DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.583
Felipe Ramos Musetti
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A questão do fim do estado: confluências e divergências nas
análises de Marx e Engels
Felipe Ramos Musetti
1
Resumo: O presente artigo pretende analisar o modo como Marx e Engels
abordam, criticamente, a relação entre estado moderno e sociedade civil-
burguesa, procurando enfocar na particularidade do tratamento de cada
autor à questão do papel do estado na transição da sociedade burguesa para a
sociedade comunista.
Palavras-chave: Marx; Engels; estado; política; Comuna; revolução.
The question of the end of the state: confluences and divergences
in the analysis of Marx and Engels
Abstract: This article analyzes Marx and Engelss critical approach of the
relationship between modern state and civil-bourgeois society, seeking to
focus on the particularity of each author's treatment of the role of the state in
the transition from bourgeois to communist society.
Keywords: Marx; Engels; state; politics; Commune; revolution.
Introdução
Na história do pensamento ocidental, dificilmente se encontra uma
parceria tão profícua como a formada por Marx e Engels. Como se sabe, a
amizade entre ambos constituiu uma relação colaborativa que se estendeu
para muito além do campo intelectual. Na vasta correspondência trocada
entre eles, pode-se, facilmente, verificar a profundidade do laço afetivo que os
unia, o que remete à pertinência das observações de Paul Lafargue, genro de
Marx, quando salientou que Dinheiro, saber tudo era dividido entre eles
/.../ Engels estendeu sua amizade a toda a família de Marx: tratava como suas
as filhas de Marx, e elas o consideravam um segundo pai. Essa amizade
perdurou no além-túmulo (apud HUNT, 2010, p. 138). Não menos
1
Doutorando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail:
felipermusetti@gmail.com.
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pertinente é a última parte do relato de Lafargue, no sentido de estender a
amizade de ambos para o período posterior à morte de Marx. Bastaria
mencionar que, não fosse o decisivo trabalho editorial de Friedrich Engels,
jamais viriam a blico os Livros II e III de O capital, uma vez que Marx não
conseguiu concluir a redação dos manuscritos em vida
2
. No Prefácio ao
Anti-hring, Engels relata como, após a morte de Marx, postergou uma
série de empreendimentos teóricos pessoais para ocupar-se da tarefa de
editar os trabalhos inconclusos do Mouro (cf. ENGELS, 2015b).
Considerada a dedicação de Engels para levar adiante projetos
inconclusos do falecido amigo, tampouco é negligenciável que algumas das
mais célebres obras que conformam o pensamento marxiano foram escritas
em quatro mãos A ideologia alemã e o Manifesto comunista , de modo
que a identificação da contribuição particular de cada autor nem sempre é
facilmente reconhecida. Ademais, mister ressaltar a contribuição oculta de
Engels nos textos de autoria exclusiva de Marx, o que pode ser verificado, por
exemplo, nas cartas endereçadas ao Mouro sobre o golpe de Luís Bonaparte,
na França de 1848, as quais tiveram passagens decisivas incorporadas na
letra de O 18 de brumário de Luís Bonaparte (cf. ENGELS, 2010, p. 503).
Inversamente, sabe-se que o Anti-Dühring, de autoria exclusiva de Engels,
foi lido para Marx antes de ser publicado
3
.
A intensa troca de ideias e afetos que marca a relação de amizade entre
Marx e Engels delimita o cenário das dificuldades na análise do pensamento
independente de cada autor. Ciente de tais dificuldades, o presente texto
pretende acompanhar os principais movimentos da crítica de Marx e Engels à
política, de modo a apontar os pontos fundamentais de convergência, bem
como algumas diferenças significativas evidenciadas na comparação de textos
independentes de ambos. A amplitude da temática, bem como sua
complexidade, impede o tratamento exaustivo, neste espaço, das obras de
Marx e Engels, razão pela qual a proposta deste artigo se restringe a salientar,
no itinerário de desenvolvimento do pensamento de ambos, os principais
movimentos argumentativos que versam, especificamente, sobre a questão do
fim do estado
4
. Nesse percurso, procurar-se-á considerar o processo de
desenvolvimento da crítica dos autores ao estado e à política até a redação do
2
Sobre a discussão sobre o impacto das intervenções de Engels para clarear ou obscurecer as
posições marxianas originais, cf. Krätke (2015).
3
O Anti-Dühring contou, inclusive, com a contribuição de Marx na redação de algumas
páginas da série de artigos que se centravam na economia política (NETTO in ENGELS,
2015b, p. 14), editadas por Engels antes da publicação.
4
Com isso, não se negligencia a importância da crítica econômica, sobretudo tal como
exposta em O capital, para a formação do pensamento político de Marx e Engels. Ademais, é
possível supor, sem temer grandes equívocos, que escritos como A guerra civil na França e
Crítica do programa de Gotha incorporam, dentro dos limites de seus enfoques temáticos,
os principais resultados da crítica econômica desenvolvida, anteriormente, em O capital.
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Manifesto comunista, no qual se apresenta, pela primeira vez, um programa
de transição, que atribui função específica ao estado na dissolução da
sociedade burguesa e edificação da sociedade comunista. Em seguida,
analisa-se como o desenvolvimento contraditório do capitalismo que sucedeu
às revoluções de 1848, bem como a experiência da Comuna de Paris,
impactam a apreensão marxiana da queso do fim do estado, produzindo
uma concepção para a qual o proletariado, uma vez conquistado o poder
político, não pode utilizar o estado para os seus próprios fins. Observar-se,
por fim, como tal concepção o é compartilhada, em sua integralidade, por
Friedrich Engels, que se pronuncia em sentido contrário em alguns
momentos decisivos de sua obra própria. Assim, espera-se esclarecer certa
ambiguidade presente no trato de Engels à questão do estado moderno, sem,
com isso, diminuir o peso e a importância desse autor apaixonante para a
formulação da crítica à sociedade civil-burguesa.
A crítica da política no processo formativo de Marx e Engels
No que se refere ao pensamento marxiano, importa anotar que sua
particularidade se define pela posição crítica em relação à filosofia hegeliana,
cujos primeiros traços aparecem em Crítica da Filosofia do direito de Hegel,
redigida em 1843. Os chamados Manuscritos de Kreuznach
5
marcam o
momento no qual Marx submete à crítica rigorosa a principal referência
filosófica que orientava o seu pensamento a filosofia de Hegel ,
consubstanciando os primeiros passos de uma posição teórica própria. A
gênese da crítica marxiana da política coincide, assim, com o início da
formação do pensamento original de Marx, cuja especificidade se define na
rejeição radical à razão especulativa sob forte influência de Feuerbach ,
bem como à concepção positiva do estado, secular na história da filosofia
política, no sentido de considerá-lo instância realizadora do interesse geral
da sociedade
6
.
5
Esclarece-se que a obra intitulada Crítica da Filosofia do direito de Hegel é composta de
manuscritos inacabados, que nunca foram publicados durante a vida do autor. Também é
conhecida como “Manuscritos de Kreuznach”, em referência à cidade onde o texto foi
produzido.
6
O percurso analítico adotado neste artigo que passa pela formação da especificidade da
crítica marxiana, em 1843, para acompanhar seus desdobramentos até a redação da Crítica
do programa de Gotha, em 1875 revela que, sobretudo no que se refere à crítica marxiana
do estado e da política, uma continuidade evidente no desenvolvimento do pensamento
marxiano ao longo de todo o período, não obstante a ocorrência de aprimoramentos
decisivos. A esse respeito, o equívoco de clivar o desenvolvimento da crítica marxiana pela
oposição entre o jovem Marx e o Marx da maturidade foi devidamente enfatizado em
Chasin (2009), juntamente com a importância crucial da Crítica da Filosofia do direito de
Hegel (1843) no itinerário de formação do pensamento próprio de Marx.
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O contexto de tal ruptura no itinerário formativo de Marx é descrito
pelo próprio autor. No conhecido Prefácio de 1857 à obra Contribuições à
crítica da economia política, Marx relata que, nos anos de 1842-3, na
qualidade de redator da Rheinische Zeitung (Gazeta Renana), viu-se, pela
primeira vez, na embaraçosa obrigação de opinar sobre os chamados
interesses materiais, razão pela qual aproveita sua saída do periódico, em
1843, para deixar a cena pública e se recolher ao gabinete de estudos. Ainda
segundo o filósofo alemão, o primeiro trabalho empreendido para resolver as
dúvidas que o assaltavam foi uma revisão crítica da Filosofia do direito, de
Hegel, trabalho cuja introdução apareceu nos Anais franco-alemães,
publicados em Paris em 1844 (MARX, 2008, pp. 46-7). Importa reter,
motivado pelo embaraço surgido nas primeiras tentativas de discorrer sobre
os interesses materiais, o primeiro acerto de contas com a filosofia
hegeliana resulta em significativa mudança no pensamento marxiano,
sobremaneira no que se refere a sua compreensão do estado político.
Tal mudança é sintetizada pelo próprio Marx, que, discorrendo sobre
os resultados de sua revisão crítica da filosofia hegeliana do direito, assevera
que:
as relações jurídicas, bem como as formas de estado, não podem
ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do
espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas
condições materiais de existência, em suas totalidades, condições
estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do século 18,
compreendia sob o nome de “sociedade civil”. Cheguei também à
conclusão de que a anatomia da sociedade burguesa deve ser
procurada na economia política (MARX, 2008, p. 47).
Tal conclusão, atingida com a redação dos Manuscritos de
Kreuznach, é aprofundada nos textos subsequentes, sobretudo em Sobre A
questão judaica e Crítica da Filosofia do direito de Hegel Introdução,
publicados em 1844, nos Anais franco-alemães. Ambos reforçam a
concepção negativa da política desenvolvida por Marx, estruturada pela
identificação da relação orgânica entre sociedade burguesa e estado moderno.
Em contraste radical com a pretensão de aperfeiçoar o aparato estatal
conforme às exigências da Razão presente nos artigos da Gazeta Renana
7
,
7
De modo a explicitar a redação dos “Manuscritos de Kreuznach” como ponto de virada no
processo formativo de Marx, registre-se, em poucas linhas, a transformação da concepção
marxiana do estado. Em artigo intitulado “Debates sobre a lei referente ao furto de madeira”,
publicado na Gazeta Renana, em 1842, evidencia-se no pensamento de Marx a defesa do
estado racional no período que antecede à mencionada revisão crítica da filosofia hegeliana.
Ao analisar projeto de lei penal que criminalizava a coleta de madeira pelos camponeses, a
argumentação marxiana, de modo geral, critica a irracionalidade do dispositivo legal, que
sacrifica o seu “dever universal de dizer a verdade” para garantir os interesses particulares
dos proprietários de terra. Em outros termos, convencido que a criminalização da prática
camponesa pressupunha a sobreposição dos interesses mesquinhos dos proprietários
fundiários em detrimento do interesse geral da sociedade, Marx identifica o problema na
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Marx argumenta que o estado atinge sua verdadeira forma definitiva com a
dissolução da sociedade feudal e a formação da sociedade burguesa, de modo
que, longe de anular as diferenças fáticas produzidas pelo movimento da
propriedade privada, o estado existe tão somente sob o pressuposto delas
(MARX, 2010, p. 40). Em outras palavras, atentando para a contradição
entre o estado e seus pressupostos gerais (MARX, 2010, p. 38), a crítica
marxiana observa que o estado político pleno corresponde à comunidade
ilusória exigida pela sociedade burguesa e seus elementos, à medida que o
desenvolvimento da propriedade privada moderna corresponde à plena
separação entre o indivíduo que se expressa, concretamente, na figura do
bourgeois egoísta e a sua vida genérica, que se expressa no estado moderno
como soberania fictícia e universalidade irreal. Nesse sentido, Marx
observa a correlação entre a realização plena do estado e a emancipação do
espírito egoísta da sociedade burguesa frente às amarras políticas que
obstavam seu movimento (cf. MARX, 2010, p. 52). Frise-se que, para Marx,
longe de solucionar os conflitos estruturantes da sociedade burguesa, o
estado é produzido por eles, os tem como pressuposto, razão pela qual a
superação da propriedade privada implica, igualmente, a superação do estado
(cf. MARX, 2010, p. 54).
Ademais, em Crítica da Filosofia do direito de Hegel Introdução, o
proletariado é identificado como a classe que, como produto autêntico da
sociedade burguesa, concentra nas suas próprias condições de vida a
necessidade da emancipação humana, de modo que, quando anuncia a
dissolução da ordem social existente apenas declara o mistério da sua
própria existência, uma vez que é a efetiva dissolução desta ordem (MARX,
2006b, p. 156). A efetiva necessidade de superação da ordem burguesa se
expressa, concretamente, na existência do proletariado, que, ao exigir a
negação da propriedade privada, apenas estabelece como princípio da
sociedade o que a sociedade elevara a princípio do proletariado e que este
involuntariamente encarna enquanto resultado negativo da sociedade
(MARX, 2006b, p. 156). Uma vez que encarna, involuntariamente, a negação
da propriedade privada, o proletariado torna-se o coração da emancipação
humana, que supera o estado e a política.
Para os objetivos deste artigo, a arquitetônica da crítica marxiana da
imperfeição do estado, que se deixa corromper ao degenerar sua universalidade em prol de
interesses privados. Segundo o autor, “o estado assegurará o interesse privado dos senhores
na medida em que este puder ser garantido por meio de leis racionais e medidas preventivas
racionais” (MARX, 2017, pp. 119-20). Não se trata de questionar a contradição entre estado e
seus pressupostos gerais, mas a irracionalidade de leis e medidas preventivas que
corrompem a universalidade do estado. Para uma análise detida da configuração do
pensamento marxiano no período da Gazeta Renana, cf. Eidt (1998).
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política, ainda que exposta em termos gerais
8
, é importante para indicar o
peso da crítica à política no pensamento de Marx no período de 1843-4,
momento de sua chegada à Paris, onde, no verão de 1844, após encontro
marcado por bebedeiras no Café de la Régence, iniciaria sua parceria com
Friedrich Engels. Filho de industrial, Engels optou por passar um tempo na
cidade francesa quando retornava de Manchester a sua casa, em Barmen,
após período trabalhando na empresa do pai (cf. HUNT, 2010, pp. 91-133).
Trazia consigo o material que comporia sua célebre obra, A situação da
classe trabalhadora na Inglaterra, que seria redigida em sua cidade natal e
publicada em 1845. Engels narra que, quando visitei Marx em Paris no verão
de 1844, nossa concordância cabal em todos os campos teóricos ficou
evidente e nosso trabalho em conjunto data dessa época (apud HUNT, 2010,
pp. 137-8). Tal relato é, de certo modo, corroborado pela descrição de Marx,
no Prefácio de 1859, onde afirma que Friedrich Engels /.../ chegou por outro
caminho /.../ ao mesmo resultado que eu (MARX, 2008, pp. 48-9). Como se
sabe, o encontro de ambos em Paris resultou em dias intensos de debates e na
primeira obra conjunta A sagrada família , para a qual Engels, antes de
seguir viagem e retornar a Barmen, deixou sua importante contribuição.
Obra destinada ao acerto de contas com a filosofia especulativa dos
irmãos Bauer, A sagrada família retoma temas centrais dos textos anteriores
de Marx, sobretudo no que se refere à relação entre estado e sociedade civil-
burguesa, desenvolvida em Sobre A questão judaica. Os autores asseveram
que:
assim como o estado antigo tinha como fundamento natural a
escravidão, o estado moderno tem como base natural a sociedade
burguesa e o homem da sociedade burguesa, quer dizer, o homem
independente, entrelaçado com o homem apenas pelo vínculo do
interesse privado e da necessidade natural inconsciente, o escravo
do trabalho lucrativo e da necessidade egoísta, tanto da própria
quanto da alheia (MARX; ENGELS, 2011, p. 132).
De modo a reter o essencial, salienta-se a concepção, compartilhada
por Marx e Engels, da relação de complementariedade entre, de um lado, o
estado moderno como comunidade abstrata e, de outro, a sociedade
burguesa, estruturada de tal modo que a vinculação dos homens entre si é
estabelecida pelo interesse privado e pela necessidade natural
inconsciente. O texto dA sagrada família explicita a compreensão dos
autores acerca da gênese do estado, compreendido como mediação alienada
entre indivíduo e comunidade exigida pela lógica contraditória da sociedade
burguesa, que dissolve os privilégios medievais e, com isso, constitui uma
coletividade exclusiva mais reduzida, pois não vincula os homens entre si
8
Realizou-se uma alise detida da crítica marxiana da política no período de 1843-4 em
Musetti (2014, pp. 43-63). O caráter negativo da politicidade em Marx é rigorosamente
desenvolvido em Chasin (2000).
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nem sequer através da aparência de um nexo geral. A forma acabada do
estado moderno corresponde, assim, à consolidação da moderna propriedade
privada e da forma de intercâmbio a ela correspondente, marcada pela
guerra de todos os indivíduos, uns contra os outros, apenas delimitados
entre si por sua individualidade (MARX; ENGELS, 2011, p. 135). Nesse
sentido a afirmação dos autores, segundo a qual a antítese entre o estado
representativo democrático e a sociedade burguesa é a culminação da
antítese clássica entre a comunidade pública e a escravidão (MARX;
ENGELS, 2011, p. 135). Diante do círculo vicioso que abrange estado
moderno e propriedade privada como dimensões solidárias entre si, Marx e
Engels defendem a superação da sociedade burguesa pelo proletariado, que
o pode libertar-se a si mesmo sem suprassumir suas próprias condições
de vida, tampouco suprassumir suas próprias condições de vida sem
suprassumir todas as condições de vida desumana da sociedade atual, que se
resumem em sua própria situação (MARX; ENGELS, 2011, p. 49). O
proletariado encarna, pois, a possibilidade histórica objetiva de superação da
sociedade burguesa e do estado:
O proletariado executa a sentença que a propriedade privada
pronuncia sobre si mesma ao engendrar o proletariado, do mesmo
modo que executa a sentença que o trabalho assalariado pronuncia
sobre si mesmo ao engendrar a riqueza alheia e a miséria própria.
/.../ Não se trata do que este ou aquele proletário, ou até mesmo do
que o proletariado inteiro pode imaginar de quando em vez como
sua meta. Trata-se do que o proletariado é e do que ele se
obrigado a fazer historicamente de acordo com o seu ser. Sua meta
e sua ação histórica se acham clara e irrevogavelmente
predeterminadas por sua própria situação de vida e por toda a
organização da sociedade burguesa atual. (MARX; ENGELS, 2011,
pp. 48-9)
É certo que o fragmento textual destinado à questão do estado em A
sagrada família foi redigido por Marx, que, conforme relata Engels, estendeu
significativamente o tamanho da obra original após seu retorno a Barmen (cf.
HUNT, 2010, p. 140). Não obstante, dificilmente se poderia contestar a
concordância dos autores acerca dos principais pontos da crítica da política,
reforçada pelo autor de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra nas
poucas passagens da obra dedicadas ao tema. Engels explicita a compreensão
da relação orgânica entre estado e sociedade burguesa, ao aduzir, em estilo
próprio, sobre o papel do estado na luta entre burguesia e proletariado, a
qual, segundo o autor, é constitutiva da contradão entre capital e trabalho
que estrutura a sociedade burguesa
9
. De acordo com a letra de A situação da
classe trabalhadora na Inglaterra:
9
Demonstrando precoce compreensão da contradição fundamental que estrutura a
sociedade burguesa, Engels se expressa da seguinte forma: “a relação entre o industrial e o
operário não é uma relação humana: é uma relação puramente econômica o industrial é o
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O proletariado é desprovido de tudo entregue a si mesmo, não
sobreviveria um único dia, porque a burguesia se arrogou o
monopólio de todos os meios de subsistência, no sentido mais
amplo da expressão. Aquilo de que o proletariado necessita, só
pode obtê-lo dessa burguesia, cujo monopólio é protegido pela
força do estado. Eis por que o proletariado, de direito e de fato, é
escravo da burguesia, que dispõe sobre ele de um poder de vida e
de morte. Ela lhe oferece os meios de subsistência, mas em troca de
um equivalente seu trabalho; e chega ao ponto de lhe dar a
aparência de agir segundo sua própria vontade, de estabelecer
livremente com ela um contrato, sem constrangimentos, como se o
proletariado fosse o autor de seu pprio destino. Bela liberdade,
que deixa ao proletariado, como alternativa à aceitação das
condições impostas pela burguesia, a chance de morrer de fome, de
frio, de deitar-se nu e dormir como um animal selvagem.
(ENGELS, 2015, p. 118)
Conforme argumentação engelsiana, o estado garante, no plano do
direito, a escravidão do proletariado pela burguesia no plano fático. Mais
adiante, discorrendo sobre a livre concorrência e o regime do laissez-faire e
laissez-aller, Engels salienta que, embora seu ideal seria operar numa
ordem social privada de estado, na qual cada um pudesse explorar livremente
o próximo, a sociedade burguesa não pode dispensar o estado, já que não
teria como conter o proletariado sem ele (ENGELS, 2015, p. 309). Com
efeito, ainda que não se encontre, nas primeiras obras de Engels, uma
extensa reflexão acerca do estado moderno (sobretudo quando se compara à
importância do tema nas primeiras formulações de Marx), as referências
contidas em A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, ainda que
poucas e dispersas ao longo do texto, indicam a concordância com os termos
fundamentais da crítica à política que desenvolveria junto com Marx. Tal
concordância é registrada nA ideologia alemã, redigida em quatro mãos
durante a temporada que Marx e Engels residiram em Bruxelas, em 1846,
bem como no Manifesto comunista, de 1848.
Em A ideologia alemã, os autores voltam a investigar a gênese do
estado, identificando sua origem no surgimento da divisão do trabalho, das
classes sociais e da propriedade privada, cujo desenvolvimento separa os
interesses particulares dos interesses gerais e produz a necessidade histórica
da política como comunidade ilusória. Para Marx e Engels:
é precisamente dessa contradição do interesse particular com o
interesse coletivo que o interesse coletivo assume, como estado,
uma forma autônoma, separada dos reais interesses singulares e
gerais e, ao mesmo tempo, como comunidade ilusória (MARX;
ENGELS, 2009, p. 37).
Ao demarcar a gênese da política na divisão do trabalho, os autores
consolidam a concepção da sociedade burguesa como ponto de maturação da
separação entre indivíduo e vida genérica, na qual, por meio da emancipação
‘capital’, o operário é o ‘trabalho’” (ENGELS, 2015, p. 308).
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da propriedade privada em relação à comunidade, o estado se tornou uma
existência particular ao lado e fora da sociedade civil (MARX; ENGELS,
2009, p. 75). A estrutura argumentativa desenvolvida por Marx, desde 1843,
é mantida, no sentido de considerar o estado como produto da
autonomização da vida social dos indivíduos, que passa a se contrapor a eles
como um poder estranho. Não obstante, conforme salientam os autores dA
ideologia alemã, tal autonomia do estado, como poder estranho diante da
sociedade civil, é apenas relativa, à medida que, por meio dele, a burguesia dá
a seu interesse dio uma forma geral (MARX; ENGELS, 2009, p. 75). De
acordo com Marx e Engels, por ser a forma na qual os indivíduos de uma
classe dominante fazem valer seus interesses comuns, o estado sintetiza a
sociedade civil inteira de uma época, de tal modo que todas as instituições
coletivas são mediadas pelo estado e adquirem por meio dele uma forma
política (MARX; ENGELS, 2009, p. 76). Em suma, como produto da
alienação entre indivíduo e comunidade que encontra forma maturada na
moderna sociedade burguesa, o estado se autonomiza frente à sociedade civil,
tornando-se poder independente que, não obstante, cumpre a função de
preservar o interesse médio da burguesia, ao fazer a ingerência e a
contenção práticas dos conflitos que ameaçam o conteúdo particular a
propriedade privada que o estado generaliza como interesse geral
10
.
Ademais, ao mediar todas as instituições coletivas da sociedade, o estado
atribui-lhes forma política, que coincide, nesse sentido, com a comunidade
ilusória conformada no movimento de generalização do interesse particular
da burguesia como interesse geral. A contradição que fundamenta o estado
constitui determinada forma política, que, por sua vez, não se esgota no
estado, haja vista que, enquanto a forma política perpassa todas as
instituições coletivas mediadas pelo estado, este concentra função específica
de ingerência e contenção das práticas que ameaçam os interesses materiais
que visa a preservar.
Em A ideologia alemã, Marx e Engels desdobram argumentação que
sublinha a necessidade de superação da sociedade burguesa e, com ela, o
estado e a política, concebidos negativamente, como instâncias não
resolutivas dos conflitos sociais
11
. Conforme salientam os autores, a liberdade
pessoal se torna possível apenas em comunidade, ou, mais especificamente,
na substituição da comunidade aparente [scheinbare Gemeinschaft]
10
Registre-se a complementariedade, em A ideologia alemã, das duas dimensões do estado
moderno na sociedade burguesa: de um lado, poder autônomo, impessoal, que cumpre a
função de preservar os fundamentos da sociedade burguesa; de outro, instrumento de
dominação de classe, à medida que a preservação da propriedade privada pressupõe, de
modo geral, a manutenção da dominação da burguesia sobre o proletariado.
11
Segundo Marx e Engels, “todas as lutas no interior do estado /.../ não são mais do que
formas ilusórias em geral, a forma ilusória da comunidade nas quais são travadas as lutas
reais entre as diferentes classes” (MARX; ENGELS, 2009, p. 37).
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encarnada pelo estado pela comunidade real [wirklichen Gemeinschaft], que
subordina o desenvolvimento humano a um plano geral de indivíduos
livremente associados (MARX; ENGELS, 2009, p. 69) e, por conseguinte,
prescinde do estado e da política. Nos termos dA ideologia alemã, na
comunidade real, os indivíduos obtêm simultaneamente sua liberdade na e
por meio da associação (MARX; ENGELS, 2009, p. 64), diferentemente dos
sucedâneos da comunidade existentes aaqui, no estado etc., nas quais a
liberdade pessoal existia apenas para os indivíduos desenvolvidos nas
condições da classe dominante e somente na medida em que eram indivíduos
dessa classe (MARX; ENGELS, 2009, p. 64).
Não obstante, uma vez que a luta pela conquista da emancipação
humana tem como ponto de partida a sociedade burguesa e o estado
moderno que lhe corresponde , segue-se que:
toda a classe que almeje à dominação, ainda que sua dominação,
como é o caso do proletariado, exija a superação de toda a antiga
forma de sociedade e a superação da dominação em geral, deve
primeiramente conquistar o poder político, para apresentar seu
interesse como interesse geral, o que ela no primeiro instante se
obrigada a fazer (MARX; ENGELS, 2009, p. 37).
Com efeito, Marx e Engels desenvolvem, em A ideologia alemã, uma
crítica ao estado e à política, na qual convivem a concepção radicalmente
negativa da política, de um lado, e a necessidade da conquista do poder
político como momento incontornável da revolução social, de outro. Em
outros termos, mantendo posição que apreende a política como instância
não-resolutiva e, nesse sentido, reforçando a impossibilidade de solucionar
os conflitos da sociedade civil por meio da política , os autores destacam que
o proletariado é obrigado a conquistar o poder político, haja vista que o
terreno objetivo no qual sua luta é travada pressue a sociedade burguesa e
o estado moderno, que atribui forma política a todas as instituições coletivas.
Destarte, a ação prática do proletariado, direcionada para efetivar seu
interesse objetivo em superar a sociedade burguesa e, com ela, toda a
dominação de classes, deve englobar a necessidade de conquista do poder
político, sem perder de vista, contudo, o caráter alienante do estado e da
política, que se autonomizam frente à sociedade civil para cumprir sua função
de permitir o livre movimento da propriedade privada.
No Manifesto comunista, Marx e Engels apresentam uma primeira
formulação programática para realizar a conquista do poder político pelo
proletariado. Os autores insistem que o poder político é o poder organizado
de uma classe para a opressão da outra (MARX; ENGELS, 2011b, p. 59), mas
reconhecem que o primeiro passo da transformação da sociedade burguesa
pressupõe a elevação do proletariado a classe dominante, para que sua
supremacia política possa servir para arrancar pouco a pouco todo o capital
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da burguesia. Tal movimento, identificado pelos autores do Manifesto como
a conquista da democracia (MARX; ENGELS, 2011b, p. 58), deveria
conduzir o processo de dissolução das relações que estruturam a dominação
de classe, de tal modo que, quando, no curso do desenvolvimento,
desaparecerem os antagonismos de classes e toda a produção for concentrada
nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá o seu caráter
político (MARX; ENGELS, 2011b, p. 59).
Note-se que os lineamentos básicos da crítica de Marx e Engels à
política permanecem inalterados, sobretudo no que se refere ao vínculo
indissocvel entre o caráter político do poder público e os antagonismos de
classes que atravessam a sociedade burguesa. Os autores são explícitos ao
afirmarem que, uma vez superadas as classes sociais pela associação livre dos
indivíduos, desaparece a necessidade do poder político. Sem embargo,
durante o complexo itinerário de transformação da sociedade existente, a
conquista do poder político é necessária para encaminhar as práticas
dissolutivas, através das quais a classe trabalhadora destrói violentamente
as antigas relações de produção, bem como as condições de existência dos
antagonismos entre as classes. Por conseguinte, destrói também as classes
em geral e, com isso, sua própria dominação como classe (MARX; ENGELS,
2011b, p. 59).
O ponto a ser salientado, de modo a concluir este tópico, se refere ao
modo como Marx e Engels concebem, concretamente, a conquista do poder
político pela classe trabalhadora. Para os autores do Manifesto, a supremacia
política do proletariado será utilizada para centralizar todos os instrumentos
de produção nas mãos do estado, de modo a aumentar o mais rapidamente
possível o total das forças produtivas (MARX; ENGELS, 2011b, p. 58). A
organização do proletariado como classe dominante é identificada, nesse
passo, à posse do poder estatal e na sua utilização para controlar os
instrumentos de produção, de modo a implementar intervenções despóticas
no direito de propriedade e nas relações de produção burguesas, bem como
outras medidas que no desenrolar do movimento ultrapassarão a si mesmas
e serão indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de
produção (MARX; ENGELS, 2011b, p. 58). A importância da utilização do
poder estatal na transição para a organização dos indivíduos livremente
associados transparece nas dez medidas revolucionárias que encerram a
seção II do Manifesto, à medida que ao menos três delas se referem,
explicitamente, a um papel ativo do estado na transformação das relações
burguesas. Nesse ponto, o texto do Manifesto comunista se aproxima da letra
engelsiana em Princípios básicos do comunismo, redigido em 1847, onde se
que o domínio político do proletariado estabelece uma Constituição
democrática do estado, bem como implementa medidas que atacam
diretamente a propriedade privada e asseguram a existência do
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proletariado (ENGELS, 2020). Após elencar 12 medidas, no interior das
quais se destaca o papel ativo do estado na transformação da sociedade,
Engels aduz que o proletariado ver-se obrigado a seguir sempre para
diante, a concentrar cada vez mais nas mãos do estado todo o capital, toda a
agricultura, toda a indústria, todo o transporte, toda a troca (ENGELS,
2020). Não se defende, pois, apenas o uso do estado, mas sua intensificação
durante a transição para a sociedade comunista.
Não se pretende, neste espaço, analisar detidamente as diferenças
entre os termos de Princípios básicos do comunismo e a redação final do
Manifesto comunista. A comparação entre ambos interessa apenas para
indicar que a defesa de uma centralização dos instrumentos de produção nas
mãos do estado, tal como exposta no Manifesto, pode ter sofrido uma
influência decisiva da pena engelsiana, haja vista que o autor se manifesta em
termos muito similares em texto próprio, redigido poucos meses antes.
Contudo, tal indício não tem força conclusiva e tampouco deve obscurecer o
fato de que a autoria do Manifesto é tributada a ambos, o que invalida
qualquer insinuação de discordância por parte de Marx frente às proposições
enunciadas no texto. Registre-se, assim, que no início de 1848, Marx e Engels
identificavam a conquista do poder político pelo proletariado com a posse e
uso do aparato estatal no processo transformativo que conduz à dissolução da
sociedade burguesa e à edificação de uma associação na qual o livre
desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de
todos (MARX; ENGELS, 2011b, p. 59). Observa-se, a seguir, a importância
do ano de 1848 para o desenvolvimento da sociedade burguesa, bem como
para a concepção de Marx e Engels acerca do estado.
A forma política enfim encontrada: o desmonte do estado na
análise marxiana da Comuna de Paris
Quase simultaneamente à publicação do Manifesto comunista, as
revoluções de 1848, denominadas por Hobsbawm como Primavera dos
povos (cf. HOBSBAWM, 2009, pp. 27-50), eclodiram e se espalharam por
vários territórios do continente europeu. Compreendendo, rapidamente, a
importância dos processos revolucionários de 1848 na nese da moderna
sociabilidade do capital (cf. CLAUDÍN, 1985), Marx e Engels procuraram
intervir ativamente nos rumos da realidade alemã, ao mesmo tempo em que
acompanharam com especial atenção os desdobramentos dos levantes em
Paris, tornada, mais uma vez, epicentro do terremoto revolucionário que
assolou a Europa. Na Alemanha, os amigos centraram seus esforços na
atuação jornalística da Nova Gazeta Renana, na qual publicaram diversos
artigos contendo análises rigorosas da luta de classes em 1848 (cf. COTRIM,
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2007). Vale anotar que Engels participou ativamente nas barricadas de
Elberfeld, bem como de alguns combates na campanha de Baden, dos quais
destaca-se a batalha da fortaleza de Rastatt, relatada em Die deutsche
Reichsverfassungskampagne (cf. ENGELS, 2020b). Não obstante, após o
desfecho conservador dos levantes populares na França e na Alemanha,
ambos buscaram exílio na Inglaterra, onde acabaram por se estabelecer nas
décadas seguintes.
Não como negligenciar o impacto das revoluções de 1848 nas obras
de Marx e Engels, sobretudo no que se refere à reflexão de ambos acerca da
relação entre política e luta de classes. o conhecidas as importantes
análises de Marx acerca da particularidade francesa, registradas em A luta de
classes na França e O 18 de brumário de Luís Bonaparte, bem como a
extensa reflexão engelsiana sobre o bonapartismo alemão, desenvolvida,
sobretudo, em Sobre o papel da violência na história
12
. Para os objetivos
desta seção, importa acompanhar, em linhas gerais, o desenvolvimento
independente do pensamento político marxiano, procurando observar como
o desenvolvimento do problema acerca do uso revolucionário do estado é
impactado pela experiência de 1848 e pela Comuna de Paris
13
.
Frise-se, de início, que as análises desenvolvidas em A luta de classes
na França e O 18 de brumário de Luís Bonaparte são retomadas no texto
sobre a Comuna de Paris, também de sua autoria, intitulado A guerra civil na
12
Sobre a extensa reflexão engelsiana sobre o bonapartismo, cf. Assunção (2015).
13
Reitera-se que, tendo em vista o escopo do presente artigo, não seria possível expor, com o
rigor necessário, os desenvolvimentos decisivos da crítica marxiana da economia política que
culminariam na publicação de O capital, em 1867. Ainda que a repercussão de tais
desenvolvimentos na maturação da crítica marxiana da política seja inegável, intenta-se
priorizar escritos nos quais se destaca o tema do uso revolucionário do estado, como A
guerra civil na França e Crítica do programa de Gotha. Vale registrar, tais textos foram
redigidos após a elaboração da crítica econômica madura de Marx e, nesse sentido,
incorporam os seus principais desdobramentos. Ademais, a continuidade da reflexão sobre
os processos revolucionários franceses compreendida, sobretudo, nas obras As lutas de
classe na França (1850), O 18 de brumário de Luís Bonaparte (1852) e A guerra civil na
França (1871) ao longo de todo o desenvolvimento do pensamento marxiano indica o
equívoco dos intérpretes que, ao exaltar os resultados da maturação da crítica econômica de
Marx em O capital, ofuscam os seus textos políticos de análise concreta da luta de classes.
Destarte, tais textos registram a relevância, na obra madura de Marx, de categorias como luta
de classes, interesse de classe, exploração, propriedade privada etc., sobretudo no que se
refere ao tema do estado. Nesse preciso sentido, poder-se-ia discordar de Moishe Postone,
quando, em sua argumentação, opõe ao que considera ser procedimento crítico do marxismo
tradicional a crítica da posição [standpoint] do trabalho, que entende a dominação do
capital essencialmente em termos de dominação de classe, enraizada na propriedade
privada dos meios de produção a sua crítica social do trabalho no capitalismo, que
caracteriza a forma de dominação mais fundamental da sociedade capitalista como uma
forma de dominação abstrata, impessoal, estrutural, que subjaz à dinâmica histórica do
capitalismo (POSTONE, 2006, p. 68). Não obstante os méritos da investigação do autor,
aponta-se que a análise detida de A guerra civil na França e Crítica do programa de Gotha
revelam que tais formas de crítica, distinguidas por Postone, o dimensões
complementares no interior da cientificidade marxiana.
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França. Tais escritos, embora destinados à análise de uma conjuntura
específica, apresentam desdobramentos decisivos para os principais
elementos da crítica marxiana da política, sobretudo no que se refere à
necessidade da conquista do poder político por parte do proletariado,
enfatizada em A ideologia alemã e no Manifesto comunista. Ademais,
permitem identificar indícios de uma importante mudança da concepção de
Marx sobre o papel do estado na luta do proletariado contra o capital, tal
como exposta no Manifesto comunista, redigido conjuntamente com Engels.
Em A guerra civil na França, Marx retoma reflexão acerca da gênese
do estado moderno, presente em seu pensamento desde sua Crítica da
Filosofia do direito de Hegel, redigida em 1843. Tal como esboçado nos
Manuscritos de Kreuznach, a crítica marxiana reconhece a origem do
estado moderno nos tempos da monarquia absoluta, quando serviu à
nascente sociedade da classe média como uma arma poderosa na luta contra
o feudalismo. Não obstante, coube à enorme vassoura da Revolução
Francesa do século XVIII a função de varrer todo tipo de restos medievais,
de modo a limpar o solo social dos últimos estorvos que se erguiam ante a
superestrutura do edifício do estado moderno (MARX, 2011b, p. 54). No
Primeiro rascunho que originou o texto final de A guerra civil na França,
Marx desdobra a argumentação ao aduzir que a Revolução Francesa de 1789,
com sua tarefa de fundar a unidade nacional (de criar uma nação),
consolida um processo iniciado pela monarquia absoluta: a centralização e
organização do poder do estado, de modo a expandir a circunferência e os
atributos do poder estatal, o número de seus instrumentos, sua
independência e seu poder sobrenatural sobre a sociedade real, poder que, de
fato, tomou o lugar do céu sobrenatural medieval e seus santos (MARX,
2011b, p. 125). Como resultado do movimento de formação do estado
moderno, todo interesse singular engendrado pelas relações entre grupos
sociais foi separado da própria sociedade, fixado e tornado independente dela
e a ela oposto na forma do interesse estatal (MARX, 2011b, pp. 125-6).
A continuidade com a reflexão desenvolvida no itinerário que culmina
em A ideologia alemã é evidente, no sentido de compreender o estado
moderno como produto da cisão entre interesse particular e interesse geral
consolidada pela Revolução Francesa. O ponto central da análise marxiana,
não obstante, consiste na notável mudança sofrida pelo caráter político do
estado, à medida que ganha forma a moderna luta de classes, a luta entre
capital e trabalho, cuja maturação se explicita nas revoluções de 1848.
Segundo Marx, ainda que o estado fora sempre o poder para a manutenção
da ordem, isto é, da ordem existente da sociedade e, portanto, da
subordinação e exploração da classe produtora pela classe apropriadora, ele
sofre uma marcante mudança quando a sociabilidade do capital deixa de ser
uma força revolucionária contra o feudalismo para atingir seu ponto de
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maturação. De um lado, à medida que a ordem do capital foi aceita como
uma necessidade incontroversa e incontestada, o poder estatal pôde
assumir um aspecto de imparcialidade (MARX, 2011b, p. 170),
naturalizando a moderna subordinação de classes como ordem incontestável
das coisas. De outro lado, com a entrada da própria sociedade em nova fase,
a fase da luta de classes, o poder estatal, como força pública organizada do
estado, desenvolve cada vez mais seu caráter de instrumento do despotismo
de classe, de engrenagem política voltada a perpetuar a escravização social
dos produtores da riqueza por seus apropriadores, do domínio econômico do
capital sobre o trabalho (MARX, 2011b, p. 170). Note-se que, tal como em A
ideologia alemã, o caráter de instrumento de classe do estado convive,
simultaneamente, com sua dimensão de poder impessoal do capital sobre o
trabalho, razão pela qual garante o domínio dos apropriadores mantendo a
aparência de imparcialidade
14
. Não obstante, os vínculos entre a comunidade
ilusória do estado e o movimento do capital são explicitados quando efetivada
a completa dissolução da sociabilidade feudal, que acaba por intensificar o
antagonismo entre capital e trabalho.
Embora gestada ao longo do itinerário histórico do I Império à
Monarquia de Julho, o marco de tal mudança significativa no caráter político
do estado é constituído pelas revoluções de 1848 na França, mais
especificamente pelo significado das jornadas de junho na luta do trabalho
contra o capital. Recorde-se que, conforme análise desenvolvida em A luta de
classes na França e O 18 de brumário de Luís Bonaparte, a Revolução de
Fevereiro, que derrubou a Monarquia de Julho e proclamou a República
com instituições sociais, configura a repetição farsesca da tragédia
encarnada pela Revolução Francesa de 1789, quando o triunfo da burguesia
sobre a monarquia absoluta dos Bourbon representou a vitória da sociedade
moderna em luta contra a sociedade feudal. Para Marx, o contraste entre
1789 e 1848 se define pela função que cada processo revolucionário
desempenha no processo de formação das bases estruturais da sociedade
burguesa: de um lado, a Revolução Francesa de 1789 expressou a potência
revolucionária da sociedade burguesa contra uma estrutura social
14
Mesmo sem poder desenvolver detalhadamente, poder-se-ia indagar sobre a pertinência da
reflexão de Michael Heinrich, ao sugerir que a crítica madura de Marx à economia política
problematiza uma suposta concepção instrumentalista de estado isto é, o estado como
meio de dominação de classe para priorizar uma análise do estado como um poder sem
sujeito, que opera para assegurar os fundamentos da sociedade capitalista. Sem descartar
completamente o caráter de classe do estado, Heinrich enfatiza que ele deve ser uma força
discreta, independente, à medida que tem que compelir todos os membros da sociedade a se
reconhecerem mutuamente como proprietários privados (HEINRICH,2012, pp. 199-218).
Ainda que não inteiramente equivocada, o limite da argumentação se encontra, justamente,
na oposição de duas dimensões do estado que, para a análise marxiana, sempre foram
complementares: de um lado, é expressão política do poder impessoal do capital, de outro,
instrumento da classe dominante para a manutenção de seu poder sobre as demais classes.
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predominantemente feudal, circunstâncias que permitiram uma coincidência
real e efetiva entre o interesse particular da burguesia em formação e o
interesse geral das demais classes exploradas; de outro lado, a Revolução de
Fevereiro realiza-se em contexto histórico marcado pela maturação do modo
de produção regido pelo capital, razão pela qual resultou na versão prosaica
da república burguesa, que sacrificou os interesses do proletariado que a
erigiu as ilusões sociais da Revolução de Fevereiro para garantir a
manutenção das relações de produção vigentes. O desfecho dos levantes
revolucionários no massacre dos insurgentes de junho explicita, de uma vez
por todas, o compromisso do estado com o despotismo do capital,
evidenciando que, na Europa, as questões em pauta iam além da alternativa
República ou Monarquia’” (MARX, 2011, p. 36).
Ao retomar a gênese do estado no itinerário das revoluções francesas,
a crítica marxiana atenta para o processo de maturação da relação-capital e
seu impacto na luta de classes, observando que a consolidão das modernas
relações de produção, após completa dissolução dos entulhos feudais,
repercutem na função conservadora que passa a ser desempenhada pela
burguesia e, consequentemente, pelo estado, mesmo na forma republicana. O
rápido desgaste do Governo Provisório erigido na Revolução de Fevereiro,
bem como seu desfecho no massacre das jornadas de junho, revelaram que a
República Social pretendida pelos trabalhadores era impossível nos marcos
do estado moderno, uma vez que este explicitara sua relação orgânica com o
movimento de reprodução do capital. Em outras palavras, evidenciava-se que
a melhoria das condições de vida do proletariado permaneceria uma utopia
dentro da república burguesa, uma utopia que se converteria em crime assim
que fizesse menção de se tornar realidade (MARX, 2012, p. 64). No Segundo
rascunho dA guerra civil na França, ao retomar a análise das revoluções de
1848 na França, Marx anota que, durante o período da República
Parlamentar, o poder estatal tornou-se, enfim, o confesso instrumento da
guerra, empregado pela classe apropriadora contra a massa produtora do
povo (MARX, 2011b, p. 171). Assim, ao derrotar a Monarquia de Julho e
proclamar a República, as jornadas de fevereiro de 1848 se inseriram no rol
das revoluções que apenas aperfeiçoaram a maquinaria estatal, em vez de se
livrar desse pesadelo sufocante (MARX, 2011b, p. 126). Diferentemente, nas
jornadas de junho, quando o proletariado fez do seu túmulo o berço da
república burguesa, obrigou-a simultaneamente a vir à frente em sua forma
pura, ou seja, como o estado cujo propósito confesso é eternizar o domínio do
capital, a escravidão do trabalho (MARX, 2012, p. 64).
A análise marxiana das jornadas parisienses de fevereiro e junho
explicita o significado das revoluções de 1848 na gênese do estado. Este tem o
seu caráter político transformado quando, por exigência das
transformações econômicas, deixa de ser arma poderosa da burguesia
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contra o feudalismo para explicitar-se como poder nacional do capital sobre
o trabalho e quina do despotismo de classe (MARX, 2011b, p. 55). Em
outras palavras, ao se firmar através de uma contrarrevolução do capital
contra o trabalho, a república burguesa despia-se das ilusões heroicas
cultivadas pela Revolução Francesa de 1789, quando os interesses da
burguesia revolucionária coincidiam, materialmente, com os interesses das
demais classes. Com efeito, os massacres de junho marcam a realização
prosaica da república burguesa e evidenciam a contradição fundamental do
estado moderno nos marcos da maturação do modo de produção do capital,
definida pelo movimento no qual a universalidade da forma republicana é
degenerada pelo seu compromisso com a manutenção da propriedade
privada, de tal modo que, no período de 1848 a 1851, a república francesa
gesta em seu seio a forma estatal que é sua própria negação, a ditadura
bonapartista. Em O 18 de brumário de Luís Bonaparte, observando o
recrudescimento político do estado francês na passagem da Reblica à
ditadura bonapartista, Marx é explícito ao afirmar que aquela república
nada perdeu além de sua aparência de respeitabilidade. A França atual estava
integralmente contida na república parlamentar. Bastava uma estocada de
baioneta para estourar a bolha e fazer com que o mostrengo saltasse aos
olhos (MARX, 2011, p. 138).
A análise marxiana do processo revolucionário francês de 1848 é
decisiva para delimitar a natureza do estado moderno no contexto de
maturação do modo de produção do capital. O desfecho, em 1851, pelo
retorno do estado ao domínio despudoradamente simples da espada e da
batina, revelou que a forma republicana se mantém apenas enquanto for
eficiente para conter os conflitos da sociedade civil e manter o bom
funcionamento das relações burguesas. O 18 de brumário mostra que,
quando a República se torna um obstáculo para o movimento do capital
(como ocorre nos desdobramentos de 1848), o estado acaba por explicitar,
politicamente, o despotismo de classe que impera nas relações sociais que lhe
servem de fundamento. Nesse sentido, o triunfo do bonapartismo na França,
em 1851, significa, para Marx, a vitória do poder sem fraseologia sobre o
poder da fraseologia (MARX, 2011, p. 139). O golpe de Luís Bonaparte, em
suma, mostrava, no plano do estado, o caráter despótico do domínio do
capital sobre o trabalho, no plano social.
Em O 18 de brumário, Marx anota que o governo do segundo
Bonaparte consuma independência do estado face à sociedade civil. Tal ideia
é retomada em A guerra civil na França, onde se que o estado parasita
recebeu seu último desenvolvimento apenas durante o II Império. Isso se
evidencia na própria mediocridade de Bonaparte: segundo Marx, o poder
governamental, com seu exército permanente, sua burocracia a dirigir tudo,
seu clero embrutecedor e seu servil tribunal hierárquico, crescera tão
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independente da própria sociedade que um aventureiro grotescamente
medíocre /.../ era o suficiente para governá-lo (MARX, 2011b, p. 126). Com
efeito, o II Império explicita a natureza do estado como expressão política do
poder impessoal do capital sobre o trabalho: com Luís Bonaparte, o poder
estatal humilhou sob seu jugo até mesmo os interesses das classes
dominantes, cuja farsa parlamentar ele substituiu por Corps gislatifs
autoeleitos e senados autopagos, sancionados em seu governo absoluto pelo
sufrágio universal, pela reconhecida necessidade de manter a ordem’”
(MARX, 2011b, p. 126). Em outros termos, o bonapartismo mostrava que a
função do estado em preservar o domínio da propriedade privada se impõe
independentemente de sua composição ou forma de governo, de modo a
transcender, inclusive, os interesses particulares das diferentes frações da
burguesia, que, sob o Segundo Império, perdem a participação política direta
no Parlamento e submetem-se à forma que finge ser o poder superior da
sociedade (MARX, 2011b, p. 127). Nesse sentido, ao apresentar-se como
representante de toda a sociedade em defesa da ordem e, concretamente,
produzir uma rápida centralização do capital pela expropriação da classe
média e pelo alargamento do abismo entre a classe capitalista e a classe
trabalhadora (MARX, 2011b, p. 171), o imperialismo de Luís Bonaparte se
constitui como a forma mais prostituída e, ao mesmo tempo, a forma
acabada do poder estatal, desenvolvido pela sociedade burguesa como meio
de sua própria emancipação do feudalismo e que a sociedade burguesa
madura acabou transformando em meio para a escravização do trabalho pelo
capital (MARX, 2011b, p. 56).
Importa anotar, não obstante, que, na condição de última e suprema
expressão do poder estatal, o II Império jamais foi concebido por Marx como
ponto de chegada definitivo das metamorfoses do estado no sentido de não
ser mais possível o retorno à forma republicana , mas como forma maturada
da relação entre estado e capital. Vale lembrar, a esse respeito, que as
análises marxianas do governo de Luís Bonaparte registradas em A guerra
civil na França foram redigidas após a sua derrocada na guerra franco-
prussiana, a qual resultou na captura do imperador francês e na proclamação
da república, novamente, em Paris, no dia 4 de setembro de 1870. Nesse
sentido, cabe cautela ao precisar o sentido do bonapartismo como último
desenvolvimento do estado na argumentação marxiana, de modo a afastar
interpretações apressadas e equivocadas, que insinuam um suposto otimismo
desacertado de Marx
15
. Em A guerra civil na França, o argumento marxiano
15
Nesse ponto específico, aponta-se a infelicidade da argumentação de Mészáros, quando
discorre que “a avaliação otimista de Marx sobre a Comuna de Paris /.../ estava associada a
uma caracterização igualmente otimista do II Império bonapartista como ‘a última expressão
daquele poder de estado’, a última forma possível de domínio de classe [burguês]’ e o
último triunfo de um estado separado e independente da sociedade’” (MÉSZÁROS, 2007, p.
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é explícito no sentido de apresentar o II Império como a maturação da
relação orgânica entre estado e capital, que tem como consequência a
explicitação da função estatal como poder relativamente autônomo, voltado à
proteção das relações sociais burguesas. Em poucas palavras, com Luís
Bonaparte, o poder estatal aparece em sua forma acabada e mais prostituída,
em sua suprema e mais pérfida realidade (MARX, 2011b, p. 172). Nesse
preciso sentido o bonapartismo é a última forma de desenvolvimento do
estado.
Para Marx, a antítese direta do Império era a Comuna (MARX,
2011b, p. 56), na exata medida em que foi uma revolução não contra essa ou
aquela forma de poder estatal, seja ela legítima, constitucional, republicana
ou imperial (MARX, 2011b, p. 127). Enquanto o retorno da forma
republicana no dia 4 de setembro foi apenas a reivindicação da República
contra o grotesco aventureiro que a havia assassinado, a Comuna de Paris
mirou a reassunção, pelo povo e para o povo, de sua própria vida social,
razão pela qual, opondo-se à relação incestuosa entre estado e capital
explicitada no II Imrio, foi uma revolução contra o estado mesmo, este
aborto sobrenatural da sociedade (MARX, 2011b, p. 127). Discorrendo sobre
as metamorfoses do estado no desenvolvimento da sociedade burguesa, a
argumentação marxiana salienta que, embora se diferenciem na forma,
República e bonapartismo correspondem às lutas insignificantes entre as
formas executiva e parlamentar da dominação de classe, que se limitaram a
transferir o poder estatal de uma fração das classes dominantes para a
outra (MARX, 2011b, p. 127). A diferença radical da Comuna se constitui,
assim, no seu movimento de revolta contra ambas essas formas e, nesse
sentido, não contribui para o aperfeiçoamento do estado, mas para destruir
essa horrenda maquinaria da dominação de classe ela mesma (MARX,
2011b, p. 127). Com efeito, para Marx, a Comuna foi a direta negação do
bonapartismo e, por conseguinte, o início da Revolução Social do século
XIX (MARX, 2011b, p. 127).
Registre-se, desse modo, que a análise marxiana em A guerra civil na
França concebe o bonapartismo como a forma acabada do estado moderno
no sentido de explicitar sua dimensão de poder nacional do capital sobre o
trabalho , cuja negação é a Comuna, que era essencialmente um governo
da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a classe
apropriadora, a forma política enfim descoberta para se levar a efeito a
emancipação econômica do trabalho (MARX, 2011b, p. 59). Salientado o
núcleo da argumentação de Marx, importa observar a importância dA guerra
civil na França no desenvolvimento da crítica marxiana da política, tendo em
342). Para uma crítica dessa posição de Mészáros, que culmina por sustentar a necessidade
do estado operário na transição para a sociedade comunista, cf. Cotrim (2007).
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vista, sobretudo, a importância dos processos revolucionários franceses na
formação do estado moderno. Ao se referir à Comuna como forma política
enfim descoberta”, Marx demarca sua diferença em relação à experiência
fracassada da República Social pretendida pelos trabalhadores em fevereiro
de 1848, a qual evidenciou o caráter ilusório da reivindicação de uma forma
estatal republicana como solução para atenuar as contradições oriundas da
relação capital-trabalho. Conforme a argumentação marxiana, a Reblica
Social” conquistada pelos trabalhadores em fevereiro de 1848 “não
expressava senão a vaga aspiração de uma república que viesse não para
suprimir a forma monárquica da dominação de classe, mas a dominação de
classe ela mesma”. Enquanto a República Social de fevereiro expressou a
ilusão da busca pela superação da dominação de classe no interior do estado,
a Comuna foi “a forma positiva dessa república” (MARX, 2011b, p. 56), à
medida que transcende o universo limitado das formas estatais para se
afirmar como organização potica do “autogoverno dos produtores”. A
Comuna é, nesse sentido, a realização prática das promessas que a forma
republicana está, estruturalmente, impossibilitada de cumprir: a República
deixou de ser o nome de uma coisa do passado. Ela foi impregnada com um
novo mundo” (MARX, 2011b, p. 123). Ainda nas palavras de Marx:
Todos os elementos vitais da França reconhecem que uma
república é possível na França e na Europa como uma
República Social”, isto é, uma república que desapropria o capital
e a classe dos proprietários rurais da máquina estatal para que esta
seja assumida pela Comuna, que declara francamente que a
“emancipação social” é o grande objetivo da República e, assim,
garante essa transformação social pela organização comunal. A
outra república não pode ser mais do que o terrorismo anônimo de
todas as frações monárquicas, da coalizão dos legitimistas,
orleanistas e bonapartistas, tendo como meta final a instauração de
um Império quelconque, o terror anônimo do domínio de classe
que, uma vez realizado o seu trabalho sujo, resultará sempre em
um império! (MARX, 2011b, p. 137)
Note-se que, de acordo com o argumento marxiano, a Comuna
comprova o que o massacre dos trabalhadores em junho de 1848 havia
demonstrado: que a República Social pretendida pelos trabalhadores, capaz
de se sobrepor ao antagonismo entre capital e trabalho, apenas se realiza fora
dos marcos do estado. Após listar numerosas transformações significativas
realizadas pela Comuna no sentido de desmontar a máquina estatal, Marx
aponta que, justamente por prescindir do poder centralizado do estado, por
ser o povo agindo para si mesmo e por si mesmo (MARX, 2011b, p. 108), a
organização comunal dotou a República de uma base de instituições
realmente democráticas (MARX, 2011b, p. 59). Com efeito, a importância
decisiva da Comuna de Paris para a crítica marxiana da política reside no seu
caráter de forma política da emancipação social (MARX, 2011b, p. 131), que
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substitui o estado como força artificial usurpadora do poder social da
sociedade, com vistas à reabsorção, pela sociedade, pelas próprias massas
populares, do poder estatal como suas próprias forças vitais em vez de forças
que a controlam e subjugam (MARX, 2011b, p. 129). Em suma, a Comuna se
constitui como forma política não-estatal, a partir da qual o proletariado
pode levar adiante o processo de sua emancipação, cuja consequência é a
abolição de todas as classes.
A organização comunal se apresenta, assim, como resposta prática ao
problema formulado pela crítica marxiana, à medida que avança na
compreensão do caráter negativo da política moderna: de um lado, a
identificação do estado como instância não-resolutiva que, na condição de
comunidade ilusória, tem como principal função a perpetuação da relação-
capital, a despeito da forma específica que assume (República ou
bonapartismo); de outro lado, a necessidade da conquista do poder político
pelo proletariado, haja vista que o ponto de partida de sua emancipação
apenas pode ser a luta de classes no interior da sociedade burguesa, que, por
sua vez, pressupõe a mediação alienada da política como complemento
necessário da cisão entre indivíduo e comunidade produzida pela
propriedade privada. Conforme a análise marxiana de A guerra civil na
França, a Comuna seria, justamente, a forma organizacional do proletariado,
uma vez conquistado o poder político. Destarte, Marx é cuidadoso ao
salientar que a Comuna não era a forma definitiva da superação do capital,
mas a forma enfim encontrada pelos trabalhadores para a conquista do poder
político, bem como para levar adiante as transformações necessárias para a
transformação da sociedade. De acordo com a letra marxiana:
Tal é a Comuna a forma política da emancipação social, da
libertação do trabalho da usurpação dos monopolistas dos meios
de trabalho, sejam estes meios criados pelos próprios
trabalhadores ou dados pela natureza. Assim como a máquina e o
parlamentarismo estatal não são a vida real das classes
dominantes, mas apenas os órgãos gerais organizados de sua
dominação , assim também a Comuna não consiste no
movimento social da classe trabalhadora e, portanto, no
movimento de uma regeneração geral do gênero humano, mas sim
nos meios organizados de ação. A Comuna não elimina a luta de
classes, através da qual as classes trabalhadoras realizam a abolição
de todas as classes e, portanto, de toda [dominação de] classe
(porque ela não representa um interesse particular, mas a liberação
do trabalho, isto é, a condição fundamental e natural da vida
individual e social que apenas mediante usurpação, fraude e
controles artificiais pode ser exercida por poucos sobre a maioria),
mas ela fornece o meio racional em que essa luta de classe pode
percorrer suas diferentes fases da maneira mais racional e humana
possível. Ela pode provocar violentas reações e revoluções
igualmente violentas. Ela inaugura a emancipação do trabalho
seu grande objetivo , por um lado, ao remover a obra improdutiva
e danosa dos parasitas estatais, cortando a fonte que sacrifica uma
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imensa porção da produção nacional para alimentar o monstro
estatal, e, por outro lado, ao realizar o verdadeiro trabalho de
administração, local e nacional, por salários de operários. Ela
início, portanto, a uma imensa economia, a uma reforma
econômica, assim como a uma transformação política. (MARX,
2011b, p. 131)
A passagem citada do Primeiro rascunho é precisa ao delimitar a
natureza da Comuna e seu lugar na crítica marxiana da política: ela não se
confunde com o movimento social da classe trabalhadora e, por
conseguinte, não elimina a luta de classes, mas fornece o meio racional no
qual essa luta pode ser travada com vistas à abolição de todas as classes,
justamente por remover a obra improdutiva e danosa dos parasitas estatais.
Marx expõe que a classe trabalhadora o esperava milagres da Comuna
(MARX, 2011b, p. 60), tampouco possuía uma utopia pronta para
introduzir par décret du peuple. Segundo a análise dA guerra civil na
França, os trabalhadores sabem que, para atingir sua própria emancipação,
/.../ terão de passar por longas lutas, por uma série de processos históricos
que transformarão as circunstâncias e os homens. A organização comunal
seria o meio político para libertar os elementos da nova sociedade dos quais
a velha e agonizante sociedade burguesa esgrávida (MARX, 2011b, p. 60).
Reitera-se, a potencialidade da Comuna reside na sua condição de forma
política completamente flexível (MARX, 2011b, p. 59), não-estatal, à medida
que a dominação política dos produtores não pode coexistir com a
perpetuação de sua escravização social. Com efeito, a Comuna, enquanto
forma que substitui o monstro estatal, não coincide com a realização do
télos último da revolução social a emancipação humana , mas serve como
alavanca para desarraigar o fundamento econômico sobre o qual descansa a
existência das classes e, por conseguinte, da dominação de classe (MARX,
2011b, p. 59). Trata-se, em suma, da forma política enfim encontrada para o
processo de conquista do poder político do proletariado, cujo objetivo final é
a edificação da nova sociedade o comunismo , a partir da velha sociedade
burguesa.
De modo a demarcar a importância das análises marxianas da Comuna
de Paris no desenvolvimento de sua crítica da política, aponta-se,
brevemente, que a reflexão acerca da forma política da emancipação social é
desdobrada nos últimos textos de Marx, sobretudo em Crítica do programa
de Gotha e nos excertos do Resumo crítico de Estatismo e anarquia, de
Mikhail Bakunin, redigidos no período de 1874-5. Em Crítica do programa
de Gotha, o filósofo alemão retorna ao problema de como desenvolver a
sociedade comunista tal como ela acaba de sair da sociedade capitalista,
portanto trazendo de nascença as marcas econômicas, morais e espirituais
herdadas da velha sociedade de cujo ventre ela saiu (MARX, 2012b, p. 29).
Salienta, em seguida, a necessidade da permanência de certas formas
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políticas e jurídicas que, embora radicalmente transformadas, são herdadas
da velha sociedade burguesa e continuam a operar enquanto a moderna
divisão do trabalho (sua base material) não for completamente superada
16
.
Ademais, discorrendo, especificamente, sobre o papel do estado, argumenta
que entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período da
transformação revolucionária de uma na outra. A ele corresponde também
um período político de transição, cujo estado o pode ser senão a ditadura
revolucionária do proletariado (MARX, 2012b, p. 43).
Embora não seja explícita, na letra marxiana de Crítica do programa
de Gotha, a vinculação entre concepção marxiana de ditadura revolucionária
do proletariado e a forma política da emancipação social desenvolvida pela
Comuna de Paris, os excertos do Resumo crítico de Estatismo e anarquia,
de Mikhail Bakunin, contribuem de modo decisivo para precisar o modo
como a crítica de Marx apreendia o período político de transição.
Evidenciando o sentido de ditadura do proletariado como o proletariado
organizado como classe dominante, o filósofo alemão rebate as críticas de
Bakunin, que, apoiando-se nos aportes de Marx e Engels registrados no
Manifesto comunista, acusa-os de defensores de um estado popular e
aproxima a noção marxiana de ditadura do proletariado à concepção de
Blanqui, denunciando-a como governo do povo por meio de um número
escasso de líderes seletos (eleitos) pelo povo (apud MARX, 2012b, p. 114).
Respondendo ao crítico russo, Marx salienta que a dificuldade reside no fato
de que a transformação radical da sociedade burguesa pressupõe um período
árduo de transição, no qual o proletariado, durante o período de luta para
derrubar a antiga sociedade, ainda age com base na antiga sociedade e, por
conseguinte, continua a se mover entre formas políticas que mais ou menos
pertenciam àquela sociedade (MARX, 2012b, p. 116). Não obstante, Marx
denuncia Bakunin por querer imputar-lhe a defesa de um estado popular
que, em realidade, era feita por Liebknecht e considerada uma bobagem
pelo pensamento marxiano.
Ademais, ao precisar a concepção de ditadura do proletariado o
proletariado organizado como classe dominante , Marx afasta,
definitivamente, a identificação com o estado popular, ou com o governo de
uma minoria privilegiada, como queria Bakunin. Para a ctica marxiana, a
ditadura do proletariado quer dizer, apenas, que os prolerios, em vez de
combater individualmente as classes economicamente privilegiadas,
adquiriram força e organização suficientes para empregar meios comuns de
coerção contra elas, o que, por sua vez, refere-se ao emprego de meios
econômicos que suprimam seu próprio caráter assalariado, portanto seu
16
Marx analisa, mais detidamente, a permanência de um direito ainda marcado por
limitações burguesas (cf. MARX, 2012b, pp. 29-32).
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caráter de classe (MARX, 2012b, p. 113). Mais adiante, discorrendo sobre
como seria possível o governo da sociedade pelo proletariado organizado,
Marx aduz que a questão começa com o autogoverno da Comuna,
explicitando a permanência, em seu pensamento, das contribuições da
Comuna de Paris para a crítica da política.
A análise da forma política enfim encontrada, presente em A guerra
civil na França, mantém, assim, sua importância decisiva para o
amadurecimento da crítica marxiana da política, à medida que apresenta
uma solução específica para o problema da necessidade da conquista do
poder político pelo proletariado, que se distancia da defesa de uma
centralização dos instrumentos de produção nas mãos do estado, tal como
exposta no Manifesto comunista. Para Marx, a forma política descoberta
pelos communards, com seu caráter flexível, responde à necessidade de
conquista do poder político pelos trabalhadores, evitando, ao mesmo tempo,
que a dominação política dos produtores coexista com a perpetuação de sua
escravização social, o que fatalmente ocorre com a manutenção do estado,
uma vez considerado seu vínculo orgânico com a manutenção do capital,
independentemente de sua composição ou forma. Com efeito, fica claro, para
Marx, que a classe trabalhadora, mesmo no período transicional instaurado
pela revolução, não pode usar a máquina estatal para os seus próprios fins,
mas substituí-lo pela forma política que permita, efetivamente, a
desconstrução da relação-capital.
O uso do estado nos últimos escritos de Engels
Em 24 de junho de 1872, cerca de um ano após a derrota da Comuna
de Paris, Marx e Engels escrevem, conjuntamente, um revelador Prefácio ao
Manifesto comunista, contendo uma curta avaliação do conteúdo do texto,
vinte e cinco anos após sua primeira publicação. Atentando para o
desenvolvimento das relações de produção capitalistas nas cadas seguintes
a 1848, os autores observam que, por mais que tenham mudado as
condições nos últimos 25 anos, os princípios gerais expressados nesse
Manifesto conservam, em seu conjunto, toda a sua exatidão, ainda que
certos detalhes possam ser melhorados. Os autores atestam, assim, a
validade das determinações gerais extraídas da gênese da sociedade
burguesa, das quais se destacam, entre outras, a constatação que “o executivo
no estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de
toda a classe burguesa (MARX; ENGELS, 2011b, p. 42), bem como a
delimitação do poder político como poder organizado de uma classe para a
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opressão de outra
17
(MARX; ENGELS, 2011b, p. 59). O ponto a ser
destacado, não obstante, é a posição de Marx e Engels em relação à aplicação
prática dos princípios gerais, que, segundo a própria letra do Manifesto,
dependerá, em todos os lugares e em todas as épocas, das condições
históricas vigentes (MARX; ENGELS, 2011b, p. 71).
A consideração dos autores acerca da aplicabilidade dos princípios
gerais do Manifesto importa, particularmente, à medida que, além de afastar
o emprego mecânico dos princípios gerais (em detrimento da diferença
específica de cada formação social), repercute na avaliação retrospectiva dos
autores em relação às medidas revolucionárias propostas no final da seção
II, nas quais destacavam a necessidade programática de centralizar todos
os instrumentos de produção nas mãos do estado (MARX; ENGELS, 2011b,
p. 58), como se viu. Em 1872, Marx e Engels salientam que não se deve
atribuir importância demasiada às medidas revolucionárias propostas no
final da seção II (MARX; ENGELS, 2011b, p. 71), esclarecendo que “hoje em
dia, esse trecho seria redigido de maneira diferente em muitos aspectos
(MARX; ENGELS, 2011b, pp. 71-2). Mais além, os autores chegam a afirmar
que, “em certos pormenores, esse programa está antiquado, destacando dois
fatores fundamentais para sustentar tal asserção: i) “o desenvolvimento
colossal da indústria moderna desde 1848”, bem como “os progressos
correspondente da organização da classe operária”; e ii) a experiência
prática adquirida, primeiramente na revolução de fevereiro e, mais ainda, na
Comuna de Paris, onde coube ao proletariado, pela primeira vez, a posse do
poder político, durante quase dois meses” (MARX; ENGELS, 2011b, p. 72).
O destaque às experiências da revolução de fevereiro e da Comuna de
Paris não são casuais. Conforme a análise marxiana dos processos
revolucionários franceses, as jornadas de fevereiro e a Comuna de Paris
demonstraram que, não obstante a necessidade de conquista do poder
político pelo proletariado, a demanda dos trabalhadores por uma República
Social não poderia ser efetivada no interior do estado moderno. De acordo
com Marx, a potencialidade da Comuna de Paris se constitui à medida que
encontrou, enfim, uma forma política não-estatal capaz de realizar os anseios
que a revolução de fevereiro manifestou, confusamente, nos marcos da
17
Cabe insistir, nesse ponto, que os termos do Prefácio de 1872 ao Manifesto comunista
revelam a permanência, na obra madura de Marx (e Engels), da concepção do estado como
instrumento de dominação de classe. Tal concepção, reiterada após a publicação da crítica da
economia política em O capital, não exclui, de modo algum, a complexidade da análise
marxiana do estado, apreendido, também e simultaneamente, como forma política que
expressa o poder impessoal do capital sobre o trabalho e que subjuga as próprias classes
dominantes. Conforme salienta Sartori, o comitê de que fala Marx tem uma materialidade e
uma estrutura burocrática, inclusive. Por meio dele não se impõem simplesmente os
interesses burgueses de se falar de assuntos comuns de toda a burguesia,
reconhecendo-se, pois, que não se trata de uma classe social homogênea e com interesses
simples de serem equacionados (SARTORI, 2012, p. 33).
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república burguesa. Nesse sentido, os autores do Manifesto comunista
retomam, em 1872, a letra marxiana dA guerra civil na França,
argumentando que “a Comuna de Paris demonstrou, especialmente, que o
basta que a classe trabalhadora se apodere da máquina estatal para fazê-la
servir a seus próprios fins’” (MARX; ENGELS, 2011b, p. 72). Considerado o
teor da análise marxiana em A guerra civil na França, pode-se afirmar, sem
temer grandes equívocos, que a retomada da experiência da Comuna no
Prefácio ao Manifesto comunista, de 1872, feita no contexto em que os
autores salientam “certos pormenores” antiquados da parte programática,
indica uma revisão da necessidade de centralizar os instrumentos de
produção nas mãos do estado”, tal como expresso na primeira publicação do
Manifesto, em fevereiro de 1848. Os autores pretendem, em suma, rever a
parte programática que se refere à conquista do poder político pelo
proletariado, de modo a incorporar os aportes marxianos expostos em A
guerra civil na França, na qual Marx registra a necessidade de combinar a
conquista do poder político pela classe trabalhadora com o desmonte do
poder estatal centralizado. Tal revisão conflui com a assertiva marxiana a
Kugelmann, em carta de 17 de abril de 1871, na qual o autor dA guerra civil
na França, discorrendo sobre a Comuna de Paris, aduz que a luta da classe
trabalhadora contra a classe dos capitalistas e seu estado entrou, com a luta
parisiense, em nova fase haja vista que a Comuna conquistou um novo
ponto de partida de importância histórico-mundial (MARX, 2011b, p. 209).
Embora a autoria desse importante Prefácio ao Manifesto comunista
pertença a ambos os autores, Engels, em alguns de seus escritos
independentes, parece destoar dos termos da importante advertência
marxiana em relação à impossibilidade do uso do estado para os fins da
classe trabalhadora. Isso pode ser observado em carta a Theodor Cuno,
redigida poucos meses antes do Prefácio supramencionado, na qual Engels,
contrapondo-se ao anarquismo de Bakunin, acusa-o de considerar o estado
como principal mal a ser abolido, negligenciando o capital e, por
conseguinte, o antagonismo de classe entre capitalistas e trabalhadores
assalariados que surgiu no desenvolvimento da sociedade (ENGELS,
2020c). A pertinente observação de Engels se refere à ausência, em Bakunin,
de uma concepção acerca da relação orgânica entre estado e movimento do
capital, presente nas elaborações de Marx e Engels desde o início da
colaboração teórica entre ambos. Não obstante, ainda que se possa dar razão
a Engels ao acusar a completa abstenção de toda a política pressuposta na
concepção bakuniniana de estado em contraste com a concepção marxiana,
para a qual a luta de classes é uma luta política , o autor de Barmen parece
dar pouca importância à necessidade do desmonte do poder centralizado do
estado uma vez conquistado o poder político pelo proletariado, ressaltada por
Marx na análise da Comuna de Paris. Ao contrário, Engels apresenta uma
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concepção para a qual a dissolução do estado seria efetivada, aparentemente,
como consequência natural do longo processo de superação do capital. Em
suas palavras, se aboli o capital, a apropriação do conjunto dos meios de
produção nas mãos de uns poucos, e o estado cairá por si próprio (ENGELS,
2020c).
Note-se que, mesmo compartilhando com Marx a autoria do Prefácio
de 1872 ao Manifesto comunista, Engels esboça posição distinta em escritos
próprios, no sentido de dar menos importância aos ensinamentos da Comuna
de Paris para o problema do fenecimento do estado. Essa diferença sutil,
porém plena de consequências é reiterada nos textos subsequentes e se
traduz em certa ambiguidade no que se refere à tematização do fim do estado
em meio à conquista do poder político pelo proletariado, tal como Marx
desenvolve em A guerra civil na França. Observe-se, nesse sentido, a
argumentação engelsiana em Sobre a autoridade, de 1873, também em
polêmica com os anarquistas, considerados antiautoritários. Conforme
Engels:
Todos os socialistas estão de acordo em que o estado político, e
com ele a autoridade política, desaparecerão como consequência da
próxima revolução social, isto é, do fato de que as funções públicas
perderão o seu caráter político, passando a ser simples funções
administrativas, destinadas a zelar pelos verdadeiros interesses
sociais. Mas os antiautoritários exigem que o estado político
autoritário seja abolido de um golpe, mesmo antes de terem sido
destruídas as condições sociais que o fizeram nascer. Pedem que o
primeiro ato da revolução social seja a abolição da autoridade.
alguma vez viram uma revolução, estes senhores? (ENGELS, 1976,
p. 121)
Não obstante o pano de fundo subjacente ao texto engelsiano,
constituído pelo embate político com os anarquistas e pela contenda em
torno do princípio de autoridade, importa destacar, para os fins deste
artigo, a mesma linha argumentativa tracejada na carta a Cuno, que desloca o
momento do desmonte da máquina estatal para o final do processo da
revolução social, quando, nos mesmos termos do Manifesto comunista, as
funções públicas perderão o seu caráter político. Queda-se ausente da
reflexão engelsiana a sofisticada articulação presente na análise marxiana em
A guerra civil na França, que, sem desconsiderar o processo histórico de
longas lutas que se interpõe entre o início da revolução social e a dissolução
completa das relações de produção do capital, caracteriza a Comuna como
forma política que se constitui, fundamentalmente, à medida que desmonta o
poder centralizado do estado, para se afirmar como meio racional pelo qual
a luta de classes pode percorrer o árduo processo histórico de superação da
relação-capital.
A ambiguidade do tratamento engelsiano ao problema do desmonte do
estado, tal como desenvolvido por Marx, aparece mais explicitamente em sua
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carta a August Babel, redigida em 1875, na qual, criticando a noção de
estado popular livre, de Liebknecht, Engels faz ressoar os aportes
marxianos, aduzindo que dever-se-ia ter deixado de lado todo esse
palavreado sobre o estado, sobretudo depois da Comuna, que não era um
estado em sentido próprio (ENGELS, 2012, p. 56). Compreendendo e
concordando, à primeira vista, com a análise marxiana da Comuna de Paris, o
autor de Barmen continua, não obstante, em sentido distinto:
Não sendo o estado mais que uma instituição transitória, da qual
alguém se serve na luta, na revolução, para submeter
violentamente seus adversários, então é puro absurdo falar de
estado popular livre: enquanto o proletariado ainda faz uso do
estado, ele o usa não no interesse da liberdade, mas para submeter
seus adversários e, a partir do momento em que se pode falar de
liberdade, o estado deixa de existir como tal. Por isso, nossa
proposta seria substituir, por toda a parte, a palavra estado por
Gemeinwesen, uma boa e velha palavra alemã, que pode muito
bem servir como equivalente do francês commune. (ENGELS,
2012, p. 56)
Sublinha-se que, embora alinhada com a crítica marxiana no que se
refere aos lineamentos gerais da relação orgânica entre estado moderno e
sociedade burguesa, bem como à necessidade de superação do estado na
constituição de uma sociedade comunista, a análise de Engels, logo após
destacar a importância da experiência da Comuna na formação de uma
organização política que o era um estado em sentido próprio, segue a
insistir na ideia do estado como instituição da qual alguém se serve na luta,
na revolução, para submeter violentamente seus adversários. Nesse sentido,
mantém a concepção para o qual o proletariado faz uso do estado, ainda
que não no interesse da liberdade, mas para submeter seus adversários.
Ademais, a proposta engelsiana de substituir a palavra estado por
Gemeinwesen comunidade , com vistas a encontrar na língua alemã um
termo correspondente à Comuna francesa, embora indique a percepção do
autor acerca da importância da Comuna de Paris na gênese do estado,
permanece uma solução consideravelmente aquém da apreensão marxiana
da Comuna como a forma política da emancipação social
18
. Para Marx, a
Comuna, que se distingue do estado, tampouco se identifica com a
comunidade [Gemeinwesen], categoria que, na argumentação marxiana,
refere-se à dimensão comunitária da existência, frente a qual o homem se
18
Deve-se considerar que a proposta engelsiana de substituir a palavra estado por
Gemeinwesen se insere em contexto específico, envolvendo a recepção crítica de Marx e
Engels diante do Programa de Gotha. Não obstante, para os fins desta argumentação,
acredita-se que a proposta engelsiana permanece reveladora de certa ambiguidade na
compreensão da Comuna como forma política não-estatal, responsável por consolidar o
poder político do proletariado, ao mesmo tempo em que permite o desmonte do poder
estatal centralizado.
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162
aliena à medida que se desenvolvem a propriedade privada e o estado
moderno
19
.
Sintomático, nesse sentido, que o próprio Engels, em seus textos sobre
o processo de transformação da sociedade burguesa, jamais se refere ao
estado como Gemeinwesen. No Anti-Dühring, redigido em 1878, o autor de
Barmen volta a insistir na necessidade do uso do estado [Staat] pelo
proletariado, após a conquista do poder político, para concentrar nele a
propriedade dos meios de produção. Ao discorrer sobre o processo
revolucionário que supera a sociedade burguesa, Engels descreve um
primeiro momento da revolução social no qual o proletariado assume o
poder do estado e transforma os meios de produção primeiramente em
propriedade do estado, argumentando que, desse modo, ele próprio se
extingue como proletariado, desse modo, ele extingue todas as diferenças e
antagonismos de classes e, desse modo, ele também extingue o estado
enquanto estado (ENGELS, 2015b, p. 316). Com efeito, embora não seja
contestável para Engels que a sociedade livre não pode utilizar ou tolerar
nenhum estado entre ela e seus membros, o autor do Anti-Dühring parece
indicar, em sua argumentação, que o estado é desmontado aos poucos, quase
que naturalmente e por si, à medida em que se dissolvem as relações
estruturantes do capital. É o que se entende na afirmão segundo a qual, de
esfera em esfera, a intervenção do poder estatal nas relações sociais vai se
tornando supérflua e acaba por desativar-se (ENGELS, 2015b, p. 316).
Como se vê, ainda que concordem com os principais elementos da
crítica de Marx à política, no que se refere ao papel do estado na
transformação das relações de produção burguesas, as asserções engelsianas
negligenciam a advertência marxiana, segundo a qual o proletariado não
pode se servir da máquina estatal para os seus próprios fins. Nota-se uma
visível diferença de tratamento, por parte de Engels, ao tema do papel do
estado no processo de transição revolucionária. Tal diferença se mostra,
sobretudo, na particularidade das apreensões de Marx e Engels sobre a
Comuna de Paris. Mais especificamente, percebe-se nos escritos de Marx a
preocupação de identificar na Comuna uma forma política flexível, capaz de
levar adiante a luta do proletariado contra as estruturas de dominação da
sociedade burguesa, com vistas à construção da sociedade comunista a
verdadeira comunidade , na qual, nos termos do Manifesto comunista, o
poder público perde o seu caráter político. Nesse sentido, as reiteradas
manifestações de Marx destacando que a Comuna conquistou um novo ponto
19
Nesse sentido, para Marx, a Comuna é forma política intermediária que se interpõe entre o
desmonte da maquinaria estatal, que se inicia com a conquista do poder político pelo
proletariado, e a comunidade real [wirkliche Gemeinschaft], que se realiza com o fim das
classes sociais, eliminando a necessidade de qualquer forma política para gerir os interesses
comuns da sociedade.
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de partida de importância histórico-mundial. Nos escritos de Engels, a ênfase
atribuída à necessidade de uso do estado pelo proletariado que conquista o
poder político configura um tratamento ambíguo à questão, que ora se
aproxima das elaborações marxianas, ora se contrapõe explicitamente à
advertência sobre a impossibilidade do uso do estado pelo proletariado,
respaldada por Engels no Prefácio ao Manifesto comunista, redigido junto
com Marx, em 1872.
Em carta a Philpp Von Patten, de 18 de abril de 1883, Engels volta a se
contrapor, literalmente, ao prefácio que escreveu com Marx ao Manifesto.
Novamente em polêmica com os anarquistas, o autor de Barmen reconhece o
estado como organização cujo principal objeto sempre foi assegurar, com
força armada, a sujeição econômica da maioria trabalhadora pela minoria
rica (ENGELS, 2010b, p. 10). Contudo, ao versar, especificamente, sobre a
transição para a sociedade comunista, Engels considera uma gradual
dissolução que teria apenas como resultado final o desaparecimento
definitivo do estado, argumentando que o estado seria a única organização
que a classe trabalhadora vitoriosa encontra pronta para uso, ainda que
possa exigir certa adaptação para as novas funções (ENGELS, 2010b, p. 10).
O melhor amigo de Marx continua em sentido contrário à advertência contida
no Prefácio de 1872 ao Manifesto comunista, aduzindo que desmontar o
estado após a conquista do poder político pelo proletariado significaria
destruir o único organismo por meio do qual a classe trabalhadora vitoriosa
pode exercer o seu novo poder conquistado para reprimir os seus inimigos
capitalistas e levar adiante a revolução econômica da sociedade. Engels
chega a argumentar, ainda, que, sem a utilização do estado pelo proletariado
para conter os inimigos da revolução, a viria termina em derrota e massacre
da classe trabalhadora, tal como ocorreu na Comuna de Paris! Com efeito, em
sentido oposto à advertência marxiana, Engels remete à Comuna como
exemplo negativo, para ilustrar o perigo do desmonte do estado na conquista
do poder político pelo proletariado. Como se vê, a carta de Engels a Philpp
Von Patten conforma o momento no qual o autor de Barmen se contrapõe aos
aportes marxianos de modo mais nítido. Explicitando um curioso contraste
com a letra do Prefácio ao Manifesto comunista que redigiu com Marx, em
1872, Engels afirma, enfaticamente, que o proletariado deverá,
primeiramente, possuir a força política organizada do estado e, com sua
ajuda, eliminar a resistência da classe capitalista (ENGELS, 2010b, p. 10),
sustentando tal proposição com referência ao final da seção II do Manifesto
(justamente a parte do texto que, junto com Marx, afirmara estar, em muitos
aspectos, antiquada).
Registre-se, desse modo, diferenças importantes no tratamento de
Engels à questão do fim do estado, quando comparado aos aportes de Marx,
que, desde a análise da Comuna de Paris, insiste na impossibilidade de a
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classe trabalhadora fazer uso do estado para os seus próprios fins. Os textos
de Engels, diferentemente, configuram certa ambiguidade no tratamento do
tema, ora se aproximando da letra marxiana, ora se opondo explicitamente a
ela
20
. Ilustrativo de tal ambiguidade é a Introdução que o autor de Barmen
escreve para A guerra civil na França, de Marx, na qual Engels se manifesta
em sentido mais próximo da argumentação marxiana, referindo-se ao estado
como um mal que o proletariado vitorioso herda na luta pelo domínio da
classe e cujos piores aspectos o proletariado, assim como a Comuna, não
pode evitar eliminar o mais prontamente possível. Em seguida, Engels
reforça o que Marx havia afirmado nos excertos do Resumo crítico de
Estatismo e anarquia, de Mikhail Bakunin, salientando que a Comuna de
Paris foi a ditadura do proletariado (ENGELS, 2011, p. 197).
Com efeito, observa-se que a letra engelsiana, diferentemente da
marxiana, apresenta oscilações quando se refere ao desmonte do estado na
revolução social. Tais oscilações são evidenciadas nos momentos da obra
engelsiana em que, mesmo após a experiência da Comuna de Paris, o autor
defende explicitamente o uso do estado para atingir os fins do proletariado.
Na obra de Marx, não se encontra nada similar. Ao contrário, após a
experiência da Comuna, o Mouro se manifesta em sentido contrário ao uso
do estado pelo proletariado nos momentos em que esse tema é abordado.
Evidencia-se, pois, as particularidades nas argumentações de Marx e Engels
acerca do fim do estado, o que, de modo algum, obscurece a profícua
pareceria de ambos.
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20
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enquanto arrogantes senhores do povo /.../, sendo a política estatal real e efetivamente uma
forma de excrescência parasitária, /.../ Engels traz a posição bem mais mediada segundo a
qual o proletariado vencedor deve reconstruir o antigo aparelho burocrático do estado,
administrativamente centralizado, antes de procurar utilizá-lo para seus próprios fins. /.../
Portanto, embora trate do fenecimento do estado, tal qual Marx em suas últimas obras, o
autor do Anti-Dühring faz isto de modo muito menos decidido que o autor de O capital
(SARTORI, 2016, p. 388).
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Como citar:
MUSETTI, Felipe Ramos. A questão do fim do estado: confluências e
divergências nas análises de Marx e Engels. Verinotio Revista on-line de
Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 2, pp. 134-67,
jul./dez. 2020.
Data do envio: 31 ago. 2020
Data do aceite: 29 nov. 2020