Por que ler hoje
A destruição da razão
?
Verinotio
NOVA FASE
ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 1, p. 452-456 - jan./jun. 2021 | 455
da vida e a filosofia da existência que se
desenvolve a partir de Heidegger e Jaspers.
Enquanto a primeira busca a conquista do
mundo objetivo pela subjetividade (afirmação
da vontade de potência em vista de uma
atmosfera anímica de desespero e falta de
sentido), na segunda, a existência passa a ser o
oposto da vida, expressa a angústia diante do
tornar-se inessencial da vida em geral e se
caracteriza por uma negação passiva da vida
ordinária. Enquanto a filosofia da vida dividia os
indivíduos em tipos (como em Nietzsche), na
filosofia da existência essa cisão se dá na
própria individualidade e busca preservar a
autenticidade da subjetividade. Assim
compreende Lukács que em Heidegger “os
escritos se referem aos estados de alma
provocados pela crise do capitalismo
imperialista do pós-guerra”, são “reflexos
anímicos da realidade econômico-social”
(LUKÁCS, 2020, p. 438). O problema está em
que tal filosofia só considera os reflexos
subjetivos e, abstraindo a subjetividade da
realidade objetiva, introduz uma divisão
artificiosa entre uma história real imprópria e a
historicidade, entre um tempo real vulgar e a
temporalidade autêntica, entre o ser decaído e
o ser para a morte. Lukács considera Heidegger,
assim como Jaspers, como precursores do
irracionalismo fascista, na medida em que
naturalizam essa atmosfera anímica da qual
falam. No caso de Heidegger, acresce-se o fato
de que ele se coloca no interior de um
movimento teórico pela renovação cultural do
Ocidente a ser protagonizada pela Alemanha,
tema caro ao nazismo. Desses autores ao
retorno à filosofia da vida, no talhe
propriamente pré-fascista e fascista, com
Klages, Junger, Baeumler, Boehm, Krieck e
Rosenberg, é uma questão de vulgarização das
teses irracionalistas para as massas e criação de
elementos que levem à mobilização desse
potencial anímico pessimista no sentido de uma
política expansionista que se vale, dentre outros
pretextos, do conceito de raça e do mito da raça
ariana.
O autor continua a exposição das correntes
filosóficas àquele momento tratando da
recepção do pensamento de Hegel pelos neo-
hegelianos após a primeira guerra, tais como
Kroner, Glockner ou Dilthey, como autores que
afirmam o irracionalismo de Hegel,
aproximando-o de Schopenhauer ou da filosofia
da vida. Sobre essa questão, o livro anterior de
Lukács,
O jovem Hegel,
é primoroso na crítica a
essas leituras deturpadoras.
Há ainda um capítulo a respeito da nascente
sociologia como ciência particular, sobre a qual
recai a crítica de estabelecer uma suposta
independência das questões sociais em relação
às questões econômicas. Esclarece Lukács que
o surgimento da sociologia se dá quando do fim
da economia clássica, que levou ao
materialismo histórico e à crítica da economia
política por um lado, e à economia vulgar por
outro. O tratamento das questões sociais
abstraídas das questões econômicas constitui
um falseamento da realidade social, um
desmembramento conveniente na medida em
que a raiz da questão social é separada de seus
efeitos, de forma a deslocar os problemas
sociais para os campos ético, jurídico e político.
Uma ilustração desse procedimento se encontra
em Ferdinand Töennis, no qual se encontra a
crítica romântica à sociedade identificada com o
capitalismo: “Sua postura constitui o
fundamento de uma crítica da cultura em que se
destacam os traços problemáticos e negativos
da cultura capitalista, ao mesmo tempo que se
sublinha, de modo fatalista, a inevitabilidade do
capitalismo” (LUKÁCS, 2020, p. 516).
Sobre Max Weber e Simmel, Lukács dirá de
uma introdução na sociologia burguesa de
formas abstratas de interação entre base e
superestrutura que buscam, fundamentalmente,
suplantar a teoria da acumulação originária.
Também aqui o autor aponta uma inversão na
compreensão da origem e desenvolvimento do
capitalismo que se baseia em fenômenos
superficiais que assumem o papel determinante
em relação aos problemas do desenvolvimento
capitalista, levando ao demasiado
dimensionamento das formas ideológicas como
a religião e o direito. É tentador arriscar que
A
destruição da razão
seja
A
Ideologia alemã
de
Lukács, no sentido de que aqui se encontra o
acerto de contas com seu pensamento do início
do século, quando de sua inserção no círculo
Weber de Heidelberg, assim como seu
propósito, tal qual o de Marx e Engels, seja
identificar a relação entre pensamento e mundo.
Acompanhando as nuances das tendências
no interior da sociologia, Lukács trata dos
autores da sociologia liberal e da sociologia
pré-fascista e fascista, que trazem à cena o
darwinismo social e a teoria das raças,
expressões contundentes do uso deturpado e
manipulatório das ciências biológicas com
propósitos de mobilização da insatisfação das
massas, dirigida agora para um determinado
alvo. Do ponto de vista teórico, o darwinismo
social responde à necessidade de uma nova
apologética do capitalismo que, não podendo
mais negar os seus aspectos nocivos, passa a
afirmar a sua naturalidade e eternidade,
desembocando em um malthusianismo
cósmico.
De uma forma geral, o livro é grandioso em
sua pretensão e na riqueza de conteúdo. Em
aspectos específicos, tem-se que a perspectiva
de leitura lukácsiana, remetendo os pensadores
examinados à sua inserção social e