DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.561
Vladmir Luís da Silva
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A superação dos pilares do marxismo de Friedrich Engels na obra
de György Lukács: rumo ao resgate do pensamento de Karl Marx
Vladmir Luís da Silva
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Resumo: A obra de Friedrich Engels constitui momento ineludível na
formação e apresentação do que veio a ser conhecido como marxismo. Nesse
sentido, é uma das peças teóricas fundamentais na determinação do modo
como a obra de Karl Marx foi recebida. Nosso intuito neste trabalho é
mostrar a crítica desse marxismo particular na obra de Grgy Lukács.
Entendemos aqui que os esforços do filósofo húngaro constituem uma
importante via de acesso ao verdadeiro sentido da obra marxiana.
Palavras-chave: Friedrich Engels; marxismo; dialética; método; ontologia.
The overcoming of the pillars of Friedrich Engels’ Marxism in
György Lukács’ work: towards the rescue of Karl Marx’s thought
Abstract: Friedrich Engels’ work constitutes an unavoidable moment in the
formation and presentation of what came to be know as Marxism. In this
sense, it is one of the fundamental theoretical pieces in the determination of
the way in which Karl Marx’s work was received. Our aim in this work ist to
show a criticism of this particular Marxism in György Lukács’ work. We
assume here that the efforts of the Hungarian philosopher constitute an
important access way to the true meaning of Marxian work.
Keywords: Friedrich Engels; Marxism; dialectics; method; ontology.
1
A trajetória intelectual de Lukács até chegar ao pensamento de Marx
enquanto obra de natureza ontológica é marcada por um diálogo intenso com
Engels. Trata-se, a nosso ver, de um ângulo privilegiado para a apreensão do
caminho lukacsiano até a compreensão da obra marxiana enquanto
pensamento de caráter ontológico. Não pensamos aqui em analisar em
detalhe a virada ontológica do pensamento de Lukács ou mesmo seus
1
Doutor pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Autor de A imagem do Brasil"
na obra de Carlos Nelson Coutinho: a hipótese da "via prussiana" e da "revolução passiva"
(Novas Edições Acadêmicas, 2015). E-mail: vladmirluis@yahoo.com.br.
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motivos, mas captar uma faceta que nos parece decisiva nesse processo.
Ainda que nem sempre explícita, tal interlocução nos permite visualizar o
complexo processo de superação que levou o pensador húngaro a alcançar
uma interpretação do pensamento marxiano que julgamos bastante
acertada
2
. Trata-se de empreendimento que revela o verdadeiro significado
da obra de Marx a partir do exercício da leitura imanente, permitindo assim a
superação das velhas e cristalizadas interpretações de caráter gnósio-
epistemológico, isto é, as versões nas quais o pensamento marxiano é tomado
primordialmente sob o prisma da teoria do conhecimento ou do método.
Não temos aqui a pretensão de realizar um escrutínio de toda a obra
lukacsiana, mas apenas analisar alguns dos momentos nos quais o filósofo
húngaro se posiciona em relação aos principais lineamentos engelsianos que
dão forma ao marxismo. A escolha pelas ocasiões em que o interlocutor é
Engels se pela sua importância na definição dos rumos interpretativos e
mesmo constitutivos do pensamento de Marx. Trata-se, não custa lembrar,
do primeiro e principal marxista, fundador de uma tradição predominante no
interior das correntes teóricas e políticas vinculadas ao marxismo.
No desenvolvimento deste trabalho, tocaremos em diversos pontos
controversos da história do marxismo, em especial as intrincadas relações
entre as obras de Marx e Hegel. Trata-se de um complexo problemático
bastante amplo e discutido por vários autores, em diversos contextos.
Nossa pretensão aqui é abordá-lo apenas na medida em que Lukács realiza
uma contribuição importante. Também nos absteremos de esmiuçar o debate
em torno do papel de Engels na construção do marxismo. Esboçamos um
quadro dessa discussão em outra oportunidade (cf. SILVA, 2019, pp. 16-26).
Por questões de espaço e inteligibilidade, focaremos no objeto específico
constituído pelo diálogo de Lukács com Engels na busca da apreensão do
sentido do pensamento de Marx.
2
Ao sinalizarmos que a trajetória de Lukács é marcada por mudanças de rumo e escolhermos
um de seus momentos para análise, não negamos que exista, em alguma medida, uma
unidade estrutural no conjunto de sua obra. Com boa dose de razão, tanto Nicolas Tertulian
(1999; 2002) quanto Guido Oldrini (no texto de apresentação ao volume II da edição
brasileira da ontologia) insistiram nesta direção. Além de fazer o mesmo, István Mészáros
ofereceu um esboço do quadro histórico e político que impulsionou as mudanças que
constituem o objeto de nosso trabalho (cf. MÉSZÁROS, 2013). Também não sugerimos aqui
que a obra de Lukács possa ser reduzida à conquista de uma posição marxista de natureza
ontológica, mas apenas que a evolução que leva a essa última é importante para o resgate da
obra marxiana. Nosso recorte tem em vista que o pensamento de Marx foi pervertido em
diversos debates e lutas políticas e que o trabalho de Lukács é um ponto alto nas tentativas
de explicitar seu sentido originário.
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2
A primeira peça da galeria lukacsiana que tomamos para análise é um
trabalho protomarxista, a saber, História e consciência de classe (1923),
conjunto de ensaios nos quais o filósofo húngaro se debatia em busca de
instrumental teórico propriamente marxista, mas ainda se via preso nas
tramas da filosofia hegeliana
3
. Desde as páginas do prólogo, somos
informados acerca do impulso que anima a empreitada do autor, a saber,
captar o verdadeiro e único método para a compreensão e transformação da
realidade. Mesmo quando analisa aspectos do pensamento de Rosa
Luxemburgo e de Lênin, Lukács é insistente na afirmação de que o momento
mais importante é a apreensão do momento metodológico: “trata-se /.../ e
essa é a convicção fundamental destas páginas , de compreender
corretamente a essência do método de Marx e de aplicá-lo corretamente, sem
nunca ‘corrigi-lo’ em qualquer sentido que seja” (LUKÁCS, 2003, p. 53).
É também no prólogo que Lukács nos diz que suas rusgas com Engels
ocorrem em nome de uma defesa do marxismo ortodoxo, isto é, quer a
“explicação da doutrina de Marx no sentido de Marx. A fixação do autor em
relação ao âmbito propriamente epistemológico “é determinada, antes de
mais nada, pela convicção de que a doutrina e o método de Marx trazem,
enfim, o método correto para o conhecimento da sociedade e da história”. O
núcleo da metodologia almejada é a dialética. No tocante aos serviços
prestados pela Lógica de Hegel ao tratamento marxiano da economia
política, o filósofo húngaro os interpreta não no sentido das relações
filológicas entre os dois mestres alemães. Para Lukács, “não se trata das
ideias de Marx sobre a importância da dialética hegeliana para o seu próprio
método, mas do que esse método significa de fato para o marxismo”. Em seu
entender, a referência marxiana a um “flerte” com “o modo de expressão”
hegeliano em O capital “induziu frequentemente a considerar a dialética em
Marx como um acréscimo estilístico superficial que, no interesse do caráter
científico, deveria ser eliminado do método do materialismo histórico do
modo mais enérgico possível (LUKÁCS, 2003, pp. 54-6). Assim, o autor
húngaro entende como tarefa fundamental resgatar o que “há de
metodologicamente fecundo no pensamento de Hegel, distinguindo-o
cautelosamente do resto de seu sistema. Observe-se, de passagem, que essa
distinção entre método revolucionário e sistema conservador em Hegel era
uma proposta feita por Engels.
A ideia nuclear do pensamento lukacsiano no período de História e
consciência de classe é a da identidade de sujeito e objeto na figura do
proletariado revolucionário. Tal seria a chave para a unificação de teoria e
prática no processo da revolução. Sendo a dialética materialista
revolucionária, trata-se “de investigar, tanto na teoria como na maneira como
3
Tendo em mente o vivo interesse de muitos autores importantes e leitores em geral por
História e consciência de classe, é necessário dizer que, ao qualificá-la como obra
“protomarxista”, não pretendemos negar os seus méritos, mas apenas sinalizar seu lugar na
evolução do pensamento de Lukács. Fazemos isso a partir das próprias críticas feitas pelo
filósofo ao livro de 1923, muitas delas reproduzidas no decorrer deste artigo.
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ela penetra nas massas,” os “momentos” e “determinações que fazem da
teoria, do método dialético, o veículo da revolução”. Apenas uma dada forma
de relação entre a consciência e a realidade possibilitaria a união entre a
teoria e a práxis. A esse respeito, Lukács escreve:
a conscientização precisa se transformar no passo decisivo a ser
dado pelo processo histórico em direção ao seu próprio objetivo
/.../. Somente quando a função histórica da teoria consistir no fato
de tornar esse passo possível na prática; quando for dada uma
situação histórica, na qual o conhecimento exato da sociedade
tornar-se, para uma classe, a condição imediata da sua
autoafirmação na luta; quando, para essa classe, seu
autoconhecimento significar, ao mesmo tempo, o conhecimento
correto de toda a sociedade; quando, por consequência, para tal
conhecimento, essa classe for, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do
conhecimento e, portanto, a teoria interferir, de modo imediato e
adequado no processo de revolução social, somente então a
unidade da teoria e da prática, enquanto condição prévia da função
revolucionária da teoria, será possível (LUKÁCS, 2003, pp. 65-6).
Ao contrário das demais classes sociais, o proletariado é capaz de
alcançar o ponto de vista que lhe permite a compreensão da sociedade
capitalista enquanto totalidade, superando o nível do imediato. Isto é, a
dialética materialista, enquanto consciência de classe do proletariado, lhe
permite compreender a si mesmo e, portanto, a totalidade da sociedade,
limpando o terreno para a revolução. Desse modo, a teoria marxista se
vincula de modo necessário ao processo de revolução, como sua condição
prévia. O esclarecimento desta função da teoria ajuda a entender o método
dialético. E aqui Lukács lança uma leve censura contra Engels. Esse último
negligenciou justamente a questão das interações entre sujeito e objeto. De
fato, Engels descreve o método dialético enquanto oposto à metafísica, isto é,
como procedimento no qual a rigidez dos conceitos é dissolvida e a passagem
de uma determinação a outra é fluida. Aqui, consequentemente, a ação
recíproca ocupa o lugar da causalidade rígida e unilateral da metafísica. Não
obstante, Lukács vê problemas na descrição engelsiana:
Mas o aspecto mais geral dessa ação recíproca, a relação dialética
do sujeito e do objeto no processo da história, não chega a ser
mencionado, e muito menos colocado no centro (como deveria -
lo) das considerações metodológicas. Ora, privado dessa
determinação, o método dialético (malgrado a manutenção,
puramente aparente, é verdade, dos conceitos “fluidos”) deixa de
ser um método revolucionário. (LUKÁCS, 2003, p. 67)
Desse modo, ao ignorar a dialética de sujeito e objeto, Engels não
capta a principal diferença entre os estudos guiados pela metafísica e pelo
método dialético, a saber, que no primeiro a prevalência de uma
perspectiva contemplativa e no segundo o problema central é a
transformação da realidade.
No entender de Lukács, outra falta cometida por Engels foi a de ter
estendido indevidamente o método dialético ao conhecimento do âmbito da
natureza. Contra essa postura, que é também a de Hegel, o filósofo húngaro
considera importante a restrição de tal procedimento à realidade histórico-
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social. Em sua visão, explicitada de modo bastante breve, as determinações
decisivas da dialética (interação entre sujeito e objeto, unidade de teoria e
prática, modificação histórica do substrato das categorias como fundamento
de sua modificação no pensamento etc.) não estão presentes no
conhecimento da natureza (LUKÁCS, 2003, p. 69). Como bem o observa
Tertulian no posfácio ao texto Reboquismo e dialética, de Lukács, à época de
História e consciência de classe esse autor esposava um “‘sociocentrismo
acentuado, que absolutizava a mediação social da consciência e, sobretudo,
sua vocação transformadora”. Consequentemente, a recusa de uma dialética
na natureza ou a afirmação de que essa esfera constitui uma “categoria social”
não emerge tanto como “desconfiança em relação à autonomia ontológica da
natureza”, mas sim enquanto “significativa resistência à ideia de uma relação
direta, não afetada pela mediação social, do sujeito cognitivo para com a
natureza” (TERTULIAN, 2015, p. 135).
A insistência de Lukács na importância da mediação social da
consciência nos diversos processos o leva a formular uma crítica mais densa
contra a teorização empreendida por Engels. Esse é criticado por suas
considerações em torno da noção kantiana de “coisa em si”. De acordo com
Engels, a práxis é capaz de converter qualquer coisa “em si” em coisa “para
nós”, no sentido de que a atitude própria da indústria e da experimentação
promove a reprodução humana de processos da natureza a partir das
condições próprias dessa e também a sua submissão aos intuitos humanos.
Por esse meio, poderíamos provar a correção de nossa concepção acerca de
um fenômeno natural qualquer. Como exemplo, é arrolado aqui o caso da
produção industrial da alizarina. De saída, Lukács afirma que é inapropriado
contrapor, no sentido da filosofia hegeliana, as noções de em si e para nós,
pois o velho filósofo alemão tomava ambas como equivalentes, residindo seu
contraponto preferencialmente na ideia de um objeto “para si”:
Se alguma coisa é dada simplesmente em si isso significa para
Hegel que é dada somente para nós. O contrário do para nós ou
em si é, antes, o para si, essa espécie de posição em que o ser-
pensado do objeto significa, ao mesmo tempo, a consciência que o
objeto tem de si mesmo. (LUKÁCS, 2003, p. 278)
Na mesma direção, também é refutado o posicionamento engelsiano
referente ao suposto limite cognitivo estabelecido por Kant. Na versão de
Engels, Kant toma a coisa em si como barreira intransponível do
conhecimento. De acordo com Lukács, o filósofo de Königsberg, “que partia
metodicamente da ciência da natureza mais avançada da época, a astronomia
de Newton, e moldara sua teoria do conhecimento justamente à medida desta
e de suas possibilidades de progresso, admite, portanto, necessariamente a
possibilidade ilimitada de alargamento desse método (LUKÁCS, 2003, p.
278). A crítica kantiana tinha em vista, na verdade, uma especificação: nosso
conhecimento refere-se aos fenômenos e não às coisas em si mesmas. Trata-
se, assim, de “barreiras estruturaisdo conhecimento que podemos adquirir.
A principal reprimenda de Lukács se dá, no entanto, pelo fato de
Engels “designar como práxis no sentido da filosofia dialética a atitude
própria da indústria e do experimento”. Para Lukács, o experimento é
justamente o comportamento contemplativo em sua forma mais pura.
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Denuncia-se aqui a natureza da atividade da observação científica, isto é, a
redução do substrato material analisado a um ‘produto’ puramente
racional”. Essa observação afasta os aspectos perturbadores e irracionais em
prol da visualização o mais pura possível das leis visadas. Quanto à indústria,
Lukács aponta a falta de consciência de seus agentes como fator decisivo.
Como observamos anteriormente, no esquema lukacsiano apenas o
proletariado é capaz de superar a imediaticidade da sociedade reificada e
alcançar a totalidade. Essa ausência de consciência dos setores dirigentes
permite a prevalência de uma lei natural na sociedade capitalista. Assim, o
filósofo húngaro conclui ser visível no espírito do marxismo /.../, que a
‘indústria’, isto é, o capitalista como portador do progresso econômico,
técnico etc., não age, mas sofre a ação, e que sua atividade se esgota na
observação e no cálculo exato do efeito objetivo das leis sociais naturais”
(LUKÁCS, 2003, pp. 279-80). Essa desvalorização das formas mais básicas
de ação sobre a natureza enquanto atividades meramente contemplativas por
parte de Lukács deriva de sua compreensão de práxis, a saber, a ação
emancipadora do proletariado revolucionário. Nos termos de Tertulian,
tentado mais fortemente a identificar a práxis com a práxis social
revolucionária, ele tratava com certo distanciamento as formas
mais elementares e mais modestas da práxis, chegando até a negar
à experimentação e à indústria, exemplos utilizados por Engels, o
caráter de práxis (TERTULIAN, 2015, p. 132).
Poucos anos depois da publicação de História e consciência de classe,
Lukács resolveu responder a alguns de seus críticos, nomeadamente Abram
Deborin e László Rudas. Composto provavelmente entre 1925 e 1926, o texto
Reboquismo e dialética veio à luz em meados da década de 1990. Nele,
Lukács realiza a defesa dos principais momentos do livro de 1923 e retorna a
alguns pontos de sua crítica a Engels. O filósofo húngaro parece ter voltado
atrás ao menos em uma de suas reservas quanto aos posicionamentos
engelsianos, a saber, a recusa da tese da dialética da natureza. De fato, Lukács
parece ter relativizado essa negação. O autor nega que a dialética seja produto
do desenvolvimento histórico-econômico da humanidade ou algo de caráter
meramente subjetivo. Contundente, afirma:
Obviamente, a sociedade surgiu a partir da natureza. Obviamente,
a natureza e suas leis já existiam antes da sociedade (portanto,
antes dos seres humanos). Obviamente, seria impossível que a
dialética se tornasse efetiva como princípio objetivo de
desenvolvimento da sociedade se não estivesse ativa, se o
existisse objetivamente como princípio de desenvolvimento da
natureza anterior à sociedade. (LUKÁCS, 2015, p. 91)
Apesar da relativização em causa, Lukács mantém-se firme na
convicção, a nosso ver correta, de que a preexistência de uma dialética na
natureza não impede que o desenvolvimento histórico faça surgir novas
formas objetivas de movimento, novos fatores dialéticos. Ao mesmo tempo,
enfatiza que o conhecimento do desenvolvimento da dialética natural é
possível com a mediação das “novas formas socialmente dialéticas”.
É, não obstante, no âmbito da manutenção de posições que Lukács
gasta a maior parte de sua energia. É no interior desse esforço que temos a
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reafirmação de certas críticas a Engels, inclusive com uma argumentação
mais detalhada em relação ao livro de 1923. Novamente, a preocupação de
Lukács é com o contexto no qual se torna possível a emergência de um
conhecimento dialético:
do fato de que o próprio processo objetivamente real é dialético, de
que a gênese e a vinculação reais dos conhecimentos que
corretamente o refletem são igualmente dialéticas, nem de longe
decorre que todo conhecimento sempre tenha de surgir na forma
de conhecimento do método dialético. /.../ Depende da estrutura
econômica da sociedade e da situação de classe nela assumida pelo
cognoscente se e em que medida um contexto objetivamente
dialético assumirá a forma dialética, se em que medida os homens
poderão tomar consciência do caráter dialético do contexto em
questão (LUKÁCS, 2015, pp. 97-8).
A preocupação de Lukács diante de seus adversários é com as
interações de sujeito e objeto, a unidade de teoria e prática, isto é, quer
enfatizar a gênese não científica do método dialético, mas também seu
contexto histórico-social. Esse é o espírito que anima a retomada da polêmica
contraposição entre as noções de “em si” e “para nós”, de um lado, e “para si”,
de outro. Para Lukács, os conhecimentos sobre a natureza se dão na forma do
correlato “em si para nós”, ao passo que aqueles referentes à história
baseiam-se no fato de que a própria matéria impele à forma do ser para si”.
Consequentemente, as formas de ação que tem por objeto direto a natureza
(experimento e indústria) são consideradas inferiores à práxis atinente à
transformação social. Daí o autor explicar que nunca negou que o
experimento e a indústria convertem a coisa em si em coisa para nós, mas
apenas que tal transformação não refutava as extravagâncias kantianas.
Para Lukács, a refutação oferecida por Engels seria eficaz caso o
agnosticismo de Kant se referisse à “incognoscibilidade pura e simples do
mundo exterior” ou ao “caráter de aparência subjetivo do conhecimento”. No
entanto, na filosofia kantiana afirma-se categoricamente a cognoscibilidade
do campo dos fenômenos objetivos, cujo estatuto jamais pode ser reduzido ao
da simples aparência. Lukács também afirma que é possível ser um agnóstico
no âmbito filosófico sem levar o agnosticismo em conta no comportamento
prático, no caso, produzir a alizarina. Assim, é necessário refutar Kant no
campo da filosofia. E Engels de fato enveredou por este caminho ao recorrer à
crítica Hegeliana à noção de coisa em si: “se conhecerdes todas as
propriedades de uma coisa, conhecereis a própria coisa; nesse caso, nada
resta além do fato de que a referida coisa existe fora de nós” (HEGEL apud
LUKÁCS, 2015, p. 112). O pressuposto da posição de Hegel era a fluidificação
dialética das interações entre sujeito e objeto, em oposição à sua apreensão
metafísica em Kant. Para Lukács, “Hegel rejeita acima de tudo a
representação de que as propriedades da coisa seriam algo meramente
subjetivo”. Além de evidenciar o caráter contraditório do entendimento de
Kant por meio da afirmação do devir como momento preponderante, Hegel
também comprova “que esse entendimento constitui uma estrutura do
conhecimento que necessariamente surgiria em determinado estágio da
apreensão humana do mundo (LUKÁCS, 2015, p. 113). Isto é, a crítica
hegeliana possui caráter não apenas dialético, mas também genético.
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Não obstante, Lukács aponta uma limitação grave no empreendimento
hegeliano, a saber, seu caráter meramente lógico. Isto é, não em Hegel
“uma gênese concreta dessa filosofia, não existe uma gênese histórica. No
entender de Lukács, apenas o materialismo histórico seria capaz de oferecer a
concretização histórica das conquistas hegelianas e de “provar que a
concepção de realidade de Kant não é só uma postura possível diante da
realidade, mas a consequência concreta de uma situação de classe concreta”.
Desse modo, a refutação filosófica assume a forma da tomada de consciência
de si por parte do proletariado, ou seja, a aclaração da dialética do
fenômeno de que fala Kant “constitui um produto da transformação do ser
social, à qual tanto o experimento quanto a indústria devem sua existência,
que se torna consciente na consciência de classe do proletariado igualmente
um produto desse desenvolvimento na forma do para si”. Assim, o
experimento pode valer como exemplo de refutação da coisa em si para
aqueles que, como Engels, estão cônscios dessa refutação no materialismo
histórico. Se não for adepto desse último, nem mesmo o experimentador é
capaz de chegar ao conhecimento correto, pois “o experimento em que a coisa
em si se converte em coisa para nós é dialético em si; para revelar seu
caráter dialético para nós, é preciso que um elemento novo seja acrescido:
justamente o materialismo histórico” (LUKÁCS, 2015, pp. 113-4). Para o
filósofo húngaro, a limitação do experimento ao âmbito do imediato é ainda
mais flagrante quando tal categoria é aplicada ao estudo da sociedade e da
história. Nessas áreas, o experimento perde o rigor típico de seu emprego nas
ciências naturais e tem aguçado o seu caráter contemplativo.
Na defesa de suas posições, Lukács lembra que para Marx a refutação
filosófica das extravagâncias filosóficas ocorre apenas por meio da “práxis
transformadora”. A questão que passa a norteá-lo, então, é a de saber se o
experimento pode constituir uma práxis desse tipo. Sua resposta conta de
que o filósofo alemão não veria a atividade observadora de um trabalhador
como “atividade crítico-prática” exatamente pelo fato de a solução dos
mistérios filosóficos ocorrer “na prática humana e na compreensão dessa
prática (MARX apud LUKÁCS, 2015, p. 118). O destaque para a
compreensão é de Lukács, que a somente “no conhecimento da totalidade
do processo histórico-social, ou seja, no materialismo histórico”. Assim, o
acento da argumentação lukacsiana está mesmo no tornar-se consciente do
trabalhador, na apreensão do contexto global de sua atuação. As atividades
do experimentador e do trabalhador industrial se dão em processos dialéticos
objetivos. Contudo, o processos dialéticos apenas em si, carentes da
categoria “superior” do “para si”, o materialismo histórico enquanto
consciência de classe do proletariado. Quanto aos que comandam a indústria
capitalista, isto é, proprietários de capital, engenheiros, capitães etc., Lukács
observa que estão presos ao momento imediato, ao agnosticismo, haja vista
sua impossibilidade de ascender à compreensão da totalidade com o
desenvolvimento do capitalismo. São objetos desse processo, não seus
sujeitos.
Ao final de seu escrito, Lukács a entender que sua crítica à
exposição de Engels não ocorre por uma discordância de princípios.
Diferentemente do que havia feito em sua juventude, o velho Engels elaborou
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uma exposição que não continha todos os passos necessários para o domínio
do método dialético. Como tinha claro para si o caminho percorrido,
considerou-o óbvio demais para uma explicação detalhada. Nos termos do
filósofo húngaro, para Engels, essa omissão, em algumas passagens, das
mediações que lhe foram possibilitadas por seu conhecimento dialético e que
objetivamente fazem parte desse conhecimento, constitui um episódio”
(LUKÁCS, 2015, p. 126). Trata-se, portanto, de um lapso, o qual justificou
a reprimenda lukacsiana em função de sua ampliação e sistematização
posteriores.
Deve-se observar nos textos de História e consciência de classe e de
sua defesa, além do espírito hegeliano que anima toda a crítica e que o
próprio autor denunciaria em 1967, o fato de que, embora Lukács desfira
pesados ataques a aspectos decisivos do empreendimento engelsiano de
interpretar o pensamento de Marx, realiza-os na esfera gnósio-
epistemológica. Isto é, embora Lukács se contraponha abertamente a Engels,
o faz exatamente no campo em que esse último colocou o máximo de seus
esforços em relação à interpretação do pensamento marxiano. Se restar
alguma dúvida quanto a isso, basta lembrar as palavras com as quais Lukács
descrevia a essência do marxismo:
O marxismo ortodoxo não significa /.../ um reconhecimento sem
crítica dos resultados da investigação de Marx, não significa uma
“fé” numa ou noutra tese, nem a exegese de um livro “sagrado”. Em
matéria de marxismo, a ortodoxia se refere antes e exclusivamente
ao método. Ela implica a convicção científica de que, com o
marxismo dialético, foi encontrado o método de investigação
correto, que esse método pode ser desenvolvido, aperfeiçoado e
aprofundado no sentido dos seus fundadores, mas que todas as
tentativas para superá-lo ou “aperfeiçoá-lo” conduziram somente à
banalização, a fazer dele um ecletismo e tinham necessariamente
de conduzir a isso. (LUKÁCS, 2003, p. 64)
Assim, temos em Lukács uma exaltação do método como a essência do
marxismo ortodoxo, um momento totalmente descarnado em relação aos
múltiplos elementos da realidade socioeconômica. Além disso, é necessário
atinar para a origem do método dialético. Trata-se, como não poderia deixar
de ser, de uma herança hegeliana, tal como fora estabelecido por Engels em
sua recensão de 1859 ao livro Contribuição à crítica da economia política, de
Marx. Lukács é explícito na afirmação da origem do método adotado por
Marx:
A categoria da totalidade, o domínio universal e determinante do
todo sobre as partes constituem a essência do método que Marx
recebeu de Hegel e transformou de maneira original no
fundamento de uma ciência inteiramente nova. /.../ Somente com
Marx a dialética hegeliana tornou-se, segundo a expressão de
Herzen, uma “álgebra da revolução”. (LUKÁCS, 2003, pp. 105-6)
De fato, Lukács toma o método dialético de Marx como herança de
Hegel. no “materialismo histórico” de Marx “a dialética posta sobre seus
próprios pés” (LUKÁCS, 2015, p. 113).
Esse entendimento é desenvolvido em um texto de meados da década
de 1950, Introdução a uma estética marxista. Dedicado ao problema geral da
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categoria da particularidade na estética, Lukács destinou especial atenção às
formulações filosóficas dessa questão em diversos filósofos, especialmente
Kant, Schelling, Hegel e autores da tradição clássica do marxismo. Nos
múltiplos esforços desses pensadores, Lukács afirmar-se, paulatinamente,
uma reflexão cada vez mais consistente acerca da dialética das relações entre
as categorias da universalidade, da particularidade e da singularidade.
Independentemente dos muitos méritos do texto em questão, Lukács toma
como suposto (não provado) que o pensamento próprio de Marx parte de
uma lógica, elaborada a partir da assimilação da lógica hegeliana. Nesse
sentido, afirma que:
No exílio londrino, quando escrevia a primeira versão do Capital e
redigia a Contribuição à crítica da economia política, Marx se
ocupou com renovada intensidade da lógica de Hegel; em 1858,
nasce o projeto de elaborar concisamente, em um breve escrito,
aquilo que havia de racional na obra de Hegel. (LUKÁCS, 1968, p.
74)
A lacuna observada leva Lukács a lamentar que, “infelizmente, não
possuímos a lógica projetada por Marx; não podemos saber, portanto, com
segurança, qual seria a sua atitude em face da estrutura da lógica de Hegel,
que, como é sabido, se baseia sobre esta dialética de singular, particular e
universal”. No mesmo sentido, lastima o fato de que tenha “sido impossível a
Marx realizar o plano de extrair o núcleo racional da lógica de Hegel. Aquilo
que presentemente estamos sublinhando, captando-o passo a passo em suas
obras econômicas, estaria em nossa frente com inequívoca clareza”
(LUKÁCS, 1968, pp. 95; 100). Assim, apesar de não possuir o material
próprio à comprovação da existência de uma lógica hegeliana em Marx,
Lukács julga ver indícios favoráveis nas análises econômicas desse último
4
.
Na argumentação de Lukács, as evidências da presença de uma lógica
de inspiração hegeliana em Marx são constituídas, inicialmente, por alusões a
estudos e planos de trabalho. Para o filósofo húngaro, é evidente pelos
manuscritos de Contribuição à crítica da economia política que Marx se
ocupava com a questão da dialética das categorias de singularidade,
particularidade e universalidade enquanto problema que “diz respeito à
estrutura lógica da totalidade da obra”. Nesse sentido, “na introdução, aflora
o projeto de tratar a relação de produção, de distribuição, etc., segundo o
modelo da lógica de Hegel. É verdade que esta ideia é rechaçada: ‘Ora, esta é
certamente uma conexão, mas superficial’, diz Marx” (LUKÁCS, 1968, p. 95).
Não satisfeito, Lukács aduz mais uma ideia não levada a efeito por Marx:
No curso de elaborações posteriores, surge todavia um esboço, que
ordena as várias espécies e tendências de desenvolvimento do
capital como representação de universalidade, particularidade e
singularidade. E isto de dois modos: não somente a divisão
fundamental parte de suas relações, como também esta tríade se
repete no interior de cada rubrica. (LUKÁCS, 1968, pp. 95-6)
4
Não pretendemos aqui uma avaliação do conjunto dos posicionamentos de Lukács acerca
do problema da relação entre gica e pensamento marxiano. Uma discussão exaustiva dos
méritos e limites do tratamento dessa questão nos escritos lukacsianos pré-ontologia
encontra-se na obra de J. Chasin (cf. 2009, pp. 139-219).
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217
O filósofo húngaro defende ainda que em vários momentos de O
capital pipocam trechos eivados pela dialética das categorias de
universalidade, particularidade e singularidade, tal como o seguinte:
Se considerarmos o trabalho tomado em si mesmo, podemos
designar a divisão da produção social em seus grandes gêneros,
agricultura, indústria, etc., como divisão do trabalho em geral; a
divisão destas classes de produção em espécies e subespécies, como
divisão do trabalho em particular; e, finalmente, a divisão do
trabalho dentro de uma oficina como divisão do trabalho em
detalhe. (MARX apud LUKÁCS, 1968, p. 96)
É, não obstante, na dedução da forma valor que Lukács a evidência
decisiva da presença da referida dialética na crítica econômica de Marx. Os
diversos passos dessa dedução corresponderiam aos momentos da
singularidade, da particularidade e da universalidade. Nesse sentido, em
Marx, a primeira etapa é ‘a forma de valor simples, singular, ou seja,
acidental’”. O filósofo húngaro destaca aqui que a singularidade é colocada ao
lado da casualidade, movimento que confere concretude ao problema das
relações recíprocas das categorias. Lukács é contundente na afirmação da
natureza histórica da concretização aqui realizada. Em seus termos,
“simplicidade, singularidade e conjuntamente a elas casualidade da
forma do valor caracterizam sua gênese histórica, o tipo e a estrutura do
estágio inicial. Por isso, toda palavra deve ser rigorosamente entendida em
seu significado histórico”. Nessa passagem, o autor húngaro cita Hegel como
uma espécie de arrimo da suposta concepção de Marx. Para o filósofo
idealista, “o novo se apresenta na história primeiro sob uma forma
abstratamente simples e gradualmente se realiza sob uma forma
explicitada no curso do desenvolvimento histórico”. Frise-se, Lukács toma
aqui a descrição inicial da forma valor como expressão de um “grau não
desenvolvido do intercâmbio econômico”, em que a casualidade “designa o
caráter imediato, socialmente não desenvolvido, dos atos de troca nesta
etapa” (LUKÁCS, 1968, pp. 96-7).
Focado em uma suposta dimensão histórica da exposição de Marx, o
filósofo húngaro prossegue: “os caminhos do pensamento para o
conhecimento são reflexos do processo de desenvolvimento objetivo (no caso
concreto: da economia). Por isso, o próximo grau da dedução é o da forma
total, ou explicitada, do valor” (LUKÁCS, 1968, p. 98). Tem-se aqui a
afirmação do momento da particularidade, historicamente posterior ao da
singularidade. Trata-se do passo analítico no qual Marx observa que “a forma
natural determinada de cada uma destas mercadorias é uma forma
particular de equivalência ao lado de muitas outras”. Tal apontamento vale
também para o trabalho que produz as mercadorias: “os múltiplos gêneros de
trabalho determinado, concreto, útil, contidos nos diferentes grupos de
mercadorias contam tanto como outras formas particulares de realização ou
de manifestação de trabalho humano como tal (MARX apud LUKÁCS,
1968, p. 98).
Não obstante, na etapa de desenvolvimento referente à
particularidade uma -infinitude, isto é, os diversos tipos de mercadoria e
de trabalho figuram ao lado uns dos outros, sem que um deles seja
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apresentado como equivalente geral. A superação dessa limitação se no
momento da universalidade, com a apresentação da forma universal do valor.
Novamente, temos um processo histórico:
esta extrema generalização, esta elevação da forma do valor ao grau
da autêntica universalidade, não é um produto do pensamento
econômico: este não é senão o reflexo daquilo que ocorreu
realmente no curso do desenvolvimento histórico da economia
(LUKÁCS, 1968, p. 99).
Assim, após ter seguido os passos da dedução da forma valor em Marx,
Lukács julga não ter mais obstáculos para sentenciar: “vemos como a
explicitação da forma do valor, devida ao desenvolvimento econômico real,
eleva-se na realidade objetiva da singularidade à universalidade através
da particularidade” (LUKÁCS, 1968, p. 99).
Nesse ponto, devemos tecer algumas considerações críticas. Em
primeiro lugar, como bem o observou J. Chasin, temos nos referidos
posicionamentos de Lukács uma “certeza incerta” quanto à existência de
uma lógica de extração hegeliana em Marx. Isto é, ao falar alternadamente de
uma ausência de manifestação explícita, de esboços descartados e de
fragmentos dialéticos como evidência do vínculo em questão, Lukács permite
que visualizemos que se trata de uma tese assumida sem arrimos apropriados
na obra marxiana
5
. Nesse sentido, cumpre assinalar que as manifestações de
Marx acerca da dialética hegeliana não vão no sentido defendido por Lukács.
Na carta a que Lukács se refere como evidência da existência de um projeto
de lógica em Marx, tem-se, na verdade, o seguinte:
No método de tratamento, o fato de ter por mero acidente voltado a
folhear a Lógica de Hegel me prestou um grande serviço. /.../ Se
alguma vez tornar a haver tempo para esse tipo de trabalho,
gostaria muito de tornar acessível à inteligência humana comum,
em dois ou três cadernos de impressão (algo entre 30 e 50
páginas), o que é racional no método que Hegel descobriu, mas
que ao mesmo tempo envolveu em misticismo /.../. (MARX apud
CHASIN, 2009, pp. 179-80)
De saída, cumpre observar que não há nessa carta enviada a Engels (16
jan. 1858) nada tão pretensioso quanto um projeto conciso de escrutínio da
lógica ou uma afirmação de uma dívida geral com Hegel, mas sim o
apontamento de que no método de tratamento Marx se valeu de aspectos da
lógica hegeliana. Da leitura da mesma carta, é possível depreender que o
“núcleo racional” aludido refere-se, antes de tudo, às “formas gerais de
movimento” da dialética, isto é, as relações de universalidade, particularidade
e singularidade. No mesmo sentido, o revolucionário alemão diz no posfácio à
segunda edição de sua obra máxima: “em O capital, sobre a teoria do valor,
andei coqueteando [kokettierte] aqui e acolá com os seus [Hegel] modos
5
Em outro texto da mesma época, Lukács buscava apoio em Lênin para afirmar a presença
de elementos lógicos de extração hegeliana na obra de Marx: embora Marx não nos tenha
deixado nenhuma Lógica (com letra maiúscula), deixou-nos a gica de O capital. /.../ Em O
capital, foram aplicadas a uma única ciência a lógica, a dialética e a teoria do conhecimento
/.../ do materialismo, que recolheu de Hegel o que nele havia de precioso e o desenvolveu
ulteriormente” (LÊNIN apud LUKÁCS, 2007, p. 181).
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peculiares de expressão [Ausdrucksweise]. No mesmo posfácio, Marx diz ser
“necessário distinguir o método de exposição formal do método de pesquisa.
A pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias
formas de evolução e rastrear sua conexão intima”. Atento à sequência e
importância relativa dos dois procedimentos, o filósofo sentencia: depois
de concluído esse trabalho [de pesquisa] é que se pode expor adequadamente
o movimento real” (MARX apud CHASIN, 2009, pp. 180-1)
6
.
Em segundo lugar, deve-se observar que, justamente por estar
desatento à distinção marxiana entre os procedimentos investigativo e
expositivo, Lukács tende a confundi-los na análise da dedução da forma
valor. O resultado é a suposição de que singularidade, particularidade e
universalidade correspondem a etapas do processo histórico, seguidas
rigorosamente na exposição de Marx. Isto é, Lukács defende que na crítica
marxiana as formas simples, explicitada e universal do valor equivalem não a
etapas expositivas, mas sim ao próprio decurso da história efetiva, ou, nos
termos contundentes de Chasin, “a indistinção lukacsiana entre processo
expositivo e processo analítico de realidade acaba por conduzir à
surpreendente conclusão de que a processualidade global da realidade
econômica é silogística” (CHASIN, 2009, p. 184).
Torna-se visível que o entendimento exposto até aqui não é obra
exclusiva de Lukács quando esse cita favoravelmente a seguinte posição de
Lênin: não se pode compreender perfeitamente o Capital de Marx,
notadamente o primeiro capítulo, se não se estudou a fundo e se não se
compreendeu toda a lógica de Hegel. Por isso, meio século depois, nenhum
marxista compreendeu Marx” (LÊNIN apud LUKÁCS, 1968, p. 99). Para
Lukács, Lênin estava correto ao enfatizar o aspecto que Marx utilizou da
herança hegeliana, ou seja, a doutrina do silogismo.
Na falta de um posicionamento detalhado de Marx sobre a lógica de
Hegel, Lukács recorre à recensão de Engels ao livro Contribuição à crítica da
economia política, de Marx. O filósofo húngaro julga encontrar uma justa e
sintética apreciação acerca das relações entre método lógico e história. Nesta
que é a primeira peça na qual temos o esboço dos contornos definidores do
modo como o pensamento marxiano seria interpretado posteriormente,
Engels defende que o escrito marxiano de 1859 constituía um resultado dos
estudos necessários ao desenvolvimento da concepção materialista da
história. Do material lógico ao qual a crítica marxiana poderia se ligar, o
trabalho de Hegel oferecia a vantagem de seu sentido histórico: “tanto
abstrato e idealista na forma, tanto mais o desenvolvimento de seu
pensamento ia sempre paralelo com o desenvolvimento da história mundial,
e a última deve de fato ser apenas a prova do primeiro”. Engels destaca a
capacidade de Marx como sendo o único apto a
6
Quanto à práxis investigativa propriamente dita, Marx é tão contundente na afirmação de
sua diferença em relação a Hegel que nos limitamos aqui a uma citação: “meu método
dialético, por sua fundamentação, não só é diferente do hegeliano, mas é também a sua
antítese direta. Para Hegel, o processo do pensamento, que ele, sob o nome de ideia,
transforma num sujeito autônomo, é o demiurgo do real, real que constitui apenas a sua
manifestação externa. Para mim, pelo contrário, o ideal não é nada mais do que o material
transposto e traduzido na cabeça do homem” (CHASIN, 2009, p. 181).
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descascar [herauszuschälen] da lógica hegeliana o núcleo que
abarca as descobertas reais de Hegel nesse campo, e de estabelecer
o método dialético, despido de seu invólucro idealista, na forma
simples, na qual se torna a única forma correta de desenvolvimento
do pensamento (ENGELS, 1961, pp. 473-4).
Adquirido o método, tratava-se de encontrar o modo de tratamento
científico para a crítica da economia política. Como colocá-la, historicamente
ou logicamente? A resposta é citada e aprovada por Lukács:
O único método indicado era o lógico. Mas este não é, na realidade,
senão o método histórico, despojado apenas da sua forma histórica
e das contingências perturbadoras. Ali onde começa a história deve
começar também a cadeia do pensamento, e o desenvolvimento
ulterior desta não será mais do que a imagem reflexa, em forma
abstrata e teoricamente consequente, da trajetória histórica; uma
imagem reflexa corrigida, mas corrigida de acordo com as leis que
fornece a própria trajetória histórica; e assim, cada fator pode ser
estudado no ponto de desenvolvimento em que atingiu sua plena
maturidade, sua forma clássica. (ENGELS apud LUKÁCS, 1968, p.
100)
Se, adicionalmente, observarmos que em sua recensão Engels dizia
que tanto “na história, como em seu reflexo literário, o desenvolvimento em
geral vai das relações mais simples para as mais complexas”, então fica mais
claro de onde Lukács trouxe não a ideia do vínculo lógico entre Hegel e
Marx, mas também a tese confluente do transcurso paralelo de história e
lógica
7
.
Recorrendo novamente a Engels, mas agora na forma do escrito
Dialética da natureza, Lukács toma sua interpretação materialista da
doutrina hegeliana do juízo como exemplar acerca da relação dialética e
histórica de universal, particular e singular. Se em Marx a sucessão histórica
das categorias econômicas é sintetizada logicamente, Engels percorre o
caminho inverso: “ele cita, corrigindo e uniformizando, um breve extrato da
teoria do juízo de Hegel, a fim de descobrir /.../ o desenvolvimento histórico
que está na base da sucessão das formas do juízo em Hegel, de um ponto de
vista de princípio e realmente histórico”. Para Engels, a evolução do juízo do
ser ao do conceito, passando pelo da reflexão, corresponde exatamente ao
movimento histórico que vai do singular ao universal através do particular.
Tal sequência seria válida para a evolução histórica de cada conhecimento
particular. Para Lukács, ao simplificar e corrigir o decurso histórico,
descartando as artificialidades de Hegel, Engels nos faria ver no movimento
ascendente das formas do juízo a “ação de um irresistível impulso no
desenvolvimento do pensamento humano, que vai do singular ao universal
7
Apenas para que fique registrado que nem sempre o pensamento de Lukács trilha um
caminho reto em direção à verdade, mas que denota a mesmo recuos, nos parece
importante observar que em um ensaio de 1926 (Moses Hess e os problemas da dialética
idealista) o autor esboça uma posição que, a nosso ver, é mais compatível com a crítica
marxiana: “Ele [Marx] não derivou a sucessão das categorias de sua sequência lógica ou de
sua sucessão histórica, mas reconheceu ‘sua sucessão como determinada pela relação que
elas têm umas com as outras na sociedade burguesa’” (LUKÁCS apud MÉSZÁROS, 2013, p.
62).
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através do particular” (LUKÁCS, 1968, p. 101). Assim, sem mais, o filósofo
húngaro toma a interpretação de Engels, atinente a uma dada teorização e
declarada válida para o pensamento humano em geral, como equivalente ou
similar ao procedimento de Marx, referente a um contexto totalmente
distinto e muito mais restrito:
Tanto a dedução dialética da forma do valor em Marx quanto a
interpretação da teoria hegeliana do juízo em Engels indicam, na
realidade e na sua consciência aproximativamente adequada, um
movimento irresistível, uma aspiração progressiva que conduz do
puramente singular ao universal através do particular. (LUKÁCS,
1968, p. 102)
Explicitamente, Lukács recorre não a Marx em sua busca de bases
textuais em favor da tese do vínculo lógico, mas sim ao “marxismo-
leninismo” ou “materialismo dialético”, isto é, aos chamados clássicos do
marxismo
8
. Como veremos mais à frente, na própria evolução de Lukács, a
afirmação do transcurso paralelo de história e exposição não encontra
respaldo na obra marxiana.
No período final de sua vida, Lukács rompeu de modo cabal com as
posições inspiradas por Engels, ou, ao menos, com o tipo particular de
reflexão que as animava. Um passo inicial no sentido desse rompimento pode
ser visualizado no prefácio redigido em 1967 para o livro História e
consciência de classe. Nesta que é uma revisão de muitas das posições do
célebre conjunto de ensaios, Lukács condena o direcionamento idealista
então conferido ao tratamento de diversas questões. Deixando de lado os
detalhes, que se observar que, no diagnóstico lukacsiano, havia naqueles
textos uma tendência que ia “contra os fundamentos da ontologia do
marxismo”. O equívoco central consistia em confluir com “tendências que
compreendem o marxismo exclusivamente como teoria social ou como
filosofia social e rejeitam ou ignoram a tomada de posição nele contida sobre
a natureza”. A orientação do livro a esse respeito era clara: “em diversas
passagens, a natureza é considerada como uma categoria social, e a
concepção geral consiste no fato de que somente o conhecimento da
sociedade e dos homens que vivem nela é filosoficamente relevante”. O efeito
de tal concepção era importante na estrutura do livro, pois debilitava o
delineamento da economia. A tentativa de explicar os fenômenos ideológicos
a partir de sua base econômica era comprometida, pois a economia tornava-
se estreita quando privada da categoria marxista fundamental: o trabalho
como mediador do metabolismo da sociedade com a natureza. Desse modo,
simultaneamente, desapareciam tanto a “objetividade ontológica da natureza,
que constitui o fundamento ôntico desse metabolismo” quanto a “ação
recíproca existente entre o trabalho considerado de maneira autenticamente
8
Confirma-se aqui o que Chasin sinalizava na avaliação de Lukács acerca da dialética de
Hegel, a saber, que o filósofo húngaro “deixa entrever que, de algum modo, Marx está ou
poderia estar, em última análise, apoiado numa lógica enquanto sustentação operatória de
sua prática científica, ou, pelo menos, que uma lógica poderia legitimar as formas de sua
reflexão” (CHASIN, 2009, p. 165).
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materialista e o desenvolvimento dos homens que trabalham” (LUKÁCS,
2003, pp. 14-6)
9
.
A negligência em relação ao metabolismo do ser humano com a
natureza acaba por debilitar o tratamento lukacsiano da práxis. Em sua ânsia
de combater o caráter contemplativo do pensamento burguês, o filósofo
húngaro conferia àquela noção um tom excessivo, referente à transformação
revolucionária da realidade, algo que “correspondia à utopia messiânica
própria do comunismo de esquerda da época, mas não à autêntica doutrina
de Marx”. Naquele período, Lukács “não percebia que, sem uma base na
práxis efetiva, no trabalho como sua protoforma e seu modelo, o caráter
exagerado do conceito de práxis acabaria se convertendo num conceito de
contemplação idealista (LUKÁCS, 2003, p. 17). E aqui temos uma revisão
relativa da polêmica com a tese engelsiana referente à indústria e à
experimentação como casos típicos de demonstração da práxis como critério
de verdade da teoria. De Fato, Lukács admite que, desde a época de seu
célebre livro, ficou claro
que o terreno da práxis (sem modificação de sua estrutura básica)
se tornou, no curso do seu desenvolvimento, mais extenso,
complexo e mediado do que no simples trabalho, motivo pelo qual
o simples ato de produzir o objeto pode tornar-se o fundamento da
efetivação imediata e verdadeira de uma hipótese teórica e, nessa
medida, servir como critério de sua correção ou incorreção
(LUKÁCS, 2003, pp. 18-9).
Isto é, ao admitir que o trabalho e suas formas complexas constituem
uma práxis autêntica, Lukács é levado a uma concordância com a tese
segundo a qual as formas do primeiro podem ser válidas para a comprovação
de uma hipótese cognitiva. Não obstante, a sugestão de Engels de pôr fim à
teorização kantiana da “coisa em si” por meio da práxis imediata não se
sustenta. O filósofo húngaro argumenta que, nessa forma, o trabalho pode ser
realizado com base em teorias que não captam a essência da realidade. Em
seus termos, “o próprio trabalho pode muito facilmente permanecer no
âmbito da mera manipulação e passar ao largo de modo espontâneo ou
consciente da solução da questão a respeito do em-si, ignorá-la total ou
parcialmente”. O próprio Kant percebia essa possibilidade ao remeter a
objetividade do conhecimento para a esfera dos simples fenômenos. O
mesmo faz o neopositivismo, com sua tentativa de eliminar da ciência
qualquer questão referente à realidade. A solução para o dilema colocado por
Engels exige, de acordo com Lukács, que a práxis eleve-se “acima desse
imediatismo, permanecendo práxis e tornando-se cada vez mais abrangente”
(LUKÁCS, 2003, p. 19).
9
Os limites de seu livro de 1923 tornam-se claros para Lukács nos anos 1930, quando
aprofundou seus estudos sobre a obra de Marx, especialmente em decorrência da descoberta
dos manuscritos juvenis desse último. Falando de sua longa e complexa transição ao
marxismo, o filósofo húngaro observa o seguinte: meu livro História e consciência de classe
(1923) mostra nitidamente este período de transição. Malgrado a tentativa, agora consciente,
de ‘superar’ Hegel em nome de Marx, problemas decisivos da dialética foram resolvidos de
modo idealista (dialética da natureza, teoria do reflexo etc.) (LUKÁCS, 2008, p. 40).
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Assim, ainda que reconheça que sua argumentação era equívoca no
livro de 1923, com a negação do status de práxis à experimentação e à
indústria, Lukács reafirma a pertinência de sua crítica ao posicionamento de
Engels. Isto é, finalmente Lukács encontrou os argumentos corretos para
refutar a tese engelsiana. Os erros anteriores eram, na opinião tardia do
filósofo húngaro, manifestações da “influência da herança hegeliana, que não
foi elaborada de modo coerente pelo materialismo e, por isso, também não foi
suprimida nem preservada” (LUKÁCS, 2003, p. 20). E aqui vemos que,
mesmo admitindo a defesa equivocada de um “hegelianismo exacerbado (e
estrutural) em seu velho livro, atinente à tese do proletariado como
identidade de sujeito e objeto na história, Lukács mantém certas posições
antigas. Central para nossas preocupações é a reafirmação da velha definição
da ortodoxia em matéria de marxismo, ou seja, a preocupação exacerbada
com o método dialético (cf. LUKÁCS, 2003, pp. 29-30). Mesmo que veja
exageros hegelianos estruturantes em seu livro de 1923, Lukács mantém-se
firme na velha afirmação do método como sendo a alma do marxismo, uma
alma na qual avulta a herança hegeliana. Desse modo, cabe-nos salientar que
no prefácio de 1967 o filósofo húngaro continua a se mover, ainda que a
contragosto e mesmo realizando movimentos importantes na direção do
marxismo, no campo gnósio-epistemológico, o qual foi primeiramente
demarcado, grosso modo, por Engels em sua recensão de 1859.
Não obstante, é apenas nos escritos referentes ao tema da ontologia do
ser social, publicados postumamente, que Lukács encaminha a sua solução
derradeira para o tratamento do pensamento marxiano. Nos textos em
questão, além de promover seu acerto de contas com a recensão engelsiana
de 1859, o filósofo húngaro tece críticas a diversas teses de Engels, elaboradas
em textos fundamentais para a formatação e interpretação do marxismo, tais
como A subversão da ciência pelo sr. Eugen hring (mais conhecido como
Anti-Dühring), Dialética da natureza e Ludwig Feuerbach e o fim da
filosofia clássica alemã. Dado o nível de complexidade e desdobramento da
argumentação desenvolvida por Lukács, na qual é frequente o recurso a
repetições, vamos nos limitar aqui apenas a uma exposição breve dos pontos
que dizem respeito ao pensamento de Engels, sem acompanhar em toda a sua
extensão a linha teórica assumida pelo autor.
No conjunto teórico referente à ontologia, Lukács assinala de modo
reiterado a contraposição entre a natureza ontológica da obra marxiana,
dedicada ao problema do ser social, em sua objetividade e historicidade, e as
variantes do posicionamento gnosiológico, as quais primam pelo afastamento
dos problemas atinentes ao âmbito da realidade do campo filosófico. Para
Lukács, em Marx as categorias referem-se a formas de ser, a determinações
da existência. Ainda mais contundente é a sua seguinte afirmação:
nenhum leitor imparcial de Marx pode deixar de notar que todos os
seus enunciados concretos, se interpretados corretamente, isto é,
fora dos preconceitos da moda, são ditos, em última análise, como
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enunciados diretos sobre certo tipo de ser, ou seja, o afirmações
puramente ontológicas (LUKÁCS, 2012, p. 281)
10
.
Em sentido totalmente oposto, Lukács destaca, em especial, as
manifestações do pensamento kantiano, do neokantismo e do
neopositivismo. Assim, a contraposição entre a obra marxiana (ontológica),
de um lado, e a teoria do conhecimento e a lógica, de outro, constitui um dos
principais esforços da interpretação final do pensamento de Marx por parte
do filósofo húngaro. Frise-se, o autor não afirma a inexistência do problema
do conhecimento ou dos procedimentos para alcançá-lo no interior da obra
marxiana, mas sim a sua subordinação necessária ao problema geral do ser.
No procedimento metodológico marxiano, tal como adotado por ocasião da
crítica da economia política,
o tipo e o sentido das abstrações, dos experimentos ideais, são
determinados não a partir de pontos de vista gnosiológicos ou
metodológicos (e menos ainda lógicos), mas a partir da própria
coisa, ou seja, da essência ontológica da matéria tratada (LUKÁCS,
2012, p. 322).
Assinalando o destino perverso do pensamento de Marx logo após a
sua morte, Lukács destaca os esforços de Engels e de Lênin contra a
vulgarização coagulante daquele patrimônio. Ambos pretendiam promover
uma interpretação elástica da autêntica dialética. No entanto, Lukács afirma
que tais tentativas não eram marcadas por um rigor especial na distinção
entre as obras de Hegel e de Marx. Assim, Engels
a respeito de algumas questões singulares importantes foi menos
rigoroso e profundo do que Marx em sua crítica a Hegel, ou seja,
acolheu de Hegel naturalmente através de uma inversão
materialista praticamente sem alterações, algumas coisas que
Marx, ao contrário, partindo de reflexões ontológicas mais
profundas, refutou ou modificou radicalmente. A diferença que
existe entre, por um lado, a superação inteiramente autônoma dos
fundamentos da inteira filosofia de Hegel por parte do jovem Marx
e, por outro, a superação de seu idealismo filosófico sob o influxo
de Feuerbach por parte de Engels tem determinadas consequências
também nas exposições posteriores de ambos (LUKÁCS, 2012, pp.
299-300)
11
.
10
O acento lukacsiano no ser social não deve ser visto como uma recaída em suas posições de
1923. Atento ao pensamento marxiano, Lukács observa: “como para Marx a dialética não é
apenas um princípio cognitivo, mas constitui a legalidade objetiva de toda realidade, uma
dialética desse tipo não pode estar presente nem funcionar na sociedade sem ter tido uma
‘pré-história’ ontológica correspondente na natureza inorgânica e orgânica. A dialética
concebida em termos ontológicos tem sentido se for universal. Essa universalidade
naturalmente não representa um singelo sinal de igualdade entre dialética na natureza e
dialética na sociedade /.../. O autor não perde a oportunidade para, mais uma vez, assinalar
o caráter problemático de seu livro anterior a esse respeito: “me sinto no dever de declarar,
neste ponto, que meu livro História e consciência de classe, publicado em 1923, contribuiu
para despertar ilusões quanto à possibilidade de ser adepto do marxismo no sentido
filosófico e, ao mesmo tempo, negar a dialética na natureza” (LUKÁCS, 2012, pp. 101-2).
11
O diagnóstico lukacsiano é reiterado na versão final da ontologia, isto é, nos Prolegômenos
(cf. LUKÁCS, 2010, p. 155). Em momento anterior de sua exposição, Lukács também assinala
a limitação da crítica de Engels. O revolucionário alemão havia denunciado o caráter
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Lukács oferece um exemplo claro da mescla imprópria de elementos
dos pensamentos de Hegel e de Marx, a saber, o tratamento da categoria da
negação. De acordo com o filósofo húngaro, Hegel, ao conceber as
categorias de “ser-outro” e “ser para outro” como negação do “ser-em-si”,
opera uma transferência da negação do âmbito da lógica para o da ontologia,
isto é, a esfera da realidade. Engels acatou o procedimento hegeliano e, em
seu Anti-Dühring, forneceu exemplos da negação. Entre eles, Lukács destaca
o referente ao grão de cevada:
Tomemos um grão de cevada. Milhares desses grãos são triturados,
fervidos e usados para fabricar a cerveja que é depois consumida.
Mas, se um desses grãos de cevada encontrar as condições normais
para ele, se cair num terreno propício, sob a influência do calor e
da umidade, sofre uma alteração específica, isto é, germina; o grão
enquanto tal morre, é negado, e, em seu lugar, desponta a planta
que ele gerou, a negação do grão. (ENGELS apud LUKÁCS, 2012,
p. 215)
Para Lukács, no plano ontológico temos propriamente a “destruição”
de milhares de grãos. Apenas em um caso específico é que o ser do grão de
cevada é levado ao seu ser-outro. As determinações particulares desse caso
são desprezadas quando se usa a expressão geral “negação” para qualificar
sua ocorrência e, ainda por cima, se obscurece o processo ao equipará-lo
formalmente com outros qualitativamente distintos. Assim, a reprimenda de
Lukács, apesar de breve, é contundente:
Engels, portanto, deveria ter feito uma distinção entre a negação
ontológico-dialética e as inúmeras negações simplesmente lógico-
formais; e é evidente que, para realizar tal distinção, não existem
critérios formais de nenhum tipo, nem lógico nem gnosiológico,
sendo preciso sempre recorrer ao próprio processo real concreto,
ou seja, à realidade concreta; o momento distintivo é positivamente
determinado, portanto, tão somente no plano ontológico. Subsumir
esses fenômenos heterogêneos sob o termo lógico da “negação”,
por conseguinte, não faz mais do que confundir as conexões, em
vez de esclarecê-las. (LUKÁCS, 2012, p. 216)
12
arbitrário das passagens de uma categoria ou de uma oposição a outra em Hegel. Para
Lukács, no entanto, a crítica correta e perspicaz de Engels infelizmente se restringe à ligação
formal entre as categorias, e não aborda a questão ontologicamente mais importante do lugar
ocupado pelas categorias no edifício gico-hierárquico do sistema” (LUKÁCS, 2012, p. 224).
A respeito de Lênin, com quem se inicia um “verdadeiro renascimento de Marx”, Lukács
reafirma a correção em princípio de suas posições acerca da necessidade de se compreender
toda a Lógica de Hegel para captar plenamente o sentido de O capital e, consequentemente,
sobre a existência de uma lógica nessa última obra. No entanto, o filósofo húngaro o deixa
de apontar a impropriedade, no sentido de Marx, de se estabelecer uma unidade indistinta
entre lógica, dialética e teoria do conhecimento: “é certo, todavia /.../ que Marx não acolhe a
unidade estabelecida no trecho citado de Lênin, que ele não apenas distingue nitidamente
entre si a ontologia e a teoria do conhecimento, mas vê na ausência dessa distinção uma das
fontes da ilusão idealista de Hegel” (LUKÁCS, 2012, pp. 300-1).
12
Lukács mostra a impropriedade de todos os exemplos engelsianos do processo de negação
da negação no plano ontológico (cf. LUKÁCS, 2010, pp. 166-70). A recusa da transposição da
negação ao plano ontológico está presente até em mesmo nos momentos finais da vida de
Lukács (cf. 1999, pp. 103-5).
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Para o filósofo húngaro, “está claro que a negação não pode ter lugar
numa ontologia autêntica” (LUKÁCS, 2012, p. 169). O fenômeno da negação
não possui realidade no plano da natureza inorgânica. Na esfera orgânica,
está presente no caso da morte, em que a regressão da matéria orgânica
para o nível das leis físico-químicas. no nível superior do ser social, sua
ocorrência legítima se restringe aos planos gnosiológico e lógico (cf. LUKÁCS,
2012, pp. 214; 245-6; 2010, pp. 159-64). Após criticar a “generalização lógica
abstrata-universal da negação a momento fundamental de todo processo
dialético” e o consequente obscurecimento da “particularidade do ser social”
na lógica de Hegel, Lukács aponta que o próprio Engels parecia relativamente
consciente da situação precária em que se colocava ao adotar procedimento
similar ao do mestre idealista. Nas palavras de Lukács, “o próprio Engels /.../
aponta a problematicidade ontológica da sua dedução logicista da negação da
negação”. Isso transparece nas seguintes palavras, referentes a uma
sequência de casos (distintos) de suposta “negação da negação”: “se afirmo de
todos esses processos que são expressão da negação da negação, compreendo
todos eles sob essa única lei do movimento e, precisamente por isso, deixo de
lado a particularidade de cada processo singular específico” (ENGELS apud
LUKÁCS, 2012, p. 218). A reprimenda lukacsiana é animada, novamente,
pela preocupação quanto aos efeitos do rolo compressor da universalização
logicista: “seria difícil, porém, encontrar uma lei verdadeiramente universal
cujas formas de realização particulares, comparadas entre si, produzissem
absurdos (LUKÁCS, 2012, p. 218).
O filósofo húngaro assinala que em Marx a negação da negação
praticamente não aparece. Sua única aparição relevante se em O capital,
em uma passagem referente à acumulação primitiva. Nesse momento, a
argumentação desenvolvida é estritamente econômica e descreve o processo
histórico de expropriação da “propriedade privada individual, baseada no
próprio trabalho”, e lança a perspectiva da “expropriação dos
expropriadores”, isto é, a extinção da propriedade privada capitalista. Para
Marx, essa segunda expropriação constitui uma negação da negação. Trata-se
aqui, de acordo com Lukács, de “algo estilisticamente decorativo, o qual
nada tem a ver com a argumentação econômica. O filósofo recorre ao próprio
Marx para explicar o sentido da referência, ao afirmar que nesse caso
certamente vale
o comentário de Marx no prefácio da edição dessa obra
afirmando que seu método dialético é o oposto direto do
hegeliano, e que coqueteou, aqui e ali, no capítulo sobre a teoria
do valor com o modo de expressão que lhe era peculiar (LUKÁCS,
2010, p. 157).
Nota-se, aqui e em diversos outros momentos (cf. LUKÁCS, 2010, pp.
152; 357; 2012, pp. 308-16), que Lukács finalmente atinou para a distinção
marxiana entre os métodos de investigação e de exposição.
Continuamente, o autor húngaro chama a atenção para a denúncia de
Marx contra a conversão hegeliana das conexões reais da realidade em
“sequências ideais logicamente necessárias”. O movimento marxiano
constitui, ao mesmo tempo, a crítica ao idealismo filosófico e o combate a
“uma das fundamentações lógicas da filosofia da história”. Enquanto Hegel
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trata o decurso histórico como resultado epistemológico necessário da
sucessão das categorias lógicas, Marx, em direção totalmente distinta,
concebe essas últimas como “‘formas de ser, determinações da existência’,
que devem ser compreendidas ontologicamente, tal como são, no interior dos
complexos onde existem e operam”. Assim, a lógica dos processos no interior
dos quais as referidas categorias atuam de fato compõe um recurso valioso
para o conhecimento dessas, mas nunca o fundamento real de seu ser.
Segundo Lukács, a negligência dessa crítica de Marx a Hegel, independente
de qualquer inversão materialista, leva a manter-se “não superado no interior
do marxismo um motivo próprio do sistema hegeliano, e a historicidade
ontológico-crítica do processo global se apresenta como filosofia logicista da
história de cunho hegeliano (LUKÁCS, 2012, pp. 371-2).
A percepção da radicalidade da crítica em pauta leva o filósofo
húngaro a rever seu antigo acordo com uma tese basilar de Engels,
justamente aquela que estabelecia uma ponte lógica entre Hegel e Marx.
Como vimos anteriormente, esse vínculo foi defendido na resenha engelsiana
de 1859, na forma de uma equivalência entre os caminhos lógico e histórico.
Trazendo à baila exatamente o mesmo trecho que aprovava em sua
Introdução a uma estética marxista, mas agora o qualificando como
exemplo de queda no “fascínio da logicização hegeliana da história,” Lukács
expõe o equívoco nuclear de Engels:
A oposição decisiva com a concepção de Marx reside no primado
do “modo lógico de tratamento”, que é posto aqui como idêntico ao
histórico, “só que despojado da forma histórica e das casualidades
importunas”. A história despojada da forma histórica: nisso está
contido sobretudo o recurso de Engels a Hegel. Na filosofia
hegeliana, isso era possível: uma vez que a história, tal como toda a
realidade, se apresentava apenas como a realização da lógica, o
sistema podia despojar o acontecer histórico de sua forma histórica
e reconduzi-lo à sua essência própria, ou seja, à lógica. Mas para
Marx e de resto também para Engels a historicidade é uma
característica ontológica não ulteriormente redutível do
movimento da matéria, particularmente marcado quando, como é
o caso aqui, trata-se apenas do ser social. As leis mais gerais desse
ser podem também ser formuladas em termos lógicos, mas não é
possível derivá-las da lógica ou reduzi-las a ela. Na passagem
citada, Engels faz isso, o que fica evidente pelo uso da expressão
“casualidades importunas”; no plano ontológico, algo casual pode
muito bem ser portador de uma tendência essencial, não
importando se, da perspectiva da lógica pura, o acaso seja
entendido como “importuno”. (LUKÁCS, 2012, p. 373)
Assim, Engels aproxima em demasia Hegel e Marx via extrapolação
lógica, isto é, apreendendo como equivalentes os planos da história e da
lógica, o que leva a uma subestimação do papel das casualidades na
determinação dos processos. Para marcar a impropriedade da posição de
Engels, Lukács recorre a uma passagem marxiana contida na célebre
Introdução de 1857, deixando estabelecido que
Marx toma como ponto de partida, antes de tudo, que o lugar
histórico de categorias singulares pode ser compreendido em
sua concretização histórica, na especificidade histórica que lhes é
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fornecida pela respectiva formação, e não por meio de sua
caracterização gica, por serem definidas, por exemplo, como
simples ou desenvolvidas (LUKÁCS, 2012, p. 373).
De passagem, Lukács aponta ainda para outro equívoco contido na
interpretação de Engels, a saber, a definição marxiana de classicidade: “tal
categoria, aplicável apenas a complexos totais, é entendida por Engels como
propriedade de momentos singulares, em contraste com sua própria
concepção posterior” (LUKÁCS, 2012, p. 373).
A nova postura de Lukács frente à tentativa indevida de se logicizar a
obra de Marx é radical e provoca rupturas explícitas com momentos
anteriores de sua própria trajetória. Como evidenciamos anteriormente, em
meados dos anos 1950 Lukács via um projeto descartado de tratamento
“segundo o modelo da lógica de Hegel” na indicação de Marx (feita na
Introdução de 1857) quanto a uma “conexão superficial” de ordem silogística
entre as categorias econômicas. na Ontologia, o filósofo húngaro percebe
nessa passagem seu real sentido, isto é, a denúncia marxiana da insuficiência
da análise pautada em aparatos lógicos:
Marx, antes de tudo, acerta contas com a variante hegeliana dessas
falsas conexões, uma variante que com o auxílio de
universalidade, particularidade e singularidade entendidas em
sentido gico pretendia estabelecer entre as citadas categorias
econômicas um desenvolvimento de tipo silogístico. “Há, sem
dúvida, aqui, um nexo, mas ele é superficial”, diz Marx; e mostra
como o aparato gico que produz a forma silogística funda-se
apenas em traços superficiais, abstratos. (LUKÁCS, 2012, p. 330)
Ponto já presente no exposto acima, a subestimação engelsiana do
papel do acaso é destacada por Lukács. Em Marx um apontamento claro
dos modos de atuação das casualidades: mutuamente compensadas no fluir
da história em geral, elas influem no seu ritmo, às vezes na forma das
qualidades casuais dos grandes personagens. É o que estabelece a seguinte
passagem marxiana elencada por Lukács:
A história universal seria muito cômoda se a luta fosse assumida
quando houvesse chances infalivelmente favoráveis. De outro lado,
ela teria uma natureza muito mística se as “casualidades” não
desempenhassem nenhum papel. Essas casualidades naturalmente
entram no curso geral do desenvolvimento e o compensadas por
outras casualidades. Mas aceleração e retardamento dependem
grandemente dessas “casualidades”, entre as quais figura também
o “acaso” do caráter das pessoas que se encontram primeiro à
frente do movimento. (LUKÁCS, 2010, p. 118)
Ao comentar o mesmo tema, Engels, apesar de caminhar no mesmo
sentido de Marx na linha principal, acaba por desviar-se da afirmação da
tendencialidade do curso histórico no plano geral. Engels havia relativizado o
papel das figuras de Napoleão Bonaparte e de Marx, respectivamente, no
curso da história francesa e da emergência do materialismo histórico,
dizendo que a ausência desses personagens seria compensada pela presença
de outros. Sobre Bonaparte, disse que “sempre se encontrou o homem
quando se tornou necessário” e, sobre a teoria marxista, estabeleceu que seu
tempo estava maduro “e ela devia ser descoberta”. Para Lukács, aqui Engels
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“proclama de modo ontologicamente simplista uma necessidade
excessiva que é estranha ao ser social, com exceção da economia em sentido
mais estrito”. O filósofo húngaro contesta Engels observando que, de fato,
outra pessoa poderia ter suprido a ausência de Bonaparte, “mas pode-se
duvidar, justificadamente, de que ele possuísse as capacidades casuais que
transformaram Bonaparte naquela figura histórica cuja influência foi sentida
em todo o século XIX (LUKÁCS, 2010, pp. 118-9). Ainda mais grave é o caso
da teoria marxista, uma vez que o próprio Engels chegou a duvidar se possuía
as qualidades (casuais) para desempenhar o mesmo papel que o amigo nesse
particular
13
.
Para sinalizar a evolução em pauta neste trabalho, devemos observar
que, em Reboquismo e dialética, Lukács ainda seguia Engels no
entendimento de que “para o método dialético só para ele, todavia ,
‘casual’ de modo nenhum significa algo não necessário em termos causais.
Pelo contrário, o acaso é a forma de manifestação de certo tipo de
determinismo causal”. O autor húngaro censurava um de seus críticos com as
seguintes palavras: mesmo não conhecendo Hegel, o camarada Rudas
poderia ter tomado ciência disso a partir de Engels, segundo o qual o acaso
‘não é mais que um dos polos de uma interdependência, da qual o outro se
chama necessidade’” (LUKÁCS, 2015, p. 80). E na Introdução a uma estética
marxista Lukács aprovava exatamente a tese de Engels de que sempre que foi
necessário surgiu o homem para a ocasião (cf. LUKÁCS, 1968, pp. 108-9).
Nesse texto, ainda considerava legítimo afirmar que na ciência pretende-se
“superar o contingente na necessidade” (LUKÁCS, 1968, p. 268).
Voltando ao período da ontologia, podemos dizer o filósofo húngaro
passa a ver com clareza as debilidades filosóficas na apreensão que Engels faz
das posições de Marx. Para Lukács, ao combater vulgarizações em torno do
entendimento marxista da relação entre base econômica e superestrutura,
um esforço válido e necessário, Engels chega a expor traços essenciais do
problema, mas falha ao tentar conferir ao seu empreendimento um
“fundamento filosófico”. Em carta a Joseph Bloch, o revolucionário alemão
havia observado o seguinte:
Segundo a concepção materialista da história, o fator determinante
em última instância na história é a produção e a reprodução da
vida real. Mais não foi afirmado, nem por Marx, nem por mim. Se
agora alguém distorce isso no sentido de que o fator econômico
seria o único fator determinante, transforma aquela proposição
13
É interessante observar aqui que, para o autor húngaro, é característico de “toda
consideração ontológica” que o “centro fundante e a medida geral de toda diferenciação” é
ocupado pelo ser, enquanto que “para a gnosiologia e para a lógica” a necessidade é o “centro
determinante de tudo”. Na essência da obra de Marx, essa “fetichização da necessidade” não
comparece (LUKÁCS, 2010, pp. 191; 194). A abordagem gnosiológica, por contradizer o
fundamento ontológico de todo ser, isto é, a estrutura heterogênea da realidade, deforma a
categoria da casualidade (cf. LUKÁCS, 2010, p. 196; 2012, p. 364). A crítica de Lukács é
severa ao ponto de estabelecer um vínculo de continuidade entre a teorização de Engels e o
stalinismo: “creio que é muito importante e sem esta deformação o stalinismo não seria
possível que Engels e, com ele, alguns social-democratas tenham interpretado o decurso da
sociedade do ponto de vista de uma necessidade gica, em contraste com aquelas conexões
sociais reais de que Marx fala” (LUKÁCS, 1999, p. 107).
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numa frase vazia, abstrata, absurda. A situação econômica é a base,
mas os diversos momentos da superestrutura /.../ exercem
também a sua influência no curso das lutas históricas e, em muitos
casos, determinam de modo preponderante a forma dessas lutas.
uma interação de todos esses momentos, na qual, passando por
essa quantidade infinita de casualidades, // o movimento
econômico termina por se impor como necessário. (ENGELS apud
LUKÁCS, 2012, pp. 407-8)
De acordo com Lukács, a contraposição entre o conteúdo econômico e
a forma superestrutural sugerida por Engels não esclarece a conexão ou a
diferenciação entre ambos. Mesmo que tenha ressaltado de maneira acertada
o problema da gênese das ideologias, da legalidade relativamente própria
dessa gênese, Engels opera novamente com um instrumento intelectual
impróprio, isto é, a “relação forma-conteúdo”. Trata-se aqui, na avaliação de
Lukács, de uma “determinação de reflexão”, o que implica em sua inutilidade
para tratar de complexos diversos. Em seus termos:
Isso significa que forma e conteúdo, sempre e em todos os casos,
determinam ao mesmo tempo (e ao mesmo tempo) o caráter, o
ser-propriamente-assim (inclusive a universalidade) do objeto
singular, do complexo, do processo etc. Porém, justamente por isso
é impossível que, na determinação de dois complexos reais
diversos um do outro, um complexo figure como conteúdo e o
outro como forma. (LUKÁCS, 2012, p. 408)
14
Voltando ao problema da aproximação excessiva de Hegel e Marx
operada por Engels, devemos registrar que Lukács a detecta também na
concepção da relação entre as categorias de necessidade e liberdade. Ao
tomar por base as considerações do mestre idealista, para quem “cega a
necessidade na medida em que não é compreendida”, Engels afirma o que
segue:
A liberdade não reside na tão sonhada independência em relação às
leis da natureza, mas no conhecimento dessas leis e na
possibilidade proporcionada por ele de fazer com que elas atuem,
conforme um plano, em função de determinados fins. Isso vale
tanto com referência às leis da natureza externa quanto àquelas
que regulam a existência corporal e espiritual do próprio homem
/.../. Em consequência, liberdade da vontade nada mais é que a
capacidade de decidir com conhecimento de causa. (ENGELS apud
LUKÁCS, 2013, pp. 143; 145)
Para a crítica lukacsiana, essa passagem não conta da questão que
Engels trata, a saber, a do trabalho em sua relação com a liberdade. A
contraposição entre as categorias de necessidade e liberdade não resolve esse
problema no plano ontológico. O processo teleológico que constitui o
trabalho lida não apenas com a necessidade, mas com o todo da realidade,
isto é, sua realização depende de outras categorias modais além da
14
De modo geral, as cartas compostas por Engels em seus últimos anos de vida visavam
manter viva e íntegra a linha de Marx. No entanto, para Lukács, tais esforços foram inócuos
(cf. LUKÁCS, 2012, p. 299; 2013, p. 629). De passagem, merece registro aqui que, em outro
momento, Lukács assinala o “caráter predominantemente gnosiológico” do tratamento que
Engels oferece da ideologia, o qual negligencia nesse fenômeno o peso do desenvolvimento
social e dos conflitos nele atuantes (cf. LUKÁCS, 2013, pp. 479-82).
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necessidade. Nos termos lukacsianos, “a realidade vista aqui como
realidade daqueles materiais, processos, circunstâncias etc. que o trabalho
quer utilizar em determinado caso para sua própria finalidade não se
esgota, de modo algum, na necessidade de determinados nexos etc. A
limitação em causa decorre, em essência, do fato de Engels ter captado
apenas os elementos idealistas imediatamente visíveis da determinação
hegeliana, não viu “que Hegel, em consequência de seu sistema, atribui à
categoria necessidade uma exagerada importância logicista e que, por isso,
não percebe a particular peculiaridade da própria realidade” (LUKÁCS, 2013,
pp. 145; 147). Nesse sentido, o filósofo húngaro destaca o papel das categorias
de possibilidade, em suas modalidades objetiva e subjetiva, e acaso, seja esse
positivo ou negativo para a realização do trabalho.
Não obstante, a determinação engelsiana da liberdade presente no
trabalho padece de outro problema, relevado por Lukács em função do
contexto histórico de sua formulação. A definição de Engels é apropriada
para a liberdade que surge no trabalho. Contudo, escaparam-lhe as possíveis
implicações de suas conexões com o contexto social mais amplo, não
percebeu que o saber conquistado através do trabalho pode evoluir tanto em
sentido positivo quanto negativo. Isto é, a “problematicidade” apontada por
Lukács consiste na divergência no possível desenvolvimento superior da
compreensão, obtida mediante o trabalho, que pode tornar-se ciência
genuína, apreensão do mundo ou mera manipulação tecnológica.” O filósofo
húngaro insiste que também a manipulação mobiliza conhecimento de causa,
de modo que esse último não é suficiente para fundamentar uma teoria da
liberdade. Trata-se, na verdade, de saber qual é a direção geral dada ao
conhecimento: é esse fim da intenção e não unicamente o conhecimento de
causa que fornece o critério real, o que significa que também nesse caso o
critério deve ser buscado na relação com a própria realidade”. Observe-se,
para efeitos de relativização da crítica, que para Lukács na época de Engels
pareceu que a tentativa de manipulação consciente da ciência, reduzindo-a a
uma “manipulação prática dos fatos”, “estava destinada definitivamente ao
fracasso; o avanço das ciências naturais modernas e sua generalização em
uma concepção de mundo científica pareciam irresistíveis” (LUKÁCS, 2013,
pp. 148-50).
A crítica de Lukács tem por base uma distinção entre o trabalho
originário e a forma de práxis que busca influenciar a ação de outros
indivíduos. Ambos têm por base um conhecimento mais ou menos correto de
conexões causais. No entanto, se o primeiro se realiza em um meio
relativamente natural, visando transformá-lo, o segundo tem por matéria
algo de caráter social, isto é, decisões alternativas de pessoas, um elemento
heterogêneo e dinâmico por excelência. Embora lhes seja comum alguma
dimensão de liberdade, Lukács destaca que um salto qualitativo entre a
liberdade limitada do trabalho, o “movimento livre na matéria”, e a
liberdade mais elevada e espiritualizada da práxis social (cf. LUKÁCS, 2013,
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232
pp. 150-7)
15
. A preocupação do autor húngaro com a dimensão social da
liberdade nos parece em fina sintonia com a concepção de Marx:
Assim como o selvagem deve lutar com a natureza para satisfazer
suas necessidades, para manter e reproduzir sua vida, assim
precisa fazê-lo o civilizado, e ele precisa em todas as formas de
sociedade e sob todos os possíveis modos de produção. Com seu
desenvolvimento, amplia-se esse reino da necessidade natural, por
causa das necessidades; mas ampliam-se ao mesmo tempo as
forças produtivas que as satisfazem. A liberdade neste campo
pode consistir em que o homem socializado, os produtores
associados, regulem racionalmente esse seu metabolismo com a
natureza, colocando-o sob seu controle comum, em vez de serem
por ele dominados como por um poder cego; em que o realizam
com o mínimo esforço e sob as condições mais dignas e adequadas
à sua natureza humana. (MARX, 2004, pp. 794-5)
Apenas para que fique registrada a novidade da postura de Lukács no
conjunto de sua trajetória, devemos lembrar que, em texto da segunda
metade dos anos 1940, o autor ainda demonstrava plena concordância com a
definição engelsiana de liberdade: “uma base da ética marxista é o
reconhecimento de que a liberdade consiste na necessidade tornada
consciente” (LUKÁCS, 2007, p. 75).
Já em tom conclusivo, observemos que no período da ontologia Lukács
é explicito na recusa da ideia de um sistema filosófico no pensamento de
Marx (cf. LUKÁCS, 2012, pp. 290; 296). Trata-se, aqui também, de um
contraponto em relação à postura de Engels, pois esse, embora houvesse
negado a possibilidade de sistemas filosóficos após Hegel, na prática acabou
por dar a seus desenvolvimentos teóricos realizados no Anti-Dühring a forma
de um sistema (cf. SILVA, 2019, pp. 79-88; 200-9). Também em passada
ligeira, vale ressaltar que em seus escritos ontológicos Lukács gastou várias
páginas para desdobrar a crítica já esboçada no prefácio de 1967, referente às
formas do trabalho como critério de verdade da teoria, sempre ressaltando a
relatividade histórica e social do critério da práxis (cf. LUKÁCS, 2010, pp. 41;
46; 59-60; 2012, pp. 28; 56-7; 2013, pp. 93-8).
3
Do exposto até aqui, podemos concluir que Lukács capta não só a
impropriedade da aproximação excessiva entre os métodos de Hegel e Marx
operada por Engels, mas esquadrinha suas repercussões no tratamento de
questões essenciais para a compreensão do pensamento marxiano. Lukács
15
Na versão final de sua ontologia, Lukács voltou à carga contra a definição engelsiana da
liberdade enquanto “capacidade de decidir com conhecimento de causa”: “isso é uma
excelente descrição de determinados momentos importantes, decisivos, do processo de
produção no sentido estrito, mas Engels não dá, aqui, nenhuma resposta aos complexos de
problemas que são importantes na totalidade social, à questão acerca de como a maioria dos
seres humanos, cuja atividade é necessária para uma determinada formação, reage a
determinadas mudanças na produção, coisa de que depende, amplamente, o papel que a
consciência (certa ou falsa) dos seres humanos tem do mecanismo causal do processo do
qual participam ativa e passivamente” (LUKÁCS, 2010, p. 313).
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233
afirma que colocar Hegel “materialisticamente de pé” é um movimento
insuficiente realizado por Engels. Em certos momentos, esse último mantém-
se em sintonia com a ontologia marxiana, mas em outros acolhe como válidos
elementos da dialética hegeliana que Marx julgava improcedentes.
Esperamos que tenha ficado claro que a trajetória de Lukács até o
pensamento autêntico de Marx é não só lenta, complexa e tortuosa, mas que é
permeada por um interessante diálogo com Engels, tomado, na maior parte
do tempo, voluntária ou involuntariamente, como referência clássica na
apreensão da obra marxiana. Desse modo, a ruptura do filósofo húngaro com
Engels constitui não apenas uma crítica a um referencial teórico
fundamental, mas uma revisão cabal de algumas das próprias convicções
filosóficas, além de ser um divórcio consciente em relação ao padrão
dominante de reflexão na modernidade
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.
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16
Em nossa discussão, tratamos as versões da ontologia lukacsiana como equivalentes em
seu conteúdo, pois entendemos que não alterações significativas. Não ignoramos com
isso as inovações para as quais chamam a atenção tanto os apresentadores da edição
brasileira dos Prolegômenos para uma ontologia do ser social (cf. VAISMAN; FORTES,
2010, pp. 27-31), quanto o autor de seu posfácio (cf. TERTULIAN, 2010, pp. 399 ss). De
nossa parte, notamos que, na primeira versão da ontologia, a afirmação quanto à existência
de uma contradição entre o método e o sistema de Hegel é adotada sem reservas por Lukács.
A detecção de uma contradição entre sistema e método em Hegel é atribuída por Lukács não
a Engels, mas também a Lênin ou, genericamente, aos “clássicos do marxismo”. Nessa
primeira versão, Lukács esposa a ideia de Engels segundo a qual Hegel pratica “um
materialismo posto de cabeça para baixo” (cf. 2012, pp. 182-3; 194; 226; 231; 282). Nos
Prolegômenos, esses aspectos são suavizados e o autor húngaro toma por arrimo preferencial
a própria crítica de Marx à filosofia de Hegel (cf., por exemplo, LUKÁCS, 2010, p. 368). No
entanto, como Vaisman e Fortes, entendemos ser precipitada a interpretação de que nos
Prolegômenos Lukács tenha abandonado totalmente a ideia da presença de duas ontologias
em Hegel (uma verdadeira e uma falsa). Também nos parece fundamental assinalar que, com
seus Prolegômenos, Lukács não necessariamente uma solução acabada e definitiva para
os problemas que aponta. Entendemos que muitas dimensões de sua obra constituem pontos
para futuras investigações, em especial o problema da ética. Se Tertulian (1988 e 1999) e
Oldrini (1995; 2008) parecem tomar como ponto pacífico o projeto lukacsiano de compor
uma ética, Mészáros (2002, pp. 486-514; 875-81; 2013) aponta uma tentativa infrutífera
de mediar o ser [Sein] e o dever ser [Sollen] da sociabilidade, um substituto inadequado das
mediações políticas, as quais Lukács não pode desenvolver em função das vicissitudes de sua
própria trajetória política e intelectual.
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Vladmir Luís da Silva
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Como citar:
SILVA, Vladmir Luís da. A superação dos pilares do marxismo de Friedrich
Engels na obra de György Lukács: rumo ao resgate do pensamento de Karl
Marx. Verinotio Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das
Ostras, v. 26, n. 2, pp. 207-34, jul./dez. 2020.
Data do envio: 10 maio 2020
Data do aceite: 21 nov. 2020