Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Felipe Cotrim
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portanto, real, e a filosofia positiva – que contempla uma existência vazia e
abstrata fora da relação natureza-espírito – é, portanto, supérflua (MECW 2,
p. 236; MEW 41, pp. 217-8).
De alguma maneira, mesmo para o idealismo de Hegel, a razão –
escreveu Engels – consistia no conteúdo do mundo na forma de pensamento
– motivo pelo qual Lukács se referiu ao idealismo de Hegel como idealismo
objetivo, isto é, um idealismo filosófico ancorado na realidade material da
natureza e das sociedades humanas, ainda que “de modo latente” (LUKÁCS,
2012, p. 282). Para Schelling, contudo, o absoluto existiria fora do mundo
material, da relação natureza-espírito, e antecederia a existência dessa relação.
Isso levou Engels a concluir que: “Esta confusão de abstração e concepção é
característica da forma de pensar místico-escolástica de Schelling” (MECW 2,
p. 210; MEW 41, p. 191).
* * *
Para sustentar a arbitrariedade, o irracionalismo e o misticismo da
filosofia positiva da revelação e da mitologia, Schelling, escreveu Engels,
recorreu frequentemente a princípios e forças sobrenaturais (MECW 2, p. 228;
MEW 41, p. 209). Consequentemente, a adesão à filosofia positiva de Schelling
era dependente da fé de seu interlocutor. Entretanto, nessa altura de sua
evolução filosófica, o racionalismo e o materialismo do jovem Engels
encontravam-se bem estabelecidos. Para Engels: “A razão que não vai além do
poder da cognição é chamada de irracional. Somente é aceita como razão
aquela que realmente se prova pela cognição, {da mesma forma que} um olho
somente é aceito como verdadeiro se ele vê”. Portanto, segundo Engels, um ser
que não se manifesta ativamente na realidade, na natureza, não pode ser um
ser, mas um não-ser, ou um ser impotente, pois, o ser “deve se manifestar, deve
reconhecer” [muß erkennen] (MECW 2, p. 208; MEW 41, pp. 188-9). Não
haveria, portanto, para o jovem Engels em 1842, razoabilidade em um
reconhecer [erkennen] que não fosse provado por meio dos sentidos e
mediados pela razão [Vernunft]. Desta maneira, Engels resume a filosofia
positiva da revelação de Schelling nas seguintes palavras:
Um ensino que não tem fundamento nem em si mesmo nem em
qualquer outra coisa que tenha sido provada. Aqui, baseia-se num
pensamento liberto de toda a necessidade lógica, que é arbitrário,
pensamento vazio; ali, sobre algo de que precisamente a realidade
está em questão, e de que as reivindicações são disputadas, a saber,
a revelação. Que exigência ingênua que, para se curar da dúvida, é
preciso descartar a dúvida! “Bem, se você não acredita, não há
salvação para você!”. (MECW 2, p. 219; MEW 41, p. 200)
Observamos, assim, que o Engels de 1842 já estabelecia a realidade
efetiva do mundo – seja material ou espiritual [Geist], isto é, intelectual –
como o critério fundamental do conhecimento e da razoabilidade do real.