Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Henrique Segall Nascimento Campos
323
do referido estudo sobre educação, segundo seu próprio autor, contém elemen-
tos de acordo com os quais, também, são criticadas as teses sensualistas, ma-
terialistas e reducionistas do século XVIII (p. ex. a tese julgar é sentir de Hel-
vetius). Teria recorrido a este artifício, ainda, para consolidar sua posição filo-
sófica contrária à passividade da alma e para criticar o papel da religião oficial
na educação do cidadão.
Kuntz, ao criticar Cassirer, chegou a dizer que a política para Rousseau
seria o centro de gravidade da maioria de suas preocupações intelectuais, o que
não deixa de ser verdade face a presença constante dessa tópica ao longo de
seus textos filosóficos. Nem por isso, talvez, teria sido a política a única preo-
cupação do autor, ou o centro de gravidade de sua filosofia como um todo. Cas-
sirer chegou a afirmar que as formulações jurídicas de Rousseau teriam levado
o problema da salvação para fora da metafísica, privilegiando-o no interior da
ética e da política. Segundo o intérprete, ainda, a opinião do filósofo kantiano
"parece fundamentalmente incorreta, pois não há como compreender nem a
ética, nem as soluções jurídicas de Rousseau sem uma referência à sua metafí-
sica” (KUNTZ, 2012, p. 67). Dito isso, nos parece de suma importância tratar-
mos do tema de uma possível "metafísica " no livro IV de O Emílio, com o in-
tuito de ressaltar em Rousseau, senão, a necessidade de fundamentação de seu
pensamento, seja em qual disciplina filosófica isso seja cabível, já que o termo
metafísica, dotado de campo semântico vastíssimo, pode gerar toda sorte de
equívocos teóricos. Como veremos mais abaixo, em passagens da referida me-
ditação filosófica, Rousseau, pela voz do Vigário sugere, na nossa visão, para
fugir dos dogmatismo dos partidos filosóficos e teológicos, mais uma “funda-
mentação do conhecimento”, com uma crítica do conhecimento, do que uma
“metafísica” para dar sustentação às teses morais, religiosas e políticas, por
mais que na composição do cogito estejam em questão temas da metafísica
acordo com isso, toda uma gama de teses e posições seriam examinadas. Do fato de estarem presentes
estas questões no alto do livro IV de O Emílio, por outro lado, não acreditamos serem elas abordadas
num contexto argumentativo equivocado ou incoerente com o que havia sido desenvolvido até então.
Talvez seja por isso que não vemos na Profissão de fé, e o possível problema de ter sido ela elaborada
fora do Emílio, como um problema que se deva levar em conta no pensamento de Rousseau. Inserir uma
passagem ou outra, de modo abrupto, só se torna um problema se o que se coloca apresenta-se incoerente
com o pensamento do autor de um modo geral. Essa inserção, se ela foi abrupta, nos leva a dar ainda
mais crédito ao autor porque passamos a imaginar e olhar com bons olhos seu esforço intelectual para
defender seu pensamento e dar ainda mais sentido às teses defendidas até o momento. Esse problema
de ser autêntica ou não a inserção da Profissão de Fé, em relação ao modo de exposição de seu
pensamento no Emílio como um todo, passa a ser para nós um falso problema. Isso acontece porque o
ponto de partida, então, para o estudo do texto em questão deve-se ao fato de que a religião tem no
Emílio uma abordagem antropológica e pedagógica - este texto inclusive assume em parte uma forma
semelhante àquela consagrada no Segundo discurso em comparação com o homem no estado de
natureza - quando Rousseau descreve a alteração gradual e qualitativa por que passa a criança quando
aprende algo valendo-se das faculdades e dos conteúdos com os quais trabalham estas mesmas
faculdades. O homem só é levado a crer quando, por suas luzes, tiver condições para crer. Toda uma
dimensão espiritual, cognitiva, parece ser o ponto de partida de acordo com o qual Rousseau passa a
introduzir o problema da religião.