do Sigma, estabelecendo  
uma cisão entre o monstro comunistae o mísero obreiro,  
aprisionou-se nas imagens pequeno-burguesas do social e do político,  
permanecendo apenas à altura do destinatário de seu discurso.  
(CHAUÍ, 1978, p. 112)  
Ora, precisamente num momento histórico em que se processa a transição de  
uma ordem agroexportadora para a ordem urbano-industrial na sociedade brasileira,  
graças a uma “conciliação pelo alto”, recomposição das frações dominantes no estado  
autocrático dos proprietários, é que surge um movimento político de tolhimento (ou  
melhor, de tentativa ilusória) do avanço das forças produtivas materiais contra os “reis  
da finança” ou o “espírito judaico”. Em virtude de o integralismo apresentar uma larga  
dimensão retórica em seu discurso, fez com que os intérpretes convencionais o  
caracterizassem como uma forma permanente de dissimulação e mistificação. Como  
esta analítica deixa de lado a parte residual desse discurso, deixa de lado a  
objetividade do corpo ideológico, os conteúdos significativos que expressam o ser  
social limitado de natureza ruralista, a debilidade de sua manifestação ideológica,  
forma de regressividade posta num momento histórico específico da constituição do  
capital industrial em nossa formação histórica.  
Para o teórico da via colonial, o discurso pliniano por ser basicamente  
persuasivo, retórico, está longe de construir uma argumentação articulada por nexos  
racionais no sentido de convencer, uma vez que a apropriação do verdadeiro só se dá  
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Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
pela intuição ou pela revelação. É precisamente aqui, na porção residual da doutrina,  
em que se revela por inteiro o sentido histórico do integralismo, que Chasin divisa os  
dois limites teleológicos da oposição romântica à miséria brasileira, que escaparam  
inteiramente à versão hegemônica do integralismo, a saber:  
O limite máximo, que designamos por utopia reacionária ou  
regressiva, que visiona a conversão do país numa pletora de pequenas  
propriedades, quase que exclusivamente rurais, e que, pela sua total  
inviabilidade, e até mesmo absurdidade, jamais é inteiramente  
explicitada. O limite mínimo, também de solução ruralista, mas que,  
por assim dizer, se conforma em transigir um pouco, busca pelo  
menos frear ou estancar a acumulação capitalista. (CHASIN, 1979, p.  
607)  
Chasin desvenda, portanto, o devido lugar, a condição e a finalidade a  
necessidade histórica – dessa utopia reacionária, capta “o sentido do desesperado  
esforço pliniano de persuasão, cegando-se para a evidência de que, se não podia  
convencer, isto não seria razão suficiente, nem muito menos, para Salgado deixar de  
querer e de propor exatamente aquilo pelo qual se esforçaria decididamente por  
persuadir” (CHASIN, 1979, p. 607).  
É só a partir daí, uma vez efetuada a crítica ontológica da ideologia integralista  
de Salgado, a captura de sua destinação histórica por seus significados imanentes,  
articulados à sua determinação social na via colonial de objetivação capitalista, que  
Chasin pode partir para uma comparação ontologicamente posta entre os dois  
fenômenos históricos distintos.  
Nesse sentido, adotar a tese de que integralismo e fascismo são entes concretos  
que se distinguem historicamente, implica também distinguir a via prussiana, como  
forma não-clássica de objetivação capitalista, que propiciou às formações capitalistas  
singulares, como a Itália e, principalmente, a Alemanha, um salto sem precedentes de  
uma condição de atraso histórico para posição de um capitalismo monopolista já no  
estágio imperialista. O fenômeno do fascismo, portanto, é produto dessa lógica  
particular do desenvolvimento do capitalismo avançado. O fascismo é considerado,  
assim, como expressão do grande capital, que busca expandir-se por meio de uma  
ideologia de mobilização para a guerra interimperialista, a fim de forçar uma redivisão  
das esferas já dominadas pelos polos hegemônicos do grande capital. A via prussiana  
é tomada não como modelo, mas como exemplaridade histórica. O integralismo, muito  
ao contrário, põe-se como utopia reacionária no interior dos condicionamentos de  
outra forma não-clássica, a via colonial de objetivação do capital, subordinado ao  
imperialismo, como movimento que buscou estancar o desenvolvimento do capital  
Verinotio  
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Antonio Rago Filho  
industrial em nossa singularidade histórica.  
Em suma, o fenômeno do integralismo por meio da analítica regrada pelo  
estatuto ontológico dos entes históricos põe-se objetivamente como uma crítica  
romântica ao capitalismo de fundo ruralista. Com isso, ilumina-se a destinação histórica  
da ideologia integralista, o centro de onde se ramificam os principais nódulos  
ideológicos do fenômeno do integralismo. A distopia reacionária do paraíso rural, o  
núcleo ideológico diretor, que passou inteiramente despercebido pelos intérpretes da  
análise convencional. Do prisma de uma ontologia estatutária, especificamos que do  
capitalismo tardio nasce uma práxis e ideologia de mobilização social para a guerra,  
com a finalidade imperialista de expansão do seu “espaço vital”. O integralismo se põe  
objetivamente como nacionalismo defensivo do capitalismo híper-tardio. A ideologia  
integralista se configura como uma “utopia reacionária” para frear o desenvolvimento  
das forças produtivas materiais e, com isso, o próprio capitalismo, a industrialização  
in limine levaria ao comunismo, o materialismo e o fim da religião. Um dos primevos  
partidos de massa, a Ação Integralista Brasileira constituiu-se numa frente de direitas,  
que ambicionava a instauração de um estado forte e orgânico, por meio de uma  
revolução espiritualista. Episódio significativo se deu com a constituição de uma frente  
de esquerdas, anarquistas, trotskistas e comunistas reunidos na Frente Única  
Antifascista, para por fim às movimentações da extrema-direita. Na praça pública, a 7  
de outubro de 1934, no centro da cidade de São Paulo, circundando a imponente  
Catedral da Praça da Sé, os dois movimentos se enfrentaram num combate armado.  
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Verinotio  
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Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo europeu (1922-1937)  
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Como citar:  
RAGO FILHO, Antonio. Diferenças históricas entre integralismo brasileiro e fascismo  
europeu (1922-1937): formas de regressividade na via colonial e na via prussiana  
de objetivação do capital. Verinotio, Rio das Ostras, v. 30, n. 1, pp. 40-59, Edição  
Especial: A miséria brasileira, 2025.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X, v. 30, n. 1, pp. 40-59 jan.-jun., 2025 | 59  
nova fase  
Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.752  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
Atrophic capital: from the colonial path to globalization  
Lívia Cotrim*  
Resumo: Este texto, escrito como apresentação à  
primeira edição do livro de J. Chasin A miséria  
brasileira, objetiva chamar a atenção para  
aqueles que são, no entender da autora, as  
principais conquistas do pensamento chasiniano  
expressas naquele livro. Assim, a categoria de via  
colonial e seu encerramento, a proposta da  
“dupla transição”, a crítica ao politicismo e à  
analítica paulista são destacados e é esclarecida  
sua relevância para o entendimento do país.  
Abstract: This text, written as an introduction to  
the first edition of J. Chasin's book Brazilian  
poverty, aims to draw attention to what the  
author believes to be the main achievements of  
Chasin's thought expressed in that book. Thus,  
the category of the colonial path and its  
conclusion, the proposal of the “double  
transition”, the critique of politicism and the  
paulista analytics are highlighted and their  
relevance for understanding the country is  
clarified.  
Palavras-chave: J. Chasin; miséria brasileira; via  
colonial; politicismo.  
Keywords: J. Chasin; Brazilian poverty; colonial  
path; politicism.  
"A conjunção entre o embrião maldito do capital  
incompletável e a insubstancialidade teórica  
e prática da esquerda organizada é a determinação  
da miséria brasileira, determinação particularizadora,  
para o capital e capitalismo de extração colonial,  
da fórmula marxiana de 'miséria alemã’".  
J. Chasin  
A publicação deste volume, composto do conjunto de artigos produzidos por  
J. Chasin a respeito da problemática brasileira, é a execução de um projeto formulado  
pelo autor, um entre os vários que sua morte prematura deixou inacabados.  
Projeto que não visava somente reeditar trabalhos há muito fora de circulação,  
o que já por si seria legítimo e importante, mas sim oferecer o conjunto de uma análise,  
desdobrada e enriquecida ao longo de mais de vinte anos, envolvendo o essencial de  
todo um ciclo da história brasileira.  
O material que compõe este volume foi organizado por Chasin; mas não lhe  
restou o tempo necessário à elaboração do estudo que deveria abri-lo, no qual  
*
Lívia Cotrim (1959-2019) - Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de  
São Paulo; mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas; graduada em Ciências  
Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Foi professora do Centro  
Universitário Fundação Santo André.  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X Edição especial: A miséria brasileira; v. 30, n. 1 jan.-jun., 2025  
nova fase  
 
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
pretendia fazer um balanço do período histórico recém-encerrado e de seus momentos  
de inflexão mais significativos, bem como tracejar os contornos do novo momento que  
mal começamos a viver.  
Entretanto, os trabalhos aqui reunidos falam por si, e nos falam tanto do evolver  
da realidade quanto da trajetória de um intelectual que, insubmisso à maré montante  
da produção do falso e indiferente aos aplausos fáceis, sejam acadêmicos ou  
partidários, debruçou-se sobre a tarefa, que aliás sempre entendeu coletiva, de "tomar  
por centro o resgate da obra marxiana e se pautar por seus lineamentos ao facear  
crítica e praticamente os temas nacionais"1.  
Desde a década de 70, Chasin se dedicou concomitantemente a esse duplo  
esforço: recuperação do pensamento próprio de Marx e análise da realidade brasileira,  
em suas conexões com a situação mundial. Esforço que resultou no reconhecimento  
do estatuto ontológico do pensamento marxiano e, no interior dessa problemática, da  
questão dos modos particulares de objetivação do capitalismo.  
A descoberta da forma particular de objetivação do capitalismo industrial  
brasileiro que denominou de via colonial constitui a plataforma de acesso à  
compreensão essencial das últimas décadas da história brasileira, décadas em que a  
via colonial deu seus passos finais, tanto por suas próprias forças e impulsos, quanto  
pela ausência efetiva de ações que a barrassem ou infletissem, encerrando seu caminho  
pela consolidação de uma forma específica de capitalismo. Caminho intimamente  
vinculado as transformações do panorama mundial, já que as diferenças nacionais se  
forjam continuamente no interior de sua interrelação recíproca.  
É desse percurso que tratam os textos incluídos neste volume, abarcando a  
gênese e o desenvolvimento histórico das categorias societárias que compõem e  
forjam a formação social brasileira, a apreensão das possibilidades concretas de  
infletir, a partir da perspectiva do trabalho, a lógica perversa da via colonial, bem como  
as condições objetivas e subjetivas que condicionaram a perda daquelas  
oportunidades. O que implicou a avaliação crítica tanto da esquerda tradicional, que  
floresceu no pré-64, quanto da assim chamada "nova esquerda", de cunho não  
marxista, nascida nos entornos do golpe militar. Essa crítica incidiu, fundamentalmente,  
na denúncia da subordinação de ambas, em que pesem os modos diferentes com que  
o fizeram, ao arco de possibilidades, teóricas e práticas, do capital, de sorte que,  
1 I. "Rota e Prospectiva de um Projeto Marxista", in. Ensaios Ad Hominem I, Tomo II - Politica, São Paulo,  
Ad Hominem, 2000.  
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Lívia Cotrim  
"esquerdas só no nome", mais confundiram do que esclareceram, mais deprimiram do  
que elevaram a categoria societária que pretensamente representavam. Como e por  
que o fizeram, são as perguntas que Chasin buscou responder.  
O que se evidencia mais imediatamente ao percorrermos os escritos chasinianos  
é sua rigorosa e estrita subsunção aos nexos concretos do real a ser apreendido,  
subsunção determinada pela consciência de que a efetivação da perspectiva do  
trabalho exige ações práticas racionalmente orientadas e fundadas nas tendências e  
potencialidades objetivamente existentes. Esse rigor no acompanhamento do evolver  
da realidade evitou a armadilha de transformar quaisquer das aquisições de sua análise  
em uma sorte de modelo supostamente capacitado a explicar toda e qualquer situação.  
Ao contrário, permitiu e exigiu o reconhecimento das mudanças que se foram  
efetivando ao longo do período analisado, e portanto a alteração das posições práticas  
demandadas. Assim, o encerramento da via colonial a finalização do processo de  
objetivação do capitalismo industrial brasileiro e o desaparecimento das  
possibilidades anterior mente presentes para sua superação, a forma atual da lógica  
do capital mundializado, bem como a morte da esquerda e suas múltiplas irradiações  
constituem os temas que ocupam a atenção de Chasin em seus últimos escritos,  
visando sempre a recuperar, pela análise da realidade, as novas possibilidades de sua  
superação derivadas da lógica do trabalho.  
A via colonial  
O empenho de Chasin em apreender o modo como se objetivou e vem se  
reproduzindo o capitalismo industrial brasileiro se apóia na recuperação, mediada pela  
obra madura de Lukács, do que designou como o estatuto ontológico do pensamento  
marxiano.  
O esforço de encetar a análise ontológica da realidade brasileira implicou a  
crítica e superação das abordagens que tomam o caráter universal do modo de  
produção capitalista e os traços singulares de cada formação social como categorias  
exteriores uma à outra, de sorte que o primeiro se reduz a um conjunto de "atributos  
e leis genéricas" que, em seu isolamento, se enrijecem e autonomizam, adquirindo as  
feições de modelo, enquanto os segundos, também graças ao isolamento, reduzem-se  
a dados imediatos, cujo efetivo significado resta inalcançável. A intelecção adequada  
da realidade exige a dissolução desses coágulos enrijecidos pela mediação de suas  
formas específicas de existência: a particularidade, "ou, realçando a dimensão  
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nova fase  
O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
ontológica, à verificação de que há modos e estágios de ser, no ser e no ir sendo  
capitalismo, que não desmentem a universalidade de sua anatomia, mas que a realizam  
através de objetivações específicas"2.  
Ou seja, à medida que os universais existem apenas na malha objetiva das  
relações sociais, as formas concretas de sua existência constituem a mediação real  
entre os atos e relações singulares de que é tecida e os traços comuns a um conjunto  
de modos de ser específicos isto é, o universal. À simplicidade das abstrações  
enrijecidas a que são limitados universais e singulares quando remetidos  
imediatamente um ao outro, substitui-se, assim, a riqueza da "síntese de muitas  
determinações" que caracteriza, de acordo com Marx, o concreto real, e que deve ser  
apanhada e reproduzida nesta riqueza pelo pensamento.  
A aproximação da forma particular de objetivação do capitalismo brasileiro tem  
por parâmetro os contornos, traçados por Marx, da "miséria alemã", mostrando que o  
caráter lento e tardio da constituição do capitalismo extrapola em muito a referência  
cronológica, gestando uma forma de ser específica que afeta todas as relações e  
categorias societárias.  
Lentidão determinada pela ausência de processos revolucionários de transição,  
substituídos pela conciliação entre atraso e progresso sociais, entre o modo de  
produção capitalista, que forceja por se desenvolver e impor, e modos de produção  
arcaicos, cuja sobrevivência, assim possibilitada, emperra e restringe o  
desenvolvimento do primeiro. De sorte que "a emersão do novo paga alto tributo ao  
historicamente velho", alterando de modo substancial diversos aspectos da  
organização social, desde o ordenamento econômico, passando pelo caráter,  
perspectivas e limites da classe que está na ponta daquele processo de transição a  
burguesia , e atingindo as formas de exercício do poder político.  
O tratamento a que tanto Marx quanto Engels e Lenin submeteram o caso  
alemão, distinguindo a forma clássica da forma tardia de objetivação do capitalismo,  
toma para Chasin o caráter de "referencial exemplar" para a apreensão da  
particularidade brasileira, não só pela indicação das diferenças que o atraso no  
desenvolvimento capitalista gera em relação aos casos clássicos, mas sim por  
evidenciar que o percurso da análise concreta é o de extrair do próprio objeto as  
determinações que o configuram. Posto desta maneira o problema, fica consignada  
2 cf. "A Politicização da Totalidade: Oposição e Discurso Econômico".  
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uma crítica à subsunção do caso brasileiro aos contornos da miséria alemã, ou via  
prussiana, procedimento que a toma como modelo, "contorno formal aplicável a  
ocorrências empíricas", e reedita, assim, o estiolamento dos universais.  
Chasin principia a evidenciar os lineamentos da particularidade brasileira  
atentando para a inserção do país na acumulação primitiva de capital européia, na  
condição de empresa mercantil colonial. Esta é a origem histórica e o sentido da  
grande propriedade agrária brasileira, diversa da propriedade agrária feudal alemã,  
forma que o processo de industrialização defrontará pela via da conciliação pelo alto,  
denegando os caminhos revolucionários e conservando, assim, um pilar fundamental  
da subordinação ao capital metropolitano. De sorte que, enquanto a Alemanha inicia  
sua industrialização autonomamente em fins do século XIX e alcança a condição  
imperialista, a brasileira se afirma já no período das guerras imperialistas do século  
XX, e sem romper a subordinação ao imperialismo.  
De maneira que também no Brasil está presente a conciliação entre novo e  
velho, mas com "um velho que não é, nem se põe como o mesmo", assim como a  
industrialização também não se põe do mesmo modo que na Alemanha, configurando-  
se o verdadeiro capitalismo brasileiro como hiper-tardio e subordinado.  
Em textos subsequentes, os contornos da via colonial, oferecidos ainda de  
forma abstrata nos dois primeiros artigos deste volume, são concretizados e  
enriquecidos. Tendo por objeto da análise o andamento da história brasileira recente,  
os nexos da situação atual evidenciam em si as determinações e atualizações da via  
colonial, em seu desdobramento histórico concreto, iluminando o sentido dos  
acontecimentos e situações anteriores.  
Em Conquistar a Democracia pela Base, de 1978, examinando criticamente o  
processo de "abertura" política que então se iniciava e o "milagre" econômico e sua  
crise, Chasin avança na compreensão da particularidade da burguesia e do capitalismo  
brasileiros, tal como se põem objetivamente nos planos socioeconômico e político, e  
ilumina também a questão da democracia em seu enraizamento e contornos concretos.  
O texto abre com uma determinação central da via colonial: toda a história  
brasileira é "rica" em ditaduras e "milagres", e pobre em soluções democráticas  
efetivas. Identifica, nos "ciclos" econômicos que marcaram tanto as atividades mais  
estritamente agroexportadoras quanto a acumulação industrial, outros tantos  
"milagres econômicos", capazes de propiciar, durante períodos mais ou menos curtos,  
uma larga acumulação (cuja maior parte é de apropriação e realização externa),  
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esgotando-se em seguida e sendo substituídos, mais ou menos rapidamente, por outro  
"milagre" (ou ciclo). De sorte que o "milagre" econômico que se desenvolveu entre  
1968 e 1973 o "mais curto deles" tanto quanto sua crise, iniciada em 74, não  
se mostram como uma novidade na história brasileira, mas, ao contrário, como a  
reiteração de uma forma de ser que, gestada no período colonial, evidencia suas  
características à luz da configuração mais complexa e desenvolvida. Do mesmo modo  
que a presença dos "milagres", também a das ditaduras se impõe à observação, desde  
as formas políticas assentadas sobre a mão de obra escrava, até o último século,  
republicano, de nossa história, cuja maior parte também decorreu debaixo de formas  
ditatoriais de poder político, mais claras umas (o Estado Novo e a última ditadura  
militar), mal veladas outras (a da Primeira República).  
Mais do que a mera constatação da presença simultânea de ditaduras e  
"milagres", Chasin aponta o entrelaçamento de ambos, explicitando a determinação  
das formas políticas pela ordenação e andamento socioeconômicos. É o  
desvendamento das bases do "milagre" econômico e de sua crise que permite  
compreender os alicerces sobre os quais se erigia a ditadura militar e os motivos que  
a levaram a desencadear a "abertura" política. Simultaneamente, à medida que se põe  
como momento do processo de industrialização objetivado no interior da via colonial,  
sua dilucidação abre para a compreensão de traços fundamentais desta última  
A análise chasiniana do "milagre" voltou-se à compreensão dos mecanismos  
que, se sustentaram o sucesso, para o capital, daquele ciclo de acumulação,  
determinaram também seu duplo fracasso: em primeiro lugar, enquanto plataforma de  
resolução dos problemas econômico-sociais que afetam os trabalhadores, e em  
segundo lugar, após curto período, como ciclo de acumulação. A compreensão desse  
duplo fracasso é fundamental, seja para o entendimento do capitalismo forjado pela  
via colonial, seja para o estabelecimento de uma plataforma de lutas fundada na  
perspectiva do trabalho.  
A análise do "fracasso geral" do "milagre" se beneficia de aquisições marxianas,  
nomeadamente a do nexo entre produção e distribuição, recuperando a determinação  
da primeira sobre a segunda, tanto no sentido de que só pode ser distribuído o  
produto da produção, quanto no de que a produção contém e implica uma específica  
distribuição dos meios de produção e dos homens que a realizam, condicionando o  
modo como os indivíduos participam na distribuição final do produto. Produção e  
distribuição deixam, assim, de ser tomadas como duas esferas desvinculadas, uma das  
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quais a produção seria regida por "leis naturais", enquanto a outra a  
distribuição poderia ser objeto de alterações dependentes da vontade, ou da  
política. Esta forma inadequada de as apreender vem se mantendo, até os dias atuais,  
como apanágio negativo das oposições, que descartam, assim, a crítica a base material  
da existência, ao modo pelo qual os homens produzem e reproduzem sua vida, e  
sustentam a suposição de que seja possível acoplar, à estrutura da produção existente,  
uma política de distribuição de renda, de sorte que a própria renda a ser distribuída é  
tomada de modo inteiramente abstrato, tanto no que diz respeito à especificidade dos  
produtos que a constituem, quanto no que se refere aos critérios de sua apropriação.  
A desconsideração daqueles nexos restringia o combate à ditadura ao campo  
estritamente político.  
Contrapondo-se a isto, Chasin mostra que o esquema produtivo responsável  
pelo "milagre" centrado nos bens de consumo duráveis, capitaneado por empresas  
monopólicas majoritariamente estrangeiras, e complementado pelo "esforço  
exportador", basicamente de produtos agrários tinha como pilar fundamental o  
rebaixamento salarial: a superexploração do trabalho. A forma retardatária,  
subordinada e conciliada com o historicamente velho do evolver da industrialização  
brasileira mostra a manutenção, devidamente modernizada e "desenvolvida", de sua  
face mais perversa a miserabilização das amplas massas trabalhadoras, que se põe,  
não como produto de uma "lacuna" distributivista, mas como base e sustentáculo da  
própria forma de desenvolvimento. E esta não poderia jamais gerar uma distribuição  
de renda adequada para as classes trabalhadoras tanto o que era produzido não  
se voltava para elas, quanto sua inserção social se fazia pelo critério do arrocho  
salarial, indissociável da lógica daquele ordenamento da produção. De modo que  
desde sua gênese, e ao longo de seus anos de "sucesso" em que propiciou uma  
larga acumulação, prioritariamente para o capital monopolista, nacional e internacional  
, o "bolo" confeccionado pelo "milagre", por mais que crescesse, "jamais poderia  
render para as massas trabalhadoras".  
O " fracasso restrito" do "milagre", o fim desse ciclo de acumulação de capital,  
mostra também a estreiteza da plataforma sobre a qual se erigiu e, portanto, do capital  
e da burguesia que o encabeçaram, à medida que seu rápido esgotamento deveu-se  
às mesmas bases que garantiram seu curtíssimo sucesso, e cuja manutenção impôs  
como "solução" o desaquecimento econômico.  
O desvendamento dos mecanismos do "milagre" vem acompanhado, tanto  
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neste texto como em As Máquinas Param, Germina a Democracia! (que tem por tema  
principal as greves de 1978 e 79 no ABC), da explicitação das razões do golpe de 64  
e do caráter autocrático da burguesia e do estado gestados pela via colonial. Chasin  
demonstra que a ditadura militar teve por suposto e objetivo a garantia de uma  
determinada organização produtiva, que vinha sendo questionada pelos movimentos  
populares. A industrialização subordinada ao capital externo, capitaneada pela  
produção de bens de consumo duráveis, conciliada com a estrutura agrária herdada  
da colônia e assentada na superexploração do trabalho, portanto na exclusão  
econômica dos trabalhadores, é a marca da estreiteza econômica da burguesia  
brasileira, determinante de sua estreiteza política: incapaz de dominar sob forma  
efetivamente democrática porque impossibilitada de lutar ou sequer perspectivar  
sua autonomia econômica, e, assim, de se por à frente de um projeto de cunho  
nacional, apto a incluir, embora nos limites do capitalismo, as classes a ela  
subordinadas , a burguesia brasileira só pode exercer seu poder político sob forma  
autocrática.  
A ditadura bonapartista, "expressão armada" da autocracia, evidencia-se em seu  
significado real: a forma institucional, sem perder sua especificidade, perde "qualquer  
aparência de autonomia" (Marx), e mostra as relações concretas sociais que a  
determinam. Ilumina-se, assim, o campo no qual deveria se dar a luta contra a ditadura  
o campo das condições materiais de produção e reprodução da vida, o campo das  
relações sociais, no qual deitam raízes os problemas políticos, que não desaparecem  
nem se diluem, ao contrário, adquirem sua real fisionomia. Ficam impugnadas as  
análises que, restritas ao campo do político, privilegiam as formas políticas desligadas  
de suas reais condições de existência, e vêm como seu fundamento a vontade.  
Do mesmo modo que a ditadura, o processo de "abertura", incorretamente  
denominado de processo de "redemocratização", é abordado a partir de seus  
fundamentos socioeconômicos efetivos: a crise do "milagre", isto é, a crise da  
organização econômica em função da qual fora dado o golpe em 64. Com a crise, já  
evidenciada em 1974, desfaz-se o bloco aparentemente monolítico que sustentara o  
estado bonapartista: os setores burgueses que o compunham têm agora necessidade  
de discutir e influenciar mais diretamente os rumos da política econômica  
governamental, a fim de disputar quais setores pagariam o ônus da crise, e como se  
desenharia uma nova rodada de acumulação. Sem, entretanto, que fossem  
questionados os fundamentos da organização econômica vigente a superexploração  
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do trabalho, a subordinação ao capital externo, a estrutura agrária, o privilegiamento  
do setor de bens de consumo duráveis como carro-chefe do desenvolvimento  
industrial , o que implicava deixar em pé o caráter autocrático do estado, mantendo  
excluídos do debate da questão essencial a econômica os trabalhadores.  
De sorte que a "abertura", iniciada pelos próprios sustentáculos da ditadura,  
buscando "abrir" institucionalmente para a participação mais direta dos setores  
burgueses, não visava à democracia, mas sim a institucionalização da autocracia,  
substituindo sua fisionomia abertamente ditatorial por traços mais abrandados. A  
transição pelo alto, plenamente alcançada tanto pelos méritos da situação, quanto  
pelos deméritos da oposição preserva, assim, as linhas essenciais tanto do "modelo"  
econômico quanto do estado autocrático.  
A apreensão dos determinantes da autocracia abre para o entendimento de  
outra característica da burguesia de via colonial: o politicismo. Se em seu fundamento  
último a determinação ontopositiva da politicidade3, cujo núcleo é a consideração  
do estado e da política como necessidades permanentes da humanidade e expressões  
de suas melhores qualidades o politicismo é comum a todo o pensamento burguês,  
sua manifestação no Brasil não deixou de ter traços peculiares, determinados pela  
estreiteza da burguesia aqui constituída. A debilidade objetiva de um capital induzido,  
incapaz de perspectivar sua autonomia, incompleto e incompletável, e assentado na  
superexploração da força de trabalho, impossibilitando a incorporação das classes  
subalternas, torna vital para a burguesia a negação do debate sobre o ordenamento  
econômico à classe trabalhadora, resultando daí o seccionamento entre o plano da  
produção e reprodução da vida e as questões políticas. De maneira que estas são  
postas para a discussão independentemente daquele, considerado, no máximo, como  
um problema "técnico". Essa autonomização e hipertrofia do plano político o esvazia  
de seu real sentido, formaliza-o, e simultaneamente impede sua efetiva transformação.  
Desse modo, o politicismo atua "como freio e protetor" da estreiteza econômica da  
burguesia, uma vez que freia antecipadamente qualquer discussão sobre sua fórmula  
econômica, relegada à "esfera intangível do privado", e, assim, a protege em seus  
interesses centrais.  
Em Hasta Cuando? A Propósito das Eleições de Novembro4, Chasin desdobra  
3
Ver o Tomo III - Política, da revista Ensaios Ad Hominem I, coletânea de trabalhos em que J. Chasin  
examina a determinação ontonegativa da politicidade em Marx.  
4
Texto publicado originalmente em 1982, em que Chasin examina as primeiras eleições diretas para  
governadores depois do golpe militar.  
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amplamente esta questão, demonstrando as interligações entre o modo de objetivação  
do capitalismo brasileiro, o caráter autocrático do estado, em suas diversas formas, e  
o politicismo. Este, "forma natural de procedimento" da burguesia brasileira, passa a  
ser utilizado conscientemente, a partir de 64, como estratégia política.  
Autocracia e politicismo, longe de serem contingentes ou restritos a um  
momento histórico singular, são determinados pela atrofia histórica e estrutural do  
capital e da burguesia de via colonial, retardatária, conciliadora e subordinada,  
economicamente liberal mas sem aspirações democráticas. Estreiteza econômica e  
consequentemente política que lhe inviabilizam o exercício da hegemonia sob forma  
democrática que exigiria a integração e participação de todas as categorias sociais  
e deixam-lhe apenas duas alternativas para sua dominação: a "truculência de classe  
manifesta" o bonapartismo, expressão armada do politicismo , ou a "imposição  
de classe velada ou semivelada" a autocracia institucionalizada, expressão jurídica  
do politicismo. A alternância entre estes dois pólos pode ser observada tanto na última  
ditadura militar e sua posterior "abertura", quanto na sucessão do Estado Novo pela  
assim chamada "redemocratização" de 1945/46.  
O desvendamento das bases sociais do estado brasileiro reconfigura totalmente  
a questão da democracia, iluminando suas condições de possibilidade, as quais  
apontam para outro sujeito histórico o trabalho, ao invés do capital e, portanto,  
para outro conteúdo, não limitado as franquias institucionais, embora sem as  
desprezar. Elucidando a fonte efetiva dos males sociais a sociedade civil, na  
particularidade histórica de sua objetivação, recusa o seccionamento, característico da  
concepção liberal, entre as "partes" componentes da existência humana, e abre  
caminho para a crítica radical da política, concomitantemente à crítica radical do capital  
em suas diversas entificações, inclusive aquela derivada das tentativas frustradas de  
transição socialista5. Em outros termos, essa abordagem substitui a perspectiva  
quimérica, hoje dominante, do aperfeiçoamento do estado e da domesticação do  
capital pela da superação do capital e da política, com vistas à emancipação humana.  
5
Não por acaso Chasin publica, em 1983, ano do centenário da morte de Marx, Da Razão do Mundo  
ao Mundo Sem Razão (Revista Ensaio n° 11/12. São Paulo, Ensaio, 1983), primeiro trabalho em que  
alcança a determinação das formas societárias pós-capitalistas como formas que. abolindo a  
propriedade e os proprietários privados, não atingem, entretanto, a apropriação e gestão sociais dos  
meios de existência, mantendo o capital em uma configuração inusitada: o capital coletivo/não social,  
gerido, embora não apropriado, pelo estado - razão da permanência e ampliação deste parasita que  
sufoca o corpo social. O mesmo tema será retomado, com amplos desdobramentos, em A Sucessão na  
Crise e a Crise na Esquerda, incluído neste volume.  
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Não se deixando embair por aquela quimera, e tendo por horizonte a emancipação  
humana, tornou-se possível, a partir da análise das condições objetivamente  
existentes, visualizar os passos concretos que permitiriam vincular a solução das  
carências mais prementes ao percurso em direção àquele objetivo.  
Trata-se de questão nodal, para a qual, entretanto, as esquerdas não haviam  
ainda atentado, e que permanece, ainda hoje, desconsiderada por elas. O que vem  
levando à perda constante de oportunidades históricas de encetar um caminho menos  
desfavorável às massas subordinadas.  
O trânsito do bonapartismo à institucionalização da autocracia burguesa, em  
seus passos políticos assim como em seu fundamento efetivo a crise econômica e  
a busca de uma nova equação nesse plano que permitisse a retomada da acumulação  
em ritmo mais intenso , foram cuidadosamente acompanhados, sempre mantido o  
eixo de que a ruptura com o politicismo e com este trajeto adstringente é uma tarefa  
das forças do trabalho, e não do capital.  
Nesse sentido foram tratados a campanha pelas Diretas-Já, a eleição indireta  
de Tancredo Neves, sua morte às vésperas da posse e o estabelecimento da Nova  
República sob a égide de Sarney e do Plano Cruzado. No âmbito deste penúltimo  
passo da reconversão do bonapartismo à autocracia institucionalizada, o Plano  
Cruzado6 é lapidarmente determinado como "o segredo desvendado da democracia  
de proprietários no Brasil". E fundamental atentar para o fato de que sua debilidade  
não dizia respeito a este ou aquele problema técnico, e sim a defasagem entre, de um  
lado, a grandeza dos desafios que deviam ser enfrentados para o capital,  
estabelecer as bases de uma nova fase de acumulação, e para o trabalho, eliminar a  
superexploração e a mesquinhez do programa adotado. Defasagem, grifava Chasin,  
de caráter qualitativo, uma vez que a resolução efetiva desses desafios exigiria uma  
alteração profunda no padrão de produção, embora não estivesse em jogo,  
imediatamente, uma transformação no modo de produção.  
Esse diagnóstico tomava por base a já aludida crise do "milagre", para a qual o  
capital e seus prepostos ainda não haviam sido capazes de encontrar uma alternativa.  
Uma vez que os mecanismos que engendraram os elevados índices de acumulação do  
"milagre" foram também os responsáveis por seu esgotamento, qualquer alternativa  
demandaria uma reformulação da equação econômica existente, sinteticamente pela  
6 Cf. A Miséria da República dos Cruzados.  
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redefinição das relações com o imperialismo e reordenamento do padrão monopólico  
interno de acumulação reformulação incompatível com o modo de existência do  
capital atrófico: uma burguesia que "assumiu sua miséria" vê na mera perspectiva de  
transformação uma dupla ameaça: teme o "mais forte, que lhe deu a vida", e os "de  
baixo, que podem toma-la". Nesse quadro, e "já que só admite transformações na  
ordem e pelo alto, aos cochichos com seus pares, num rodeio autocrático", a resposta  
ao desafio foi o Plano de Estabilização Econômica, que buscava apenas reequilibrar o  
quadro já existente, sem tocar em seu perfil estrutural. O problema vital do  
financiamento dos investimentos que abririam para uma expansão prolongada não foi  
sequer aflorado. Financiamento que, dado o caráter parasitário do capital atrófico,  
deveria ser garantido pelo estado ou pelo capital externo, alternativas inviabilizadas  
pelo crescente endividamento, que, desde os estertores do "milagre", atingira níveis  
alarmantes.  
Embora não tenha passado disso, o Plano Cruzado foi, entretanto, para o  
capital, uma "compressa reconfortante". Já para o trabalho, foi a "configuração perversa  
do esbulho de sempre". Mantida intacta a organização produtiva, o congelamento dos  
preços no pico (logo convertido em ágios e desabastecimento) e dos salários na "média  
semestral de cinco meses" perpetuou as perdas salariais anteriores. Em outras  
palavras, tratou-se da consolidação do arrocho: "este é o coração concreto da  
democracia de proprietários no Brasil'' ou seja, uma "democracia" assentada sobre  
a manutenção da exclusão.  
Chasin levanta ainda, em torno da análise do Plano Cruzado, um problema  
crucial, que se manifestará com maior evidência e clareza alguns anos depois, na  
campanha sustentada por Collor de Mello quando das eleições diretas para a  
presidência da república: o problema da manipulação. Abrangendo muito mais do que  
a mera demagogia, ou do que um mero ato ou posição subjetivos, já havia sido  
aflorado por ocasião da eleição indireta e posterior morte de Tancredo Neves, elevado  
naquele momento a "mito mudancista", quando não era senão a expressão do  
conservantismo civilizado e da transição pelo alto. Indo além, em todos esses casos,  
da superfície imediata do problema, Chasin alcança a dilucidação de seu fundo  
objetivo: a incapacidade do capital atrófico de se pôr como agente transformador,  
motivo pelo qual a transformação se converte em seu contrário, a manipulação. Esta,  
reduzindo a prática ao sentido da imediaticidade, "opera o rearranjo tópico eficiente  
dos fatores em presença", do que resulta uma "mudança que sustenta e reafirma a  
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natureza da estrutura e os fatores que a integram, reproduzindo os lugares sociais dos  
atores no complexo".  
A "inteligência da manipulação" é comum a toda a burguesia contemporânea,  
entretanto importa frisar que, para as burguesias centrais, tal inteligência substitui hoje  
a inteligência da transformação que teve anteriormente, enquanto "para as burguesias  
periféricas é a expressão de sua única inteligência", na exata medida em que estas  
jamais puderam se por como agentes de transformação. A manipulação é a inteligência  
possível do capital atrófico, não uma debilidade ou defeito de caráter deste ou daquele  
indivíduo ou organização, mas sim uma determinação social da incompletude de classe  
do capital atrófico, cujo processo de objetivação não se dá por transformações  
superadoras do historicamente velho, mas por sucessivas modernizações do arcaico.  
Essa constituição do capitalismo brasileiro pela via colonial vai dando seus  
últimos passos em fins da década de 80, em conformidade, mais uma vez, com as  
alterações que se verificavam no plano internacional. Esses passos finais, bem como  
as alternativas ainda presentes de infletir seus rumos, foram exaustivamente  
examinados por Chasin às vésperas das eleições presidenciais de 1989, em A  
Sucessão na Crise e a Crise na Esquerda. Trabalho que sintetiza e se apóia sobre os  
resultados do intenso esforço analítico realizado nos anos anteriores, tanto no sentido  
de dilucidar a realidade brasileira, quanto no de recuperar o pensamento de Marx, e  
que abrange das determinações objetivas às manifestações ideológicas, nos planos  
interno e internacional.  
O texto abre com a indicação de que estávamos, então, vivendo uma situação  
histórica muito diversa daquela em que haviam se dado as últimas eleições  
presidenciais diretas. A situação brasileira é abordada no interior do complexo de  
problemas postos pela crise nos dois subsistemas do capital o capitalismo, que  
enfrentava a crise do capital super-produzido, e o capital coletivo/não social, que, já  
em seus estertores, exibia a crise do capital estagnado , bem como pela morte da  
esquerda. Chasin investiga a crise planetária, objetiva e subjetiva, vivida pela  
humanidade tendo por suposto a perspectiva da emancipação humana, o que obriga  
e permite trazer à luz as necessidades históricas que determinaram sua gênese e  
desenvolvimento, as contradições que a permeavam e as alternativas para a lógica do  
trabalho que abrigava.  
O exame das eleições presidenciais de 1989 e das circunstâncias em que  
ocorreram evidencia que configuravam o último passo tanto da reconversão da  
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ditadura bonapartista em autocracia institucionalizada, quanto do percurso da via  
colonial.  
Interessa, aqui, ter claro o sentido dessas afirmações. Ou seja, de uma parte,  
entender que a finalização da transição pelo alto significava a vitória das forças  
conservadoras que haviam engendrado o golpe militar e a própria transição (em que  
pese o fato de terem sido afastadas suas componentes mais truculentas), vitória que  
se desenhava primordialmente pela manutenção da estrutura econômica que as  
sustentava, a qual, entretanto, deveria ser devidamente modernizada para poder,  
diante das transformações internacionais que se punham, continuar se reproduzindo  
como receptor do capital subordinante. Em outros termos, Chasin aponta que esse  
último passo na direção da autocracia institucionalizada, assim como toda a caminhada  
que levara até aí, tinha caráter eminentemente social, e não estritamente político.  
Retomando uma das determinações centrais da via colonial, a ausência de processos  
revolucionários para a objetivação do capitalismo verdadeiro, e a ojeriza às  
transformações que ela engendra, Chasin mostra a vinculação entre o acabamento da  
transição à autocracia e do próprio processo de constituição do capitalismo no Brasil,  
indicando que, nesses seus passos finais, a burguesia brasileira abandona  
definitivamente qualquer ilusão ou veleidade de autonomia que pudesse ter  
alimentado antes, para aspirar exclusivamente à "boa parceria" com o capital externo,  
em outros termos, para assumir plenamente sua condição subordinada.  
De maneira que, se o golpe de 64 fora dado para barrar movimentos e  
propostas de mudança, o percurso da ditadura bonapartista à autocracia  
institucionalizada não trouxe de volta, nem poderia fazê-lo, um quadro semelhante de  
propostas de transformação. Ao contrário, pôs na ordem do dia somente a  
modernização do arcaico, sua manutenção sob outra roupagem, adaptada às novas  
formas e necessidades do capital mundial.  
É justamente a reviravolta no panorama internacional que marca e induz os  
momentos finais da via colonial, ou do processo de objetivação do capitalismo  
brasileiro. Reviravolta que tem por eixo o movimento de mundialização do capital, que  
já então se evidenciava. A análise chasiniana da dupla crise do capital o capital  
superproduzido no ocidente e o capital estagnado no leste constitui a base para a  
compreensão da especificidade do momento brasileiro. No que se refere ao capital  
superproduzido, importa frisar aqui que o alargamento constante de sua reprodução  
ampliada, alavancada pelo desenvolvimento tecnológico acelerado e já então exigindo  
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uma forte concentração de capital, impôs a este a necessidade premente de expansão  
de seus próprios espaços em outros termos, impôs a necessidade da mundialização,  
cujas primeiras manifestações, ao longo da década de 80, foram as aventuras do  
capital financeiro. O neoliberalismo, seja enquanto prática efetiva do capital, seja  
enquanto ideologia, se confunde com este período em que a superprodução de capital  
aparece como superabundância de capital financeiro, que, em busca de espaço de  
reprodução, arrebenta os limites que o constrangem, para isto rompendo as barreiras  
comerciais e políticas que pudessem emperrá-lo. A desregulamentação e a restrição  
do papel econômico dos estados nacionais foram suas manifestações mais evidentes.  
A derrocada, já então iminente, do capital estagnado do leste veio completar o  
processo de mundialização que então se desenvolvia, ao mesmo tempo em que, no  
plano ideológico, e graças a sua identificação com a transição socialista, reforçou a  
aparentemente inexpugnável vitória do capital, e jogou a última pá de cal sobre a  
sepultura da esquerda.  
É sob o influxo da mundialização do capital que a via colonial vive seu  
encerramento. A vitória de Collor em 89 significou a vitória dos ideais profundos de  
64. Apesar de seu fracasso em realizar os ajustes necessários para a "modernização"  
requerida pela nova etapa de integração subordinada, o panorama que se desenha  
poucos anos depois revela uma realidade bastante distinta, marcando o encerramento  
de um período de seis décadas, ao longo do qual, com todas as vicissitudes, o  
capitalismo industrial brasileiro se objetivou.  
O avanço da mundialização, com a derrocada definitiva do capital coletivo/não  
social, a aceleração do desenvolvimento tecnológico e a quebra das barreiras nacionais  
à circulação do capital, integra muito mais estreitamente do que em qualquer momento  
anterior os espaços nacionais sob a égide do capital, de tal forma que a não integração  
se torna sinônimo de retrocesso e degradação humanos, inviabilizando qualquer  
encaminhamento de soluções no âmbito nacional. O encerramento da via colonial pela  
trilha de suas próprias determinações, e não pela ruptura com elas, deu-se, assim como  
todas as anteriores alterações significativas na vida nacional, por influxo e sob o  
domínio dos movimentos dos capitais subordinantes.  
A dupla transição  
A intelecção da constituição do capitalismo brasileiro expõe as alternativas nele  
presentes para a perspectiva do trabalho. A compreensão de cada momento desse  
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processo em seu vínculo com as raízes históricas que o engendraram e de cada  
acontecimento com os nexos da totalidade na qual se insere permite evitar tanto o  
escolho de brandir apenas com críticas e propostas abstratas quanto o de deixar-se  
afogar pela imediaticidade, gerando reações que não visualizam nem encaminham para  
o horizonte mais generoso da emancipação humana. Ao contrário, Chasin sempre  
buscou apontar caminhos que unissem intrinsecamente esse horizonte à solução das  
demandas mais imediatas das massas trabalhadoras.  
Assim, tanto A Politicização da Totalidade: Oposição e Discurso Econômico  
quanto Conquistar a Democracia pela Base apresentam os lineamentos fundamentais  
da realidade brasileira à época (e a crítica às oposições, por sua incapacidade de  
apreendê-los), expondo a determinação de que a democracia, no Brasil, só poderia ser  
visualizada da perspectiva do trabalho, o que implicava ultrapassar os estreitos limites  
políticos em que a confina o pensamento liberal e ascender a seus fundamentos sociais  
a esfera da produção e reprodução da vida, a organização socioeconômica. Esses  
artigos foram produzidos no momento em que eram lançados, pela própria ditadura,  
os primeiros sinais da "abertura", e imediatamente antes do ressurgimento do  
movimento sindical na cena política do país. Momento em que Chasin volta sua atenção  
para os limites de uma abertura que, comandada pelos mesmos agentes sociais que  
haviam forjado a ditadura, apoiados pelas mesmas classes, não ultrapassava os  
contornos de alterações estritamente político-institucionais, e mantinha intacta a base  
econômica e o caráter autocrático do estado. Das oposições legais e clandestinas  
cobrava-se a ultrapassagem desses limites pelo desenvolvimento de uma crítica  
teórica e prática que ferisse a ditadura militar em seus alicerces, opondo-lhe um  
programa econômico alternativo que, desmontando a lógica do desenvolvimento  
nacional contraposto ao progresso social, reestruturasse o conjunto da vida nacional  
a partir da perspectiva do trabalho, de sorte a integrar as massas populares  
tradicionalmente excluídas, em todos os planos. Os pontos centrais de um programa  
dessa natureza, capaz de aglutinar e cativar para a luta política as massas  
trabalhadoras, são indicados, negativamente, por aqueles suportes da organização  
produtiva vigente que deveriam ser desmontados, por serem a base da exclusão social,  
e positivamente pelas carências mais prementes da classe operária: ampliação da  
produção de bens de consumo populares, investimento estatal e privado nacional na  
indústria de base, reforma agrária que combinasse a tradicional distribuição de  
pequenas glebas para os casos em que a produção assim o permitisse com a criação  
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de grandes empresas públicas (não necessariamente estatais) exemplares pela  
produtividade e pela relação salarial, e redefinição das relações com o capital externo  
(o que, frise-se, não implicava qualquer isolacionismo). Os sujeitos históricos de uma  
transformação dessa ordem só poderiam ser os trabalhadores, que, entretanto,  
arrastariam consigo amplas parcelas da classe média e mesmo setores da pequena e  
média burguesia, excluindo os monopólios nacionais e internacionais. Esse caminho  
exigiria e possibilitaria a derrota do mando autocrático em todas as suas formas,  
ditatorial ou institucionalizada. Simultaneamente, por reordenar o conjunto das  
relações sociais sob a perspectiva do trabalho, abriria caminho para a superação do  
capital. E este processo que Chasin denominou de "dupla transição": a classe  
trabalhadora, premida por carências básicas que podem ser resumidas pelo  
imperativo de resgatar da fome organizada em torno de um programa que atinja e  
transforme as raízes geradoras desta, ao mesmo tempo em que rearranja o  
desenvolvimento nacional e o centra no progresso social, ainda sob o modo de  
produção capitalista, acumula forças, objetivas e subjetivas, para a superação deste  
último.  
Uma tal proposição supera o equívoco de propor a completação do capital, seja  
pela busca de um capitalismo nacional autônomo, seja pelo aperfeiçoamento da  
política. As oposições, no entanto, foram incapazes de se alçar a esta altura, mantendo-  
se no nível rasteiro da luta estritamente político-institucional.  
Panorama que não se alterou quando do ressurgimento do movimento sindical  
a partir de 1978, no qual as oposições não viram nada além do que o acréscimo de  
"mais um" setor social ao caudal oposicionista. Em contrapartida, As Máquinas Param,  
Germina a Democracia!, artigo de 1979, saúda aquela retomada com a afirmação de  
que a história finalmente retomava o curso que o golpe de 64 havia interrompido, bem  
como com uma análise acurada do plano e das condições em que a luta operária se  
movera em 1978 e 79 e um balanço das forças do movimento e de suas debilidades  
ainda não superadas.  
Se nos textos anteriores Chasin já indicava que a presença popular seria a  
virtualidade do novo, neste artigo fica consignada a retomada do curso da história  
pela reemergência deste, que se repõe após longo período 14 anos de lenta  
recuperação e acumulação de forças, tocando de imediato no cerne do problema que  
avassala os trabalhadores: a fome, em cuja raiz encontramos o arrocho salarial, ou a  
superexploração da força de trabalho.  
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As greves de 78 e 79, vitoriosas já pelo simples fato de terem acontecido, eram  
a negação viva de algumas concepções que grassavam no interior das oposições: as  
"especulações sobre o espontaneísmo" e a separação entre luta econômica e luta  
política, já que, tendo a reivindicação salarial por alvo, o movimento paredista obteve  
resultados políticos em diversos níveis: derrubou de fato a lei de greve e alterou a  
correlação de forças, até então francamente favorável à ditadura e sua transição pelo  
alto, ao pôr em xeque um de seus pilares: o arrocho salarial, a superexploração da  
força de trabalho. Ultrapassando em muito os partidos políticos, o movimento dos  
trabalhadores questionou o sistema de produção responsável tanto pela iníqua  
distribuição de renda, quanto pela autocracia.  
O exame chasiniano desvenda as condições específicas que, aproveitadas pelo  
movimento operário, possibilitaram sua reemergência e afirmação, geradas pela crise  
do "milagre econômico" e o consequente esgarçamento do tecido social pelas lutas  
entre as frações do capital, incapazes, até então, de encontrar uma alternativa que  
permitisse um novo ciclo de acumulação, determinando a redução do teor bonapartista  
do poder. De sorte que duas componentes, de sentidos opostos, determinaram a  
dilatação do tecido social: "o desencontro dos setores do capital" e o "encontro dos  
setores do trabalho". A reação brutal dos governos Geisel e Figueiredo às greves, em  
pleno processo de "abertura política", confirmou a defesa da política econômica como  
o principal objetivo e sustentáculo da ditadura.  
Os trabalhadores, retomando seu movimento, perspectivaram e demandavam a  
"recomposição completa da equação do sistema produtivo brasileiro", atacando-o pela  
raiz e apontando para a ultrapassagem da fronteira de seus interesses corporativos na  
direção da luta contra a equação econômica da ditadura e, portanto, contra a própria  
existência dela. Em outros termos, pela sua atuação concreta os trabalhadores  
evidenciaram a "indissolubilidade da ligação entre as questões nacional e  
democrática". A resolução desta última não poderia apoiar-se apenas na afirmação  
genérica de sua importância e validade, mas demandava a pergunta por suas  
condições de possibilidade. Ancorado na compreensão de que, no Brasil, a democracia  
é o historicamente novo e que deveria ser criada, não recuperada, Chasin mostra que  
seu sujeito histórico também não é aquele que classicamente a gerou a burguesia,  
já que sua encarnação brasileira jamais teve condições e disposição para isso; aqui, o  
sujeito histórico da democracia só poderia ser o proletariado, razão pela qual esta  
deixa de se reduzir a um conjunto de franquias e instituições políticas, para se  
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consubstanciar na integração dos trabalhadores em todos os planos. Donde a posição  
central ocupada por um programa econômico alternativo, que vertebraria uma ampla  
frente nucleada pelo operariado e que agregaria outros setores da população,  
excluídas as encarnações do historicamente velho: o latifúndio voltado à exportação,  
o imperialismo e a modernização monopolística.  
A volta à cena das forças do trabalho abriu as portas e deu o passo inicial  
naquela direção. Entretanto, os movimentos grevistas não deixaram de apresentar  
debilidades, em parte próprias de períodos de crescimento e maturação, em parte,  
entretanto, indicativas da interferência e assimilação pelo operariado de concepções  
vesgas. Estas últimas vieram a se manifestar de forma aguda nos embates de 1980,  
assim como na figura de sua maior liderança, já cindida em Lula liderança sindical,  
figura essencialmente positiva e Luís Inácio da Silva militante partidário, cujos  
traços problemáticos fazem-se notar ainda no decorrer da campanha salarial daquele  
ano, e se acentuam cada vez mais daí em diante: a assimilação de "uma certa maneira  
de ver e contar a história brasileira", que desemboca na desconsideração da  
experiência das lutas sindicais e operárias anteriores a 78, especialmente as do pré-  
64; a defesa de um basismo incongruente com sua própria experiência como líder  
sindical; a incapacidade de compreender a necessidade de ampliação da base social e  
política das greves, insistindo em dizer que na greve não há como evitar o isolamento  
político, ao mesmo tempo em que afirma como objetivo da greve de 80 desbancar a  
política salarial vigente, assentando a possibilidade de vitória numa fé tecnicista na  
excelência da organização; finalmente, o desconhecimento de que, além de  
independência sindical e política, a classe trabalhadora necessita de independência  
ideológica.  
Chasin encontra a raiz desses traços no desencontro entre o movimento de  
massas que ressurgia e os descaminhos das teses e propostas político-partidárias,  
sempre inferiores às possibilidades daquele. Estas, uma vez assimiladas pela parcela  
mais organizada da classe operária, o que já se patenteava nos equívocos da  
campanha de 1980 e nas concepções expressas por Lula, serão as principais  
responsáveis pelo rápido descenso de um movimento que surgira com tanta pujança  
e abrira tantas possibilidades. Refluxo visível já na campanha salarial de 81, que se  
consolida a partir de 82, juntamente, e não por acaso, com a ascensão do A  
retração do movimento sindical, arrastado pela emergência do PT na condição de  
"esquerda não marxista", incapaz, como os demais partidos posicionados à esquerda,  
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de enxergar o que Chasin então designava como a "centralidade operária na questão  
democrática", e de vincular esta última com a questão nacional, ou de apreender a  
determinação da organização da produção sobre a estrutura política, fez com que  
perdêssemos a maior das oportunidades surgidas desde 64 para infletir os o  
progresso social.  
Das eleições para governadores em 1982 (as primeiras eleições diretas para  
esse cargo desde a implantação da ditadura), passando pela campanha das Diretas-Já,  
pelo posicionamento dos congressistas do PT na eleição indireta para a presidência  
em 84 e sua perplexidade diante do Plano Cruzado, assistimos à cristalização daquelas  
debilidades, de sorte que um partido nascido da demanda de um pujante movimento  
operário, ao invés de atende-la, instrumentaliza-o para as finalidades muito mais  
mesquinhas de aperfeiçoamento da esfera político-institucional. Ou, em termos mais  
gerais, assistimos à substituição da velha perspectiva pecebista de completar o capital  
no plano econômico pela de completá-lo no plano político, buscando o  
aperfeiçoamento do estado e da democracia, desconsiderando, mais uma vez, a  
pergunta sobre as condições de possibilidade desta no Brasil, e limitando o horizonte  
posto para a classe trabalhadora aquele aperfeiçoamento, isto é, abandonando, ou não  
reconhecendo, a meta da superação do capital e do estado.  
Nesse quadro de doloroso retrocesso, Chasin insiste na proposta da dupla  
transição, devisando as possibilidades concretas ainda presentes para isso, embora já  
bastante mais estreitas em relação as que se haviam mostrado no período anterior de  
avanço dos trabalhadores. Quadro que desemboca nas primeiras eleições diretas para  
a presidência da república, em 1989, momento no qual Chasin, em A Sucessão na  
Crise e a Crise na Esquerda, submete a um amplo exame assim a situação nacional  
como a internacional, demarcando-a como crucial para os rumos que, daí por diante,  
assinalariam a história brasileira.  
Chasin vê naquela ocasião a última oportunidade de encetar o desmonte dos  
pilares mais gravosos, para as massas populares, do ordenamento produtivo ainda  
vigente, e para cuja defesa fora estabelecida a forma bonapartista da autocracia e  
vinha sendo encaminhada, já há quase quinze anos, a transição pelo alto para sua  
forma institucionalizada, passagem da qual as eleições de 89 eram o último ato.  
Aquela oportunidade, ainda que desgastada em relação à de dez anos antes,  
tinha seus fundamentos tanto na permanência da mesma organização econômica  
assentada sobre a superexploração do trabalho. quanto na irresolução, até aquela  
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data, da crise que ela própria gerara, e para a qual as frações do capital não haviam  
ainda encontrado uma solução de sua ótica. Nessas condições, a ocorrência de um  
pleito presidencial, pondo em jogo encaminhamentos de âmbito nacional, abria um  
espaço importantíssimo para a atuação política da perspectiva do trabalho.  
Considerando, já agora, o processo acelerado de mundialização do capital, e o novo  
fôlego então obtido pela proposta de integração subordinada, representada, na  
campanha sucessória, fundamentalmente por Collor, mas também, em sua versão mais  
civilizada, pelo PSDB. Chasin reexpõe os nódulos essenciais da primeira transição,  
ainda viável, nucleada pelas forças do trabalho que, em sua afirmação defensiva,  
estabeleceriam uma sociedade moldada pelo capital socialmente controlado: 1)  
redefinição positiva das relações internacionais, superando a falsa dicotomia entre  
subsunção a relações subordinantes e reclusão autárquica da economia, pela via da  
redefinição do aparato produtivo; 2) mudança do sistema de produção, eixo central da  
primeira transição: também aqui não se tratava de optar entre as disjunções economia  
exportadora versus economia de mercado interno, e/ou estatismo versus privatismo, e  
sim de desenvolver as forças produtivas de acordo com as necessidades humano-  
societárias, impondo restrições ao capital externo e interno, com vistas a desativar as  
relações desiguais e subordinantes e a superexploração do trabalho, e dessacralizar a  
propriedade privada, iniciando o longo processo de sua substituição pela propriedade  
social; 3) resolução da questão agrária, ultrapassando a estreiteza das propostas de  
reforma agrária estritamente parcelária pela combinação de fórmulas diversas, de  
acordo com cada situação: parcelamento, ajustamento das disposições relativas a  
salário e condições de trabalho, e introdução germinal da propriedade social, nos  
casos em que o parcelamento significasse retrocesso na produtividade ou a  
superexploração do trabalho não pudesse ser desmontada sob a forma privada. Frise-  
se que propriedade social não deve ser confundida nem com propriedade estatal, em  
que o estado é proprietário e gestor da produção, nem com cooperativa, em que os  
trabalhadores são proprietários; trata-se de uma forma de apropriação comunal, em  
que o estado teria somente a obrigação do investimento, cabendo a gestão, mas não  
a propriedade, aos trabalha-dores; deveria distinguir-se pela excelência das condições  
tecnológicas e de trabalho e salário; 4) a globalização do capital e a formação de  
blocos regionais impunham-se como mudanças significativas no panorama das  
relações internacionais, mas, ressalta Chasin, não significavam abolição de fronteiras  
ou supressão das unidades nacionais, nem eliminavam a objetivação de vínculos  
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desiguais entre elas. Entretanto, nessa nova realidade mundial, mesmo a primeira  
transição só seria viável se desencadeada, não no âmbito estritamente nacional, mas  
sim em um plano ao menos regional, por um bloco centrado em um pequeno grupo  
de países latino-americanos Argentina, Brasil e México que, atravessando todos  
a objetivação do capitalismo pela via colonial, haviam alcançado um nível significativo  
de industrialização e de capacidade produtiva em geral, bem como de experiência de  
lutas sindicais e políticas e de densidade de produção teórica, e poderiam atrair para  
sua órbita as demais nações do subcontinente. Apenas a intervenção da lógica do  
trabalho tornaria viável essa integração latino-americana, possibilitando não apenas  
iniciar a ruptura mas prosseguir pelo caminho da primeira transição, cujo andamento  
repercutiria nos planos continental e internacional, sacudindo a monotonia dos cantos  
de sereia da vitória e eternidade do capital e contribuindo para reabrir, portanto, não  
apenas para si, mas para a humanidade, a alternativa da emancipação humana.  
Se a ausência de uma esquerda real, demonstrada por Chasin pela análise dos  
vários partidos que se reivindicavam essa posição, e de um movimento operário de  
peso limitavam e estreitavam os caminhos que levavam à primeira transição, estes  
entretanto não deixavam de existir. Distinguindo a posição de esquerda alicerçada  
na potência onímoda da lógica do trabalho e perspectivando a superação da  
sociabilidade do capital das posições na esquerda postadas no pólo mais  
progressista no interior da lógica do capital , Chasin esclarece a relação virtualmente  
complementar dos principais partidos de oposição que então concorriam  
PDT, PT, PSDB no que tange tanto a suas bases sociais quanto às  
propostas que cada qual enfatizava, visto que fincavam os pés na esquerda do  
gradiente possibilitado pela lógica do capital.  
Propugnando por uma confluência eleitoral na esquerda já no primeiro turno  
das eleições, Chasin consigna as qualidades de cada um dos partidos, insuficientes,  
em seu isolamento, mesmo apenas para vencer a pugna eleitoral, e com maior razão  
ainda para encaminhar a ruptura com o velho e direcionar os rumos do país pela senda  
do historicamente novo, mas cuja conjunção, pela multiplicação das forças que  
engendraria e pelo potencial de mobilizar e elevar a consciência e a organização das  
massas populares, abriria aquela alternativa. Assim, somar-se-iam: o vigor da proposta  
nacional-popular, defendida por Brizola, com sua ênfase na necessidade de "quebrar  
as pernas" do modelo econômico redefinindo as relações com o capital externo e  
reordenando a produção industrial; a parcela mais combativa do movimento sindical,  
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representada pelo PT, que vertebraria e especificaria, pela centralidade das demandas  
e da posição dessa classe, a proposta brizolista, ao mesmo tempo que a amplitude  
desta permitiria a superação das reivindicações estritamente corporativas dos  
trabalhadores ou estreitamente político-institucionais do PT; por último, e como a  
parcela mais débil, agregar-se-iam a classe média e parcelas do empresariado nacional,  
representados pelo PSDB.  
A análise chasiniana esclarece, seja negativamente, pela especificação das  
debilidades próprias de cada um desses candidatos, seja positivamente, pela  
clarificação de suas forças e grandezas próprias, que a confluência eleitoral na  
esquerda, efetivada em torno de um programa econômico alternativo e congregando  
a maioria da população brasileira, seria a única chance, ainda que mais frágil do que  
outras já perdidas, de infletir favoravelmente aos trabalhadores o curso da história  
brasileira nos marcos ainda da proposta da "dupla transição", ou seja, da ruptura com  
o processo de objetivação do capitalismo pela via colonial, este já em seus momentos  
finais.  
No momento em que Chasin escrevia esse artigo (meados de 1989), já estava  
fora de dúvidas que a confluência eleitoral na esquerda fora descartada, com  
resultados perversos para as massas populares. Boa parte desse trabalho é dedicada  
à dilucidação das razões que a impediram, iluminando os percalços teóricos e práticos  
das "esquerdas" no Brasil, seja a do pré-64, seja a assim chamada "nova esquerda".  
Perdida em todos os planos aquela eleição, perpetrados os descalabros  
conhecidos durante o exercício da presidência por Collor, desaguando no  
impeachment, desenhou-se pela última vez, embora desta feita com muito menor  
densidade, uma proposição que ecoava a necessidade de ruptura com o historicamente  
velho: Itamar Franco representante mais frágil da mesma tendência de que Brizola  
foi o herdeiro mais robusto reacende o debate econômico sugerindo redirecionar a  
produção industrial para bens de consumo populares. Proposta que,  
compreensivelmente, não encontrou eco entre as facções da burguesia brasileira, nem  
o que pode ser compreendido, mas nunca justificado entre as "esquerdas", de  
sorte que Itamar Franco ficou, como aponta Chasin em A Resistência ao Neoliberalismo,  
paradoxalmente isolado no interior da mais ampla confluência de forças já montada  
na história brasileira, responsável pela deposição de Collor e por sua própria ascensão  
à presidência, com o que também essa ocasião foi, tal como as demais, malbaratada.  
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O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
A crítica ao politicismo e à analítica paulista  
Indicamos acima que boa parte do artigo A Sucessão na Crise e a Crise na  
Esquerda se volta para a análise das razões que impossibilitaram a confluência eleitoral  
na esquerda, deixando campo livre para que o lento, gradual e seguro trânsito do  
bonapartismo à autocracia burguesa institucionalizada pudesse chegar a seu final. E  
nesse texto que Chasin desdobra mais detalhadamente a crítica a certos ramos da  
analítica paulista as teorias da dependência, do populismo, do autoritarismo e do  
marginalismo. Entretanto, a denúncia de seus limites e das consequências desastrosas  
de seu predomínio, bem como do politicismo, no âmbito das esquerdas, data dos  
primeiros trabalhos incluídos neste volume.  
A burguesia forjada pela via colonial é politicista por força de sua atrofia, de  
sua impossibilidade, tanto maior quanto mais avança em sua objetivação, de alcançar  
a completude e a autonomia; incapaz de propor alterações superadoras do  
historicamente velho e que integrem as classes subalternas, forceja por separar os  
planos político e econômico, resguardando as definições sobre o último à esfera  
restrita de seu próprio círculo, e constituindo o primeiro sob forma autocrática. A  
medida que amadureceu historicamente, a burguesia passou a utilizar conscientemente  
o politicismo como tática política, restringindo o debate público às mudanças  
institucionais, a fim de garantir a imutabilidade do plano econômico e, por esse meio,  
seu projeto global.  
Entretanto, as constantes vitórias que as forças do capital vêm obtendo desde  
o golpe militar de 64 não se devem somente a seus próprios méritos em levar adiante  
esta tática, mas fundamentalmente à subordinação das oposições a ela. Chasin vem  
chamando a atenção para este fenômeno desde 1977, quando publica A Politicização  
da Totalidade: Oposição e Discurso Econômico. Assumindo uma posição politicista,  
restringindo sua discussão ao plano estritamente político, as oposições vêm sendo  
arrastadas ao campo ideológico da burguesia. Desligando-a e autonomizando-a  
arbitrariamente em relação ao metabolismo social em que mergulha suas raízes, a  
esfera política é ao mesmo tempo hiperacentuada e esvaziada de seus significados  
concretos, de sorte que, ao tomar as formas político-institucionais como o plano  
privilegiado da discussão, e desconsiderar os fundamentos socioeconômicos da  
ditadura, as oposições são de antemão derrotadas. Essa derrota se evidencia desde o  
início da ditadura militar pelo abandono do debate, que marcou o período pré-64, em  
torno de projetos econômicos, e se torna mais clara pela ausência de crítica à  
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organização produtiva que gerou o "milagre", silêncio ainda mais estridente quando  
este mostra os sinais inequívocos de seu esgotamento.  
À época em que o texto supracitado foi produzido, as forças oposicionistas  
tinham como campo legal de atuação política, no interior do sistema bipartidário  
imposto, apenas o MDB. Que este, composto majoritariamente por representantes de  
segmentos da própria burguesia, não escapasse do politicismo próprio dessa classe  
não é fenômeno que possa espantar. Entretanto, lembramos que, sob a bandeira do  
MDB, agrupavam-se também individualidades que se pretendiam associadas a uma  
perspectiva mais generosa. É primordialmente a estas que Chasin se dirige, e é o seu  
politicismo que causa espécie.  
Em Conquistar a Democracia pela Base o problema vem novamente à tona, no  
que se refere especificamente à ausência de uma avaliação crítica do "milagre"  
econômico, diante de cujo "sucesso" tanto as forças mais generosas da oposição legal  
quanto as da oposição clandestina se mostraram perplexas, incapazes de compreender  
tanto seu fracasso geral quanto seu fracasso restrito, bem como de encaminhar uma  
crítica global à ditadura, malgastando suas forças no campo delimitado pelo próprio  
inimigo.  
Também já nestes primeiros textos Chasin menciona o predomínio das teorias  
da dependência e do populismo como óbices seja para a apreensão da realidade, seja  
para o encaminhamento de uma ação prática eficiente de combate à ditadura,  
indicando que a primeira "desarmou para a compreensão do imperialismo", e a  
segunda para as "concretas equações políticas". De sorte que esses braços de um  
conjunto teórico que, anos mais tarde, abrangeu sob a denominação de "analítica  
paulista" aparecem já aqui em estreita vinculação com o politicismo, componente  
significativo daquelas teorias.  
À reemergência do movimento sindical a partir de 1978, centrado no combate  
ao arrocho salarial e desnudando, assim, um dos pilares básicos do ordenamento  
econômico da ditadura, ao tempo que evidenciava o laço indissolúvel e determinante  
entre os planos socioeconômico e político, despertou a esperança de que "aqueles que  
tentam, há 15 anos, reinventar o mundo", os que buscaram "apagar com esponja de  
conceitos vesgos" a realidade do anos 45-64, sairiam finalmente de foco. Entretanto,  
lastimavelmente não foi o que ocorreu. Ao contrário, o próprio movimento operário  
nascente foi, em curto tempo, engolfado e instrumentalizado pelo politicismo e pela  
analítica paulista, em sua versão já mais rebaixada. E o veículo desse processo foi, não  
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O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
os representantes da situação, nem apenas os antigos integrantes do velho MDB, mas  
o partido que nasceu da necessidade da própria classe trabalhadora de ir além do  
movimento sindical, restrito à defesa de interesses corporativos, e alcançar a condição  
de movimento operário o PT.  
O descompasso entre a vitalidade do movimento dos trabalhadores e a  
fragilidade das teorias predominantes sobre a realidade brasileira já se fazia sentir ao  
longo da campanha salarial de 1980, e em 1982 já se consolidara o suficiente para  
causar o refluxo do movimento sindical e mergulhar o recém-nascido Partido dos  
Trabalhadores no mesmo politicismo que caracterizara as oposições antes de 1978.  
Daí para frente, o PT vem perdendo substância, na medida em que se torna  
representante e espaço privilegiado da chamada "nova esquerda", ou esquerda não  
marxista, herdeira do politicismo e das teorias do populismo, da dependência e do  
autoritarismo, que enformam suas análises e sua prática política, restritas ambas,  
assim, aos limites próprios do capital. Ou seja, a debilidade, detectada por Chasin em  
Luís Inácio da Silva, de desconsiderar a necessidade de independência ideológica, e  
não somente organizacional e política, dos trabalhadores aprofundou-se não apenas  
na figura do ex-líder sindical, mas engolfou o partido, ou talvez fosse mais correto  
dizer que aquele subordinou-se à falta de independência ideológica que marcou o PT  
desde suas origens.  
Os artigos de Chasin acompanham a trajetória dessa agremiação desde sua  
formação até suas manifestações mais recentes. Em todos os momentos cruciais da  
história brasileira, as posições tomadas pelo PT têm sido marcadas pelo politicismo,  
de modo que um partido nascido das necessidades da classe trabalhadora, e  
pretendendo superar os equívocos da esquerda tradicional, descendeu à condição de  
esquerda meramente nominal, ou, mais especificamente, de fantasma da esquerda  
ausente.  
A fim de não alongar por demais esta apresentação, aludimos aqui somente a  
alguns textos em que esta problemática aparece de modo mais desdobrado, e com  
referência a momentos extremamente significativos.  
Em Hasta Cuando? A Propósito das Eleições de Novembro, Chasin mostra que,  
independentemente dos resultados numéricos, aquelas eleições já estavam de  
antemão perdidas para os trabalhadores, enquanto instrumento para derrotar a  
ditadura, graças à sua politicização, levada a cabo por iniciativa do sistema e pela  
submissão ideológica das oposições. Ignorando a necessidade de solapar a ditadura  
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em suas bases pela crítica da organização produtiva que a sustentava e  
consequente proposição de um programa econômico alternativo da perspectiva do  
trabalho , as esquerdas "desembocam na condição de colaboracionistas da  
politicização das eleições", e portanto colaboracionistas do processo de auto-reforma  
da ditadura, em direção à institucionalização da autocracia, determinada como a  
legalização da negação da democracia. Enquanto, como já dissemos, a situação utiliza  
conscientemente o politicismo como tática para garantir a manutenção de seu nódulo  
central o ordenamento produtivo , as oposições, subsumindo-se ao politicismo,  
"afastam a questão econômica para 'garantir as eleições' e 'conquistar a democracia'.  
Com o que confundem e desarmam, desorganizam e desmobilizam o movimento de  
massas".  
Este, pondo-se na prática à frente dos partidos, ferira o cerne da ditadura: o  
arrocho salarial, e com ele pusera em xeque toda a base econômica daquela, portanto  
sua própria existência. As oposições partidárias, inclusive o recém-nascido Partido dos  
Trabalhadores, não souberam, entretanto, sintetizar os interesses sociais e econômicos  
da maioria da população brasileira, e levar às eleições a perspectiva delas. Ao  
contrário, voltadas às lutas estritamente políticas, abandonam o movimento operário,  
e tratam mesmo de o brecar, na suposição de que este poderia gerar tensões que  
viessem a impedir ou obstaculizar a "abertura" política e a "conquista da democracia".  
Após seu refluxo, as oposições canalizaram-no para as eleições, convertendo o  
movimento de massas em "pletora dos eleitores da massa". Em suma, e nas palavras  
de Chasin, "em vez de levar às eleições a perspectiva das massas, levaram às massas  
a perspectiva das eleições", politicizando-as; adiando a luta por um programa  
econômico de transição democrática, afastaram e desmobilizaram as massas, e,  
paradoxalmente apenas para as próprias oposições, não alcançaram reverter o  
processo de auto-reforma do bonapartismo.  
Embora a crítica ao politicismo recaia sobre todos os partidos de oposição,  
incide mais fortemente sobre aquele que pretendia ser o representante de uma  
novidade histórica: o PT, determinado como o "encontro infeliz entre o melhor do  
movimento operário do pós-64" e um "produto ideológico de baixa qualidade",  
"resíduo da crise ideológica de nossos tempos", que configura um "salto ideológico  
para trás", recusando a razão e a história "e, em última análise, o próprio proletariado",  
redundando numa sorte de liberal-radicalismo. Resulta daí uma obsessão pelas formas  
de organização e procedimento, já que, assumindo uma concepção basista e  
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espontaneista, supõe que o conteúdo seria secretado pelas próprias massas, eximindo-  
se da responsabilidade de reconhecer e suprir as carências, manifestadas pela classe  
trabalhadora, de orientação e esclarecimento.  
A negatividade dessa concepção fez sentir seu peso desde os primórdios da  
formação do PT, levando a greve de 1980 "ao impasse e à derrota", e chegando, em  
82, a uma campanha eleitoral sem a vertebração de um programa econômico de  
transição democrática, de cuja necessidade nem sequer suspeita, desvinculada do  
movimento de massas, não escapando da inversão acima apontada de levar a este a  
perspectiva das eleições. "O PT sucumbiu quando, posto entre viabilizar-se pela rota  
do movimento de massas ou através da via eleitoral, não soube articular os dois,  
embaraçando-se no jogo eleitoral e sucumbindo a este", de sorte que, em seu  
nascedouro, contribuiu para manter um traço negativo da história dos movimentos de  
massa no Brasil: sua subordinação à ideologia burguesa pelos partidos que pretendem  
representa-los.  
Três anos depois, derrotado o movimento de 1984 pelas eleições diretas para  
a presidência, derrota devida, novamente, à continuidade do politicismo, vem à luz a  
assim chamada "Nova República", com a eleição indireta de Tancredo Neves e, dada  
sua morte inesperada, a ascensão de José Sarney à presidência; nessa ocasião, em A  
Esquerda e a Nova República, Chasin volta a tratar da subordinação ideológica das  
esquerdas, ampliando significativamente a análise ao abordar sua gênese histórica,  
lançando luz, assim, sobre as determinantes daquela subordinação, relacionadas à  
incompletude de classe do capital.  
Diferentemente dos países em que o capitalismo se objetivou pela via clássica,  
revolucionária, nos quais a esquerda nasceu contra a figura integralizada, material e  
espiritualmente, da burguesia, no Brasil e nos demais países em que a objetivação  
capitalista se deu pela via colonial, sem qualquer tipo de revolução, em que o capital  
e a burguesia são incompletos e incompletáveis, a esquerda nasceu em face de um  
inacabamento; diante deste, desconhecendo a especificidade da burguesia e do  
capitalismo brasileiros, e portanto não atinando para as tarefas que esta demandaria,  
a esquerda se converte em empreiteira do acabamento do capital, acreditando em sua  
necessidade e possibilidade. Com o que se submete "aos nexos mortos do que fora a  
lógica do capital concluso", "à lógica extinta do ideário liberal".  
Presa a esses nexos, a esquerda tradicional oscilou entre o revolucionarismo  
abstrato e o ativismo caudatário, assentado este último na crença na conclusibilidade  
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do capital, e tomando a forma teórica do economicismo; enquanto a nova esquerda se  
mantém a braços com a defesa do democratismo e a crítica ao autoritarismo, fundada  
na crença na totalização do poder liberal ininstaurável, expressa pelo politicismo e  
participacionismo. Ambas, pois, empenhadas em completar, em níveis distintos, um  
capitalismo incompletável.  
A crença na vontade, tomada como fundante do ato político, é o traço que hoje  
as une na confluência pela democracia, de modo que nenhuma das vertentes da  
esquerda organizada oferece alternativa à política econômica, descaindo todas para a  
vala comum do politicismo.  
De sorte que, se no Brasil o capital é incompleto, o trabalho também não se  
integralizou; entretanto, se o primeiro é incompletável, o mesmo não ocorre com o  
segundo. Mas iniciar sua integralização exige a ultrapassagem do universo teórico do  
capital e a compreensão de que se trata, não de buscar finalizá-lo, em qualquer nível,  
mas de principiar sua desmontagem. E o que a esquerda organizada brasileira jamais  
compreendeu, e é o que a tornou incapaz de oferecer alternativas concretas e  
aproveitar as oportunidades históricas.  
Em A Sucessão na Crise e a Crise na Esquerda, Chasin retoma a investigação  
das raízes históricas e teóricas dos partidos especialmente PT e PSDB , que,  
ocupando posições de radicalidade no arco do capital, transgrediram a lógica de  
realidade e suas próprias funções partidárias ao se negarem à confluência eleitoral na  
esquerda.  
Uma vez que a esquerda tradicional, pela crença na possibilidade de alcançar  
um capitalismo nacional autônomo, desemboca em um ativismo caudatário centrado  
na defesa da aliança de classes, a reação a tais práticas, iniciada nos entornos do golpe  
de 64 e fundada na exigência de recuperar a radicalidade operária, incidirá,  
fundamentalmente, em dois núcleos problemáticos: a crítica à busca de um capitalismo  
nacional autônomo, implicando o reexame do desenvolvimento brasileiro, em especial  
em suas relações com o imperialismo, e a crítica à política de aliança de classes, vista  
como responsável pela submissão da classe operária às finalidades burguesas.  
Entretanto, a questão central que mobilizou a reação a busca da radicalidade  
operária , questão que só faz sentido na esfera da esquerda e só pode ser resolvida  
no âmbito do marxismo, foi respondida com a incorporação de um conjunto de  
conceitos oriundos do ideário liberal, consubstanciados nas teorias da dependência,  
do populismo, do autoritarismo e do marginalismo, recuando a resposta para o interior  
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do arco político do capital.  
Traço comum ao que Chasin denomina ironicamente, neste artigo, de  
"quadrúpede teórico", base da reflexão da "nova esquerda" e portanto de seus  
descaminhos práticos, é o seccionamento entre a matriz da produção e reprodução da  
vida humana e a esfera política, que ganha, assim, não apenas autonomia, mas a  
condição de determinante das relações sociais, em outras palavras, o politicismo.  
Construída cada uma de suas pernas como um tipo ideal fundado naquela  
disjunção e tendo por paradigma e objetivo prático a democracia, cujas condições de  
possibilidade não são objeto de investigação, já que é apreendida na forma de seu  
arquétipo liberal, fundado na concepção do "homem justo e racional", o quadrilátero  
teórico em questão desarmou para a compreensão da particularidade brasileira e para  
a visualização do que fora seu próprio impulso inicial: a recuperação da radicalidade  
dos trabalhadores.  
A teoria da dependência, no justificado afã de elucidar a lógica interna da  
formação brasileira, faz desaparecer da análise o nexo da relação desigual entre as  
formações capitalistas, suprimindo, além do imperialismo, a "identidade do capitalismo  
como sociedade erigida sobre a contradição estrutural entre capital e trabalho",  
entendendo-a como "a interatividade dos homens moldada pelo engenho tecnológico,  
cuja feição social passa a ser uma questão política", esfera da qual ficam também  
eliminadas as clivagens de classe. Sobre tal base se erige a secção entre os planos da  
produção da vida material, reduzido aos limites do egoísmo racional, e da política,  
entendido como o âmbito da vontade ativa; é o que sustenta a luta pela democracia,  
identificada, sem mais, à liberdade.  
A teoria do autoritarismo tem por fundamento os mesmos pressupostos: a  
autonomização do âmbito político e o arquétipo liberal da democracia como critério  
de verdade e como finalidade, bases para o enquadramento classificatório do  
totalitarismo a negação absoluta da democracia e do autoritarismo a ausência,  
em graus diversos, porém não absoluta, da liberdade política. Democracia,  
totalitarismo e autoritarismo desvendam-se como tipos ideais estritamente formais,  
incapazes tanto de dizer ou de acolher os conteúdos concretos relativos as formas  
particulares de dominação em cada formação capitalista específica, como de orientar  
quanto às condições de possibilidade de instauração da democracia pretendida.  
A teoria do populismo, por sua vez, oferecendo-se, tal como a teoria da  
dependência, como uma teoria do desenvolvimento do capitalismo brasileiro entre  
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1930 e 1964, mas incapacitada, por seus pressupostos os mesmos acima aludidos  
de apreender a particularidade brasileira, supõe ter apanhado a causa da falta de  
radicalidade do movimento operário, num quadro de ausência de hegemonia da  
burguesia industrial, numa suposta "artimanha" o populismo urdida por esta  
para atar a si as massas. Artimanha configurada pela aliança de classes, ou pacto  
policlassista, no interior do qual a classe trabalhadora, manipulada pelo partido ou  
líder "populista", se torna incapaz de reconhecer a clivagem da sociedade em classes,  
substituídas pelos conceitos de povo ou nação e, portanto, pela identidade de  
interesses. A esquerda, por sua vez, teria sido igualmente aprisionada pelo "ardil do  
populismo", reforçando-o e impedindo o desenvolvimento de uma política de classe,  
revolucionária.  
Ora, sendo a aliança de classes entendida como forma em que  
necessariamente o trabalho é manipulado pelo capital a consubstanciação do ardil  
do populismo, o grande vilão a ser combatido, a solução redunda na mera afirmação  
da necessidade da independência política do movimento operário, reduzida à "arte e  
vontade do isolamento". Tanto a problemática relativa à independência teórica dos  
trabalhadores, quanto a questão concreta das alianças e frentes, tão fundamental na  
história brasileira, são totalmente malbaratadas.  
Ao longo de seu desenvolvimento, a teoria do populismo, assim como os  
demais ramos da analítica paulista aqui aludidos, distancia-se da preocupação com o  
resgate da radicalidade operária, para ajustar-se a seus próprios fundamentos: já que  
o "populismo", enquanto período de desenvolvimento capitalista e forma de  
dominação política, é também um tipo ideal construído a partir do arquétipo da  
democracia, esta se torna cada vez mais o horizonte e o objetivo a atingir, e a teoria  
do populismo cede espaço à teoria do autoritarismo para explicar o período pós-64  
quando o "colapso do populismo" dá lugar ao "estado autoritário"  
A teoria da marginalidade, última e mais frágil perna do "quadrúpede", não vai  
além da constatação da existência de uma massa de excluídos, não atinando para a  
necessidade de entendê-la como resultado da impotência do capital atrófico,  
reduzindo, politicisticamente, sua origem ao fracasso de uma política econômica. Não  
percebe que a exclusão é resultado de um modo de objetivação capitalista incapaz de  
integrar, de sorte que a solução desse problema estaria, não na alteração tópica de  
uma política econômica, mas na desmontagem daquela forma.  
A "nova esquerda" é a herdeira dos princípios teóricos destes ramos da analítica  
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paulista. Em suas vertentes teoricamente mais sofisticadas ou mais rústicas, PSDB e  
PT têm neles o esteio de sua prática política. Prática desarmada para enfrentar tanto  
o desafio de um desenvolvimento nacional balizado pelo progresso social, o que  
implicaria um projeto econômico alternativo que iniciasse a desmontagem da forma  
restringida do capitalismo, quanto o de uma efetiva aliança ou frente que pudesse  
viabilizá-la.  
O PSDB, assumidamente social-democrata, zelando pela "independência"  
política e repelindo o "populismo", configura a versão mais racionalística e tecnocrática  
do politicismo, com sua "megavalorização do partido e culto ao egoísmo racional", e  
anseia pela modernização capitalista, por elevar o país à condição de nação moderna  
e competitiva, racionalmente eficiente, para o que propugna a "boa parceria" com o  
capital metropolitano.  
O PT, embora posto, por seu perfil prático e ideológico, "na radicalidade política  
do capital", permite-se conviver com "a condição fantasiosa e hipotética de santuário  
possível da radicalidade do trabalho", tornando-se o "fantasma idolatrado da esquerda  
ausente". Originado do encontro entre a combatividade sindical de fins dos anos 70 e  
os representantes e a teoria do quadrilátero teórico mencionado, submerge no  
politicismo. Seu extremismo, que não ultrapassa o âmbito da radicalidade subjetiva,  
do voluntarismo, consubstanciado na "revolução dos procedimentos" e no  
participacionismo, expressões da radicalidade burguesa em sua forma plebéia, ressoa  
tanto mais radical pela ausência, no Brasil, da radicalidade burguesa propriamente  
dita, de sorte que o PT, na qualidade de fantasma da esquerda ausente, pode se  
"embrechar no oco político do capital atrófico, assumindo as vestes da esquerda sem  
abandonar sua posição na esquerda".  
Não tendo jamais aludido a um programa econômico alternativo, o PT  
desenvolve uma crítica moralista contra as "injustiças da riqueza" e a "ganância",  
redundando na proposição de um capitalismo "mais justo" e "honesto", realizável por  
atos de vontade política, com o que "sucumbe ao ardil de completar o sistema do  
capital, sob a peculiaridade do compromisso com o distributivismo". Este, conforme já  
mencionamos, fundamenta-se na desconsideração do vínculo determinante entre a  
produção e a distribuição, de sorte que propugnar por uma melhor distribuição de  
renda sem tocar nas alterações da produção que isso demandaria, assentando sua  
possibilidade apenas na vontade política, é não apenas inócuo como confunde e  
desmobiliza os trabalhadores. De sorte que o PT, "de negação de um projeto de  
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esquerda, se converte em obstáculo principal até para uma solução eleitoral na  
esquerda".  
Diferenciando-se fortemente tanto do PSDB quanto do PT, Chasin destaca a  
figura de Leonel Brizola. Destaque que se impõe, de imediato, pelo seu apelo, ao qual  
PT e PSDB não deram ouvidos, de uma aglutinação das forças progressistas, apelo  
que fez desde o início da campanha sucessória e manteve até seu final. Tanto sua  
insistência na confluência eleitoral quanto a negação dela pelos demais partidos na  
esquerda decorrem da consistência e dos méritos históricos e políticos de Brizola, os  
quais constituem "parte essencial da matéria prima desfigurada pela teoria do  
populismo". Brizola é o herdeiro mais radical das batalhas do pré-64, travadas em  
torno do duplo desafio que se põe desde 1930: "entificar o verdadeiro capitalismo (o  
capitalismo industrial) e assimilar à ordem nascente multidões cada vez maiores". A  
teoria do populismo sequer atinou para essa questão de fundo, restringindo-se  
politicisticamente a apanhar pela superfície apenas a manifestação política mais tópica  
dela.  
O resultado do processo de objetivação do capitalismo industrial, desenvolvido  
entre os anos de 1930 e 1990 "uma sociedade urbano-industrial incontemporânea  
e excludente", não deve empanar a descontinuidade efetiva real e ideológica que  
atravessa essas seis décadas, especialmente quando se trata do desafio da integração  
social, a respeito do qual o gradiente vai do "abandono e desprezo furioso pela  
questão até sua elevação a critério político básico". Brizola se tornou a expressão mais  
radical da vertente, gestada no âmbito das lutas em torno dos dois pólos daquele  
desafio, que se distancia do projeto de capitalismo nacional autônomo e passa a  
enfatizar a integração social, ou seja, toma o progresso social como princípio  
ordenador do desenvolvimento, ou como critério de identificação nacional. E é como  
tal que apresenta sua candidatura, buscando "retomar o fio condutor atalhado por 64",  
atualizando a "plataforma política de identificação nacional centrada no estatuto  
popular, ou no progresso social". Seus traços mais nítidos são as propostas de  
redefinição das relações económicas externas e reordenamento do aparato capitalista  
interno, responsabilizados pela produção da miséria e denunciados em sua crise  
terminal. E no que se constitui a plataforma popular-nacional, que, não projetando  
para além do capital, é também, e assumidamente, uma plataforma na esquerda, e não  
de esquerda. Assim como não mistifica sua plataforma política, também não incorre,  
diferentemente de PT e PSDB, na mistificação do partido.  
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O caráter nacional-popular de sua plataforma, a não mistificação do partido e  
sua capacidade de liderança são alvos da "crítica do populismo", que não vê aí nada  
além da suposta substituição das contradições de classes pela nação, e do partido  
pela relação direta entre o líder e a massa. Tal tipo de crítica manifestou-se ao longo  
de toda a campanha, e fundamentou a não aceitação da confluência eleitoral na  
esquerda, garantindo, assim, a vitória de Collor representante da continuidade do  
projeto da ditadura militar e da associação subordinada ao capital externo e  
deixando passar a última oportunidade para iniciar a primeira transição, da qual a  
plataforma de Brizola se aproximava, embora não tivesse os pressupostos ou a  
intenção de abrir caminho para a superação do capital.  
Perdida esta oportunidade, pela miopia das esquerdas organizadas,  
especialmente do PT (que, enquanto partido que se propõe representar os  
trabalhadores, tinha a responsabilidade maior de pôr os interesses destes em primeiro  
lugar), a história que passamos a viver possui já outras características, que tornam  
inviável o caminho da dupla transição.  
E isso fundamentalmente porque, dadas tanto as condições internas ao país  
quanto o avanço da mundialização do capital, a internacionalização econômica  
subordinada foi definitivamente imposta, alterando todo o perfil estrutural do Brasil,  
pela finalização de um processo que, frise-se novamente, vem se pondo desde 30,  
mas não se constituiu como fatalidade. Se o seu resultado é este que vivenciamos,  
devemo-lo não apenas aos méritos das forças que o impulsionaram, mas em grande  
medida aos deméritos e incapacidades daquelas que deviam e podiam tê-lo inflectido.  
O encerramento da via colonial  
O entendimento da situação atual do Brasil, bem como o dos passos que  
conduziram a ela, supõe a compreensão do processo histórico das últimas sete  
décadas, e mais especificamente, do período 1930-1990, ao longo do qual o  
capitalismo industrial brasileiro se objetivou.  
Consignamos acima a tensão em torno da qual se deram as lutas por aquela  
entificação. E importante atentar para os dois elementos aí presentes: a existência de  
choques entre propostas distintas de encaminhamento da industrialização (sem  
mencionar as tendências anti-industrialistas que, embora derrotadas, não deixaram de  
influenciar o processo posterior, já que sua derrota não se deu por via revolucionária.  
e sim pela conciliação), e o duplo desafio a que tais propostas buscaram responder:  
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entificar o capitalismo industrial e integrar a massa da população trabalhadora.  
Se atentamos para esse duplo desafio e para os diversos momentos desse  
andamento longo e contraditório, salta à vista que a tendência mais forte, determinada  
pela própria dinâmica da via colonial, era a efetivação da industrialização subordinada  
ao capital externo, o que implicava a "resolução" da questão agrária pela manutenção  
de sua estrutura básica forma e objetivos da produção e a necessidade da  
superexploração do trabalho, bem como as dificuldades assim antepostas à  
integralização da classe trabalhadora. Entretanto, que esta era apenas uma das  
tendências objetivamente presentes, que não havia qualquer fatalidade no curso da  
história, também se torna claro pela diversidade de respostas intentadas: desde as  
posições assumidas pelos setores dominantes da burguesia, que desnudavam sua  
atrofia, incapacidade e inapetência para o desenvolvimento de uma industrialização  
que integrasse as massas trabalhadoras, passando pelas manifestações práticas destas  
que, independentemente do nível de clareza alcançado por elas a respeito de sua  
própria situação, iluminavam as transformações socioeconômicas que suas  
necessidades exigiam e sua condição de único sujeito histórico capaz de as realizar,  
até as propostas, de graus de radicalidade distintos e apresentadas por setores  
societários diversos, que buscavam responder aquele desafio a partir de uma  
perspectiva mais generosa.  
As esquerdas organizadas, tanto a esquerda nominal do pré-64 quanto a  
pseudo-esquerda atual, se mostraram incapazes de apreender esta realidade,  
sucumbindo, como já indicamos, à veleidade de completar o capital, seja pelo nível  
econômico, seja pelo nível político. Essa incapacidade deita raízes num conjunto  
complexo de determinações: o caráter atrófico do capital e da burguesia brasileiros,  
que obstaculiza objetiva e subjetivamente a integralização das forças do trabalho, o  
desconhecimento e múltiplas distorções da obra marxiana, que as esquerdas  
brasileiras partilharam com a esquerda mundial, e o desenvolvimento da analítica  
paulista, dominante na reflexão nacional ao longo das últimas décadas, que tergiversou  
e acabou por eliminar até mesmo a simples menção aquele desafio e às lutas que  
gerou, contribuindo não pouco para a forma particular pela qual se deu a morte da  
esquerda no Brasil e para a vitória da tendência de desenvolvimento própria da via  
colonial. O encerramento desta é, pois, antes de mais nada, a finalização do processo  
de objetivação subordinada do capitalismo industrial.  
Em 1994, quando da eleição presidencial que assegurou a vitória de Fernando  
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Henrique Cardoso, o quadro internacional, e por decorrência o nacional, já era bastante  
distinto daquele configurado em 1989. Em O Poder do Real, Chasin delineia os  
contornos do novo panorama, balizado pela mundialização do capital. A  
universalização das relações dos homens entre si sob a égide do capital, portanto sob  
a forma da alienação, é a realização de uma tendência intrínseca ao capitalismo, já  
detectada por Marx há um século e meio: a globalização é a atualização da lógica do  
modo de produção capitalista a extensão planetária da acumulação ampliada de  
capital, impulsionada e exigida pelo desenvolvimento das forças produtivas. Como os  
anteriores momentos de inflexão no percurso dessa forma societária, também este traz  
consigo modificações em todos os âmbitos da vida humana.  
É fundamental ter em mente, como indica Chasin7, que "a determinação  
estruturante da sociabilidade provém das forças produtivas", de sorte que o  
desenvolvimento destas "ocasiona mudanças na organização do trabalho e na  
apropriação dos produtos, ou seja, na propriedade privada". O desenvolvimento sem  
precedentes das forças produtivas portanto das capacidades genéricas da  
humanidade e a quebra das barreiras à circulação do capital em todas as suas  
formas compõem o perfil da fase que estamos vivendo, a qual não realiza apenas uma  
"nova etapa da acumulação capitalista, mas, na vigência da ordem do capital e de suas  
contradições, se manifesta uma nova forma de existência humana".  
Nessa "nova (des)ordem internacional do capital", "mundo real a ser vivido por  
todos", as antigas formas imperialistas das relações internacionais, conformadas a uma  
escala de produção comparativamente modesta, e de circulação restrita ao âmbito  
bilateral de mercados cativos, são amplamente reconfiguradas. Longe de ser uma  
política, a globalização, pelo desenvolvimento das relações materiais entre os homens  
que está em sua base, expõe mais claramente do que nunca a determinação do estado  
e da política pela sociedade civil; ou, em outros termos, evidencia o estado como  
agente do capital, agente que se esvazia com a perda de muitas de suas anteriores  
funções, nomeadamente aquelas relativas à imposição, por forças extra-econômicas —  
políticas das relações econômicas capitalistas, seja no plano interno seja no das  
relações internacionais. O que não significa o desaparecimento das relações desiguais  
e da subordinação, entre países e no interior de cada um, mas sim uma metamorfose  
em seu modo de existência, que, entre outras consequências, relega ao nível de  
7 Cf. Rota e Prospectiva de um Projeto Marista, in. Ensaios All Hominem I - Tomo III - Política. São Paulo.  
Ad Hominem, 2000.  
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propostas regressivas todos os tipos de nacionalismos, já esgotados e vencidos nas  
distintas variantes sob as quais se manifestou ao longo do século. Pensar a partir do  
nacionalismo é, hoje, pôr-se contra a lógica do movimento histórico, é deixar-se "guiar  
pela lógica esgotada do passado, e não pela perspectiva de futuro".  
Geradora de "contraditoriedades sem precedentes, tanto por seu conteúdo  
quanto pelo gigantismo de seus efeitos", a globalização contém a potencialidade de  
repor na ordem do dia a necessidade de superação do capital, em condições objetivas  
mais favoráveis do que em outros momentos históricos. Resta, no entanto, por  
consubstanciar a subjetividade revolucionária, problema já bastante antigo, cuja  
irresolução não tem sido o menor obstáculo à realização da emancipação humana, e  
que hoje assume também um perfil distinto, dada a evidência de que o operariado  
industrial não se constitui mais na vanguarda do trabalho, e a nova vanguarda ainda  
não se configurou.  
É no quadro desse panorama mundial, extremamente complexo e ainda não  
desdobrado em sua plenitude, e por seu influxo, que o perfil histórico da vida nacional  
cobra novas características, encerrando-se o período iniciado em 1930 pela imposição  
definitiva da integração subordinada ao sistema mundializado do capital. Não se trata  
apenas de mais uma passada na mesma trilha anteriormente percorrida, embora o  
trânsito atual decorra dela, mas sim do fechamento de "um longo ciclo, cujas  
características dominaram a maior parte do cenário brasileiro neste século". Ciclo que  
fica definitivamente para trás, e com ele os contornos específicos dos desafios que  
gerou e das alternativas que abriu. Aquela inserção tornou-se agora uma necessidade  
inelutável (na ausência de condições para uma revolução do trabalho) sob pena de  
enfrentar tragédias humanas ainda mais graves do que as dela advindas. É importante  
ter em mente que o Brasil sempre esteve subordinado à dinâmica do capital externo,  
de sorte que, embora sua integração, nas condições atuais, demande, sem dúvida,  
ajustes e regulagens, não configura uma "reviravolta na essência das coisas". Ou seja,  
considerado o processo formativo do capitalismo brasileiro, o momento atual é "o  
desfecho imanente que perfaz seu pleno acabamento". Esse desfecho, efetivado no  
interior da mundialização do capital, implica o desaparecimento de quaisquer  
possibilidades de desenvolvimento capitalista autônomo, "mesmo como simples  
modernização subordinada, se restrito à dinâmica no interior das fronteiras nacionais";  
se mesmo a "simples modernização subordinada", para se efetivar, exige a integração  
do país ao processo de globalização, é evidente que qualquer alternativa da ótica do  
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O capital atrófico: da via colonial à mundialização  
trabalho não poderá ser sequer visualizada se restrita ao âmbito nacional. Se este  
continua sendo palco do "latejamento dos problemas", não mais podemos encontrar  
nele a "dinâmica das soluções".  
Não é ocioso ressaltar mais uma vez que para Chasin "o sistema produtivo  
nacional, desde sempre, encarnou seus perfis e o teor de suas modernizações  
subordinado aos empuxos dos pólos hegemônicos mundiais. Não é diverso o que se  
passa agora, diante da mais radical das revoluções tecnológicas, combinada ao quadro  
da globalização econômica. Todavia, dada a qualidade e a envergadura destas e o  
próprio grau de desenvolvimento material alcançado no país, as margens de manobra  
nos ajustes e seus efeitos possíveis também se diferenciam, ao mudarem de natureza".  
De modo que o "fim da via colonial" se deu em função da ultrapassamento da lógica  
do capital que a enformava, pois esta se realizava no interior de "contornos de uma  
produção de mercadorias ainda delimitada ou de escala relativamente modesta, cuja  
circulação era efetivada, em regra, no âmbito bilateral de mercados mais ou menos  
cativos, sob a regência das potências centrais". Agora, em face da "produção ampliada  
a grandezas sem limites e o intercâmbio comercial elevado ao primado das trocas  
infinitas e superpostas, sem embaraços de fronteiras", "crescer passou a supor a  
capacidade de ocupar nichos na infinitude da malha da produção atualizada, universo  
no qual os mercados interno e externo não mais se distinguem: ao capital social global  
corresponde agora o Mercado Único das trocas levadas ao paroxismo". Trata-se, pois,  
de importante determinação visualizada por Chasin já em 1994, cujos contornos ainda  
não totalmente evidentes alteram de modo fundamental, como já frisamos, a própria  
"dinâmica das soluções".  
Nessas condições, a perspectiva, anteriormente viável, de avançar para além do  
capital pela rota da dupla transição se tornou obsoleta, uma vez que esta pressupunha  
um nível de integração mundial muito inferior, e portanto a possibilidade, já agora  
inexistente, de percorrer ao menos os passos iniciais no caminho da superação do  
capital a primeira transição no âmbito nacional ou regional. Agregue-se ainda  
outro elemento fundamental: assim como a globalização foi a saída para a crise em  
que o capital vinha se debatendo há um quarto de século, o processo mesmo da  
mundialização e a integração do Brasil a ela, alicerçada e possibilitada pelo sucesso  
do Plano Real, bases da candidatura vitoriosa de FHC, significaram também o início da  
superação da longa crise iniciada com o fracasso restrito do "milagre" econômico, vinte  
anos antes. Ou seja, se até então as frações do capital não haviam encontrado o  
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Lívia Cotrim  
caminho para uma nova rodada de acumulação, este agora se abria diante delas (aliás,  
entremostrara-se já em 89, mas a solução aventureira representada por Collor, então  
a única que haviam podido encontrar, adiara sua efetivação). De sorte que essas  
facções não se uniram em torno do vazio (nem muito menos em torno de uma abstrata  
democracia ou de um ainda mais abstrato clamor pela "ética na política") quando da  
deposição de Collor, e mais claramente ainda quando da eleição de FHC, mas  
confluíram em torno de uma nova alternativa, finalmente encontrada, para, de sua  
própria ótica, superar os óbices postos pelos mecanismos do "milagre", geradores da  
crise, e embicar num novo ciclo de crescimento e acumulação.  
A campanha sucessória de 94, realizada sob os novos parâmetros mundiais e  
nacionais, caracterizou-se pela "contenda entre a potência multiforme de FHC e a  
inferioridade polimorfa de Luís Inácio da Silva". Este e o PT evidenciaram a acentuação  
de suas piores debilidades e sua crescente inconsistência ideológica, desprezando os  
critérios objetivos de verdade e agudizando seu "feitio subjetivista" de atuação política.  
Incapazes de compreender a marcha dos acontecimentos, vêm se apegando à defesa  
extemporânea de um nacionalismo regressivo, estreito, reduzido ao estatismo e ao  
corporativismo; verberando contra um suposto complô ideológico neoliberal  
responsável pela globalização, dão as costas ao presente, "não distinguindo a atuação  
material das lógicas de realidade" desenvolvimento tecnológico e mundialização do  
mercado da mera "propositura maquiada de interesses". Ancorados nesse olhar  
regressivo, esquivam-se à efetivação mesmo das tarefas mais imediatas, as de procurar  
as alternativas para a inserção na economia mundializada menos penosas para as  
massas trabalhadoras.  
Em contrapartida, FHC, assumindo sua condição social-democrata, não  
pretendendo transgredir a ordem do capital, nem alimentando quaisquer ilusões nesse  
sentido, estabeleceu sua plataforma e vem efetivando seu governo, sobre a base do  
Plano Real, com vistas à inserção da economia nacional na globalização. Proposta  
coerente com a concepção exposta em toda sua obra sociológica, em que a solução  
para o desenvolvimento brasileiro é cifrada pela associação ao capital externo, sem  
que jamais emerja qualquer alternativa fundada na perspectiva do trabalho. Como  
Chasin explicita, as novas tendências, nacionais e mundiais, vieram ao encontro das  
convicções de FHC, "cujo senso de realidade e pertinência prática" se destacam sobre  
o pano de fundo da inconsistência das "esquerdas" e da veemência da globalização.  
O caráter ilusório de sua convicção de que a solução da miséria e da exclusão sociais  
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decorreriam da inserção na economia internacional, com a consequente modernização  
tecnológica, controlada e corrigida por um estado igualmente moderno e aperfeiçoado,  
se evidencia e materializa na "derrota honrosa" que vem sofrendo nesse campo.  
O drama da miséria brasileira salta à vista quando consideramos a recorrente  
perda de oportunidades históricas concretas, e mais ainda que um longo período se  
encerrou sem que tenha sido sequer compreendido pela esmagadora maioria das  
individualidades e organizações que pretenderam representar as forças do trabalho.  
Incompreensão que obstaculiza o entendimento do novo período que se abre, e  
decorrentemente a visualização das novas alternativas existentes ou que venham a se  
por.  
Repor no horizonte a revolução social, e desentranhar da realidade os caminhos  
a percorrer em sua direção sintetizam o desafio multiforme a enfrentar. Mas para isso  
é preciso olhar para a frente, para o futuro, e não para trás, para o passado. Pois,  
"quando a esquerda não rasga horizontes, nem infunde esperanças, a direita ocupa o  
espaço e draga as perspectivas: é então que a barbárie se transforma em tragédia  
cotidiana".  
***  
Este volume inclui, ainda, um Apenso Arqueológico, composto de uma série de  
artigos abordando temas diversos, que se estendem dos princípios da década de 60  
aos meados da década de 80.  
Os quatro primeiros artigos deste Apenso datam do período em que Chasin era  
ainda estudante da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. No primeiro  
deles, debruça-se sobre a figura de Jânio Quadros, esboçando-lhe o perfil ideológico  
e o percurso político, pondo a nu o conservantismo e a inconsistência que o  
caracterizaram. Os dois artigos seguintes abordam o movimento estudantil, e nos  
oferecem uma análise que abrange desde os traços essenciais de sua gênese e  
configuração desde 1945, até a avaliação de sua situação naquele momento e a  
determinação de sua tarefa primordial: a luta ideológica. Decorridos quase quarenta  
anos, e em que pesem todas as alterações da realidade, essas análises ainda guardam  
em grande medida sua validade, especialmente na denúncia do isolamento das cúpulas  
em relação à massa do estudantado e na ênfase posta na luta ideológica. E importante  
lembrar que, ainda enquanto estudante, Chasin participou ativamente na luta contra a  
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privatização da educação nacional, assumindo a vice-presidência da Campanha pelo  
Ensino Público, ao lado de seu amigo Florestan Fernandes, então presidente.  
O último trabalho desse período é o resultado de uma ampla pesquisa,  
coordenada por Chasin, com vistas à obtenção de dados sobre a situação dos  
trabalhadores rurais, e levada a cabo no Primeiro Congresso Nacional dos Lavradores  
e Trabalhadores Agrícolas, realizado em novembro de 1961, em Belo Horizonte-MG.  
Por este trabalho, é o único autor citado em A Revolução Brasileira, de Caio Prado  
Júnior, a cujo grupo de intelectuais, articulado na Revista Brasiliense, vinculou-se,  
buscando aprimorar a herança positiva de nosso historiador e criticando o dogmatismo  
e sectarismo das facções comunistas, que ironizavam a antevisão do golpe de estado,  
que de fato ocorreria em 64.  
Os demais artigos versam fundamentalmente sobre o movimento dos  
professores, no âmbito do qual Chasin chegou a ocupar a vice-presidência da seção  
nordestina da Andes Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior, que  
ajudou a fundar. São textos que avaliam momentos significativos do movimento  
docente, sempre em conexão com o quadro mais amplo da vida nacional, e tendo em  
vista a necessidade para as forças do trabalho, das quais os professores são um  
segmento, da ampliação qualitativa e quantitativa da pesquisa e do ensino.  
A leitura dos materiais incluídos neste Apenso Arqueológico nos mostra, por  
um lado, que a preocupação chasiniana em apreender a realidade brasileira data de  
seus tempos de estudante; e, por outro, nos dá a conhecer sua inserção na política  
estudantil e, mais tarde, no movimento docente. Em ambos os casos, e guardados os  
distintos graus de maturidade pessoal e intelectual, evidencia-se a permanente  
preocupação em exercer uma prática racionalmente orientada para a superação da  
sociabilidade regida pelo capital, prática que o desenvolvimento de seus estudos sobre  
Marx e a mundaneidade contemporânea demonstrou que só pode ser metapolítica.  
Como citar:  
COTRIM, Lívia. O capital atrófico: da via colonial à mundialização. Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 30, n. 1, pp. 60-100, Edição Especial: A miséria brasileira, 2025.  
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Edição especial  
__________________  
A miséria brasileira  
DOI 10.36638/1981-061X.2025.30.1.750  
Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império:  
fundamentos da subordinação financeira  
(1822-1840)  
Brazilian Fiscal Misery and the Imperial Public Fund:  
Foundations of Financial Subordination (18221840)  
Thiago Dutra Hollanda de Rezende*  
Resumo: O artigo analisa a formação do fundo  
público brasileiro entre 1822 1840,  
Abstract: This article analyzes the formation of  
the Brazilian public fund between 1822 and  
1840, highlighting how the logic of the colonial  
path shaped a fiscally dependent state, oriented  
toward the reproduction of agrarian-commercial  
elites and foreign capital. Despite administrative  
and financial reforms, the Empire did not break  
with the extractivist and anti-national logic.  
Public debt was consolidated as a mechanism of  
spoliation. In the formation of the Brazilian  
state, one can observe the foundations of a  
regressive and rentier structure that persists,  
with high interest payments to public debt  
creditors, low taxation on the wealthy, and  
subordination to financial capital.  
e
destacando como a lógica da via colonial moldou  
um estado fiscalmente dependente, voltado à  
reprodução de elites agrário-comerciais e ao  
capital externo. Mesmo com reformas  
administrativas e financeiras, o Império não  
rompeu com a lógica extrativista e antinacional.  
A dívida pública consolidou-se como mecanismo  
de espoliação. Na formação do estado brasileiro  
é possível observar as bases para uma estrutura  
regressiva e rentista que se mantém, com altos  
juros pagos aos credores da dívida pública, baixa  
tributação sobre os ricos e subordinação ao  
capital financeiro.  
Palavras-chave: fundo público; dívida pública;  
capital financeiro; via colonial; miséria brasileira.  
Keywords: public fund; public debt; financial  
capital; colonial path; Brazilian misery.  
I - Via colonial e miséria brasileira: a particularidade do fundo público brasileiro  
Em A esquerda e a Nova República, Chasin (1985) elucida de forma sintética  
que a miséria brasileira é uma particularização do desenvolvimento do capital no  
contexto do capitalismo de extração colonial. Diferente do capitalismo europeu, que  
passou por um processo histórico de desenvolvimento industrial e consolidação  
burguesa, o Brasil vivenciou um atraso estrutural em sua formação capitalista,  
permanecendo subordinado ao capital hegemônico mundial. Essa condição de  
dependência moldou uma burguesia local que não se estruturou como classe dirigente  
*
Doutor em política social (UnB). Professor da Universidade do Distrito Federal (UnDF) e consultor  
técnico-legislativo  
da  
Câmara  
Legislativa  
do  
Distrito  
Federal  
(CLDF).  
E-mail:  
thiago.rezende@undf.edu.br. Orcid: 0000-0003-4464-0408.  
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Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
autônoma, mas sim como intermediária dos interesses do grande capital internacional.  
O resultado é um capitalismo inconcluso, sustentado por formas arcaicas de  
exploração, como a superexploração do trabalho, e por uma modernização que não  
rompe com os pilares da desigualdade social, mas os reforça.  
Essa miséria estruturante da vida social também define os limites da política  
nacional e a configuração do arcabouço estatal, onde tanto a burguesia quanto a  
esquerda organizada operam dentro das margens impostas pelo capital incompleto. A  
classe dominante se alimenta da reprodução dessa miséria, garantindo sua  
sobrevivência a partir da precarização do trabalho e da transferência de riqueza para  
os detentores do grande capital. Já a esquerda, historicamente, oscilou entre uma  
revolução abstrata e uma crença na finalização do capital, sem formular um projeto  
concreto de superação da miséria brasileira. Assim, enquanto o país repete ciclos de  
modernização econômica excludente e instabilidade política, a verdadeira ruptura  
exigiria uma integralização de classe dos trabalhadores, colocando suas necessidades  
e organização como eixo de uma nova política econômica e social.  
A via prussiana foi um processo específico de transição para o capitalismo  
caracterizado pela conciliação entre elementos feudais e burgueses, em vez de uma  
ruptura revolucionária. Diferente das vias clássicas francesa ou inglesa, onde a  
burguesia emergente destruiu as estruturas feudais por meio de revoluções políticas,  
ainda que com acordos pontuais, na Alemanha a modernização econômica ocorreu  
sem a supressão total da aristocracia latifundiária. Nesse processo, o capitalismo se  
desenvolveu de maneira tardia e conciliadora, mantendo a grande propriedade rural e  
incorporando gradualmente elementos da produção industrial. O estado teve um papel  
central, promovendo reformas controladas “pelo alto” para evitar transformações  
abruptas e preservar os interesses das elites agrárias e industriais emergentes,  
resultando em um capitalismo marcado por um desenvolvimento induzido das forças  
produtivas e um caráter político autoritário.  
O caso brasileiro apresenta semelhanças com a via prussiana, as quais foram  
salientadas por Carlos Nelson Coutinho (1974), mas também diferenças significativas,  
as quais foram apuradas e demonstradas por Chasin (1978). Assim como na Alemanha,  
a transição para o capitalismo no Brasil ocorreu sem uma revolução burguesa que  
eliminasse as antigas estruturas de poder. A grande propriedade rural permaneceu  
dominante e se articulou com a modernização econômica de forma gradual e  
conciliatória. Contudo, ao contrário da Alemanha, que se tornou uma grande potência  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
industrial no final do século XIX, o Brasil seguiu um ritmo ainda mais lento e  
dependente, sendo incorporado ao mercado mundial prioritariamente como  
fornecedor de matérias-primas e produtos agrícolas. Além disso, enquanto a via  
prussiana representou um compromisso entre aristocracia e burguesia industrial  
dentro de uma potência em ascensão, o Brasil permaneceu subordinado aos polos  
centrais do capitalismo, sem consolidar um setor industrial robusto antes da primeira  
metade do século XX.  
A via colonial, proposta por Chasin (1978) como uma adaptação do conceito  
prussiano ao contexto brasileiro (“referencial exemplar”), destaca a transição para o  
capitalismo em países de origem colonial, onde as estruturas herdadas da economia  
mercantil escravista condicionaram o desenvolvimento econômico. Diferente da  
Alemanha, onde havia uma aristocracia feudal que se modernizou sem ser eliminada,  
no Brasil o latifúndio já nasceu integrado ao mercado mundial e permaneceu  
dominante, retardando a industrialização e limitando o protagonismo da burguesia  
nacional. Esse processo manteve a economia voltada para a exportação e consolidou  
um estado que operava como mediador dos interesses das elites agrárias e financeiras,  
sem romper a dependência externa. Assim, a via colonial representa um tipo de  
modernização conciliada em que o novo não apenas paga tributo ao velho, mas se  
submete a ele, impedindo uma transformação estrutural que permitisse uma  
industrialização autônoma e uma inserção soberana no capitalismo mundial.  
O capital industrial é a forma fundamental do capitalismo porque é nele que o  
capital se movimenta de maneira completa através do ciclo (aqui simplificado) dinheiro  
mercadoria (meios de produção e força de trabalho) produção nova  
mercadoria mais dinheiro. Diferente do capital comercial, que apenas circula  
mercadorias, e do capital usurário, que obtém lucro pela exploração de juros, o capital  
industrial é o único que efetivamente gera mais-valor ao transformar matérias-primas  
em produtos acabados. Como resultado, todas as demais formas de capital acabam  
subordinadas ao capital industrial, que impõe suas dinâmicas sobre a economia e a  
sociedade. A consolidação do capitalismo como modo de produção ocorre quando o  
capital industrial se torna dominante, deslocando as formas pré-capitalistas e  
moldando a estrutura social, política e econômica.  
Nos países de via clássica de entificação capitalista, a burguesia comercial e o  
estado desenvolveram, historicamente, uma relação de interdependência, na qual o  
poder estatal muitas vezes funcionou como um instrumento para expandir os  
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interesses da classe mercantil. Durante o mercantilismo, por exemplo, o estado  
promoveu políticas protecionistas, monopólios comerciais e incentivos fiscais,  
garantindo à burguesia comercial vantagens estratégicas na acumulação de capital. Em  
troca, a burguesia financiava o estado por meio de impostos e empréstimos,  
fortalecendo sua influência sobre a administração pública e a formulação de políticas  
econômicas.  
A política mercantilista desempenhou um papel crucial no desenvolvimento das  
indústrias nativas, pois os estados adotaram medidas protecionistas para fortalecer a  
produção interna e reduzir a dependência de importações. Entre essas medidas,  
destacavam-se altas tarifas alfandegárias, subsídios governamentais, monopólios  
estatais e restrições às importações de manufaturas estrangeiras, garantindo que a  
demanda interna fosse direcionada para os produtos nacionais. Além disso, o controle  
sobre colônias fornecia matérias-primas baratas e mercados cativos para as  
mercadorias produzidas pelas indústrias locais, estimulando sua expansão. Embora  
esse modelo tenha incentivado a industrialização incipiente em algumas nações,  
também gerou distorções, como a falta de inovação devido à ausência de concorrência  
e a concentração da riqueza nas mãos de elites mercantis aliadas ao estado, já que o  
custo do desenvolvimento industrial era repassado aos trabalhadores tributados e que  
vivenciavam condições de exploração facilitadoras da acumulação de capital, conforme  
Marx (1975) demonstra em sua crítica a List.  
Essa forma de aliança, no entanto, começou a se tensionar à medida que a  
burguesia industrial emergiu como uma nova força econômica e política, reivindicando  
maior liberdade de mercado e um estado menos intervencionista, o que culminaria em  
conflitos políticos, como as revoluções burguesas do final do século XVIII e início do  
XIX.  
A industrialização tardia está intimamente ligada à forma política dos estados  
que a vivenciam, pois, ao contrário dos países que passaram por revoluções burguesas  
clássicas, esses processos ocorrem sob forte presença de estruturas sociais e políticas  
pré-capitalistas, exigindo soluções conciliatórias entre o novo e o velho. Nessas  
formações, como na Alemanha de Bismarck, na Itália pós-unificação e no Japão Meiji,  
o desenvolvimento industrial foi conduzido “pelo alto”, com um estado forte  
promovendo reformas que garantiam a modernização econômica sem permitir grandes  
rupturas políticas. Isso frequentemente resultou em regimes autoritários, repressivos  
e corporativos, pois a burguesia nacional, incapaz de liderar uma transformação  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
democrática, aliava-se às elites agrárias e militares para manter a ordem social  
enquanto impulsionava o crescimento industrial. A industrialização tardia  
frequentemente gerou formas políticas conservadoras e centralizadoras, que tentavam  
equilibrar a necessidade de modernização com a preservação das hierarquias sociais  
tradicionais.  
A dependência externa na particularidade brasileira manifesta-se historicamente  
pela subordinação da economia nacional ao mercado internacional, estruturada desde  
o período colonial na lógica agroexportadora. Esse vínculo externo condicionou o  
desenvolvimento capitalista do país, restringindo a diversificação produtiva e  
mantendo a necessidade de importação de bens manufaturados e tecnologia. No  
século XX, mesmo com a industrialização impulsionada pela crise do modelo  
agroexportador, a dependência persistiu na forma de endividamento externo, controle  
de setores estratégicos por capitais estrangeiros e vulnerabilidade às oscilações do  
capitalismo global. Esse quadro impediu a formação de um capitalismo autônomo e  
reforçou a posição periférica do Brasil na divisão internacional do trabalho.  
No mercantilismo e no imperialismo, o estado nos países de via clássica do  
capitalismo desempenhou um papel ativo na defesa dos interesses da burguesia  
nacional, promovendo a acumulação primitiva de capital, protegendo mercados e  
assegurando a expansão imperialista. Desde o século XVI, adotou políticas  
protecionistas e expansionistas que favoreceram a industrialização e consolidaram o  
poder econômico das classes dominantes. Em contraste, nos países de capital atrófico  
e inserção subordinada no mercado mundial, como o Brasil, o estado atuou  
predominantemente como mediador da dependência, garantindo a reprodução das  
relações assimétricas com os centros capitalistas. Em vez de impulsionar uma  
acumulação interna robusta, manteve a economia voltada para a exportação de  
produtos primários e para a captação de investimentos estrangeiros, limitando a  
autonomia da burguesia local e reforçando a condição periférica dessas formações  
sociais.  
Dilucidar o caráter particular e específico do estado brasileiro erigido pela via  
colonial é interessante para compreender os desafios contemporâneos impostos pela  
financeirização e os limites da ação fiscal do estado. O modelo tributário primitivo  
estabelecido durante a colonização tinha como princípio central a extração de riquezas  
para atender aos interesses da metrópole, sem preocupação com o desenvolvimento  
interno ou a equidade na distribuição da carga tributária. Esse traço estrutural  
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Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
permaneceu ao longo da história, gerando um sistema fiscal regressivo, onde os  
tributos indiretos incidem desproporcionalmente sobre as camadas mais pobres,  
enquanto grandes fortunas e rendas financeiras são pouco tributadas. Com a ascensão  
da financeirização, o estado brasileiro passou a atuar prioritariamente como garantidor  
da valorização do capital financeiro, restringindo sua capacidade de investimento em  
políticas públicas e aprofundando desigualdades.  
A formação fiscal do Brasil, desde os tempos coloniais até os primeiros anos  
do Império, revela uma trajetória marcada pela continuidade de práticas extrativistas,  
dependência externa e privilégios concentrados nas mãos de uma elite agrário-  
escravista. Longe de representar uma ruptura com a lógica colonial, a Independência  
de 1822 e a estruturação do estado imperial consolidaram mecanismos de  
subordinação econômica que já estavam em curso, agora sob a roupagem de uma  
soberania formal. Este texto analisa, a partir de dados históricos, documentos oficiais  
e interpretações críticas, como o sistema fiscal brasileiro foi concebido em seus  
primeiros passos para sustentar os interesses das classes dominantes locais e do  
capital estrangeiro, em detrimento da construção de um projeto nacional autônomo. A  
chamada miséria fiscal brasileira não é fruto de improvisos ou ineficiências  
administrativas, mas expressão concreta de um modelo de estado moldado para gerir  
a dependência e tentar preservar os privilégios herdados da ordem colonial.  
II - Economia de extração e miséria fiscal durante a formação do estado  
brasileiro no I Reinado  
O sistema fiscal durante o período colonial foi marcado pela exploração  
econômica, arbitrariedade na cobrança de tributos e privilégios para a elite agrária. A  
tributação tinha caráter extrativista, visando a maximizar a arrecadação para a Coroa  
portuguesa sem considerar a capacidade contributiva dos colonos como realmente  
se espera de uma colônia. A diversidade de impostos, como o Quinto, a Dízima e os  
direitos alfandegários, refletia a ausência de um planejamento estruturado, resultando  
em uma carga tributária pesada e desigual. A arrecadação era frequentemente  
corrompida por donatários e funcionários fiscais, o que agravava a ineficiência do  
sistema. A dependência da economia colonial das exportações e a ausência de uma  
estrutura produtiva interna consolidada perpetuaram um modelo fiscal que beneficiava  
poucos e sobrecarregava a maioria da população, especialmente os pequenos  
produtores e escravizados.  
A abertura dos portos em 1808 marcou o início de um novo ciclo econômico  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
no Brasil, impulsionando significativamente o comércio exterior. Entre 1812 e 1822,  
observou-se um expressivo aumento nas exportações e importações, refletindo o  
impacto direto da liberdade comercial sobre a economia nacional. Mesmo com a  
desvalorização da moeda que poderia relativizar os valores nominais , os dados  
demonstram que o crescimento do intercâmbio foi efetivo, indicando um verdadeiro  
processo de integração do Brasil ao mercado internacional (PRADO JR., 2008).  
A sociedade brasileira passou a consumir muito mais do que era capaz de  
produzir internamente. Esse descompasso levou a um desequilíbrio estrutural na  
balança comercial, com o Brasil acumulando déficits quase constantes entre 1821 e  
1860. A situação era ainda mais grave do que os números indicavam, pois não incluíam  
os altos custos com a importação de pessoas escravizadas, que drenavam recursos e  
agravavam o desequilíbrio. O país, antes economicamente modesto, passou a  
depender de importações em larga escala sem contar com uma base produtiva interna  
capaz de sustentar esse novo padrão de consumo.  
Para compensar os déficits crescentes, o Brasil recorreu intensamente ao capital  
estrangeiro, principalmente britânico, através de empréstimos públicos. Essa solução  
paliativa aumentou a dependência externa e impôs à economia nacional o peso de  
juros, dividendos e amortizações, comprometendo parte significativa das receitas do  
estado, conforme veremos a seguir. A consequência direta foi a fuga do ouro e o  
esgotamento das reservas metálicas, substituídas por moedas de cobre desvalorizadas  
e um papel-moeda instável, que agravava ainda mais o quadro inflacionário e impedia  
a formação de um sistema monetário sólido. Esse ciclo de endividamento e fragilidade  
financeira marcaria profundamente a economia brasileira ao longo do século XIX.  
Ainda em 1812, documento elaborado por Manoel Jacintho Nogueira da Gama  
(Marquês de Baependy) descrevia a caótica e crítica situação financeira do país que  
ainda figurava como colônia portuguesa. De acordo com Gama (1851), havia uma  
grave crise financeira do Real Erário, com atrasos nos pagamentos das repartições  
públicas civis, eclesiásticas, militares e da marinha. Ele destacava a impossibilidade de  
quitar empréstimos e letras de câmbio nos prazos de vencimento, além da  
dependência do Banco do Brasil, que foi forçado a realizar operações acima de sua  
capacidade, colocando-o em risco de falência (liquidação que eventualmente ocorreria  
em 1829).  
Medidas emergenciais foram adotadas, como a apropriação de bens de  
falecidos e ausentes para arrecadação de fundos, mas a situação permaneceu crítica,  
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levando até mesmo funcionários públicos a pedirem esmolas para sobreviver. Gama  
(1851) enfatizava a necessidade de reformas drásticas para evitar uma bancarrota  
vergonhosa e perigosa.  
Para resolver essa crise, propôs um método financeiro rigoroso, baseado na  
arrecadação precisa das rendas públicas sem aumentar tributos, antecipar receitas ou  
recorrer à emissão de papel-moeda. A partir da análise das receitas e despesas do  
estado, considerava que, se administradas corretamente, as rendas ordinárias  
poderiam cobrir os custos governamentais, garantindo a pontualidade dos  
pagamentos. Gama sugeriu a criação de um planejamento financeiro estruturado em  
quatro partes: identificação das fontes de arrecadação, controle das despesas públicas,  
comparação entre receitas e gastos e, por fim, a definição de um método para garantir  
que todos os pagamentos sejam feitos dentro dos prazos estabelecidos. O plano  
propunha medidas concretas para restaurar a estabilidade fiscal, como o  
estabelecimento de consignações fixas e inalteráveis para despesas prioritárias, o uso  
rigoroso de balanços financeiros e a eliminação de práticas prejudiciais como a  
cunhagem excessiva de moeda provincial. Gama argumentava que, se adotadas com  
firmeza e imparcialidade, essas soluções permitiriam a recuperação do crédito público  
e a normalização das finanças do estado. Essa visão bem-intencionada enfrentava  
resistência na luta por interesses das classes que disputavam o poder político no  
momento da emancipação política da colônia. Os balanços levantados por Gama  
(1851) sobre os anos de 1810 e 1811 revelam a relevância dos impostos sobre o  
comércio exterior para o Erário, sendo responsáveis por 52,55% e 53,15% das rendas  
ordinárias naqueles anos, respectivamente.  
A proposta de Gama partia de uma leitura estritamente técnica e moralizante  
da crise fiscal colonial, confiando que a racionalidade administrativa e a disciplina  
financeira seriam suficientes para restaurar a solvência do estado. Seu plano, baseado  
no rigor contábil, na eficiência arrecadatória e na eliminação de práticas como a  
cunhagem desordenada de moeda, ignora as determinações estruturais que  
configuravam a economia política da colônia. Ao propor o saneamento fiscal sem  
aumento de tributos nem emissão de papel-moeda, Gama revela uma fé excessiva na  
neutralidade da administração pública, desconsiderando o fato de que o estado  
colonial e mesmo o que viria a ser o estado imperial não era um instrumento  
técnico a serviço do bem comum, mas sim um aparato de classe, moldado para garantir  
os privilégios da aristocracia fundiária, mercantil e escravista.  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
A grande falha de Gama reside no politicismo estreito de sua abordagem, que  
reduz uma crise estrutural a um problema de gestão. Ao ignorar que mais da metade  
das receitas provinha dos impostos sobre o comércio exterior ou seja, da própria  
inserção subordinada da colônia no sistema mercantil internacional , sua proposta  
negligencia o essencial: a dependência externa, a concentração de propriedade, a  
ausência de uma base produtiva diversificada e a natureza colonial do estado que  
pretendia salvar.  
A crise financeira também tinha elementos contingentes no processo de  
afastamento entre colônia e metrópole. Fleius (1925) destaca que o retorno da Corte  
portuguesa à Europa em 1821 provocou um verdadeiro esvaziamento econômico no  
Brasil. Cerca de quatro mil pessoas pertencentes à elite lusa, incluindo fidalgos,  
grandes comerciantes e capitalistas, partiram levando consigo seus bens e capitais,  
provocando uma súbita drenagem de riquezas e agravando a já delicada situação  
financeira da colônia. Como consequência imediata, o Banco do Brasil entrou em  
falência e o Tesouro foi deixado completamente vazio. A falência do Banco do Brasil e  
o esvaziamento do Tesouro apontam para uma fragilidade estrutural da economia  
colonial: não havia acúmulo interno de capital nem instituições sólidas capazes de  
sustentar a soberania econômica. O fato de a retirada da elite lusa ter causado um  
colapso econômico imediato revela o quanto o Brasil estava inserido numa lógica  
extrativista e subordinada, sem autonomia política ou econômica real.  
A escassez de numerário se intensificou: o ouro e a prata desapareceram da  
circulação monetária, restando apenas pequenas quantidades de cobre. A prata  
chegou a atingir um ágio de 7% a 8%, enquanto os bilhetes emitidos pelo banco  
perdiam rapidamente seu valor, tornando-se praticamente inúteis. Em carta ao pai, D.  
Pedro relatava o cenário de insegurança econômica e retenção de metais preciosos:  
“Quem tem dinheiro em prata ou em ouro, guarda-o... os bilhetes valem muito pouco  
ou quase nada” (FLEIUSS, 1925, p. 114). A gravidade da crise se refletia não apenas  
na desvalorização da moeda, mas também na falência institucional. O próprio  
tesoureiro do Banco do Brasil fugiu para os Estados Unidos com fundos pertencentes  
a uma companhia de seguros, e três dos quatro diretores da instituição faliram, muitos  
deles tentando proteger seus bens sob falsas alegações de tutela. O episódio expôs  
de forma contundente a fragilidade das finanças públicas e a vulnerabilidade das  
instituições brasileiras às vésperas da Independência.  
Medidas de inspiração liberal e racionalização fiscal foram adotadas com o  
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objetivo de amenizar a crise econômica e fortalecer a legitimidade do governo. Em um  
contexto de severa escassez de recursos, tais iniciativas buscavam não apenas aliviar  
o peso tributário sobre a população e os comerciantes, mas também conferir maior  
racionalidade à administração pública.  
D. Pedro aplicou dispositivos do Alvará de 25 de abril de 18181, que previam  
a redução das tarifas sobre mercadorias portuguesas e a isenção de impostos para  
produtos que, já despachados em uma alfândega, fossem novamente apresentados em  
outra, evitando, assim, a bitributação. Em nome da economia de recursos, o governo  
também suspendeu comissões militares anteriormente criadas, limitando gastos com  
estruturas administrativas desnecessárias.  
Essas medidas evidenciam uma tentativa de modernização do estado e de  
aproximação entre o poder central e os interesses das classes dominantes locais, numa  
fase em que o país ainda buscava definir seu caminho político e institucional. Ao adotar  
princípios de racionalidade econômica, D. Pedro procurava sustentar sua autoridade e  
preparar o terreno para transformações mais profundas, que culminariam na  
independência.  
O Decreto de 30 de dezembro de 1822 marcou uma inflexão importante na  
política econômica do recém-independente Império do Brasil. Com a ruptura dos laços  
políticos e comerciais com Portugal, o decreto revogou os privilégios aduaneiros que  
beneficiavam os produtos portugueses, igualando-os aos das demais nações e  
impondo uma tarifa de 24% sobre gêneros de indústria, manufatura, pesca e produção  
portuguesa. Além disso, o texto autorizou a importação do rapé estrangeiro,  
estabelecendo taxas diferenciadas conforme a origem, e fixou valores específicos para  
a entrada de produtos líquidos como vinhos, aguardentes, licores, azeites e vinagres,  
encerrando de vez a lógica fechada da era colonial. A medida teve forte simbolismo  
político, pois consolidava a autonomia econômica do Brasil e sua desvinculação da  
antiga metrópole, além de representar uma adesão inicial aos princípios do liberalismo  
comercial. Produtos ingleses, como o rapé, continuavam a usufruir de condições mais  
vantajosas, com imposto de apenas 15%, conforme estabelecido no tratado de 1810.  
1 O Alvará de 25 de abril de 1818, expedido por D. João VI, teve como objetivo principal aumentar as  
receitas do estado e financiar a reconstrução do Reino após a guerra, estabelecendo a obrigatoriedade  
do pagamento de direitos alfandegários sobre todos os produtos que entrassem ou saíssem dos portos  
do Reino Unido, inclusive os destinados à Casa Real, com poucas exceções. Determinou tarifas mais  
elevadas para vinhos e aguardentes estrangeiros no Brasil, favorecendo os vinhos portugueses, e  
instituiu uma nova taxa sobre a entrada de escravos, com parte da arrecadação voltada para a  
manutenção da ordem e incentivo à colonização de brancos.  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
Essa medida evidencia o privilégio comercial concedido à Inglaterra nas relações com  
o Brasil recém-independente, que continuaria vigente por alguns anos, consolidando  
a posição inglesa como a principal beneficiária do tratamento de nação mais  
favorecida.  
A Constituição de 1824, outorgada após a dissolução da Assembleia  
Constituinte, trouxe um princípio tributário avançado em seu artigo 179, nº 15, ao  
estabelecer que todos deveriam contribuir com impostos de forma proporcional aos  
seus haveres. Essa norma se aproximava de modelos europeus como a Constituição  
Francesa de 1791. No entanto, o preceito permaneceu inaplicado. Longe de ser ver  
algo minimamente reminiscente de um pacto nacional, representativo dos diversos  
setores sociais, o que se viu foi a imposição de um arranjo institucional do alto para  
baixo, preservando os interesses da elite latifundiária e mercantil que orbitava em  
torno do trono.  
Por meio do Decreto de 5 de janeiro de 1824, o governo imperial reconheceu  
a incapacidade das rendas ordinárias para cobrir as despesas urgentes e  
extraordinárias, especialmente as relacionadas à defesa, segurança e estabilidade do  
Império. Um empréstimo de £3.000.000 foi autorizado para ser contratado na Europa,  
com o objetivo de financiar os compromissos imediatos do Império Brasileiro. O  
decreto hipotecou a receita de todas as alfândegas do Brasil, com especial destaque  
para a alfândega do Rio de Janeiro, como fonte de pagamento dos juros e do principal  
do empréstimo. O empréstimo junto à praça de Londres, foi um símbolo contundente  
da dependência estrutural que caracterizou o nascimento do estado imperial brasileiro.  
Longe de representar uma medida soberana ou um passo autônomo rumo ao  
desenvolvimento de uma certa autonomia nacional, o empréstimo evidencia a  
continuidade da lógica de subordinação ao capital externo agora sob nova  
roupagem, mas com o mesmo conteúdo colonial. O fato de o governo imperial declarar,  
já em 1824, a incapacidade de sustentar suas despesas com receitas próprias mostra  
que o estado nascente não se estruturou sobre uma base produtiva autônoma, mas  
sobre uma lógica de endividamento externo, em especial com a praça financeira  
londrina o centro do capitalismo mundial na época. A hipoteca da receita  
alfandegária, sobretudo da alfândega do Rio de Janeiro uma das mais lucrativas –  
como garantia do pagamento do empréstimo, reforça a crítica de que o estado  
brasileiro emergente funcionava como correia de transmissão dos interesses do capital  
britânico. Isso não apenas limitava a autonomia fiscal do Império, mas subordinava sua  
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principal fonte de receita à lógica da exploração financeira imperialista.  
O contrato2 com as casas bancárias inglesas previa: deságio elevado (até 25%);  
juros fixos de 5% ao ano; comissões de até 4%, além de outros custos operacionais;  
administração externa do fundo de amortização e cláusulas pró-credores inclusive em  
casos de guerra. Diante do insucesso na contratação das duas parcelas restantes do  
empréstimo firmado em 1824 com os bancos ingleses Bazeth, Tarquhard, Crawford &  
Co., cujos motivos específicos não foram registrados, o governo brasileiro se viu  
obrigado a buscar uma nova alternativa de financiamento externo. A urgência em obter  
recursos para custear as despesas do império levou à celebração de um novo contrato,  
em 12 de janeiro de 1825, com o influente banqueiro londrino Nathan Mayer  
Rothschild. Esse acordo visava suprir a parte do empréstimo anteriormente frustrado  
e assegurar a continuidade da política financeira do governo imperial. O novo contrato  
(cf. CARREIRA, 1889, pp. 107-13) estabeleceu um empréstimo de £2.000.000, com  
emissão de certificados no valor de £2.352.900 e juros anuais de 5%. O pagamento  
seria feito em 12 parcelas mensais de £166.660, e estava previsto um fundo de  
amortização de 1% ao ano para garantir o resgate progressivo da dívida. Rothschild  
assumiu a administração dos pagamentos dos juros e do fundo de amortização,  
recebendo em contrapartida uma comissão de 4% sobre o valor do empréstimo, 1%  
sobre os juros pagos e ½% sobre as compras realizadas para o fundo. Os  
plenipotenciários brasileiros, Felisberto Caldeira Brant e Manoel Rodrigues Gameiro  
Pessoa, receberam cada um ¼ da comissão principal. Além disso, Rothschild ficou  
autorizado a adiantar até £300.000 ao governo brasileiro com juros de 3% ao ano e  
podia aceitar diamantes ou produtos como forma alternativa de pagamento, mediante  
comissão sobre a venda. O contrato foi ratificado por decreto imperial em 28 de  
fevereiro de 1825. Com um déficit de mais de 3,6 milhões de mil-réis em 1825, uma  
diferença de quase 80% entre despesas e receitas, o estado imperial não possuía base  
fiscal autônoma, pois sua economia seguia centrada no agrarismo exportador,  
escravocrata e dependente do comércio exterior. Em vez de reformar essa base e  
organizar um sistema fiscal progressivo ou produtivo, o Império opta por aprofundar  
a via da subordinação financeira externa, recorrendo ao capital londrino.  
Em vez de reformar essa base e organizar um sistema fiscal, o Império opta por  
aprofundar a via da subordinação financeira externa, recorrendo ao capital londrino.  
2 A íntegra do contrato pode ser lida em Carreira (1889), pp. 100-6.  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
O reconhecimento oficial da independência do Brasil por Portugal ocorreu com  
o tratado de paz e aliança assinado em 29 de agosto de 1825, que restabeleceu as  
relações comerciais entre os dois países, fixando uma tarifa de 15% sobre as  
mercadorias de ambas as partes. De acordo com Deveza (2004), em seguida, a França  
também firmou um tratado com o Brasil em 8 de janeiro de 1826, complementado em  
junho do mesmo ano, garantindo a entrada de seus produtos com o mesmo imposto  
de 15%, embora sem reciprocidade. A política de tarifas uniformes foi estendida em  
1827 a outras nações europeias como Áustria, Prússia e as Cidades Hanseáticas, e no  
ano seguinte a Dinamarca, Países Baixos e Estados Unidos sendo estes últimos os  
primeiros a reconhecer oficialmente a independência brasileira, em 1824. Apesar  
dessa aparente liberalização comercial, a economia brasileira permaneceu fortemente  
dependente da Grã-Bretanha, que seguia como seu principal fornecedor externo.  
Tudo isso indica que o Brasil recém-independente ingressa no circuito  
capitalista mundial como nação devedora e dependente, sem controle efetivo sobre os  
próprios mecanismos de financiamento e gasto público. Isso se dá sem contrapartida  
produtiva, ou seja, não se trata de investimento em infraestrutura ou indústria nacional,  
mas de endividamento para sustentar a máquina estatal e os compromissos das elites  
locais. Essa elite não propôs uma ruptura com a lógica colonial, mas a sua continuação  
sob a forma de um estado independente que se estruturou para servir aos antigos e  
novos centros de poder internacional.  
A dívida ativa do Império, conforme o relatório apresentado em 1826  
(CARREIRA, 1889), foi estimada em 5.364:363$543, abrangendo créditos do Tesouro  
originados entre os anos de 1817 e 1825. No entanto, a comissão da câmara dos  
deputados destacou a carência de informações precisas sobre esses valores, o que  
impedia a determinação do que de fato poderia ser recuperado. Essa falta de clareza  
comprometia o planejamento financeiro e a avaliação real da capacidade de  
arrecadação do estado, gerando incertezas sobre a efetividade do controle fiscal e da  
cobrança de créditos devidos à Fazenda Pública.  
Já a dívida passiva, ou seja, os compromissos financeiros assumidos pelo  
estado, foi avaliada em 14.900:682$643 e apresentava graves irregularidades. A  
comissão identificou que boa parte dessa dívida se concentrava na província do Rio  
de Janeiro, derivando de diversas origens, como empréstimos e seus respectivos juros,  
papéis correntes a serem pagos, gêneros e efeitos adquiridos, bens sequestrados de  
portugueses, além de ordenados, pensões e vencimentos de funcionários. A  
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complexidade e a fragmentação dessa composição evidenciavam a urgência de uma  
reestruturação administrativa e contábil, bem como a necessidade de uma política clara  
de consolidação e amortização da dívida pública.  
A situação da dívida ativa do Império em 1826, marcada pela ausência de  
dados confiáveis e pela incapacidade de saber o que de fato seria recuperável, expõe  
a deformação estrutural do estado brasileiro, nascido sob a lógica da via colonial. Essa  
lógica impôs um modelo estatal voltado não à racionalidade administrativa ou ao  
interesse público, mas à manutenção da ordem social herdada do colonialismo –  
fundiária, escravista e dependente. A desorganização fiscal e a baixa capacidade de  
cobrança não são meras ineficiências técnicas, mas reflexo da falta de um projeto de  
soberania fiscal, uma vez que o estado não se construiu para tributar os setores  
dominantes ou organizar as finanças públicas com vistas ao desenvolvimento interno,  
mas sim para reproduzir uma elite que se eximia de qualquer sacrifício contributivo.  
A análise da dívida passiva, com seu valor quase três vezes superior ao da  
dívida ativa, reforça esse diagnóstico. A concentração da dívida na província do Rio de  
Janeiro centro do poder político e da aristocracia imperial , sua composição  
fragmentada e a origem em compromissos que incluem empréstimos, papéis  
desvalorizados, benefícios a funcionários e indenizações pela perda de bens coloniais  
mostram que a máquina pública operava como um mecanismo de redistribuição de  
recursos em favor da elite estatal e rentista, e não como promotora de algum projeto  
nacional, ainda que excludente. Essa realidade escancara o caráter antinacional e  
antipopular do estado brasileiro, cuja estrutura administrativa e contábil não visava à  
emancipação financeira, mas à continuidade da subordinação interna (às classes  
dominantes locais) e externa (ao capital estrangeiro). A “reestruturação administrativa”  
e a “política de amortização” de que falava a comissão de deputados seriam (e foram)  
insuficientes enquanto não houvesse uma ruptura com a lógica de vilipêndio colonial  
que sustentava o funcionamento do próprio estado.  
A Lei de 15 de novembro de 1827 representou um marco na organização  
financeira do Império do Brasil ao instituir formalmente a dívida pública. Ela consolidou  
todas as dívidas contraídas pelo governo até o final de 1826, reconhecendo como  
legítimos os títulos legais e verídicos, tanto da dívida interna quanto da externa. Para  
garantir o controle e a transparência, foi criado o Grande Livro da Dívida do Brasil,  
com registros centralizados no Tesouro e livros auxiliares em cada província. Todos os  
credores deveriam inscrever seus títulos nesses registros, o que possibilitava o  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
pagamento dos juros e a administração das obrigações do estado de forma  
centralizada.  
A lei também estabeleceu a Caixa de Amortização, uma instituição que se  
pretendia independente e era encarregada de gerenciar o pagamento dos juros, a  
amortização anual de 1% e as transferências das apólices. A Caixa de Amortização  
viria a existir até 1967, sendo um elemento fundamental da forma de transferência de  
recursos públicos para os detentores destes títulos, que tinham 5 representantes entre  
os 7 responsáveis por administrar a Caixa. Foi emitido um capital fundado de  
12.000:000$000 em apólices com juros fixos de 5% ao ano, garantido por uma  
prestação mensal de 60:000$000 proveniente da receita das alfândegas do Rio de  
Janeiro. As apólices gozavam de proteção legal contra sequestros, estavam isentas de  
impostos sobre heranças e sucessões, e contavam com regras detalhadas sobre sua  
emissão, circulação e resgate, buscando fortalecer a credibilidade da nova estrutura  
da dívida pública.  
Essa tentativa era essencial tendo em vista que se tratava de um estado  
endividado em moeda estrangeira e internamente, que contava com déficits fiscais  
recorrentes. Além do empréstimo de £3.000.000 junto ao capital inglês diretamente,  
somava-se mais £1.400.000 oriundos de uma dívida assumida junto a Portugal por  
meio da Convenção Adicional ao Tratado de Amizade e Aliança de 29 de agosto de  
1825, firmada entre D. João VI e D. Pedro I. Ambos os valores somados equivaliam a  
cerca de 17 milhões de réis, sendo que a receita da fazenda imperial em 1827 foi de  
12 milhões de réis. A dívida interna já chegava a quase 30 milhões de réis.  
O que se viu foi esforço do estado brasileiro em consolidar juridicamente a sua  
condição de dependência e subordinação financeira. A criação do Grande Livro da  
Dívida e da Caixa de Amortização institucionalizou um mecanismo permanente de  
transferência de recursos públicos para os credores do estado, majoritariamente  
membros da elite interna e do capital estrangeiro. O fato de que cinco dos sete  
administradores da Caixa representavam diretamente os credores comprova o caráter  
privatista da gestão estatal, operando como um comitê gestor dos interesses da classe  
dominante e do capital internacional, e não como instrumento de promoção do  
desenvolvimento ou da soberania nacional.  
O estado imperial, ao formalizar uma dívida pública que superava com folga a  
sua capacidade de arrecadação, não buscava superar a lógica colonial, mas  
institucionalizá-la sob a forma do endividamento contínuo. As garantias especiais às  
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apólices como a isenção de impostos sobre heranças e a proteção contra sequestros  
evidenciam uma estrutura estatal voltada à reprodução de rendas para setores  
rentistas, em detrimento de qualquer projeto redistributivo ou produtivo. Em vez de  
enfrentar a estrutura fiscal regressiva, ampliar a base tributária ou investir em  
infraestrutura e serviços, o estado compromete receitas estratégicas (como as das  
alfândegas do Rio de Janeiro) para honrar compromissos assumidos no contexto da  
submissão diplomática a Portugal e do atrelamento ao capital britânico. Assim, a lei  
de 1827, longe de representar uma modernização fiscal autônoma, reforça a via  
colonial em sua forma financeira e contábil, institucionalizando a dependência como  
norma de funcionamento do estado brasileiro.  
Dada a situação crítica das finanças públicas imperiais, em 1829, o governo  
brasileiro firmou mais contratos de empréstimo em Londres, destacando-se dois  
principais: um com Nathan Mayer Rothschild, no valor de £200.000, e outro com a  
firma Thomas Wilson & Comp., no valor de £199.940. Ambos os contratos foram  
assinados pelo Visconde de Itabayana, como plenipotenciário do Império, com base  
na autorização do art. 7º da Lei de 8 de outubro de 1828. As condições desses  
empréstimos foram bastante onerosas: os títulos foram emitidos com juros anuais de  
5% e amortização de 1% ao ano. O pagamento seria feito em prestações mensais, e  
as apólices foram negociadas com deságio ou seja, o governo recebia menos do que  
o valor nominal emitido, agravando o custo da operação.  
A principal destinação dos recursos obtidos nesses contratos foi a cobertura de  
obrigações remanescentes do empréstimo de 1824, contratado em melhores  
condições, mas que ainda pesava significativamente sobre as finanças do Tesouro. Os  
contratos de 1829, no entanto, impuseram encargos adicionais ao Brasil: além dos  
altos juros, incluíam comissões de até 2% sobre o capital, corretagens sobre a  
amortização e restrições sobre o uso dos recursos que ficavam sob controle dos  
banqueiros até sua aplicação nos pagamentos estipulados. Com isso, apesar de aliviar  
momentaneamente o caixa do governo, os novos empréstimos aprofundaram a  
dependência financeira do Império e comprometeram receitas futuras com encargos  
externos.  
A Lei de 8 de outubro de 1828 era a lei orçamentária para o ano de 1829.  
Além de autorizar os empréstimos no exterior, ela também autorizava despesas e fazia  
a previsão de receitas, bem como expressava outro aspecto da miséria brasileira, o  
caráter hipertardio do desenvolvimento capitalista no Brasil. Do valor total de  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
10.679:590$376 autorizados, mais da metade se destinava às forças armadas com  
2.561:000$000 destinados ao Ministério da Marinha e 3.200:000$000 ao Ministério  
da Guerra. A outra maior soma, 4.293:934$776, era destinada ao Ministério da  
Fazenda, responsável pela amortização e pagamento de juros das dívidas interna e  
externa. Pagamento de burocratas, gastos militares e serviço da dívida resumiam a  
maior parte da destinação do fundo público imperial, sendo ausente qualquer  
investimento público ou destinação de recursos para a industrialização do país. Apesar  
das visitas à Londres para assinar novos contratos de empréstimos, a elite local parecia  
não se importar muito com as transformações que aconteciam naquela ilha.  
Na verdade, a miséria fiscal brasileira expressa com nitidez a permanência da  
lógica colonial sob novas formas, revelando um estado nacional que se organiza não  
para superar a condição periférica, mas para administrar sua dependência e garantir  
os interesses da elite agrário-escravista. Os empréstimos de 1829, com condições  
ainda mais onerosas do que os anteriores, foram utilizados para rolar dívidas antigas,  
num ciclo de endividamento autofágico, típico das formações sociais subordinadas ao  
capital financeiro internacional. A alocação orçamentária voltada quase  
exclusivamente ao gasto militar, custeio da burocracia estatal e serviço da dívida –  
evidencia que o fundo público era apropriado para sustentar o aparato de coerção e  
a reprodução das elites rentistas, sem qualquer compromisso com o investimento  
produtivo ou com a construção de uma base econômica autônoma. A ausência de  
políticas voltadas à industrialização ou à infraestrutura reforça o diagnóstico  
chasiniano de que o Brasil seguia atrelado aos interesses externos e dominado  
internamente por uma classe que não se identificava com os imperativos de uma  
modernização capitalista, mas sim com a conservação de privilégios herdados da  
ordem colonial.  
No início do exercício de 1829, o Brasil encontrava-se em uma situação  
financeira profundamente crítica. O país enfrentava um grande déficit orçamentário,  
agravado pela superabundância de moeda de cobre, altamente depreciada. Para  
contornar a escassez de numerário e a perda de confiança na moeda, o governo  
recorreu à imposição do curso forçado das notas do Banco do Brasil, comprometendo-  
se a garantir seu valor. Essa medida, no entanto, não impediu a queda acentuada do  
câmbio nem conteve o aumento generalizado dos preços dos gêneros de consumo, o  
que afetou de forma especialmente dura os funcionários públicos, cuja remuneração  
perdeu poder de compra em meio à inflação.  
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Thiago Dutra Hollanda de Rezende  
A Lei de 23 de setembro de 1829 determinou a liquidação do Banco do Brasil,  
marcando uma tentativa do governo de reorganizar o sistema monetário em meio à  
crise financeira. Para conduzir o processo, foram nomeadas comissões compostas por  
representantes dos acionistas e do estado, responsáveis por verificar a situação  
financeira da instituição e criar um novo padrão de notas. Essas novas cédulas,  
emitidas com maior segurança, seriam garantidas pela própria nação e  
obrigatoriamente aceitas nas repartições públicas. A lei ainda impunha a obrigação de  
resgatar anualmente 5% das notas em circulação, estabelecendo que propriedades  
públicas não essenciais ao serviço do estado poderiam ser vendidas para financiar  
essa amortização, tarefa atribuída à Caixa de Amortização.  
O país enfrentava um déficit elevado em 1830, agravado pela desvalorização  
da moeda em circulação, especialmente o papel-moeda e as moedas de cobre. O  
câmbio despencara a níveis críticos, comprometendo todas as transações externas.  
Além disso, o sistema de contabilidade pública era precário, com classificações  
inadequadas de receitas, o que comprometia a clareza e a transparência das finanças  
estatais.  
De acordo com Fleiuss (1925), em 12 de fevereiro de 1830, D. Pedro I decretou  
a criação de uma comissão encarregada de organizar um novo sistema monetário,  
evidenciando a crescente preocupação com a estabilidade econômica do Império. Essa  
iniciativa refletia a tentativa do governo de responder à crise de confiança no papel-  
moeda, agravada pela já determinada liquidação do Banco do Brasil. Além disso, o  
cenário político turbulento e a fragilidade da economia exigiam medidas urgentes para  
restaurar a credibilidade financeira do estado e dinamizar as atividades comerciais,  
tanto internas quanto externas. A comissão surgiu, portanto, como um esforço do  
governo imperial para conter os efeitos da instabilidade e tentar recuperar a ordem  
monetária em meio à crise.  
Entre 1829 e 1831, o Império do Brasil mergulhou numa crescente crise  
política que culminaria na abdicação de D. Pedro I. A impopularidade do imperador se  
intensificou com nomeações de portugueses naturalizados para cargos de destaque,  
em detrimento de brasileiros natos, alimentando a percepção de favoritismo e exclusão  
nacional. Sua contínua ingerência nos assuntos de Portugal, especialmente após a  
morte de D. João VI, levantou dúvidas quanto ao seu verdadeiro compromisso com o  
Brasil. A criação de um gabinete secreto, o uso de tropas estrangeiras e os termos do  
tratado de reconhecimento da independência também minaram sua legitimidade. No  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
Congresso, a maioria liberal rompeu com o imperador, enquanto a imprensa liderada  
por vozes como a de Evaristo da Veiga e o povo exigiam reformas. O estopim veio  
com os protestos de 6 e 7 de abril de 1831 no Campo de Sant’Anna, que mobilizaram  
tropas e civis contra o chamado “Gabinete dos Medalhões”. Incapaz de conter a  
pressão popular e militar, D. Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho, o futuro  
D. Pedro II, encerrando o I Reinado.  
A criação de uma comissão para reformar o sistema monetário em 1830, diante  
da crise econômica e da liquidação do Banco do Brasil, revela o caráter reativo e de  
superfície das tentativas do estado imperial de lidar com os impasses estruturais  
gerados pela via colonial. Em vez de promover uma ruptura com a lógica rentista,  
dependente e antinacional, o governo de D. Pedro I limitava-se a remendos  
institucionais, enquanto mantinha uma estrutura econômica e política voltada à  
reprodução dos interesses das elites locais e do capital estrangeiro. A instabilidade  
monetária, a desconfiança no papel-moeda e o colapso do Banco do Brasil não podem  
ser compreendidos fora do contexto de um estado que concentra seus esforços na  
manutenção da ordem e na contenção de crises, sem jamais enfrentá-las em sua raiz  
histórica. A crise política que levou à abdicação de D. Pedro I expressa, portanto, os  
limites de um projeto de estado moldado para mediar conflitos entre frações  
dominantes, enquanto as camadas populares e os interesses nacionais eram  
sistematicamente excluídos. O esgotamento do I Reinado foi, nesse sentido, o  
esgotamento de uma tentativa fracassada de conciliar formas modernas de dominação  
(princípios econômicos liberais) com estruturas coloniais profundamente arcaicas.  
III. Modernização sem ruptura: a Regência como gerência da dependência  
A herança do Primeiro Reinado para o fundo público brasileiro foi uma dívida  
total (interna, externa e flutuante) de 55.980:344$643, para uma receita orçada para  
1832-1833 de 11.573:002$000, contra uma despesa orçada de 11.698:759$187  
(Carreira, 1889). No período regencial (1831-1840), o Império passou por uma  
significativa reforma administrativa com a criação do Tribunal do Tesouro Público  
Nacional e de tesourarias nas províncias. Essa reestruturação visava centralizar,  
racionalizar e moralizar a administração das finanças públicas, conferindo maior  
controle à arrecadação e aplicação dos recursos. Durante o período regencial,  
começaram a se delinear os dois grandes partidos políticos do Império: o Partido  
Conservador e o Partido Liberal. Os conservadores reuniam magistrados, burocratas,  
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grandes comerciantes muitos deles portugueses e proprietários rurais das  
províncias mais tradicionais, como Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Já os liberais  
agregavam a pequena classe média urbana, alguns padres e proprietários rurais das  
áreas menos tradicionais, especialmente de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do  
Sul.  
De acordo com Fleiuss (1925), a partir de 1831, o Brasil mergulhou numa  
grave crise econômica que afetou diretamente os principais setores produtivos do país.  
Comércio, indústria e agricultura apresentavam sinais visíveis de declínio, refletindo o  
ambiente de instabilidade política que se seguiu à abdicação de D. Pedro I. A produção  
nacional enfraquecia diante das incertezas quanto ao futuro do regime e das disputas  
entre facções políticas, provocando retração nas atividades econômicas e  
comprometendo a arrecadação do estado.  
Como consequência, verificou-se uma significativa fuga de capitais e de mão de  
obra qualificada, drenando recursos do Império para o exterior, sobretudo para a  
Europa. A confiança pública desmoronou: o crédito tanto do governo quanto dos  
particulares praticamente desapareceu, o câmbio despencou (de 50 para cerca de  
20), e as apólices da dívida pública perderam valor, passando de 90% para apenas  
30% na Bolsa. Até o mercado imobiliário entrou em colapso, com prédios sem valor  
venal nem procura para aluguel, enquanto a terra se desvalorizava drasticamente em  
relação ao período anterior. Esses elementos compunham um cenário alarmante que  
exigia respostas urgentes do governo regencial.  
No campo fiscal, foram abolidos diversos impostos específicos das províncias,  
substituídos por taxas padronizadas de alcance nacional, o que buscava simplificar o  
sistema tributário e torná-lo mais equitativo. As medidas também incluíram o estímulo  
à arrecadação eficiente e a eliminação de práticas de corrupção, como a cobrança de  
impostos sem respaldo legal ou o favorecimento de determinados grupos. Novas  
regras foram estabelecidas para a apresentação e fiscalização dos orçamentos e  
balanços, impondo ao estado o dever de organizar, publicar e justificar suas receitas  
e despesas, o que representou um avanço importante no controle público das finanças.  
A Lei de 4 de outubro de 1831 reorganizou profundamente a administração  
fazendária do Império do Brasil ao extinguir o antigo Erário Régio e o Conselho da  
Fazenda e criar o Tribunal do Tesouro Público Nacional e as Tesourarias das Províncias.  
Seu objetivo central foi estabelecer um sistema mais racional, centralizado e fiscalizado  
de arrecadação, controle e despesa das finanças públicas, com base em princípios de  
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legalidade, transparência e responsabilidade administrativa. A nova estrutura previa  
funções específicas para cada autoridade como o presidente do Tesouro, o inspetor-  
geral, o contador-geral e o procurador fiscal e determinava a forma de prestação de  
contas, organização da escrituração por partidas dobradas, controle de patrimônio  
público e dos contratos, além de instituir concursos para ingresso no serviço  
fazendário.  
A concentração das nomeações nas mãos do Imperador, representado pela  
Regência, e do núcleo da administração fazendária, todos indicados dentro de uma  
lógica de confiança pessoal e vínculos políticos, revela que o objetivo também era  
preservar o controle da elite imperial sobre os fluxos financeiros do estado, reforçando  
sua capacidade de gerir a dívida pública, cobrar tributos regressivos e manter a  
máquina estatal a serviço de uma ordem social excludente. Essa arquitetura  
institucional, longe de promover transparência ou eficiência, reproduzia a lógica  
herdada do período colonial, na qual o poder público serve como extensão dos  
interesses privados da classe dominante, perpetuando o caráter antinacional e  
dependente do estado brasileiro.  
A Lei nº 16 de 1834 (Ato Adicional de 1834) promoveu uma mudança  
significativa no modelo de Regência ao substituir a Regência Trina Permanente,  
estabelecida pela Constituição de 1824, por um Regente Único, eleito e temporário,  
com mandato de quatro anos (art. 26). Essa alteração buscou conferir maior unidade  
e estabilidade ao governo durante a menoridade de D. Pedro II, ao mesmo tempo em  
que ampliava o caráter representativo do regime, já que o novo regente seria escolhido  
por votação secreta dos colégios eleitorais provinciais. A medida também respondeu  
às pressões descentralizadoras do período, marcando uma inflexão importante na  
trajetória do Império rumo à consolidação de uma estrutura política mais flexível e  
adaptada às demandas das províncias.  
O Ato Adicional de 1834 também promoveu uma reforma de grande impacto  
na organização político-administrativa do Império ao instituir as Assembleias  
Legislativas Provinciais em substituição aos Conselhos Gerais. Essas novas instâncias  
legislativas passaram a ter competência para propor e deliberar sobre temas  
fundamentais à administração local, como impostos provinciais, instrução pública,  
obras, justiça e orçamentos municipais e provinciais. Além disso, foram-lhes atribuídos  
poderes para tratar de desapropriações, autorizar empréstimos, organizar estatísticas,  
fomentar a catequese indígena e se manifestar sobre autoridades públicas. Suas  
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decisões estavam sujeitas à sanção do presidente da província, com possibilidade de  
veto, e seus membros passaram a gozar de inviolabilidade pelas opiniões emitidas no  
exercício do mandato, dispondo ainda de regimento interno próprio para regular seus  
trabalhos.  
Esta reforma, embora aparente sinalizar um avanço no sentido da  
descentralização e da ampliação do poder representativo nas províncias, deve ser  
compreendido como uma reforma conservadora e funcional à manutenção da ordem  
oligárquica e dependente herdada da via colonial. A eleição de um Regente Único e a  
criação das Assembleias Legislativas Provinciais não romperam com a lógica de  
exclusão social e de concentração de poder nas mãos das elites locais e nacionais. Ao  
contrário, tais medidas buscavam acomodar as pressões regionais sem alterar a  
estrutura de dominação, preservando a centralidade do estado imperial como  
garantidor dos interesses dos grandes proprietários e das frações do capital  
associadas ao comércio externo. É importante ressaltar que a década da Regência foi  
um período de transição importante economicamente e politicamente para as  
oligarquias brasileiras, já que estava em ascensão a economia cafeeira, que passou de  
menos de 20% de representação nas exportações brasileiras para mais de 40%.  
Portanto, as novas instituições políticas, ainda que formalmente mais autônomas,  
atuavam dentro de um arcabouço legal e fiscal subordinado ao núcleo central do  
Império, reproduzindo a lógica de uma representação seletiva, censitária e controlada,  
em que os dispositivos de descentralização não significavam democratização, mas a  
reorganização do poder para manter a mesma ordem social excludente e subordinada  
ao capital externo.  
Em 1834, a dívida pública brasileira apresentava um quadro significativo de  
comprometimento das finanças do estado. De acordo com Carreira (1889), a receita  
ordinária do exercício foi de 12.787:523$015, mas a receita extraordinária, de  
2.032:099$093, revelava uma dependência crescente de mecanismos financeiros,  
especialmente da emissão de apólices da dívida pública, que compunham grande parte  
desses recursos. A dívida total do estado ultrapassava os 85 mil contos, somando os  
compromissos internos, externos e a dívida flutuante. Os juros pagos no exercício  
alcançaram 2.580:977$437, dos quais 1.527:136$875 se referiam à dívida externa  
e 1.053:840$562 à interna.  
A crescente emissão de apólices como receita extraordinária e o peso  
insustentável dos juros especialmente os vinculados à dívida externa demonstram  
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Miséria fiscal brasileira e fundo público no Império  
que o fundo público imperial foi capturado por mecanismos de transferência  
sistemática de recursos para o capital financeiro, nacional e internacional. O estado  
atuava como agente da reprodução da ordem oligárquica e do pagamento de  
compromissos assumidos com a elite rentista e os credores estrangeiros, em especial  
britânicos. Com mais de 20% da receita ordinária comprometida apenas com o serviço  
da dívida, a estrutura fiscal se confirmava como instrumento de espoliação e bloqueio  
do desenvolvimento autônomo, reafirmando o diagnóstico chasiniano de que o Brasil  
do século XIX permaneceu preso a uma ordem antinacional, financeirizada e  
subordinada às exigências externas e aos interesses de sua própria elite.  
A receita geral do Império em 1835 era composta por um amplo conjunto de  
58 rubricas, refletindo a diversidade e confusão das fontes de arrecadação estatal.  
Entre os principais itens, destacavam-se os direitos de importação e exportação,  
impostos sobre mineração (como o ouro e os diamantes), rendas provenientes das  
alfândegas, taxas sobre a escravidão (incluindo meia siza3 e taxa de escravos), venda  
de bens nacionais, foros de terrenos de marinha, e rendas da exploração diamantina.  
Também integravam essa receita os juros de apólices da dívida pública, taxas postais,  
direitos de chancelaria, rendimento da tipografia nacional, e diversas outras  
contribuições e emolumentos vinculados à administração e à justiça imperial.  
Essa estrutura de financiamento evidencia um estado que, longe de se organizar  
para promover o desenvolvimento nacional, operava de forma caótica e  
patrimonialista, refletindo os limites estruturais da via colonial. A predominância de  
fontes como os direitos alfandegários, as taxas sobre a escravidão e a exploração  
mineral mostra que o estado se sustentava sobre rendas parasitárias e excludentes,  
ligadas à manutenção da ordem escravista, da dependência comercial externa e da  
espoliação de recursos naturais. A presença de itens como juros de apólices da dívida  
pública entre as receitas reforça a ideia de um sistema fiscal autofágico, em que o  
próprio estado se torna refém de um circuito de endividamento que apenas realimenta  
a sua dependência, uma vez que não se tratava de emissões de dívidas para promover  
algum tipo de investimento público produtivo ou indutor de desenvolvimento. Assim,  
em vez de indicar diversidade e solidez, a multiplicidade de rubricas revela a ausência  
de um projeto nacional coerente, substituído por um emaranhado fiscal que servia,  
3 Imposto de 5% sobre o valor de compra e venda de escravos ladinos (escravos não recém-chegados  
da África), criado pelo Alvará de 3 de junho de 1809. Já a siza cheia era o imposto de 10% sobre o  
valor de compra, venda e arrematação de bens de raiz (imóveis).  
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sobretudo, à reprodução de uma elite rentista, escravista e subordinada ao capital  
externo.  
Entre 1836 e 1840, o Império do Brasil passou por importantes reformas na  
administração fiscal e na política monetária, diante de um cenário de instabilidade  
cambial, desorganização do meio circulante e crescente endividamento. Chegou-se a  
propor a extinção progressiva do papel-moeda. De acordo com Carreira (1889), em  
1838, o conselheiro Miguel Calmon propôs a conversão da dívida externa em apólices  
da dívida interna, como forma de reduzir as remessas de divisas ao exterior e  
estabilizar o câmbio. O estado enfrentava um endividamento significativo, com uma  
dívida total superior a 54 mil contos de réis, valor cinco vezes maior que sua receita.  
Ao mesmo tempo, o papel-moeda em circulação ultrapassava os 36 mil contos de réis.  
Para lidar com esse quadro, sugeriram-se medidas legislativas que impedissem  
falsificações, incentivassem a cooperação entre interesses públicos e privados no  
resgate das notas e estimulassem o fortalecimento do mercado interno de capitais. A  
introdução de cédulas falsas vindas dos Estados Unidos agravava ainda mais o  
problema da confiança na moeda.  
Em 1839 e 1840, o debate sobre a política monetária ganhou ainda mais  
centralidade. O conselheiro Cândido Baptista de Oliveira enfatizou a urgência de  
resolver a questão da circulação fiduciária, propondo a criação de um novo banco e a  
transformação da moeda de papel em moeda com valor real. Chegou a sugerir a  
"provincialização" das notas, para facilitar a circulação nas regiões com maior atividade  
comercial. Já em 1840, Manoel Alves Branco (que se consagraria em uma tarifa alguns  
depois), novo ministro da Fazenda, propôs medidas estruturantes: ampliar a  
negociação das apólices nas províncias, criar um fundo específico para juros e  
amortizações e valorizar o papel-moeda mediante a aquisição de metais preciosos.  
Em 1839, diante da dificuldade de vender apólices da dívida pública, o governo  
regencial recorreu a mais um empréstimo externo com a casa Samuel & Phillips, de  
Londres, no valor de £2.500.000. O contrato previa juros anuais de 5% e amortização  
de 1% ao ano, revelando o esforço do estado em manter seus compromissos  
financeiros e contornar a escassez de liquidez no mercado interno. A operação visava  
principalmente a atender aos compromissos do Tesouro no exterior, especialmente o  
pagamento de juros e amortizações de dívidas externas, cuja regularidade era  
fundamental para a credibilidade financeira do Império.  
Além desse financiamento externo, o governo foi autorizado, por meio do  
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