Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Vitor Bartoletti Sartori
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também em Engels, tal qual na tradição com a qual dialogamos, é clara a
correlação entre a igualdade e a liberdade contratuais, a categoria pessoa e a
emergência da produção propriamente capitalista. E, assim, tem-se que o
trabalho realizado, no Brasil, por Márcio Naves, tem uma grande valia e um
grande acerto, também, ao se ter em conta Engels.
A igualdade de condições, que é necessária para que as pessoas possam
dispor de si mesmas – ou seja, vender sua força de trabalho – emerge com a
produção capitalista, cuja tarefa relacionada à superação dos privilégios de
nascimento é essencial, segundo Engels, na constituição da moderna sociedade
civil-burguesa. Assim, o papel da igualdade jurídica na transição do feudalismo
para o capitalismo seria evidente e deveria ser ressaltado em qualquer análise
séria do tema:
A emancipação dos entraves feudais e a implantação da igualdade
jurídica, pela abolição das desigualdades do feudalismo, eram um
postulado colocado na ordem do dia pelo progresso econômico da
sociedade, e que depressa alcançaria grandes proporções. Embora
proclamado este postulado da igualdade de direitos no interesse da
indústria e do comércio, não havia mais remédio senão torná-lo
extensivo também à grande massa de camponeses que, submetida a
todas as nuanças de vassalagem, que chegava até a servidão
completa, passava a maior parte de seu tempo trabalhando
gratuitamente nos campos do nobre senhor feudal, além de ter de
pagar a ele e ao estado uma infinidade de tributos. Postos neste
caminho, não havia outro remédio para os burgueses senão exigir
também a abolição dos privilégios feudais, da isenção de impostos
para a nobreza, dos direitos políticos singulares de cada categoria
social feudal. E como a sociedade não vivia mais num império
mundial como o romano, mas sim dividida numa rede de estados
independentes, que mantinham entre si relações de igualdade e
tinham chegado a um grau quase burguês de desenvolvimento, era
natural que aquelas tendências adquirissem um caráter geral,
ultrapassando as fronteiras dos estados e era natural, portanto, que
a liberdade e a igualdade fossem proclamadas direitos humanos.
Para compreender o caráter especificamente burguês de tais direitos
humanos, nada mais eloquente que a Constituição norte-americana,
a primeira em que são definidos os direitos do homem, na qual, ao
mesmo tempo, se sanciona a escravidão dos negros, então vigente
nos Estados Unidos, e se proscrevem os privilégios de classe,
enquanto que os privilégios de raça são santificados. (ENGELS,
1990, p. 89)
Na leitura engelsiana, o papel ativo do direito aparece no rompimento
com os entraves feudais, tendo a igualdade jurídica, ao mesmo tempo, como
uma necessidade do processo econômico que redundaria na grande indústria
e como algo essencial no encaminhamento de tal movimento econômico. Em
outras palavras, para o autor do Anti-Dühring, sem a mediação da esfera
jurídica, não seria possível tal passagem da sociedade feudal à capitalista.
Neste momento, aquele da transição, porém, as coisas seriam mais mediadas
do que normalmente se supõe: a igualdade de direitos traria consigo o
interesse da indústria ao mesmo tempo em que se estendia aos camponeses.