Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Henrique Coelho
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que fica à deriva, torna-se um “mal-entendido”, no sentido e diapasão de seu
hermetismo contra o mundo. Nesse sentido, segundo Silva (2008), para o
jovem húngaro, a forma estética produz “signos inadequados”, ou seja, sem
relação com os possíveis impulsos advindos da realidade vivida. Assim, “A
dissonância é a compreensão da realidade na perspectiva do non sense
afirmado na forma” (SILVA, 2008, p. 4). Quanto ao problema histórico,
vejamos a resolução dada:
A obra de arte manifesta esse caráter paradoxal, é ao mesmo tempo
temporal e atemporal, uma duplicidade que é o resultado de uma
produção circunscrita e enraizada em um tempo e a um espaço, mas
portadora de validez e efeitos universais. Ela possui ao mesmo
tempo um caráter histórico e artístico, mas também há algo de
irracional em sua manifestação, um “mal-entendido” que lhe é
constituinte; a arte fala e constitui-se, em suma, a partir de uma
distância, de um “Hiatus” [Abstand]. A obra é temporal segundo sua
gênese e atemporal pelo efeito que produz no sujeito receptor; um
efeito independente do transcorrer do tempo. (SILVA, 2008, p. 4)
Ademais:
A relação entre historicidade e atemporalidade na obra de arte é o
tema que marcará toda a produção do jovem Lukács, bem como boa
parte de seus escritos de maturidade, e é, por outro lado, o que
singulariza sua reflexão diante da estética dita, grosso modo,
romântica. Para Lukács, Schelling percebeu com profundidade,
mais do que todos os românticos, que “toda obra é a eternização de
um momento histórico determinado” – “que a obra sai do tempo e
para ele retorna”: “ela arranca um instante do fluxo temporal, lhe
conferindo a perenidade do tempo” (SILVA, 2008, p. 220). Mas,
enquanto os românticos ainda permanecem ligados a uma teoria
platônica da arte, Lukács procura tirar outras consequências do
procedimento formal da obra, de sua incontornável materialidade.
Não só toda obra suscita um mundo novo, abrindo um campo vasto
de possibilidades, como ativa um campo de negatividade, o “mal-
entendido” na relação do eu com o mundo. (SILVA, 2008, p. 5)
A “face de Janus” da arte seria sua ambiguidade, nascer dentro de um
tempo histórico, mas não ser sua expressão, mas uma forma que se afirma na
sua materialidade e imanência, distante, travejada pela “opacidade”, já que não
explicita a realidade vivida; daí o caráter paradoxal dessa práxis social (SILVA,
2008). Nesse sentido, a obra não é singularismo, expressão psicologizada e
psicologizante do produtor, do artista em-si-mesmado, nem mesmo é reflexo
mecânico da objetividade, mas o único “escape” da vida cotidiana dilacerada
pela reificação da “modernidade”, restando ao artista o solipsismo, arte como
“mal-entendido” e deslocamento da realidade.
É preciso assentar, porém, que o trato hegeliano é posterior a 1910,
quando a inflexão ao autor alemão e, por isso, ao idealismo objetivo, começam
a despontar. Tal destino se completará em A teoria do romance (1915-6),