Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, Lukács: 50 anos depois - jan./jun. 2021
Por que ler hoje
A destruição da razão
?
Ana Selva Albinati*
LUKÁCS.
A destruição da razão.
Tradução de Bernard Herman Hess, Rainer Patriota,
Ronaldo Vielmi Fortes; revisão de Ester Vaisman, Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo:
Instituto Lukács, 2020, 794p.
“Despreza a razão e a ciência, as mais excelsas
forças do homem, e eu te terei inteiro sob meu
poder.”
(Goethe)
O livro
A destruição da razão
, em sua
primeira publicação em português, é fruto do
empenho do Instituto Lukács, com tradução de
Rainer Patriota, Bernard Herman Hess e
Ronaldo Vielmi Fortes e revisão técnica de Ester
Vaisman e Ronaldo Vielmi Fortes. O primeiro
ponto a se ressaltar é a ousadia de tal
publicação, certamente a obra mais polêmica de
György Lukács. Maior ousadia se encontra no
fato de que tal publicação se em um
momento ainda mais hostil à reflexão ali
contida, o que a torna mais oportuna e
necessária: tempo em que o irracionalismo se
espraia em suas expressões mais vulgares e de
forma mais disseminada e que coincide,
tristemente, com o desmembramento do
Arquivo Lukács em Budapeste e com a
abreviação brusca das atividades do próprio
Instituto Lukács em Maceió, dadas as condições
adversas que rodeiam o pensamento crítico.
A destruição da razão
foi publicada
originalmente em 1954 e apresenta o esforço
do autor em compreender a ambiência teórico-
cultural que se desenvolveu a partir de meados
do século XIX na Alemanha e que culminou na
ideologia fascista. O livro rememora
criticamente a trajetória e o lugar do
irracionalismo, em suas diversas expressões, na
constituição e no fortalecimento dessa
ambiência, se oferece como elemento de
reflexão e alerta para pensar o tempo presente
os anos 50 vividos por Lukács , e o nosso
próprio tempo.
Lukács examina o pensamento de diversos
Doutora em filosofia pela UFMG e professora do departamento de filosofia da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais.
autores e correntes da filosofia, da sociologia e
da economia, tentando demonstrar a razão de
ser de conceitos e representações ali
defendidos em virtude do momento histórico-
social no qual se encontram e ao qual
respondem. Acompanha as diversas fases do
desenvolvimento do irracionalismo, desde sua
primeira expressão em Schelling, e de forma
mais explícita nas críticas de Schopenhauer e
Kierkegaard a Hegel, estendendo sua
investigação aos períodos subsequentes,
quando da formação e disseminação do
fascismo. A tese lukácsiana é que os
fundamentos filosóficos de pensadores dessa
quadra histórica alemã, tais como o
questionamento da possibilidade da razão de
alcançar a verdade, a aporia entre
entendimento e razão, a negação da
historicidade, a considerão da intuição como
base para o conhecimento e a ênfase na
vivência como contraposição à objetividade
que em si já constituem um ideário reacionário,
na medida em que, como afirma Lukács,
representam respostas reativas à situação
concreta do desenvolvimento alemão
acabaram por ser instrumentalizados pelos
ideólogos alinhados propriamente ao nacional-
socialismo, amplificando-se assim em uma
atmosfera cultural favorável ao fascismo.
Trata-se, fundamentalmente, do
esclarecimento da gênese social do
pensamento com o que se nega a autonomia
das expressões ideais em relação à sua base
histórico-econômica , e do lugar do intelectual
DOI 10.36638/1981-061X.2020.v27.623
Por que ler hoje
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como responsável por sua leitura do mundo. Em
suas palavras: “Todo pensador é, nesse sentido,
responsável diante da história pelo conteúdo
objetivo de sua filosofia” (LUKÁCS, 2020, p.
10).
Isso não significa, como ele adverte, que os
autores examinados fossem nazistas, ou
protonazistas, mas sim que suas posições
filosóficas terminam por consolidar a
possibilidade de uma ideologia nazista, na
medida em que essa ideologia se apropria do
clima irracionalista, sentimental, negador da
razão e da ciência, que deixa espaço para a
criação de mitos e a manipulação arbitrária de
ideias e conceitos. O seu objetivo é
“desmascarar todos aqueles trabalhos teóricos
que prepararam o terreno para a visão de
mundo nacional-socialista, mesmo que eles
estejam aparentemente muito distantes do
hitlerismo ou que subjetivamente estejam
distantes de tais intenções (LUKÁCS, 2020, p.
10).
Sua preocupação está voltada para o fato de
que tais proposições filosóficas terminam por
escapar dos gabinetes, infiltrando-se no senso
comum e dando suporte a uma determinada
visão de mundo. Clara está aqui a sua própria
compreensão, a ser explicitada em sua
Ontologia do ser social
, da ideologia em seu
sentido ontoprático: a ideologia como um
instrumento de conscientização (a despeito de
sua correção ou falsidade) que atua no
comportamento dos indivíduos em seu
posicionamento frente a conflitos sociais. E
clara é também a percepção acerca dos
processos manipulatórios disponíveis
naquele momento nos meios de comunicação
que tornam essa disseminação mais eficiente,
atingindo as massas. Assim, ao se referir a
Hitler, ele aponta como nele se misturam
filosofia da vida alemã e técnica publicitária
norte-americana, ambas expressões
relacionadas ao desenvolvimento do
capitalismo monopolista.
Lukács nos mostra como na trajetória da
filosofia alemã, Hegel representa o ápice da
compreensão do mundo moderno em seu
momento ascensional da burguesia
revolucionária, e, como após Hegel, ocorre uma
repartição de sua herança que, em termos
bastante sintéticos, constitui uma encruzilhada.
De um lado, a crítica materialista de Marx que
retira os aspectos mistificadores do
pensamento hegeliano resultantes da inversão
ontológica entre ser e predicado,
reposicionando assim a dialética em sua
imanência como lógica do objeto. Tal
apropriação crítica, como diz Marx em
O Capital,
1
TERTULIAN, N. A destruição da razão 30 anos depois.
Verinotio
, n. 13, ano VII, abr./2011, pp.15-25.
transforma a dialética de moda em horror para
a burguesia porque pensa as possibilidades
históricas a partir das contradições.
Do outro lado, é essa dialética e a própria
historicidade que são negadas, segundo
Lukács, pelas correntes irracionalistas. São
correntes que respondem de forma reacionária
às possibilidades efetivas do evolver histórico
naquele momento, contribuindo assim,
consciente ou inconscientemente, para a
manutenção de um fim da história que coincide
com a sociabilidade burguesa, cujas mazelas
são naturalizadas, como em Schopenhauer ou
Nietzsche, ou podem ser minimizadas por uma
afirmação da subjetividade, abstratamente
autonomizada em relação à objetividade hostil,
como se verifica na filosofia da vida e na
filosofia da existência, que, com matizes
diferentes, operam sobre contraposições de
caráter imediatista, tais como vida autêntica-
vida ordinária, temporalidade verdadeira-
temporalidade ordinária, ou ainda, transpostas
ao plano sociológico, na contraposição cultura-
civilização. Todas essas contraposições,
retiradas do plano sensível-imediato da
vivência, têm em comum a desconsideração da
dialética entre totalidade e elemento, de forma
a encerrar a reflexão num plano abstrato que
separa e recusa a relação entre esfera
econômica e a totalidade social. Não por acaso,
Lukács inicia o seu livro com o estudo das
características do desenvolvimento alemão,
caracterizado por Lenin como
via prussiana,
via
que conjuga o atraso social e político com o
desenvolvimento econômico iniciado
tardiamente, mas de forma acelerada, a ponto
de lançar a Alemanha na disputa imperialista
em meio às nações europeias mais avançadas.
É nesse contexto específico que se pode
compreender o irracionalismo alemão, na sua
negação da historicidade e do progresso, bem
como na crença de um papel regenerador da
cultura por parte da Alemanha.
Hegel é tido por Lukács como um divisor de
águas na medida em que a crítica ao seu
pensamento levou à bifurcação entre uma
crítica ontológica que busca repor
adequadamente suas conquistas, expostas de
forma mistificada, e uma crítica irracionalista
que abomina exatamente o que há de mais rico
na compreensão hegeliana da realidade: a
processualidade histórico-dialética. A natureza
teórica dessa segunda crítica a Hegel é o que
Lukács tentará demonstrar em seu livro de
1954 que, como nos lembra Tertulian,
1
tem
como contrapartida positiva o texto
O jovem
Hegel e os problemas da sociedade capitalista,
publicado originalmente em 1948. Lukács
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observa que, embora o termo “irracionalismo”
não faça parte da dicção hegeliana, em sua
Fenomenologia do espírito
,
o filósofo critica o
saber imediato, a intuição como acesso direto
ao conhecimento e o sentimento como base
insegura para a apreensão da realidade, na
medida em que tais elementos levam à
arbitrariedade e permitem o relativismo. Esses
elementos que Hegel criticava em Schelling e
no romantismo em geral são germinais no
desenvolvimento de posturas que, ao
recusarem a superação dos limites do
entendimento por via dialética, terminam por
tentar transpor a aporia entre o sensível e o
inteligível através do apelo ao suprarracional,
ao misticismo e da superposição da
possibilidade acima da realidade.
Lukács examina o percurso de meados do
século XIX a meados do século XX, identificando
as fases específicas do desenvolvimento alemão
em seus aspectos econômicos, sociais, políticos
e culturais, e apontando a emergência dos
conceitos que acompanham essas fases. Da
contraposição inicial ao racionalismo hegeliano
ao desenvolvimento de teses que aprofundam
o irracionalismo, o autor captura a relação da
“ideologia alemã” com o momento em que se
colocam definitivamente em cena as
contradições do capitalismo, com o processo de
unificação da Alemanha e a necessidade ale
de inserção imperialista, qualificando-a como
uma apologia indireta ao capitalismo
monopolista.
Posteriormente, a situação alemã após a
derrota da primeira guerra, a insatisfação com
a democracia de Weimar, sobretudo após a
crise de 29, os descaminhos dos movimentos
dos trabalhadores, apontados pelas críticas
de Marx e Engels aos programas de Gotha e de
Erfurt, o sentimento de desespero e falta de
expectativa, formam a situação ideal para a
germinação de ideias que se descolam da
objetividade e propõem saltos redentores.
Alcança-se com isso uma psicologia de massas
que conjuga desespero ideológico e concretude
da vida cuja expressão anímica, uma vez
publicitariamente trabalhada, potencializa os
elementos contidos na filosofia da vida rumo à
ação. A proposição lukácsiana é dura: “Hitler e
Rosenberg levaram para as ruas tudo que foi
dito sobre o pessimismo irracionalista desde
Nietzsche e Dilthey até Heidegger e Jaspers em
confortáveis poltronas de couro, em salões
intelectuais e cafés” (LUKÁCS, 2020, p. 78).
O acompanhamento desse percurso nos
permite compreender como foram possíveis as
manifestações mais autoritárias, brutas e
funestas, que respondem às necessidades de
desenvolvimento do capitalismo, mas que
puderam se dar sob determinada cobertura
ideológica. É a esse ponto que Lukács se refere
ao dizer que, se costumamos perguntar como o
povo aderiu ao fascismo, a questão mais curiosa
a se pensar é como pensadores cultos aderiram
aos mitos e profecias de Schopenhauer e
Nietzsche.
Um pensamento se torna ideologia quando,
sob circunstâncias concretas, ele leva à ação
prática. Relembrando Marx, as doutrinas não
saíram do livro para a realidade, mas da
realidade para o livro. O problema é quando
essa realidade é retratada equivocadamente,
presa apenas às vivências e às impressões mais
imediatas, e criando assim abstrações nada
razoáveis. Lukács diz que esse fenômeno se
em épocas de declínio de uma velha ordem
social e possibilidade de outra. Mas essa outra
precisa ser vislumbrada, sob pena de ser
asfixiada no delírio social do irracionalismo.
Uma apologia indireta do capitalismo se
apresenta na medida em que essa possibilidade
é obscurecida, e se convertem os horrores do
capitalismo em horrores da existência em geral,
como faz Schopenhauer, ou em desafios para a
emergência do além do homem, como propõe
Nietzsche. Pessimismo imobilizador ou
heroísmo subjetivo que têm em comum o
aristocratismo diante da plebe.
Em Kierkegaard, a contraposição a Hegel se
dá pela construção de uma pseudodialética
subjetiva qualitativa na qual ”a qualidade nova
surge com a subitaneidade do enigmático
(KIERKEGAARD
apud
LUKÁCS, p. 226). O que
significa a emergência do novo sem relação com
a objetividade, a possibilidade do salto, do
milagre, da redenção, por sobre a realidade.
Lukács compreende tal postura a partir do
acirramento das contradições sociais que forçou
a filosofia a tomar posição e o filósofo a expor
o que entende por realidade. Esta é dialética ou
não? Na definição do irracionalismo está
presente não apenas um rebaixamento da
capacidade da razão, mas a recusa da razão
dialética, o aprisionamento ao entendimento e
ao enrijecimento que cancela as possibilidades
superadoras dos problemas sociais, agora
assumidos como condição humano-social. Por
isso, o irracionalismo é sempre reacionário. Ele
surge sobre a base da produção capitalista e
suas lutas de classe e atua na negação da
possibilidade de sua superação. Nesse
fenômeno ocorre a separação da filosofia em
relação ao desenvolvimento científico, o que
abre as portas para a arbitrariedade. Esse
desprendimento da objetividade, por seu turno,
leva a vivência do desespero ao encontro de
uma visão de mundo de caráter subjetivista. Daí
a adesão espontânea de vasto contingente de
pessoas a formulações advindas das filosofias
da vida e da existência, ainda que sem clareza
de suas implicações.
Lukács identifica a diferença entre a filosofia
Por que ler hoje
A destruição da razão
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da vida e a filosofia da existência que se
desenvolve a partir de Heidegger e Jaspers.
Enquanto a primeira busca a conquista do
mundo objetivo pela subjetividade (afirmação
da vontade de potência em vista de uma
atmosfera anímica de desespero e falta de
sentido), na segunda, a existência passa a ser o
oposto da vida, expressa a angústia diante do
tornar-se inessencial da vida em geral e se
caracteriza por uma negação passiva da vida
ordinária. Enquanto a filosofia da vida dividia os
indivíduos em tipos (como em Nietzsche), na
filosofia da existência essa cisão se na
própria individualidade e busca preservar a
autenticidade da subjetividade. Assim
compreende Lukács que em Heidegger “os
escritos se referem aos estados de alma
provocados pela crise do capitalismo
imperialista do pós-guerra”, são “reflexos
anímicos da realidade econômico-social”
(LUKÁCS, 2020, p. 438). O problema está em
que tal filosofia considera os reflexos
subjetivos e, abstraindo a subjetividade da
realidade objetiva, introduz uma divisão
artificiosa entre uma história real imprópria e a
historicidade, entre um tempo real vulgar e a
temporalidade autêntica, entre o ser decaído e
o ser para a morte. Lukács considera Heidegger,
assim como Jaspers, como precursores do
irracionalismo fascista, na medida em que
naturalizam essa atmosfera anímica da qual
falam. No caso de Heidegger, acresce-se o fato
de que ele se coloca no interior de um
movimento teórico pela renovação cultural do
Ocidente a ser protagonizada pela Alemanha,
tema caro ao nazismo. Desses autores ao
retorno à filosofia da vida, no talhe
propriamente pré-fascista e fascista, com
Klages, Junger, Baeumler, Boehm, Krieck e
Rosenberg, é uma questão de vulgarização das
teses irracionalistas para as massas e criação de
elementos que levem à mobilização desse
potencial anímico pessimista no sentido de uma
política expansionista que se vale, dentre outros
pretextos, do conceito de raça e do mito da raça
ariana.
O autor continua a exposição das correntes
filosóficas àquele momento tratando da
recepção do pensamento de Hegel pelos neo-
hegelianos após a primeira guerra, tais como
Kroner, Glockner ou Dilthey, como autores que
afirmam o irracionalismo de Hegel,
aproximando-o de Schopenhauer ou da filosofia
da vida. Sobre essa questão, o livro anterior de
Lukács,
O jovem Hegel,
é primoroso na crítica a
essas leituras deturpadoras.
ainda um capítulo a respeito da nascente
sociologia como ciência particular, sobre a qual
recai a crítica de estabelecer uma suposta
independência das questões sociais em relação
às questões econômicas. Esclarece Lukács que
o surgimento da sociologia se quando do fim
da economia clássica, que levou ao
materialismo histórico e à crítica da economia
política por um lado, e à economia vulgar por
outro. O tratamento das questões sociais
abstraídas das questões econômicas constitui
um falseamento da realidade social, um
desmembramento conveniente na medida em
que a raiz da questão social é separada de seus
efeitos, de forma a deslocar os problemas
sociais para os campos ético, jurídico e político.
Uma ilustração desse procedimento se encontra
em Ferdinand Töennis, no qual se encontra a
crítica romântica à sociedade identificada com o
capitalismo: “Sua postura constitui o
fundamento de uma crítica da cultura em que se
destacam os traços problemáticos e negativos
da cultura capitalista, ao mesmo tempo que se
sublinha, de modo fatalista, a inevitabilidade do
capitalismo” (LUKÁCS, 2020, p. 516).
Sobre Max Weber e Simmel, Lukács dirá de
uma introdução na sociologia burguesa de
formas abstratas de interação entre base e
superestrutura que buscam, fundamentalmente,
suplantar a teoria da acumulação originária.
Também aqui o autor aponta uma inversão na
compreensão da origem e desenvolvimento do
capitalismo que se baseia em fenômenos
superficiais que assumem o papel determinante
em relação aos problemas do desenvolvimento
capitalista, levando ao demasiado
dimensionamento das formas ideológicas como
a religião e o direito. É tentador arriscar que
A
destruição da razão
seja
A
Ideologia alemã
de
Lukács, no sentido de que aqui se encontra o
acerto de contas com seu pensamento do início
do século, quando de sua inserção no círculo
Weber de Heidelberg, assim como seu
propósito, tal qual o de Marx e Engels, seja
identificar a relação entre pensamento e mundo.
Acompanhando as nuances das tendências
no interior da sociologia, Lukács trata dos
autores da sociologia liberal e da sociologia
pré-fascista e fascista, que trazem à cena o
darwinismo social e a teoria das raças,
expressões contundentes do uso deturpado e
manipulatório das ciências biológicas com
propósitos de mobilização da insatisfação das
massas, dirigida agora para um determinado
alvo. Do ponto de vista teórico, o darwinismo
social responde à necessidade de uma nova
apologética do capitalismo que, não podendo
mais negar os seus aspectos nocivos, passa a
afirmar a sua naturalidade e eternidade,
desembocando em um malthusianismo
smico.
De uma forma geral, o livro é grandioso em
sua pretensão e na riqueza de conteúdo. Em
aspectos específicos, tem-se que a perspectiva
de leitura lukácsiana, remetendo os pensadores
examinados à sua inserção social e
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identificando-os, em sua generalidade, como
respostas reacionárias ao movimento dos
trabalhadores e à possibilidade revolucionária,
abre espaço para a crítica dos leitores
simpáticos a tais autores, em geral atentos
apenas à letra, mas não ao espírito dos textos.
No entanto, a severidade da abordagem de
Lukács tem sua razão de ser comprovada a
partir de apreciações tais como a de Rosenberg,
franco ideólogo do nazismo, para quem o
nacional-socialismo “só reconhece como seus
verdadeiros antecessores Richard Wagner,
Nietzsche, Lagarde e Chamberlain” (LUKÁCS,
2020, p. 622). Embora mais sofisticada, a base
filosófica examinada por Lukács, pode ser
vulgarizada pelo nacional-socialismo porque
tem em comum “o desvio da objetividade, o
apelo unilateral aos sentimentos, às vivências”
(LUKÁCS, 2020, p. 632), e dessa forma, pode
parecer uma resposta acessível aos indivíduos
presos em sua particularidade, disseminando-
se pela capilaridade da vida cotidiana. É esse o
alerta que nos traz Lukács e é por isso que a
leitura de
A destruição da razão
mantém a sua
importância e urgência no tempo presente.
Como citar:
ALBINATI, Ana Selva. Por que ler hoje
A destruição da razão
?.
Verinotio
, Rio das Ostras,
v. 27, n. 1, pp. 452-456, jan./jun 2021.