A sombra do progresso
VerinotioNOVA FASE ISSN 1981 - 061X v. 27 n. 2, pp. 182-221 - mar. 2022| 199
órgão de pronunciamento do Comitê Central adverte diversas revistas a se
orientarem de modo mais rigoroso pela tarefa da “educação comunista das massas”,
ao escolherem os textos que publicam (MEIER, 2014, p. 188).
A acusação central levantada a partir desse debate gira em torno do
“voprekismo” da
Literaturnyi kritik
, do que se conclui que ali seria veiculado um
“menosprezo do fator político-ideológico na criação literária” (BRENNER, 1991, p.
175): “o significado da visão de mundo como um todo, mas particularmente da visão
de mundo marxista progressista, seria negado e o papel de visões reacionárias
superestimado” (SZIKLAI, 1978, p. 101). Fica subentendido, portanto, que os críticos
da revista, ao falarem de obras de outros tempos e de outros contextos, estariam na
verdade desenvolvendo um modelo que também se aplicaria à situação soviética
contemporânea. A defesa do “triunfo do realismo” é assim transformada em uma
mácula de teor político, pois, se “a realidade sempre vence, logo o artista socialista
não precisaria de uma visão de mundo marxista” (SZIKLAI, 1978, p. 98) e, como
resultado, a problemática das classes poderia ser posta de lado. Nota-se aqui o
ressurgimento da crítica feita pelos “blagodaristas” por ocasião do debate sobre a
sociologia vulgar, rebatido por Lifschitz como uma “lenda”: “quando nossos
oponentes literários levantam contra o escritor dessas linhas a acusação de que ele
rejeita a análise de classes, então eles tomam um desejo pela realidade” (LIFSCHITZ,
1988b, p. 506). Meier menciona outras questões que, interligadas a essa recusa do
esquema
da luta de classes, parecem igualmente suspeitas aos adversários de
Lukács e da revista:
Nesse contexto, a referência reiterada na
Literaturnyi kritik
à categoria de
“povo” e
narodnost’
[vínculo ao povo] é entendida como uma negação
equivocada da luta de classes. Corretamente, reconhece-se que a crítica ao
escritor moderno desenvolvida por Lukács nos artigos “
Chudožnik i kritik
”
[
Escritor e crítico
] e “
O dvuc htipachch udožnikov
” [
Sobre dois tipos de
escritor
] diz fundamentalmente respeito também às circunstâncias na União
Soviética. Também o vínculo da crítica feita na
Literaturnyi kritik
à
illjustrativnost’
[caráter ilustrativo] da literatura soviética é reconhecida de
modo fundamentalmente correto. (MEIER, 2014, p. 189-190)
Então, conclui Illés, tanto Lukács quanto Lifschitz, “com suas visões sobre o
desenvolvimento desigual da arte e sobre o triunfo do realismo, tornaram-se vítimas
da luta contra as visões rappistas, que ressurgiram dos mortos na virada dos anos
trinta para os quarenta” (ILLÉS, 1993, p. 245). Contudo, é preciso levar também em
conta, como faz Lukács retrospectivamente, que a “antiga linha da RAPP” continuou
a dar o tom mesmo depois de sua dissolução: o “grupo da antiga direção da RAPP”