Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Bruno Daniel Bianchi
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e objetividade do mundo representado
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Aqui, nos encontramos em uma situação bastante complexa. Por um
lado, temos os artistas “apartidários”, que seguem na ilusão de que podem
distanciar-se dos conflitos ou da influência da realidade sobre sua própria
consciência. Por outro lado, temos os escritores “tendenciosos”, típicos, por
exemplo, da Segunda Internacional, que ao escolher conscientemente uma
tendência, deformam a realidade, porque aqui “não é uma tendência de
desenvolvimento social em si, tornada apenas consciente pelo autor (no
sentido de Marx), mas um mandamento (subjetivamente concebido) cuja
realidade é exigida a atender” (LUKÁCS, 1971, p. 32). Entretanto, há um
terceiro tipo de autor, aquele que supera justamente esse falso dilema entre
“arte pura” e “arte de tendência”. É o caso, por exemplo, dos grandes realistas
dos séculos XVIII e XIX, como Goethe, Balzac, Tolstói etc. (LUKÁCS, 2013)
São estes que, apesar de suas visões de mundo particulares, conseguem
apreender o movimento do real na sua figuração artística, como a condição do
campesinato e dos servos na Rússia por Tolstói, ou a hipocrisia da aristocracia
francesa por Balzac. Aqui, se confirma também a afirmação de Benjamin
(2017) sobre uma tendência correta, ou seja, a tendência do movimento do real
tal como sugerido por Marx, possui já em si todas as outras qualidades de uma
obra de arte.
Esta figuração é aquilo que Lukács chama de partidariedade ou
partidarismo [Parteilichkeit], ou seja, a “tomada de posição em face do mundo
representado tal como ela toma forma na obra através de meios artísticos”
(LUKÁCS, 1978, p. 209). Segundo o autor, é esta a superação do falso dilema
entre “arte pura” e “arte de tendência” por ir além dos limites da falsa
consciência típica da ideologia burguesa pela compreensão correta do
desenvolvimento social. É neste sentido que Engels, em sua famosa carta a
Minna Kautsky em 1885, defende a tendência – visto aqui como tendência do
desenvolvimento social, não como a exigência ideal do autor que se justapõe à
realidade:
Eu sou de opinião que a tendência deve surgir com naturalidade das
situações e da ação, sem que seja necessária a sua exposição especial;
e penso que o autor não está obrigado a apresentar ao leitor a futura
solução histórica dos conflitos sociais que descreve. Ademais, nas
nossas condições, o romance dirige-se preferencialmente ao leitor
do ambiente burguês, ou seja, que não pertence diretamente ao
nosso meio e, por esta razão, o romance de tendência socialista só
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Tal relação entre subjetividade e objetividade já está presente na primeira tese de Marx sobre
Feuerbach: “O principal defeito de todo o materialismo existente até agora – o de Feuerbach
incluído – é que o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a forma
do objeto [Objekt] ou da contemplação; mas não como atividade humana sensível, como
prática, não subjetivamente. Daí decorreu que o lado ativo, em oposição ao materialismo, foi
desenvolvido pelo idealismo – mas apenas de modo abstrato, pois naturalmente o idealismo
não conhece a atividade real, sensível, como tal.” (MARX e ENGELS, 2007, p. 537)