A sombra do progresso
VerinotioNOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, pp. 182-221 - mar. 2022| 205
“ameaça do futuro” (MARX; ENGELS
apud
LUKÁCS, 1981, p. 118); por isso, Lukács
emprega aqui e ali o termo “utopismo reacionário” (LUKÁCS, 1981, p. 124) para
descrever essa mistura. Citando o
Manifesto comunista
, ele destaca nesse sentido
duas correntes, o socialismo pequeno-burguês e o socialismo feudal, as quais são
caracterizadas com mais vagar por meio de comentários sobre algumas figuras
representativas, particularmente Sismondi e Carlyle. A respeito desse último Lukács
comenta:
Pois, quando Carlyle, por exemplo, contrapõe ao trabalhador livre
[
vogelfrei
] a existência segura no auge da Idade Média, quando ele
contrapõe ao escravo fragmentado da divisão capitalista do trabalho o
artesão trabalhando com sentido, que realiza sua personalidade no trabalho
etc., sem dúvidas esse contraste é, em termos imediatamente econômicos,
pequeno-burguês e reacionário. Mas ele revela, por um lado, aspectos
importantes e desumanos do capitalismo e contém, por outro, certamente
de uma forma confusa, reacionário-utópica, uma intuição do futuro, que, por
exemplo, não mais conhecerá a submissão escrava sob a divisão do
trabalho. (LUKÁCS, 1981, p. 127)
Não há dúvidas, para Lukács, de que a glorificação da Idade Média tem um
caráter reacionário e este se mostra, do ponto de vista imediatamente econômico,
como uma pedra no sapato, impedindo que o modo de produção capitalista seja
apreendido em termos próprios. O ponto de vista de Carlyle, em sua limitação,
equivale ao dos representantes da pequena burguesia, em sua origem uma classe
pré-capitalista, a qual se vê constantemente sob a ameaça de desaparecer e
submergir no proletariado; assim ela incorpora por definição uma contradição,
oscilando entre o proletariado, do qual se compadece, e a burguesia, pela qual é
constantemente seduzida. No entanto, Lukács entende que essa visão de mundo
passadista embasa ao mesmo tempo um momento de revelação daquele “fator
subjetivo-pessoal” (LUKÁCS, 1981, p. 113) no qual se condensa a tragédia do
indivíduo no capitalismo (exposta aqui na degradação que acompanha a divisão
capitalista do trabalho) e que constitui, numa constelação de todo diversa, algo da
originalidade da apreensão de Hegel e Goethe sobre o “progresso do gênero” (
LUKÁCS, 1981, p. 113-114). Lukács, que não adota um critério “formal-democrático”
(LUKÁCS, 1981, p. 120), mas
funcional
frente ao papel que as ideologias, incluso as
reacionárias, cumprem objetivamente num determinado contexto sócio-histórico,
reconhece que o ódio que o Carlyle pré-1848 – isto é, antes de ele passar
“abertamente para o campo da contrarrevolução” – dirige contra a “anarquia do
capitalismo” (LUKÁCS, 1981, p. 126) atinge o ponto, ainda que de “forma confusa”.
Movido por uma nostalgia da velha ordem com seus valores, Carlyle contesta a