Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jul./dez. 2020. v. 26. n. 2
Felipe Ramos Musetti
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substitui o estado como força artificial usurpadora do poder social da
sociedade, com vistas à “reabsorção, pela sociedade, pelas próprias massas
populares, do poder estatal como suas próprias forças vitais em vez de forças
que a controlam e subjugam” (MARX, 2011b, p. 129). Em suma, a Comuna se
constitui como forma política não-estatal, a partir da qual o proletariado
pode levar adiante o processo de sua emancipação, cuja consequência é a
abolição de todas as classes.
A organização comunal se apresenta, assim, como resposta prática ao
problema formulado pela crítica marxiana, à medida que avança na
compreensão do caráter negativo da política moderna: de um lado, a
identificação do estado como instância não-resolutiva que, na condição de
comunidade ilusória, tem como principal função a perpetuação da relação-
capital, a despeito da forma específica que assume (República ou
bonapartismo); de outro lado, a necessidade da conquista do poder político
pelo proletariado, haja vista que o ponto de partida de sua emancipação
apenas pode ser a luta de classes no interior da sociedade burguesa, que, por
sua vez, pressupõe a mediação alienada da política como complemento
necessário da cisão entre indivíduo e comunidade produzida pela
propriedade privada. Conforme a análise marxiana de A guerra civil na
França, a Comuna seria, justamente, a forma organizacional do proletariado,
uma vez conquistado o poder político. Destarte, Marx é cuidadoso ao
salientar que a Comuna não era a forma definitiva da superação do capital,
mas a forma enfim encontrada pelos trabalhadores para a conquista do poder
político, bem como para levar adiante as transformações necessárias para a
transformação da sociedade. De acordo com a letra marxiana:
Tal é a Comuna – a forma política da emancipação social, da
libertação do trabalho da usurpação dos monopolistas dos meios
de trabalho, sejam estes meios criados pelos próprios
trabalhadores ou dados pela natureza. Assim como a máquina e o
parlamentarismo estatal não são a vida real das classes
dominantes, mas apenas os órgãos gerais organizados de sua
dominação –, assim também a Comuna não consiste no
movimento social da classe trabalhadora e, portanto, no
movimento de uma regeneração geral do gênero humano, mas sim
nos meios organizados de ação. A Comuna não elimina a luta de
classes, através da qual as classes trabalhadoras realizam a abolição
de todas as classes e, portanto, de toda [dominação de] classe
(porque ela não representa um interesse particular, mas a liberação
do “trabalho”, isto é, a condição fundamental e natural da vida
individual e social que apenas mediante usurpação, fraude e
controles artificiais pode ser exercida por poucos sobre a maioria),
mas ela fornece o meio racional em que essa luta de classe pode
percorrer suas diferentes fases da maneira mais racional e humana
possível. Ela pode provocar violentas reações e revoluções
igualmente violentas. Ela inaugura a emancipação do trabalho –
seu grande objetivo –, por um lado, ao remover a obra improdutiva
e danosa dos parasitas estatais, cortando a fonte que sacrifica uma