Ronaldo Fabiano dos Santos Gaspar
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democracias burguesas contemporâneas. Na teoria, ele encontra
demonstrações da “redução e redefinição da democracia” já em autores como
Popper, Dahrendorf e até em um liberal bem quisto entre os progressistas
como Bobbio (LOSURDO, 2004). Para a cientista política estadunidense
Wendy Brown, a ruína da democracia está relacionada ao fato de que o
neoliberalismo é mais do que um processo de natureza política e econômica,
constituindo uma “ordem normativa da razão” que “transforma cada domínio
humano e cada empresa – junto com os próprios seres humanos – em
conformidade com uma imagem específica do econômico”, cuja “tarefa é
melhorar o seu posicionamento competitivo e fazer uso dele” (BROWN, 2017,
s. p.). Mas, se ela tem razão em demonstrar a abrangência da hegemonia
neoliberal e suas conexões com a ruína da democracia, nunca é demais frisar
que o neoliberalismo é primariamente um complexo de ideias e práticas cujo
cerne é a desregulamentação das relações econômicas e das instituições com o
objetivo de aumentar a mobilidade do capital – especialmente do capital
financeiro –, a sujeição da força de trabalho e, com isso, recompor a taxa de
lucro das empresas – as quais, tendo crescido nas duas primeiras décadas do
pós-guerra, começaram a declinar a partir de meados da década de 1960 – e a
renda dos capitalistas (DUMÉNIL, LÉVY, 2014, pp. 63-79). E mais do que isso:
A desregulamentação, que é absolutamente uma política desejada e
conscientemente posta em ação e não um fato natural que se impõe
por si mesmo, permite às estratégias das grandes firmas escaparem
às obrigações que poderiam representar as políticas de estado, em
sua ausência. Entretanto, os fatos mostram que essas estratégias
independentes das firmas privadas não constituem um conjunto
coerente que garante a estabilidade de uma nova ordem. Elas, ao
contrário, geram o caos e, por isso, revelam a exatamente a
vulnerabilidade dessa mundialização que, por esse motivo, será
recolocada em questão. (AMIN, 2006, p. 135)
Embora afete duramente todos os países, o impacto político da ascensão
neoliberal é sentido com muito mais intensidade nos periféricos. Decerto,
partidos de direita e extrema-direita cresceram em todo o mundo. Em alguns
países centrais, representantes desses partidos ocupam posições de crescente
importância nos parlamentos (Áustria, Itália, Alemanha, França); em outros,
elegeram presidentes, cujo caso mais emblemático é o da mais consagrada
democracia ocidental, os Estados Unidos, que, em 2016, elegeu um presidente
que flerta abertamente com ideias segregacionistas e autocráticas. O mesmo
presidente que, mesmo tendo sido agora eleitoralmente derrotado por Joe
Biden e sua tradicional plataforma liberal, conseguiu uma votação expressiva
e mantém o país sob a espreita da extrema-direita. No leste europeu, Hungria
e Polônia têm governos de extrema-direita que impuseram uma ampla
regressão nos direitos civis e políticos. Nas franjas da Europa, a Turquia está