Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Vladmir Luis da Silva
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Dada a gravidade do que expõe, o filósofo alemão se apressa em fazer
certas advertências. Em primeiro lugar, trata-se de esclarecer, acerca da
emancipação política, que “não chega a ser a forma definitiva da emancipação
humana em geral, mas constitui a forma definitiva da emancipação humana
dentro da ordem mundial vigente até aqui” (MARX, 2010, p. 41). Já a segunda
observação dá conta de que a dualidade na qual se dissolve o homem, a saber,
no homem religioso e no cidadão, não se refere a uma debilidade ou defeito da
cidadania, mas constitui a verdade da emancipação política
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Diante dessas distinções, as quais estabelecem o “estado completo”
como aquele em que a religião é um de seus “pressupostos” e o “estado
incompleto” (estado cristão) enquanto figura que tem na religião seu
“fundamento” – o primeiro em decorrência da imperfeição congênita da
emancipação política, e o segundo, da deficiência acarretada por sua
“existência particular” –, Marx constata a contradição constituída pelo estado
germânico-cristão. Nesse, não só as formas de estado, mas a própria religião é
degradada a mera aparência. Ao professar uma religião, o estado impede, além
de sua própria secularização, a realização efetiva da religião, visto que o
“estágio de desenvolvimento do espírito humano”, que essa expressa em forma
não-secular, não se destaca ou seculariza. Os membros do estado cristão não
alcançam aquela condição de religiosos pelo dualismo constituído pelo
contraste entre a vida genérica e a vida individual, resultado da emancipação
política. Em suma, se à democracia política, resultado de um dado grau de
desenvolvimento do espírito humano, corresponde a religião como consciência
ideal de seus membros, no estado cristão temos uma religião não realizada,
pois, ao não se desligar dos fins terrenos, não adquire seu sentido mais
teológico
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De acordo com o autor, a configuração dupla é verificável mesmo nos casos mais radicais:
“nos períodos, em que o estado político é gerado por meio da violência como estado político a
partir da sociedade burguesa, em que a autolibertação humana procura realizar-se sob a forma
da autolibertação política, o estado pode e deve avançar até a abolição da religião, até a
destruição da religião; porém, somente na medida em que avance até a abolição da
propriedade privada, até o maximum, até o confisco, a taxação progressiva, em que avance até
a abolição da vida, até a guilhotina. Nos momentos em que está particularmente
autoconfiante, a vida política procura esmagar seu pressuposto, a sociedade burguesa e seus
elementos, e constituir-se como a vida real e sem contradição do gênero humano. No entanto,
ela só consegue fazer isso caindo em contradição violenta com suas próprias precondições de
vida, ou seja, declarando a revolução como permanente, e, em consequência disso, o drama
político termina tão necessariamente com a restauração da religião, da propriedade privada,
de todos os elementos da sociedade burguesa, quanto a guerra termina com a paz” (MARX,
2010, p. 42).
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Nesse sentido, Marx declara que, “na democracia plenamente realizada, a própria consciência
religiosa e teológica se considera tanto mais religiosa, tanto mais teológica, quanto mais
aparenta ser destituída de relevância política, de propósitos terrenos, quanto mais aparenta
ser um assunto do espírito avesso ao mundo, expressão da mentalidade estreita, produto da
arbitrariedade e da fantasia, quanto mais for uma vida realmente transcendente” (MARX,
2010, p. 45).