Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Juarez Torres Duayer
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figurar o mundo” (Marx, Introdução de 1857), ao lado da liberdade e
autonomia da arte e da recusa a todas as formas de sua instrumentalização.
No que diz respeito às relações da Comuna Húngara com a arte e os
artistas, Lukács escreveu no Jornal Vermelho, em uma formulação muito
próxima à defendida por Courbet, que “O comissariado não quer uma a arte
oficial nem muito menos a ditadura da arte do partido” (apud NETTO, 1983.
p. 33). Se referindo à “experiência de poder” de Lukács do período da Comuna,
Konder (1996, p. 28), mesmo considerando que nos textos dos anos trinta o
autor “caminhava em carvões incandescentes” considera que a despeito de
algumas “posições sectárias”, o Comissário do Povo adotou na direção da
política cultural uma orientação inequivocamente “democrática e pluralista” e
em nenhum momento, sua profunda e sincera preocupação com os autênticos
valores da cultura lhe deixou margem para qualquer vacilação: a prioridade
final da cultura repelia procedimentos voltados para instrumentalizá-la
(KONDER, 1980, p. 38; grifos do autor).
Massacrada a Comuna pelo governo Horty, Lukács é condenado à
morte. Escapa disfarçado de chofer para Viena onde é preso e tem sua
deportação exigida. Com o argumento de que Lukács “como filósofo, é um dos
grandes, que só aparecem uma vez em cada geração”, uma ampla mobilização
de intelectuais europeus (Paul Ernest, Franz Ferdinand Baumgarten, Heinrich
e Thomas Mann, Ernest Bloch, entre outros) impede que seja extraditado
(KONDER, 1980, p. 42). Os números da contrarrevolução húngara
impressionam: 5 mil execuções, 75 mil presos, 100 mil escaparam para o exílio,
entre estes Lukács que permaneceu em Viena até o fim dos anos 1920.
A derrota da Comuna e os “anos de aprendizagem forçada” ocupam
portanto um lugar de destaque nas entrevistas de Pensamento vivido e
repercutiram, como estamos procurando mostrar, nos embates travados
contra a RAPP, o Proletkult e as políticas culturais do stalinismo, em especial
contra a regulamentação da ideologia a partir de “cima”. A passagem que
reproduzimos a seguir é significativa para a caracterização das disputas
durante o “tempo de catástrofes” e de “alargamento do conflito”. Nela Lukács
se reporta aos textos em defesa do realismo que publicou na Literaturnyj
Kritik e fala da importância da revista (anti-Rapp, antimodernista) para a
transformação revolucionário-democrática da literatura russa entre 1934 até a
sua interdição em 1940 por Stálin
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Nós atacamos na revista a ortodoxia naturalista de Stálin. Não se
pode esquecer que naquela época foi publicada a carta de Engels
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Os textos publicados na Literatunyj Kritik foram editados pela Fondo de Cultura Económica
(México, 1966) a partir da edição original Probleme des Realismus (LUKÁCS, 1955); parte
deles foram selecionados e traduzidos por Carlos Nelson Coutinho (LUKÁCS, 1968). Uma nova
edição com o mesmo título e também com seleção, apresentação e tradução de Carlos Nelson
Coutinho foi lançada pela Expressão Popular em 2010 com a inclusão do importante Narrar
ou descrever?, de Lukács, escrito em 1936 durante a emigração.