DOI 10.36638/1981-061X.2023.28.1.662  
Da crítica ao politicismo à determinação  
ontonegativa da politicidade: a análise do caso  
brasileiro  
From the critique of politicism to the politicity ontonegative  
determination: the analysis of the Brazilian case  
Ester Vaisman*  
Vânia Noeli Ferreira de Assunção**  
Resumo: Este artigo tem por propósito expor as  
análises realizadas pelo filósofo J. Chasin em  
relação ao tema da política no âmbito da  
formação social brasileira, cuja determinação  
central, nos seus termos, é ter-se constituído pela  
via colonial. Intentamos, inicialmente, mostrar a  
interrelação entre as pesquisas chasinianas sobre  
o pensamento de K. Marx especialmente a crítica  
Abstract: The purpose of this article is to expose  
the analyzes carried out by the philosopher J.  
Chasin about the theme of politics in the context  
of the Brazilian social formation, whose central  
determination, in his terms, is to have been  
constituted through the colonial way. Initially,  
we intend to show the interrelationship between  
Chasin's research on K. Marx's thought,  
à
política (consubstanciada na expressão  
especially  
the  
critique  
of  
politics  
determinação ontonegativa da politicidade), e  
suas descobertas sobre a sociabilidade nacional.  
No interior dessa relação de potencialização  
recíproca, destacamos o debate chasiniano sobre  
o politicismo, modo de proceder típico da  
burguesia atrófica brasileira, para o qual esta  
conseguiu arrastar, em momentos decisivos,  
muitos agrupamentos e individualidades que se  
arvoram de esquerda.  
(consubstantiated  
in the  
expression  
ontonegative determination of politicity), and  
his findings on national sociability. Within this  
relationship of reciprocal potentialization, we  
highlight Chasin's debate on politics, a typical  
way of proceeding of the Brazilian atrophic  
bourgeoisie, to which it managed to drag, in  
decisive moments, many groupings and  
individuals that claimed to be on the left.  
Palavras-chave: Politicidade; via colonial de  
objetivação do capitalismo; J. Chasin;  
politicismo.  
Keywords: politicity; colonial way of capitalism  
objectifying; J. Chasin; politics.  
Em 2022 completaram-se 85 anos do nascimento do filósofo paulistano J.  
Chasin (1937-1998), autor de uma produção intelectual marcada pelo rigor em  
diversos territórios de pesquisa. Nosso objetivo neste texto será restrito à  
recomposição do tratamento chasiniano acerca do complexo da politicidade na via  
colonial, cujo traço mais significativo é o politicismo.  
*
Professora Titular aposentada do Departamento de Filosofia da UFMG e coeditora da Verinotio –  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: evaisman@fafich.ufmg.br.  
**  
Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF Rio das Ostras) e coeditora da Verinotio –  
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: vanianoeli@uol.com.br.  
ISSN 1981-061X, v. 28.1, 30 anos de O futuro ausente- 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023  
Verinotio  
nova fase  
Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
As atenções de Chasin sempre estiveram voltadas, desde a época de estudante  
no curso de filosofia da FFLCH-USP, à busca da decifração e caracterização da  
formação social brasileira. Não por acaso, ainda estudante, vinculou-se à Editora  
Brasiliense (e à Revista Brasiliense, que circulou de 1955 a 1964, em que teve a  
oportunidade de escrever artigos relevantes1), dirigida por Elias Chaves Neto e Caio  
Prado Júnior.  
O tema da política, por sua vez, esteve presente no pensamento chasiniano  
desde cedo, aparecendo já nos seus primeiros textos, e continuou sendo tematizado  
em todos os seus trabalhos escritos para debater a formação social brasileira. Parte  
significativa destes voltava-se à análise de conjunturas específicas, não raro, processos  
eleitorais marcantes no interior de modificações econômico-sociais mais ou menos  
amplas, que incluíam por vezes comentários sobre os postulantes aos cargos e sobre  
os partidos em pugna. É possível, assim, reconstruir parte da história brasileira do  
século XX a partir das análises chasinianas, pelo recorte da temática política –  
ressaltando-se a não autonomização deste campo da sociabilidade, que ele sempre  
apanhava a partir da esfera da produção da vida e da totalidade social.  
Não há espaço aqui, entretanto, para tal reconstrução, por mais que ela seja  
importante e necessária. Nosso objetivo será mais restrito, já que buscaremos tratar  
da questão política na via colonial sob o seu mais significativo traço, o politicismo.  
Acerca dele Chasin se delongou fartamente nos seus textos sobre o Brasil, a partir das  
conquistas teóricas efetivadas nas pesquisas sobre o pensamento marxiano, e  
pensando-o sobre o fundamento da ontonegatividade da política e da inerência do  
politicismo à lógica do capital sobretudo no seu feitio contemporâneo. Nos textos aqui  
trabalhados, ele se esforçou por deslindar a forma específica pela qual o politicismo  
se incorporou à sociabilidade nacional, já que é elemento constitutivo central da forma  
de ser da burguesia atrófica e, ainda, porque esta conseguiu enredar no politicismo  
também os representantes político-ideológicos da classe representante da lógica do  
trabalho.  
Consideramos, porém, fundamental começar demonstrando a citada  
interdeterminação entre as pesquisas chasinianas acerca do pensamento de Marx e  
1
Publicados no apenso arqueológico de A miséria brasileira, são eles: Jânio, do parto à sepultura;  
Algumas considerações a respeito do movimento estudantil brasileiro; Luta ideológica objetivo central  
do movimento estudantil; e Contribuição para a análise da vanguarda política no campo. Cf. CHASIN, J.  
A miséria brasileira 1964-1994: do golpe militar à crise social. Santo André: Estudos e Edições Ad  
Hominem, 2000.  
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suas análises sobre a politicidade na sociabilidade brasileira. Iniciaremos, portanto, a  
partir dessa discussão.  
I Da redescoberta de Marx à determinação da via colonial: a ontonegatividade  
da política e seu corolário, o politicismo  
Já em sua tese de doutorado (defendida em 1977), intitulada O integralismo  
de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo híper-tardio2, Chasin não  
apenas se debruçou sobre o conjunto da obra do líder integralista, mas procurou, do  
mesmo modo, explicar a gênese e a função social da ideologia em foco3, por meio do  
delineamento das características fundamentais da formação social brasileira,  
notadamente aquela que dizia respeito às demandas, condições e perspectivas de  
determinados agentes sociais à época da eclosão do movimento. Ciente de que sua  
tese seria envolvida por densa polêmica, procurou, como lhe era característico,  
examinar todos os artigos, livros, discursos e palestras de Plínio Salgado, por meio da  
análise imanente, evidenciando, assim, rigorosamente suas características peculiares e  
apontando as diferenças com o discurso nazifascista surgido na Europa no mesmo  
período4.  
Na apresentação desse livro sobre Plínio Salgado, o autor revelava que o debate  
ali efetuado não dizia respeito apenas ao seu objeto imediato, o ideário do líder  
integralista. De fato, esclarecia,  
o propósito de bem examinar um objeto específico acabou remetendo,  
com naturalidade e sem alternativa, ao todo da questão brasileira, e  
não há porque, esgrimindo com falsas humildades, encobrir com tela  
de malha negra o fato de que este trabalho, acima talvez de tudo, nos  
seus eventuais acertos e enganos, cria um problema para a reflexão  
2 Publicada como livro menos de um ano depois. Cf. CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado: forma  
de regressividade no capitalismo híper-tardio. São Paulo: Lech, 1978. (As citações aqui feitas serão a  
partir da segunda edição: São Paulo: Ad Hominem, 1999.)  
3
No livro A destruição da razão, logo nas páginas introdutórias, Lukács argumenta em torno da  
necessidade do tripé metodológico para a devida análise do fenômeno ideológico. Cf. LUKÁCS, G. A  
destruição da razão. São Paulo: Instituto Lukács, 2020, pp-11-12. No livro citado de Chasin, a referência  
a tal dispositivo metodológico, proposto pelo filósofo húngaro, encontra-se nos seguintes termos  
“Numa formulação sintética, pode-se dizer que Lukács oferece-nos o conjunto de sua concepção  
metodológica ao estabelecer que a abordagem de um fenômeno ideológico implica a determinação de  
sua gênese e de sua função social. Porém, isto não basta, há que necessariamente acrescentar àqueles  
dois pontos a crítica imanente, ‘um fator legítimo e até mesmo indispensável na exposição e no  
desmascaramento das tendências...’.” CHASIN, O integralismo..., op. cit., p. 59.  
4
Sendo impossível, no presente artigo, resgatar a pletora de questões que Chasin intentou solucionar  
nesse campo, restringimo-nos aos traços mais gerais de seu contributo para o desvendamento do  
caráter do desenvolvimento capitalista em nosso país, identificando-o como uma objetivação particular  
a via colonial , bem como as razões que tornaram possível a disseminação, nesse contexto, de  
posições politicistas.  
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do caso brasileiro5.  
Chasin expunha, desta forma, ter se visto em face do imperativo de analisar a  
própria formação social brasileira, no mister de entender o pensamento integralista  
pliniano por meio da análise imanente e, ao mesmo tempo, indicar sua gênese e função  
sociais. É forçoso reconhecer, no entanto, que o empenho em deslindar o discurso  
integralista somente foi passível de ser realizado a partir da articulação de duas frentes  
de pesquisa, uma das quais incluía como é fácil constatar nas páginas do referido  
livro estudos minuciosos da obra de Marx e de Lukács.  
Por via de consequência, o que pode ser verificado, tomando-se como base os  
textos de Chasin a partir dos anos 1970, é a potencialização recíproca de dois âmbitos  
da pesquisa que ele passou a levar a cabo de modo consistente: de um lado, a  
aproximação rigorosa da realidade brasileira em um primeiro momento, a partir dos  
desafios postos pela investigação da ideologia integralista, na figura de seu líder, e  
mais adiante sobre a controvertida atuação das oposições ao regime ditatorial e, de  
outro, a lida incansável junto à obra de Marx. Assim, pode-se afirmar que a labuta  
direta com problemas que se colocavam na ordem do dia, ao longo dos anos 1970 e  
1980, propiciou ao filósofo paulistano o impulso necessário para pensar a linha de  
atuação da oposição à autocracia bonapartista em vigor (isso após ter se debruçado  
sobre o fenômeno integralista), bem como, em função dos resultados obtidos, alargar  
o seu campo de visão a respeito da gravidade e disseminação de posturas politicistas.  
Desse modo, as pesquisas teóricas realizadas, em especial sobre o pensamento  
marxiano, propiciaram uma série aquisições que vieram a assumir em sua pena  
desdobramentos originais. Como veremos a seguir, tais desdobramentos lançaram  
uma nova luz sobre questões vitais, tanto no campo do marxismo quanto na apreciação  
da realidade brasileira. Ademais, é mérito de Chasin a ampliação de certos princípios  
ontometodológicos que revalorizam a pesquisa textual, ao conceder ao texto  
dimensões que haviam sido obnubiladas por aquilo que ele mesmo denominou de  
“hermenêuticas da imputação”6. Longe de aderir às correntes em voga no mundo  
acadêmico (e mesmo fora dele) que identificam “leitura” a “interpretação”, entendida  
pura e simplesmente como “atribuição de sentido pelo pesquisador/intérprete”, de  
forma a conceber como equivalentes as diferentes “operações hermenêuticas”, Chasin  
5 CHASIN, O integralismo..., op. cit., pp. 29-30.  
6 Cf. CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 25.  
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denunciou o afastamento do problema da verdade do âmbito investigativo, “seja como  
questão sem solução, seja como falso problema”7.  
Desse modo, a partir das conquistas teóricas aludidas acima, torna-se plausível  
afirmar que Chasin elaborou contribuição decisiva para aquilo que Lukács denominou,  
com muita acuidade de “renascimento do marxismo”. Entretanto, ao citarmos o filósofo  
húngaro, valendo-nos de uma expressão muito utilizada em sua obra postumamente  
publicada, não significa que haja uma identificação plena entre o projeto lukácsiano,  
consignado em seus escritos tardios, e aquele ao qual Chasin se dedicou. Ao contrário,  
diferentemente da posição de Lukács, que afirmava a existência de uma ontologia no  
pensamento de Marx, o filósofo paulistano, no intento de agarrar o cerne de sua  
herança teórico-prática, sustentava existir em Marx um “estatuto ontológico”, ao invés  
de uma ontologia no sentido tradicional do termo. Ou seja, ao afirmar a existência de  
um estatuto ontológico, Chasin formulou a sua própria visão desse intrincado  
complexo. De forma direta, como convém às vezes, pode-se dizer que  
estatuto é a ordem do reconhecimento ou reprodução teórica da  
realidade, natureza e constituição das coisas por si, por seus  
complexos categoriais mais gerais e decisivos, independentemente,  
em qualquer plano, de se tornarem objeto da prática e da reflexão8.  
Desse modo, reconhecer a importância da questão ontológica em Marx, de  
acordo com Chasin, não significa a afirmação da existência de “um sistema de verdades  
absolutas e abstratas, mas antes de tudo [um estatuto teórico, cuja fisionomia é traçada  
por um feixe de lineamentos categoriais, enquanto formas de existência do ser social”9.  
Por essa razão, mesmo reconhecendo os méritos de Lukács, sobretudo tendo em vista  
os descaminhos do marxismo, o autor em tela não pôde aderir totalmente à obra do  
filósofo húngaro publicada postumamente, por mais que haja um certo número de  
afinidades e influências recebidas10.  
Depois desse necessário volteio, em que foi caracterizado sinteticamente o  
modo como Chasin faceou a questão ontológica em Marx, torna-se mais fácil  
compreender a relação entre a crítica ao politicismo realizada pelo filósofo paulistano,  
desde a década de 1970 até o momento de seu falecimento, e a concepção  
ontonegativa da politicidade estampada, sobretudo, mas não só, no livro Marx:  
7 VAISMAN, E.; ALVES, A. J. L. Apresentação. In: CHASIN, Marx: estatuto ontológico..., op. cit., p. 7.  
8 Ib., p. 9.  
9 Ib., p. 10.  
10 As diferenças entre a abordagem lukácsiana e a de Chasin não poderão ser abordadas nos limites do  
presente artigo, ficando para outra oportunidade sua devida análise.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
estatuto ontológico e resolução metodológica. Ou, em termos sintéticos: Chasin  
percorreu rigorosamente, no livro ora referido, o “caminho analítico da politicidade”,  
no qual “é exercitado o posicionamento ontológico frente à questão do estatuto da  
política”11.  
Passemos à determinação do politicismo pela explanação de seus caracteres  
mais significativos, pelo apontamento de sua origem e de sua finalidade na via colonial,  
tal como expressos nas análises chasinianas. Como exposto no artigo A “politicização”  
da totalidade12, politicizar é entender o complexo de complexos que é a sociabilidade  
pelo âmbito exclusivo do político, desconsiderando as inter-relações e  
interdeterminações (e seus pesos específicos) presentes na totalidade do real. Analisar  
o real sob a distorcida lente do politicismo implica visualizar, analisar e abordar  
praticamente o todo contraditório, articulado e complexo que conforma a sociabilidade  
pelo viés de uma das esferas desta, a política13.  
O procedimento politicista se inicia pelo seccionamento entre política e  
economia, ou seja, pelo desacoplamento de campos do real inseparáveis e conexos.  
Como se fora pouca coisa, após isolar as esferas da política e da economia, ainda  
transforma esta última num epifenômeno ou numa derivação da primeira, cujas  
determinações estariam restritas ao universo das regras institucionais que, ademais,  
é supervalorizado. Com isto (como Chasin acrescentou no texto ¿Hasta cuando?, de  
198214), o politicismo nega o caráter fundante, ontologicamente matrizador, do  
econômico, esfera ineliminável, prioritária e determinante da sociabilidade, derribando  
as pilastras do metabolismo social. Em suma, o politicismo é um entendimento (e  
também uma prática) que “desmancha o complexo de especificidades, de que se faz e  
refaz permanentemente o todo social, e dilui cada uma das ‘partes’ (diversas do  
político) em pseudopolítica”15. De maneira que ignora e despreza a especificidade  
dos demais elementos que compõem o real e hiperacentua apenas um deles, o político.  
11 VAISMAN; ALVES, Apresentação, op. cit. p. 18.  
12  
CHASIN, J. A “politicização” da totalidade: oposição e discurso econômico. In: ______. A miséria  
brasileira, op. cit., pp. 7-36. Este texto, de 1977, é marcante na trajetória chasiniana, inaugurando um  
debate que se manterá vivo (e em constante aprimoramento) durante toda a sua vida teórica.  
13 Há, ademais, as versões mais vulgarizadas do politicismo, que estreitam ainda mais os horizontes ao  
se limitarem ao aspecto político-institucional, o que leva ao extremo a banalização de tais procedimentos  
equívocos.  
14  
CHASIN, J. ¿Hasta cuando? A propósito das eleições de novembro. In: ______. A miséria brasileira,  
op. cit., pp. 121-42. Escrito originalmente como editorial para a Revista Nova Escrita Ensaio, n. 10,  
trata-se de outro texto marcante no tratamento do tema que aqui nos ocupa.  
15 Ib., p. 123.  
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Frise-se enfaticamente que politicizar é algo bastante diverso da ponderação  
acerca da inerência da política às grandes questões sociais no âmbito das sociedades  
classistas, dado que são questões públicas. Não se trata, portanto, de situar o debate  
no campo da res publica, mas de reduzir as questões sociais à política, que assim  
substitui a totalidade (sobrepondo-se inclusive à esfera que determina a própria  
política). Também se distingue do politizar, ato que subentende partir do todo e  
analisar vieses, posições e propostas a partir de uma visão global e que respeite a  
anatomia da sociedade civil. Na direção oposta, o politicismo despolitiza, “na exata  
medida em que desliga o político da raiz que o engendra e reproduz; numa palavra,  
na exata medida em que o desqualifica enquanto político real, enquanto dimensão de  
um todo, que só pelo todo possui especificidade, e do qual não faz sentido dizer que  
guarda autonomia”16. A afirmação de que a autonomia é apenas relativa não diminui a  
falta de sentido da segmentação dos dois campos, a não ser que queira tão somente  
anotar a não-mecanicidade da relação, ou seja, “sua determinação enquanto vínculo  
essencial, irremovível sob pena de desfiguração, que se objetiva num andamento  
constituinte profusamente mediado”17.  
Trata-se, operando uma comparação mais adequada, como fez Chasin no texto  
escrito a propósito das eleições de 1982, mais propriamente de um fenômeno  
semelhante ao economicismo18, que simplifica e reduz inapropriadamente as relações  
de determinação entre as esferas da atuação humana e por isso não chega a  
compreender nem mesmo o campo que é formalmente estufado. Uma análise  
politicista desentende a globalidade da realidade humana, incluindo aí a própria  
política, pois esta, artificialmente inflada e arbitrariamente privilegiada, é tomada numa  
dimensão e importância que não tem no plano real. Este fica, por sua vez, esvaziado,  
desenraizado e sem concretude, transformado numa “calda indiferenciada” que é dada  
e tomada como a política, mas que é a própria negação desta, por ser uma hipertrofia  
do político. Por tudo isso Chasin qualificava o politicismo como uma falsificação teórica  
e prática, de vez que,  
convertendo a totalidade estruturada e ordenada do real complexo  
repleto de mediações num bloco de matéria homogênea, além da  
falsificação intelectual praticada, o politicismo configura para a prática  
um objeto irreal, pois este resulta de bárbara amputação do ente  
concreto, que sofre a perda de suas dimensões sociais, ideológicas e  
16 CHASIN, A “politicização” da totalidade, op. cit., pp. 8-9.  
17 Ib.  
18 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 123.  
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especialmente de suas relações e fundamentos econômicos19.  
Uma política arrimada no politicismo tem como decorrência a perda de potência  
e eficácia da atuação política, campo tomado como autônomo, donde, perde  
sustentação real, cede ao voluntarismo e se condena à impotência. A autonomização  
e hiperacentuação do político levam, por conseguinte, ao esfacelamento de sua  
concretude e, pois, de sua força e capacidade de atuação, já que a ação é levada a  
cabo numa realidade que, falsificada pelo politicismo, não é efetiva, não considera as  
propriedades objetivas do objeto sobre o qual incorrem os atos.  
Chasin chamava a atenção para a gênese liberal deste procedimento desde  
1977. No artigo A “politicização” da totalidade: oposição e discurso econômico o autor  
criticou a oposição ao regime bonapartista então vigente no país pelo fato de estar  
subsumida à perspectiva governista e atuar de forma politicista, enquanto o sistema  
sabia muito bem resguardar de críticas teóricas e práticas sua espinha dorsal, a  
economia, sendo vitorioso em situar o debate exclusivamente no âmbito político-  
jurídico. Trata-se de um texto marcante na trajetória chasiniana, inaugurando um  
debate que se manterá vivo (e em constante aprimoramento) durante toda a sua vida  
teórica.  
Outro texto crucial para entender a questão do politicismo é ¿Hasta cuando?,  
escrito em 1982, em que Chasin retomou e desdobrou a análise do politicismo,  
salientando sua raiz liberal e, mais importante, mostrando que a burguesia brasileira  
é intrinsecamente politicista. Ele acrescentava então que o liberalismo atribui a  
economia à esfera da vida privada, tida como o ambiente dos interesses egoístas  
desbragados e conflituosos; o politicismo, exacerbando tal princípio, vincula a política,  
dilatada de maneira formal e artificial, ao universo da coisa pública, aquele dos debates  
e decisões relativas a toda a sociedade, do bem viver coletivo, da resolução dos  
conflitos. Donde, a hipervalorização do político e o relativo ou completo desprezo pelo  
econômico, ou pelo menos sua naturalização. Colado à realidade, demonstrou como  
esta burguesia procedeu no trânsito do bonapartismo à autorreforma do início dos  
anos 1980, comparando-o ao processo semelhante ocorrido em 1946. Sua análise  
concluiu que o politicismo teve importante papel para tornar a transição dos anos  
1980 uma autorreforma segura para o sistema, configurando-se num momento  
histórico mais estreito se comparado às possibilidades de meados dos anos 1940.  
19 Ib.  
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Este artigo é bastante significativo para o tratamento do tema: o filósofo em pauta  
pareceu ter entendido como definitiva sua forma de exposição, de vez que o citava  
textualmente em vários artigos sobre o Brasil escritos posteriormente, sempre que  
achava necessário retomar o assunto.  
Importante anotar que em 1984 Chasin publicou outro texto, intitulado  
Democracia política e emancipação humana, que dialogava diretamente com sua  
discussão sobre o Brasil20, ao tempo que expunha suas conquistas teóricas no tocante  
ao que chamava, então, de “definição negativa da política”. Assim, neste artigo já resta  
demonstrado o amplo saldo resultante das pesquisas que ele iniciara ainda no  
autoexílio em Moçambique21 sobre o pensamento marxiano, do aprofundamento dos  
estudos sobre ontologia e do papel que a política ocupa no interior da sociabilidade.  
Bem assim, o texto era uma herança direta das análises concretas da década de 1970  
sobre o regime bonapartista no Brasil e suas oposições.  
Na Nota do editor publicada na Revista Ensaio nº 14, de 1985, intitulada A  
esquerda e a nova república22, Chasin tratou novamente do politicismo e das  
(im)possibilidades democráticas no país, e aqui ele avança na determinação da  
incompletude de classe do capital, comparando-se as categorias sociais forjadas no  
Brasil com aquelas dos países clássicos e de via prussiana. Outra novidade importante  
do artigo é a determinação da atrofia do capital brasileiro, que ele mencionara (com  
esses termos) apenas de passagem no texto anterior; aqui ele a abraçava plenamente,  
como elemento importante da argumentação, para não mais abandoná-la. Voltava,  
ainda, à crítica dura do politicismo, aditando-lhe as do participacionismo (degeneração  
da participação) e do distributivismo, postura que ignorava a determinação do âmbito  
da produção sobre as demais esferas da economia e pleiteava soluções atinentes à  
circulação e ao consumo. Para isso, mais uma vez amparou-se em escritos de Marx,  
notadamente nos Grundrisse.23  
Nesse passo, já é possível indicar o caminho percorrido por Chasin em seus  
20  
O texto, escrito para apresentação no I Encontro Nacional de Filosofia da Anpof, inicia-se inclusive  
com a frase “Nada mais audível, no atual panorama brasileiro, do que o coro formado pela democracia”.  
Cf. CHASIN, J. Revista Ensaios Ad Hominem, n. 1 t. III: A determinação ontonegativa da politicidade.  
Santo André: Estudos e Edições Ad Hominem, 2000, pp. 91-100.  
21  
Para mais informações sobre a vida de Chasin, cf. a Biografia publicada na nova edição de O futuro  
ausente.  
22 CHASIN, J. A esquerda e a Nova República. In: ______. A miséria brasileira, op. cit., pp. 151-64.  
23  
Trata-se do escrito pertencente à Introdução dos Manuscritos de 1857-58, intitulado Produção,  
consumo, distribuição, troca (circulação). MARX, K. Grundrisse. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. pp.  
30-44.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
aspectos iniciais, ou seja, em um primeiro momento, amparado sobre as formulações  
de Marx a respeito dos vínculos entre o modo de produzir a vida e os âmbitos político-  
jurídicos e ideológicos, apresentados e configurados em vários momentos da obra do  
filósofo alemão, o autor em tela, sem cair em formulações deterministas ou  
mecanicistas, explorou analiticamente, em vários de seus artigos, as posturas  
politicistas de agentes sociais diversos. Em síntese, a partir de acontecimentos  
privilegiados que pontuaram a realidade nacional, isto é, manifestações concretas do  
fenômeno politicista, nosso teórico denunciou a ausência de proposições (sobretudo  
da oposição ao regime bonapartista) que levassem em consideração o peso  
fundamental do âmbito da produção da vida material na emergência e na respectiva  
solução de problemas atinentes ao complexo humano-societário como um todo.  
Já em um segundo momento em que, como dissemos, Chasin aprofundou seus  
estudos dos escritos de Marx, ele passou a identificar o estatuto teórico-prático no  
qual o pensamento marxiano deita suas raízes. Por essa via, o filósofo paulistano  
revelou que a politicidade nunca foi tratada de forma autônoma por Marx, ou seja, ela  
era examinada sempre no interior do processo de elucidação das formas de  
sociabilidade, isto é, a partir da determinação dada pela organização da interatividade  
humana nos contornos de modos opositivos de sociedade, da qual a política é a forma  
de expressão. Assim, a politicidade não se constituiu como tema autônomo e, muito  
menos, o problema principal. O interesse de Marx sempre foi, pelo menos a partir de  
meados de 1843, o desvendamento da anatomia da sociedade civil, o qual, todavia,  
foi e tem sido mal compreendido e entendido simplesmente como economicismo.  
Em outros termos ainda, Marx se orientou sempre pela busca do esclarecimento  
dos processos constitutivos da mundanidade humana. De sua parte, desde o momento  
em que constatou que a pedra de toque da reflexão marxiana diz respeito à  
problemática da autoconstrução humana, tanto no que se refere à individualidade  
quanto à concretização do mundo histórico-social, Chasin passou a extrair e configurar  
o que denominou de determinação ontonegativa da politicidade. Esta se apresenta  
como uma das descobertas filosóficas mais importantes e originais do projeto de  
retorno a Marx proposto por Chasin, tal como entendida a partir dessa trilha de  
investigação.  
Entre as questões cujas devidas respostas só poderiam ser encontradas por  
meio do estudo da obra marxiana estão: os motivos e as explicações para os dilemas  
e entraves que marcaram o cotidiano daqueles anos; as marchas e contramarchas das  
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tendências em pugna; os desfechos relativos à transição “pelo alto”; os processos  
eleitorais em curso; as políticas econômicas defendidas e adotadas, exitosas ou não;  
e, sobretudo, os entraves e controvérsias para uma efetiva presença das massas  
trabalhadoras no cenário político-social, bem como as farsas e tragédias que envolvem  
tal conjunto problemático.  
O fato é que o amparo que nosso autor encontrou na obra de Marx não  
significou um refúgio cômodo de ordem acadêmica entre os livros da biblioteca, nem  
muito menos um dar de costas ao que fervilhava na realidade do dia a dia, muito ao  
contrário. Impulsionado pelos dilemas que pontuaram o fim do século passado, tanto  
no Brasil quanto mundo afora, dedicou-se a redescobrir Marx, cujo legado passava por  
péssimos momentos, em decorrência do predomínio do viés gnosiológico e/ou  
politicista na análise dos escritos do filósofo alemão ou, no pior dos casos, de sua  
degradação pelo marxismo vulgar.  
Em síntese, a devida compreensão dos eventos que marcaram a cena brasileira  
e mundial das décadas finais do século XX demandou a leitura e trabalho direto junto  
aos textos de Marx, a partir dos quais surgiram descobertas fundamentais, entre elas,  
o caráter da politicidade e, principalmente, do reconhecimento da existência na obra  
de Marx de um estatuto de ordem ontológica. Portanto, esse caminho até Marx  
conheceu mão dupla, pois é inegável que, no mister de descortinar o devido  
esclarecimento dos acontecimentos do dia, tendo como base o pensamento de Marx,  
Chasin acabou por descobrir nos escritos do filósofo alemão aspectos que até então  
não haviam sido propriamente esclarecidos por seus intérpretes.  
O primeiro passo que ensejou tais descobertas se deu quando Chasin e seus  
orientandos e colaboradores se debruçaram sobre os artigos da Gazeta Renana, a tese  
doutoral marxiana e, principalmente os manuscritos de Kreuznach. Nesses últimos, ao  
empreender o desvendamento crítico dos pressupostos teóricos do sistema hegeliano,  
Marx se deparou com o lócus propício para o desenvolvimento de sua investigação: a  
sociedade civil, ou seja, a sociabilidade, o âmbito onde se desenrola a produção da  
vida efetiva. Ademais, a partir dessa descoberta, Marx pôde compreender o motivo  
que levou a posição especulativa a uma inversão das determinabilidades. Portanto, a  
partir desse momento, a sociabilidade passou a ser reconhecida como fundamento do  
ser dos homens, e a politicidade, momento acessório e incidental do processo de  
autoconstrução humana, tanto no polo do gênero quanto no do indivíduo.  
A concepção ontonegativa da politicidade refere-se ao fato de que esta deixa  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
de ser concebida como fundamento responsável pela articulação e organização da  
sociabilidade, pressuposto básico da determinação ontopositiva, que compreende a  
politicidade na condição de possibilidade da própria existência social, ou seja, sem a  
armação política seria, de acordo com essa abordagem, impraticável vicejar a vida  
social, ao passo que na primeira essa condição é preenchida pelo “modo de  
cooperação”24, como base insuprimível das formas específicas de sociabilidade. Na  
sociabilidade do capital, por exemplo, que se caracteriza pela excludência e indiferença  
recíproca entre os indivíduos, o âmbito da politicidade surge como sucedâneo da  
natureza genérica própria ao ser social, visto se encontrar cindida e estranhada, em  
decorrência do modo estranhado como se realiza a própria interatividade.  
Não é o caso, contudo, de retomarmos aqui todos os momentos em que a  
problemática em tela transparece nos textos chasinianos. No atual número da revista  
Verinotio há vários artigos que tomam a questão como tema e reconstituem os traços  
fundamentais da contribuição deixada por ele. No presente caso, restringimo-nos a  
sublinhar que a identificação da concepção ontonegativa da politicidade nunca foi o  
ponto de partida, um parti pris, que teria enformado a sua visão nas primeiras análises  
sobre o politicismo, mas sim um resultado, uma conquista passível de ser constatada  
a partir da análise da sequência dos seus escritos ao longo dos anos.  
Assim, a título de exemplificação dos passos trilhados pelo autor, nas tentativas  
de aproximação teórica do problema, podem ser citadas as seguintes expressões  
cunhadas por ele: “definição negativa da política”, “concepção negativa da  
politicidade” e, finalmente, “determinação ontonegativa da politicidade”.  
Evidentemente, não se trata de mera variação denominativa, mas de expressões que  
refletem aquisições teóricas gradativas que foram formuladas a partir da constatação  
do caráter negativo das tarefas e procedimentos políticos constitutivos de uma  
autêntica perspectiva de esquerda25, até à compreensão efetiva da sua natureza  
ontonegativa, ou seja, à compreensão que “a política não é um atributo necessário do  
ser social, mas contingente no seu processo de autoentificação”26.  
A configuração mais acabada desse percurso se encontra no livro já citado Marx:  
24  
CHASIN, J. Abertura Ad hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista. Revista Ensaios Ad  
Hominem, n. 1, t. I Marxismo. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999, p. 58.  
25 A análise de Marx sobre a Comuna de Paris (incluídos os materiais preparatórios) foi de fundamental  
importância para a aclaração do sentido das tais “tarefas negativas”. Cf. MARX, K. A guerra civil na  
França. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.  
26 CHASIN, J. Abertura: Ad hominem rota e prospectiva de um projeto marxista, op. cit p. 28.  
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estatuto ontológico e resolução metodológica. Chasin, contrariando a tese consagrada  
do “tríplice amálgama”, modo que se tornou usual, entre os intérpretes de Marx, para  
explicar as origens do seu pensamento, afirmava que a instauração do pensamento  
marxiano se deu a partir da crítica ontológica dos três eventos teóricos da máxima  
importância em seu tempo. Não por acaso a primeira crítica se voltou “sobre a matéria  
política”, o que permitiu “a conquista precoce de uma dimensão fundamental ao  
pensamento marxiano”27. Segundo Chasin ainda,  
tratando-se de uma configuração de natureza ontológica, o propósito  
dessa teoria é identificar o caráter da política, esclarecer sua origem e  
configurar sua peculiaridade na constelação dos predicados do ser  
social. Donde, é ontonegativa precisamente porque exclui o atributo  
da política da essência do ser social, só o admitindo como extrínseco  
e contingente ao mesmo, isto é, na condição de historicamente  
circunstancial28.  
O tratamento ontológico da questão permitiu ao autor assentar as bases  
teóricas necessárias para legitimar a postura crítica que desenvolvia com desvelo  
desde a década de 1970, quando constatou a inépcia da oposição tanto a consentida  
quanto a clandestina ao bonapartismo vigente no país, em grande medida, derivada  
da ótica politicista adotada. Tal posição se deu em detrimento das questões que  
afetavam a cotidianidade, sobretudo da classe trabalhadora, cujas necessidades  
básicas eram reprimidas pelo arrocho salarial, sem mencionar, é óbvio, as medidas  
repressivas sobre a organização sindical e partidária. Os artigos Conquistar a  
democracia pela base29 e As máquinas param, germina a democracia!30 (1980), são  
testemunhos eloquentes da dedicação do autor às questões que estavam presentes  
na ordem do dia, nas quais o politicismo era a moeda de troca.  
Se é, portanto, correto afirmar que o politicismo nunca deixou de ser um dos  
alvos prediletos da crítica chasiniana, sobretudo no contexto das análises voltadas à  
realidade brasileira, também é verdade que a sua abordagem ganhou uma nova  
dimensão e profundidade no momento em que a busca se voltou à decifração do status  
que a categoria da politicidade possui frente à própria categoria da sociabilidade e,  
sobretudo, quando sua atenção se dirigiu para a dimensão ontoprática da  
mundanidade humana. Em outros termos, com a publicação do Estatuto se chega à  
27 CHASIN, Marx: estatuto ontológico, op. cit., p. 63.  
28 Ib.  
29 CHASIN, J. Conquistar a democracia pela base. In: ______. A miséria brasileira, op. cit., pp. 59-78.  
30  
CHASIN, J. As máquinas param, germina a democracia! In: ______. A miséria brasileira, op. cit., pp.  
79-108.  
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explicitação do arrimo categorial que sustenta o pensamento marxiano, no qual a  
categoria da politicidade emerge como atributo contingente e não necessário, e de  
forma ainda mais ressaltada quando o foco da análise passa a ser a problemática  
crucial da emancipação humana.  
Já nesse estágio do desenvolvimento intelectual do autor o tema do politicismo  
apareceu com destaque, inclusive em subtítulos, também no texto que escrevia quando  
faleceu repentinamente (Ad hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista, de  
1999), artigo denso e que trata de diversos aspectos da realidade internacional e  
nacional, bem como de sua reflexão. Sobre todo o seu percurso anterior de pesquisas,  
Chasin apontava aqui os fundamentos do politicismo e seu distanciamento, por  
exemplo, em relação ao estatuto ontológico marxiano. Afirmava que o politicismo é  
uma reação ao economicismo, que critica o mecanicismo deste sem, no entanto, partir  
de uma adequada tematização da sociabilidade e de seus processos. Jogando fora o  
bebê junto com a água suja do banho, rejeita com o economicismo a primordialidade  
exercida pela esfera produtiva, qual seja, aquela responsável pela produção material  
dos meios necessários à existência humana, e reduz o campo econômico a um “fator”  
cuja determinação é mais ou menos imponderável. Daí que a prioridade ontológica e  
o caráter matrizador da sociabilidade sejam atribuídos à política, promovendo-se um  
desnaturamento ontológico da atividade humana vital. Neste artigo, vemos claramente  
como o movimento de retroalimentação possibilita a Chasin fazer a crítica ao  
politicismo valendo-se do modo marxiano de proceder na sua analítica. Pôde, dessa  
maneira, explicitar de forma mais bem acabada e com determinações mais precisas –  
embora o texto não tenha recebido a sua sempre cuidadosa redação final, que o  
habilitaria à publicação os equívocos que já apontava no politicismo desde os  
primórdios dos seus escritos, agora cotejando-os com os procedimentos marxianos.  
Veja-se, a título de exemplo, o seguinte excerto:  
O politicismo transgride os lineamentos ontológicos marxianos em  
dois pontos fundamentais: 1) reduz o complexo fundante a fator,  
empobrece e estreita sua manifestação, irradiação e responsabilidade  
pelo conjunto da formação; 2) desordena a lógica determinativa, não  
mais se tem a linha consistente de determinação, as relações  
determinativas passam a ser voláteis, arbitrárias ou fortuitas,  
tendendo sempre a predominar, em última análise, a determinação da  
política como determinação decisiva.31  
31 Ib., pp. 38-9.  
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Neste seu último texto Chasin também retornou ao tema da história do  
politicismo, apontando seu atrelamento ao nascimento da política na pré-história da  
humanidade, quer dizer, naquela parte de sua história em que esta se viu às voltas  
com questões relativas à sobrevivência, aos problemas materiais; a propriedade  
privada e as desigualdades sociais daí advindas fraturam irremediavelmente a  
sociedade, impedindo que se dedique autonomamente à resolução dos seus próprios  
problemas. Esta sociabilidade cindida e imperfeita está, na prática, impedida de se  
autodeterminar, surgindo daí o estado e a política como forças sociais usurpadas e  
voltadas contra a própria sociedade. O politicismo germina diretamente da prática do  
político e de sua “pretensão ilusória de autodeterminação como necessidade  
decorrente da sociabilidade imperfeita, substância ainda não realizada enquanto tal,  
ou seja, ainda incapaz de autonomia como complexo estruturado”, do fato, em suma,  
de que a política é a “autodeterminação na forma da alienação”32. O entendimento  
político toma a sociabilidade como uma mera forma de organização, como algo  
insubstancial, contrapondo direta e dicotomicamente indivíduo e sociedade, como se  
fossem distintos e por vezes excludentes, quando, na verdade, são duas faces do  
mesmo ser social.  
Neste texto nosso teórico expõe explicitamente a intrinsecidade do politicismo  
à ordem do capital, que toma sua base econômica como natural, imutável, algo como  
um cenário pronto e acabado sobre o qual se daria a atividade humana. Os seres  
humanos seriam ativos efetivamente apenas no tocante à ordem política, esta sim vista  
como crucial, responsável por conformar a coexistência e realizar a justiça,  
direcionando ou corrigindo o campo econômico a partir da negociação e correlação  
de forças. Trata-se, por via de consequência, de componente essencial da lógica do  
capital.  
Se o politicismo é inerente ao capital, é preciso chamar a atenção para o fato  
de que alcançou o auge no século XX, alavancado por diversos processos. Seu  
impulsionamento se deu após a maturação dos resultados da Revolução de 1917, que  
acabou ocorrendo inobstante a inexistência de condições objetivas e cuja vitória se  
acreditou que poderia advir da atuação persistente dos valorosos militantes. Emergiu,  
pois, em grande medida, devido à inviabilidade das transições intentadas no Leste  
europeu, e nesse mister foi inicialmente empenhado em nome de Marx. Em seguida,  
32 Ib., p. 38.  
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voltou-se contra o próprio Marx, dados os descaminhos que levaram à falsidade da  
construção soviética, ou seja, a partir da criação de uma sociabilidade sob a regência  
de um capital coletivo/não-social no Leste Europeu, na qual o mais-valor era extraído  
politicamente, e a classe trabalhadora, explorada em seu próprio nome. Dessa forma,  
a usina do falso se ampliou do Ocidente ao Oriente, a fim de sustentar, por exemplo,  
o stalinismo, a ideologia da falência do socialismo33. Assim, afirmava Chasin, o  
politicismo foi crescendo até que submeteu todos os personagens políticos atuantes  
teórica ou praticamente naquele momento. Tornava-se, então, importante descobrir  
suas categorias e variantes específicas, bem como a sua gênese, as condições  
históricas de que emanava, que pareciam dar razão ao capital e favoreciam a “fantasia  
conformista que se impôs no presente”34.  
Por fim, frise-se que não há, por parte do autor, uma ênfase demasiada sobre  
um traço o politicismo tomado isoladamente ou qualquer espécie de abordagem  
reducionista. Como veremos mais à frente, a prática politicista é identificada como tal  
a partir dos quadros concretos, no interior dos quais ela se manifesta e, na sequência,  
devidamente compreendida com apoio nos elementos constitutivos das demandas e  
perspectivas de classe que as norteiam, cuja explicitação ocorre diante de impasses  
de toda ordem postos pela realidade. Longe de se constituir numa análise abstrata  
que opera a partir de “tipos” previamente estabelecidos em um gradiente qualquer,  
Chasin se valeu de referenciais concretos, buscando alcançar o caráter objetivo do  
fenômeno e, desse modo, reproduzi-lo sob a forma de conceito, rejeitando captá-lo  
acriticamente apenas como um fenômeno político, o que significaria autonomizá-lo e,  
portanto, privá-lo de explicação. Em suma, embora o objeto de análise seja o  
politicismo, isso não significa que ele deveria ser abordado ao modo politicista.  
Seguindo as pegadas de Marx, Chasin se recusava a utilizar sistemas de  
classificação a priori, pois tal emprego seria, na melhor das hipóteses, um arrolamento  
de características comuns a vários tipos de prática, e não a distinção concreta existente  
entre elas. Nesse sentido é que buscamos fazer, nas próximas linhas, da forma mais  
profunda possível nos limites de um artigo desse porte, a reconstrução dos escritos  
chasinianos, de modo a esclarecer devidamente o procedimento adotado por ele,  
33 Cf. CHASIN, J. Excertos sobre revolução, individuação e emancipação humana. Verinotio Revista on-  
line de Filosofia  
e
Ciências Humanas, v. 23 n. 1, 2017. Disponível em:  
34 CHASIN, Ad Hominem: rota e prospectiva, op. cit., pp. 38-9.  
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sempre com o intuito de demonstrar como a categoria da politicidade esteve presente  
nas suas análises sobre a realidade brasileira.  
II - Incompletude de classes e politicismo na via colonial de objetivação do  
capitalismo  
Chasin chamou o caminho particular de objetivação do capitalismo percorrido  
pelo Brasil de via colonial. Nos seus aspectos mais gerais, tratou-se da instituição da  
economia e da sociedade burguesas na ausência de um processo revolucionário.  
Marcada pela grande propriedade rural, de origem colonial, efetivou um processo de  
industrialização hipertardio, subordinado aos interesses hegemônicos das burguesias  
dos países centrais, que teve no estado um esteio fundamental e que nunca se  
completou totalmente, conformando um capital atrófico, incompleto e incompletável.  
Sem revolução burguesa, consubstanciou-se uma dissociação entre evolução nacional  
e progresso social, de forma que a sociedade se modernizou sem que sua classe  
dominante desempenhasse o papel de representante universal dos interesses. Tal  
“modernização” se deu por meio de reformas instituídas pelo alto e pela consequente  
exclusão das classes sociais subordinadas. Voltada integralmente à satisfação dos  
próprios interesses mesquinhos, subserviente aos interesses externos, a burguesia  
dominou as classes subordinadas selvagem ou autocraticamente, conforme os riscos  
existentes nas circunstâncias dadas, e tratou de excluí-las dos processos sociais  
significativos, sejam eles econômicos, sociais, políticos ou culturais. Daí a importância  
do debate em torno do tema da democracia.  
Uma análise concreta da história brasileira patenteia que sua burguesia  
dominante sempre demonstrou ojeriza pela democracia. E, ressalte-se, não se tratava  
de mera escolha: sendo geneticamente incapaz de constituir um capitalismo  
autônomo, despojada de condições de realizar um projeto para o país, e acovardada  
diante de demandas populares, punha-se desde logo contra os interesses das massas,  
dentre os quais despontava a reordenação da produção em direção ao atendimento  
de suas necessidades, isto é, o fim da política econômica baseada na superexploração  
do trabalho e a inclusão das massas no mercado de consumo de bens populares.  
É, portanto, a realidade efetiva de uma dominação material limitada,  
subordinada, determinada desde o exterior, incompleta e incompletável, que explica a  
baixa intensidade do impulso democrático das frações burguesas de via colonial e sua  
alta aderência às formas de dominação autocráticas. Da exclusão econômico-social se  
conduz à exclusão da política, pelo monopólio do poder, por um cabo de alta tensão.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
Impedida de romper os fios da sua subserviência ao(s) capital(is) externos, a burguesia  
autóctone era obrigada a governar autocraticamente, em permanente conflito aberto  
com as classes sociais abaixo dela, ao tempo que de boa vontade conciliava ou mesmo  
se subordinava com os vetores sociais iguais ou superiores a ela própria. De tal forma  
que, se se leva em conta que estado de direito e democracia não são idênticos, a  
democracia é notável no Brasil pela sua ausência, mesmo nos limites liberais, durante  
a quase totalidade de sua história. Uma contradição nos termos durante o período  
monárquico-escravagista; uma “real ditadura das oligarquias rurais”35, ocultada sob a  
fachada liberal-democrática da “política dos governadores”, nos primeiros 40 anos da  
república; natimorta em face da ascensão do bonapartismo de Vargas ainda nos anos  
1930; acochada, ao fim do Estado Novo, por um militar na presidência que reprimiu  
fortemente a sociedade em geral e os comunistas em particular, no espírito da guerra  
fria; bastante incipiente, frágil, assustadiça e fugaz no curto período entre o segundo  
governo Vargas e o golpe de 1964. Período curtíssimo e instável que viu vários de  
seus presidentes passarem por suicídio, tentativas de golpe e contragolpes, renúncia,  
golpes brancos e, finalmente, destituição à força, com a imersão do país na longa noite  
bonapartista de 1964.  
Incompatibilizada com a democracia liberal, à qual de resto não tinha nenhum  
apreço, restou à burguesia íncola impor sua dominação de forma autocrática, que  
quando muito consegue dar ares civilizatórios a seu conservantismo, de forma que  
exerceu seu domínio apelando ao bonapartismo ou, no máximo, à institucionalização  
de sua dominação autocrática, negação da própria democracia36. Dito de outra forma:  
a soberania do capital atrófico oscila pendularmente entre o bonapartismo a  
“truculência de classe manifesta”, claramente violenta, expressão armada do  
politicismo, forma de dominação de que a burguesia se vale “em tempos de guerra” –  
e a “imposição de classe velada ou semivelada”, quer dizer, a autocracia  
institucionalizada, expressão jurídica do politicismo, forma de dominação possível “em  
tempos de paz”). Ambos, bonapartismo e autocracia institucionalizada, eram “formas  
(no plural) de poder político de uma mesma forma de capital, de um mesmo modo de  
ser capitalista, que o politicismo sintetiza” e sua alternância era a outra face da  
35 CHASIN, Conquistar a democracia pela base, op. cit., p. 60.  
36  
CHASIN, J. A esquerda e a Nova República. In: ______. A miséria brasileira, op. cit., p. 153; ______.  
¿Hasta cuando?, op. cit., p. 132.  
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sucessão contínua de momentos de paz e de guerra na luta de classes 37.  
As classes dominantes brasileiras, sufocadas pelos estreitos espaços de atuação  
possibilitados pela via colonial, encontraram uma forma de se manter em segurança  
diante de críticas e pressões transformadoras: o politicismo. Em seu recurso a este, os  
representantes do conservantismo civilizado promoviam a dissociação entre estrutura  
econômico-social e instituição política; daí, invertendo a determinação real, atribuíam  
a esta última a sobredeterminação em relação à primeira e, levando o procedimento  
ao extremo, resumiam a totalidade da existência social ao político, que também era o  
parâmetro.  
O politicismo ingênito manifestação, no plano político, de sua incompletude  
geral de classe da burguesia brasileira era devido à sua irrealização econômica, de  
vez que não foi capaz de realizar integralmente suas tarefas históricas, nem mesmo as  
econômicas. Assim, Chasin trazia à tona a determinação material do caráter politicista  
e politicizante da burguesia brasileira, deixando claro que não se tratava de uma  
questão moral ou mesmo de uma escolha racional. Era sua forma de ser e ir sendo no  
processo de objetivação pela via colonial, no qual ela própria foi se constituindo  
enquanto classe, nos embates internos com outras frações dominantes e com as  
classes dominadas e na articulação subordinada com os capitais estrangeiros. Estas as  
raízes histórico-estruturais que a enformam e enquadram suas possibilidades e  
delimitam seus horizontes.  
De fato, desde os primeiros discursos dos presidentes-ditadores, aventava-se a  
possibilidade de aprimoramentos, institucionalizações e aberturas no campo político –  
reservado ao governo o apanágio de decidir quando e com que modelagem,  
evidentemente. Nenhum debate do tipo ocorreu no tocante ao tema econômico,  
problemática básica da chamada questão nacional. Assim, mesmo quando se discutiu  
com maior ou menor ênfase e amplitude a possibilidade de novos arranjos políticos,  
“a questão econômica ficou resguardada, inatingível e preservada no perfil que o poder  
lhe conferiu. Foi a vitória maior, compreensivelmente a mais acarinhada, do  
situacionismo. Foi a derrota maior da oposição, sintomaticamente a que menos a  
sensibilizou.”38  
Limitadas suas possibilidades históricas, impossibilitada de atuar  
37 Ib., pp. 127-8.  
38 Ib.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
revolucionariamente, a burguesia brasileira encontrou no politicismo uma alternativa e  
uma proteção. De fato, no contexto do qual foi produto, o politicismo tinha o papel de  
resguardar antecipadamente o estreito campo de atuação seguro para a burguesia,  
demarcando as perspectivas tacanhas no interior das quais as disputas poderiam se  
dar primordialmente, o campo político e, ainda, a esfera na qual estas não seriam  
nunca aceitas: a econômica, justamente aquela que poderia provocar mudanças mais  
substanciais e ameaçar sua dominação. Mas, lembre-se, se os debates no âmbito  
político apareciam como alternativa às transformações de porte estrutural, as formas  
de dominação não poderiam ser escolhidas a bel-prazer pelas classes soberanas: já  
vimos que da estreiteza econômica advém uma estreiteza política.  
Em suma, recorrer ao politicismo era manter resguardada a questão central para  
a dominação burguesa, qual seja, a econômica, cujo debate enquanto assunto público  
era denegado. Era, pois, proteger preventivamente as acanhadas possibilidades  
econômicas e políticas dos proprietários: dado que “efetivamente subtrai o  
questionamento e a contestação à sua fórmula econômica e aparentemente expõe o  
político a debate e a ‘aperfeiçoamento’”, “atua como freio antecipado, que busca  
desarmar previamente qualquer tentativa de rompimento deste espaço estrangulado  
e amesquinhado”39. Frise-se: o politicismo era mais que um recurso ideológico, era  
uma consequência necessária da dominação de classe da burguesia cujo horizonte  
máximo é o liberalismo conservador expressado no conservantismo civilizado. Tanto  
este quanto o bonapartismo com que se revezava eram formas diferentes do mesmo  
poder autocrático, os quais tinham o politicismo como essência.  
Debatendo com os que preconizavam a democracia como um valor universal,  
Chasin se contrapunha a esta noção geral que, ainda que verdadeira, não só não  
captava a possibilidade efetiva da democracia e sua forma particular em cada formação  
social como deixava intocada, pela generalidade, a questão de como resolver o grave  
problema concreto de saber quais são os agentes, fatores e situações que impulsionam  
a democracia em cada realidade específica, que poderiam ser diferentes daqueles dos  
países clássicos, bem como quem são seus inimigos. De acordo com o filósofo  
paulistano, nos países de via colonial, estava cada vez mais evidenciado que “até  
mesmo os mais formais dos valores da democracia política são devidos  
fundamentalmente, quando em forma minimamente real e estável, à perspectiva e à  
39 Ib.  
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ação do trabalho”40. Sem a resposta a tais indagações, “corre-se o risco de reduzir a  
luta pela democracia, pelo recurso sempre arbitrário da dilatação das ‘autonomias  
relativas’, a um pobre ato de vontade, e a resvalar do pretendido caráter estratégico  
para uma estiolada taticidade politicista”41.  
Vejamos as consequências para a classe representante da perspectiva do  
trabalho. Um capital incompleto e incompletável e uma burguesia que não realiza suas  
tarefas são determinantes para a conformação dos trabalhadores e da sua  
representação teórico-político-ideológica, isto é, a esquerda, que se vê diante de  
desafios ainda maiores. De fato, em países como França e Inglaterra, a burguesia  
esteve à testa de uma revolução que varreu o “historicamente velho” e instituiu um  
novo sistema social à sua imagem e semelhança, formado pela economia capitalista e  
pela sociedade burguesa. As massas participaram ativamente de tal processo  
revolucionário, de maneira que puderam introduzir algumas de suas demandas  
específicas, acolhidas pela burguesia em ascensão no rol dos interesses universais.  
Quando o avanço das lutas de classes opôs visceralmente as duas principais categorias  
representantes do novo sistema e a burguesia renegou as revoluções, a classe  
trabalhadora emergiu social e política, prática e teoricamente, em solo já  
revolucionado. Quer dizer, a burguesia havia cumprido suas tarefas históricas, que na  
ocasião tinham caráter progressista, e foi neste mundo já revolucionado que a  
perspectiva do trabalho se emancipou e contra o qual passou a pelejar. Dito em poucas  
palavras, nos países clássicos os agentes e representantes da perspectiva do trabalho  
entabularam uma crítica prática e teórica do mundo constituído a partir da atuação  
dos proprietários, e “a revolução do trabalho nasce como o melhor dos produtos da  
revolução do capital. Os trabalhadores retomam e elevam as bandeiras decaídas das  
mãos dos proprietários”, sua própria obra “começa por onde aquela termina”42.  
Já os países de via colonial desconheceram processos revolucionários e,  
portanto, “a crítica prática e teórica dos trabalhadores (...) não principiou por onde os  
proprietários haviam concluído”, porque “não podiam terminar nunca”43. Isso significa  
que as tarefas da classe trabalhadora são muito mais complexas e abrangentes,  
porque, nesse cenário, o que foi outrora revolucionário aparece como ainda  
40 CHASIN, As máquinas param..., op. cit., p. 104.  
41 Ib.  
42 CHASIN, A esquerda e a Nova República, op. cit., p. 158.  
43 Ib., p. 159.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
revolucionário, mas na verdade já foi ultrapassado historicamente e não pode ser  
repetido nos mesmos moldes, de forma que os problemas exigem soluções novas e  
inovadoras. A incompletude do capital atrófico reflete-se, assim, na própria  
constituição, na configuração e nas possibilidades que se apresentam aos  
trabalhadores, cujos limites e possibilidades são historicamente determinados (nunca  
mecanicamente, enfatize-se). Da mesma maneira, é exigido dos representantes da  
perspectiva do trabalho ainda mais capacidade de criticar (teórica e praticamente) o  
mundo existente, dada a sua não contemporaneidade  
Desnorteada diante de tal cenário, a esquerda tradicional brasileira pôs-se num  
dilema falacioso: ou seria preciso e possível! que ela completasse as tarefas  
burguesas históricas, por meio da realização, ainda que tardia, de uma revolução  
democrático-burguesa; ou ela deveria se dedicar à realização da própria revolução  
proletária, que, no entanto, era então apenas uma possibilidade abstrata num país  
atrasado e subalterno e, sobretudo, desprovido de movimentos impulsionados para  
essa direção. No primeiro caso, desentendeu seu tempo, seu lócus social e seu papel  
histórico e, seduzida pelo canto do cisne de um “sistema capitalista internacional  
formado pela justaposição de parcelas similares”, passou a pleitear um projeto de  
capitalismo nacional que “supunha, em última análise, a reprodução do padrão integral  
do capital desenvolvido, autonomizado pela ruptura com o capital metropolitano, de  
modo que seria alcançado o traçado clássico do sistema do capital, abstraídas  
distinções quantitativas”44.  
Em poucas palavras, a esquerda se dividia entre o falso dilema de ou completar  
as tarefas burguesas, que não eram e jamais poderiam ser as da perspectiva do  
trabalho, ou integralizar as tarefas próprias dos trabalhadores, a revolução socialista,  
para a qual faltavam as condições tanto subjetivas quanto objetivas e neste debate  
gastou grande parte de sua capacidade teórica. Cindida em torno dessas  
possibilidades inalcançáveis e sem atinar para as características da realidade nacional,  
a esquerda, em todas as suas correntes políticas, jamais se interrogou sobre a questão  
decisiva das condições de possibilidade da democracia no país. Mas a situação  
piorava, porque, ao longo do tempo, a quimera da revolução socialista transformou-  
se em mera declaração voluntarista-humanista-fraternal, ao tempo que a intenção de  
44 CHASIN, J. A sucessão na crise e a crise na esquerda. In: ______. A miséria brasileira, op. cit., p. 214-  
5.  
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efetivar uma revolução democrático-burguesa se rebaixou cada vez mais até se tornar  
apenas reboquismo servil da burguesia supostamente nacional. Desta forma, a  
esquerda foi encapsulada pelo politicismo e subsumida teórica e ideologicamente,  
cortejando os ideários neoliberais internacionais e pautando-se pelas análises e pelas  
propostas do conservantismo civilizado.  
De fato, segundo Chasin, desde o golpe de 1964 portanto, depois dos  
debates sobre os caminhos da formação nacional realizados no início daquela década  
, a oposição entendeu a totalidade do real de forma politicizadora, reduzindo a esta  
instância todas as demais e propondo discussões apenas de acordo com tal  
reducionismo. Com isso, demonstrava que as concepções que embasavam os seus  
diagnósticos e direcionam a sua prática estavam sendo pautadas pela perspectiva do  
sistema. Esta atinava muito bem para as diferenças entre o discurso econômico e o  
discurso político, e por isso abraçava a tática de propor, de forma despolitizada,  
controlada e não ameaçadora, o debate público, a crítica e a busca de aperfeiçoamento  
ou reformulação sobre o âmbito político, ao tempo que remetia o econômico para o  
exílio das minúcias e tecnicismos dos iniciados tudo isso enquanto punha em prática  
um projeto de caráter totalizante. Tratava-se, ressalvava Chasin, de uma das maiores  
e mais sutis vitórias do regime escolher o campo de debates, pois, “esquivando-se à  
controvérsia sobre a questão econômica, a situação torna vitoriosa a sua política, ao  
passo que a oposição, brandindo dominantemente o ‘político’, colhe a derrota em  
todas as ‘instâncias’”45. O filósofo paulistano aduzia que, para multiplicar os ciclos de  
seu circuito de segurança, o regime ainda podia recorrer a todo o instrumental da  
excepcionalidade, ou seja, ao bonapartismo explícito, com a sístole se sucedendo à  
diástole num ciclo infinito.  
A situação das esquerdas no Brasil era, portanto, bastante crítica durante boa  
parte da vigência do bonapartismo com exceções apenas a individualidades isoladas.  
Chasin reconhecia que, na longa trajetória, da esquerda no país, “à qual não se nega  
valor de resistência e até momentos de pesado sacrifício, mas essencialmente tecida  
de equívocos”, houve “mártires e sacrificados, ofendidos e humilhados”, mas salientava  
a necessidade de ultrapassar a mitificação e, sem negar sua abnegação e dedicação,  
mostrar que foram verdadeiros “heróis no equívoco e vítimas de todas as regressões”,  
45 CHASIN, A “politicização” da totalidade, op. cit., pp. 7-8.  
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aos quais a maior e mais digna homenagem “é a coragem de recomeçar”46.  
Obviamente, tal esquerda reboquista, etapista, determinista e estatista não  
ficou isenta a muitas e, em certa medida, corretas críticas. Foi como oposição a ela,  
que contribuiu para a desorientação dos trabalhadores no enfrentamento ao golpe e  
à ditadura que este inaugurou, que no final dos anos 1970 surgiu uma “nova  
esquerda”, assumidamente não marxista, produto das greves operárias do ABC  
paulista. Entretanto, aquilo que poderia ser um renascimento da esquerda terminou  
atestando a sua morte. Vejamos como isto se deu.  
Antes de o dito “milagre” ter se inviabilizado consigo mesmo, durante todo o  
intervalo entre 1968 e 1973, as diversas frações das classes dominantes, tanto as  
nacionais quanto as estrangeiras, dedicaram-se a cuidar dos negócios, tiveram lucros  
exorbitantes e em momento nenhum expuseram críticas ao bonapartismo vigente, pelo  
contrário, julgavam que a gestão bonapartista do estado era natural e necessária ao  
país naquele momento. Assim, no auge do período repressivo, as classes dominantes  
avaliavam apenas o quanto o regime ditatorial lhes prestava bons serviços. Afinal, os  
generais e a tecnocracia apareciam como entidades neutras, acima das classes e suas  
contradições, quando, na verdade, impunham pela repressão um sistema altamente  
danoso para a economia nacional e para os trabalhadores em particular.  
Extinto o curto pavio do ciclo econômico alcunhado de “milagre”, ao tempo que  
se buscava criar um novo período de crescimento, apelou-se a uma unificação das  
classes e frações de classes por meio da declaração de sacralidade do novíssimo  
mandamento: “aperfeiçoai as instituições!”, e aqui cumpriu papel primordial e inovador  
o recurso ao ingente e muito útil politicismo. Assim, em consonância com seus  
propósitos alegados desde o início, a ditadura julgou conveniente trocar politicamente  
de pele, “encaminhar o desenho de outra forma de sustentar a mesma dominação”,  
efetivando uma passagem politicista do bonapartismo à autocracia institucionalizada47.  
Em suma, enquanto, sob os mais diversos argumentos, o que era essencial na  
política econômica sempre foi tido e afirmado como hermeticamente fechado, as  
classes dominantes declaradamente afirmaram a abertura do regime político-  
institucional para “aperfeiçoamento”. Em face dos maus augúrios para os seus ganhos,  
decorrentes do fim de um ciclo e da angústia pela inexistência de um novo, frações  
46 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 132; A esquerda e a Nova República, op. cit., p. 160.  
47 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 127.  
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burguesas passaram a fazer críticas ao sistema e a buscar saídas para a crise. O  
descontentamento, então, foi escorregando aos poucos dos centros de poder e se  
esparramou pela imprensa e pelas ruas, tingindo diversas categorias com o roxo  
vibrante do seu meio-luto.  
Foi então que, por entre as fissuras no apoio ao sistema, imiscuíram-se os  
movimentos dos trabalhadores categoria social essencial para a conquista da  
democracia no país 48. A reaparição dos trabalhadores em pleno palco central dos  
acontecimentos, após um longo período de repressão e recuo, aportava perspectivas  
efetivas de mudanças substanciosas. Afinal, se era impossível a construção  
democrática pela atuação das categorias sociais que personificavam o capital atrófico,  
não o era pela movimentação das que encarnavam a perspectiva do trabalho, que,  
diferentemente das primeiras, tinham a potencialidade universal de integralização. Dito  
de modo mais sintético, a irresolubilidade crônica do capital atrófico deixaria  
entreabertas possibilidades de transformação levadas a cabo pela lógica do trabalho.  
As manifestações operárias foram ganhando densidade e volume, a ponto de  
ameaçarem o processo de transição tal como pensado pelo sistema. De forma  
espontânea (embora não espontaneísta), as massas trabalhadoras introduziram seus  
argumentos concretos no debate sobre a democracia que então se realizava e, com  
isso, ameaçaram sua direção, ao negar o politicismo e abrir caminho para uma  
verdadeira nova política, centrada no historicamente novo. Para as massas  
trabalhadoras, romper com o politicismo era, além de uma possibilidade concreta, um  
interesse vital.  
Assim, muito além da questão numérica, a ação dos trabalhadores apresentava  
(mesmo se consideradas suas limitações e oscilações) uma acentuada mudança  
qualitativa no tocante à luta contra o bonapartismo e pela conquista da democracia: a  
instituição de um verdadeiro movimento democrático de massas, o qual trazia “consigo  
uma dimensão decisiva, historicamente nova: atua diretamente sobre a organização  
material de toda a estrutura social”49. Os trabalhadores em movimento não descuravam  
da conquista das liberdades políticas, mesmo as mais simples, porém estavam  
conscientes, primeiro, de que estas só seriam levadas efetivamente a cabo a partir da  
48  
Não temos, neste texto, a intenção de reproduzir a análise de Chasin sobre as greves de 1978-80,  
senão de apenas anotar o que é essencial para o entendimento do tema recortado, a politicidade.  
Remetemos os interessados aos textos do próprio autor, especialmente: CHASIN, As máquinas param...,  
op. cit., pp. 79-108.  
49 CHASIN, As máquinas param..., op. cit., p. 98.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
sua própria atuação50; segundo, que “têm de estar articuladas a matrizes mais  
substantivas: em primeiro lugar, às condições de salário e trabalho sob as quais cada  
trabalhador e os trabalhadores em seu conjunto, na imediaticidade, são compelidos a  
51  
produzir e reproduzir sua existência material” . Naquele período, as massas  
trabalhadoras estiveram na vanguarda em relação a suas agremiações partidárias,  
esquerda tradicional incluída.  
As massas não poderiam, contudo, contar apenas com as próprias forças, pois,  
de moto próprio, “não têm como determinar os processos e conferir, ao conjunto do  
movimento, a direção implícita aos conteúdos que desenvolvem espontaneamente em  
certas iniciativas”52. Se o movimento concreto das massas trabalhadoras ameaçava  
quebrar o espinhaço da ditadura, dificultando sua mobilidade e sua própria existência,  
era necessário ir além e elaborar um programa econômico da sua perspectiva. Dada a  
incompatibilidade entre um regime com base no arrocho salarial e uma democracia,  
mesmo a mais formal e estreita, cabia calçar a luta pela democracia com a elaboração  
e efetivação de um programa econômico orientado à eliminação pela raiz do arrocho  
portanto, dedicado a destruir as bases da superexploração do trabalho atual e futura  
, tarefa que seria da esquerda, representante teórica da perspectiva do trabalho. A  
necessidade de um programa econômico da perspectiva das maiorias estava dada e  
era explicitada pela reemergência das lutas dos trabalhadores, centrada nos operários,  
de forma que desconsiderar tal questão naquele momento equivalia a não alimentar o  
movimento dos trabalhadores com a seiva que lhe era vital e, com isso, deixar fenecer  
por inanição o processo de conquista da democracia. Trespassada pela visceral luta  
contra o arrocho, de caráter universal em solo nacional, a plataforma econômica  
alternativa contemplaria também outras demandas universalizantes, como a anistia, a  
convocação de uma Assembleia Constituinte e demais prerrogativas democráticas –  
mas, agora, demonstrado o terreno social no qual estão radicadas53. As pretensões  
democráticas dos trabalhadores abarcariam democracia econômica, social, cultural –  
ou seja, a totalidade concreta da existência da sociedade54.  
A história, porém, foi outra. Por um lado, vendo a possibilidade de ser posto  
em xeque, o bonapartismo, mesmo combalido pela falência do “milagre”, resistiu e  
50 Ib., p. 105.  
51 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 132.  
52 Ib., p. 125.  
53 CHASIN, As máquinas param..., op. cit., p. 106.  
54 CHASIN, Conquistar a democracia pela base, op. cit., p. 77.  
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defendeu com garras e presas sua política econômica, tomando diversas medidas que  
deixavam límpidos os motivos pelos quais se dispunha a despir as fantasias  
distensionistas e trajar novamente o fardão e o coturno habituais. Chasin apontava  
que as prédicas pelo “aperfeiçoamento democrático” e a repressão concretamente  
executada eram duas ações complementares da mudança de regime sem alteração da  
política econômica, de forma a ensejar um novo ciclo de acumulação sobre as mesmas  
bases.  
Por outro lado, às manifestações das massas, de conteúdo essencialmente  
econômico e de caráter totalizante, não foi agregado um programa econômico feito da  
perspectiva dos trabalhadores, pelo contrário, até mesmo a necessidade deste foi  
afastada pela “nova esquerda”. As lutas dos trabalhadores foram entravadas, de forma  
covarde e oportunista, em nome do abrandamento das tensões e, depois de  
domesticadas e desfibradas, as movimentações foram redirecionadas para a campanha  
eleitoral de 1982. Em seguida, as enormes manifestações, que ilustravam os anseios  
populares por mudanças, foram dirigidas ao campo institucional pela campanha pelas  
eleições presidenciais diretas, logo solucionada pelo alto (via Colégio Eleitoral). A  
esquerda foi, desta forma, incapaz de congregar a faceta político-parlamentar e a  
potência político-social daquelas mobilizações, quer dizer, não conseguiu fecundar  
com os interesses sociais e econômicos das massas os processos político-institucionais  
necessários para gênese e a consolidação de uma verdadeira democracia.  
Assim, a “nova esquerda” também sucumbiu ao politicismo, desvirtuando e  
desviando os conflitos sociais para o espaço seguro para o sistema, o político, quando  
as lutas sociais deveriam determinar a ação parlamentar, conferindo-lhe conteúdo e  
direção. Pega pela arapuca politicista, agindo voluntariamente ou não em  
adequação aos interesses do sistema, concordando com o perfil que lhe foi dado pela  
ditadura em processo de autorreforma, sua atuação era mais maléfica que benéfica  
para o movimento de massas, o qual confundia, desarmava e desmobilizava55. Tornou-  
se, assim, agente ou cúmplice da perda da oportunidade histórica de ruptura com as  
mazelas da via colonial e do seu politicismo subjacente. A esquerda se valeu, então,  
das massas para a prática de uma “oposição pelo alto”.  
Chasin mostrava as semelhanças que havia entre a esquerda tradicional e a  
chamada “nova esquerda”, mesmo sendo esta uma crítica da primeira. Tais  
55 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 134.  
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semelhanças se deviam ao fato de terem no liberalismo uma ascendência comum, além  
de dividirem a crença na possibilidade de arrematar o mal-ajambrado capitalismo  
atrófico. A esquerda tradicional era caudatária porque se batia pela completude do  
capital incompleto e incompletável; a “nova esquerda” era participacionista porque  
propugnava a efetivação da soberania política clássica impossível no Brasil,  
empenhava-se por uma democracia liberal ininstaurável56. O participacionismo era a  
marca distintiva da nova esquerda, como o reboquismo caracterizara a esquerda  
tradicional.  
O sorvedouro politicista e voluntarista em que foi absorvida enredava a  
oposição numa contradição: inobstante suas alardeadas intenções democráticas, a  
equação econômica intocada e silenciada as impediam; e toda real efetivação  
democrática recusaria a linha econômica existente (repetindo, aliás, de forma particular,  
uma contradição inerente ao próprio capitalismo). As massas estavam em busca de  
mudanças efetivas nas suas condições de vida (no sentido mais amplo), algo que não  
era possível oferecer num processo de solução pelo alto e, por via de consequência, a  
eficácia da “pregação institucionalizadora” politicista da oposição à ditadura em  
autorreforma teria vida curta57.  
Sumarizando, durante todo o processo de autorreforma do bonapartismo, o  
sistema contou com a atuação decisiva das oposições na condução de uma “transição  
lerda, longa e limitada” para um regime autocrático institucionalizado. Todo este  
percurso foi marcado pela inversão que substituiu e rebaixou a perspectiva material  
dos trabalhadores pela perspectiva formal das oposições. Tal processo resultou na  
manipulação das consciências e no trânsito para outra forma do mesmo governo do  
capital (atrófico). Segundo Chasin, havia aí um enfraquecimento, uma subsunção das  
oposições ao sistema e das massas às oposições, de caráter fundamentalmente  
ideológico, mas que acabava tendo repercussões políticas. Daí que o sistema tenha  
tido sucesso em manter os processos sob controle e estar um passo à frente das  
oposições. Em 1982 Chasin cravava que as oposições também tinham no politicismo  
a “faixa de segurança onde se movem em terreno próprio” 58.  
No seu texto de 1989, Chasin explicitou outro equívoco fundamental da “nova  
esquerda” nas movimentações grevistas de final dos anos 1970: ela a criticava por  
56 Cf. CHASIN, A esquerda e a Nova República, op. cit., pp. 161-2.  
57 Cf. Ib., p. 154.  
58 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 125.  
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confundir movimento sindical com movimento operário, olvidando a diferença entre as  
legítimas e necessárias lutas corporativas de setores profissionais e as movimentações  
de classe com vistas à profunda transformação da sociabilidade. Desta forma, o que  
fez o Partido dos Trabalhadores, o mais lídimo representante da “nova esquerda”, sob  
o pretexto de atender às necessidades políticas do movimento dos trabalhadores, foi  
politicizar a prática sindical, deixando de aditar à sua lógica a política que supera a  
política, e assim permanecendo no interior do entendimento político. Com isso, acabou  
tomando o movimento operário simplesmente como “o movimento sindical operando  
politicamente, mas sem a mediação das determinações sociais”. Sob a condução da  
“nova esquerda”, o movimento operário foi levado a atuar não partindo da contradição  
essencial entre as classes tal como dadas na sociabilidade capitalista, mas da noção  
de agente sindical transposta para o mundo da política. Desta forma, se aquele denso  
movimento sindical que deu origem ao PT conseguiu trazer à tona as lutas econômicas  
de setores importantes da classe trabalhadora, esta legenda, deles originada, não  
alcançou repor na ordem do dia a perspectiva legitimamente de esquerda59. Tal  
procedimento se coaduna com suas prédicas e atuação em prol da democracia  
participativa, no qual “a democracia se revela como participacionismo negociador60,  
e sua posição de sigla situada na esquerda do capital.  
Chasin também se destacava por não incorrer em simplismos nem em  
demagogias condescendentes com relação aos vetores sociais subordinados. Afinal,  
na tarefa de apropriar-se do real, não cabe edulcorá-la, relativizando debilidades,  
minimizando equívocos, desprezando, enfim, as determinações que delimitam o  
quadro de possibilidades objetivas. Nesse sentido, ele deixava claro o que deveria ser  
uma obviedade, mas acaba chocando muita gente: a classe trabalhadora não escapou  
incólume das condições históricas condicionadoras do capital atrófico, bastante menos  
generosas que as existentes em solo clássico. Assim, se desde os anos 1980 ele  
criticava os que acreditavam no espontaneísmo da classe trabalhadora, em 1989 ele  
censurava duramente aqueles que fizeram “uma antiga aposta historicamente  
desmentida no brotar espontâneo do propósito de transformação radical entre os  
trabalhadores”. Tal visão facilitava ao militantismo (muitas vezes, avesso à teoria) a  
“confortável sensação de partilhar da verdade, sempre e quando e isto basta –  
59 CHASIN, A sucessão na crise..., op. cit., p. 258.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
houver perfilamento com a movimentação dos obreiros”61, de forma que simplesmente  
estar ao lado dos trabalhadores fosse plena garantia prévia de acerto e radicalidade  
revolucionária. À utopia espontaneísta é imanente uma visão mágica do trabalhador,  
tido e havido como repositório de todas as virtudes e toda a sabedoria.  
Para o pensador, um verdadeiro partido do trabalho “não é o partido dos  
trabalhadores tomados estes no complexo imediato e negativo de sua ‘condição  
operária’”, pois que ele “não prefigura seus objetivos pela miséria material e espiritual  
dos trabalhadores em sua existência concreta de humanidade aviltada”62. Antes ao  
contrário: é a “afirmação universal do homem expressa na potência de uma nova  
ordenação da vida societária”, é o “instrumento de mediação política da atividade  
social conscientemente transformadora, que assume a potência regencial da lógica do  
trabalho e a este como protoforma de toda prática social”63.  
Essa aguda criticidade chasiniana encontrou o ápice no seu texto inacabado Ad  
Hominem: rota e prospectiva de um projeto marxista, em que expôs de forma cabal  
uma crítica aos que essencializam ou mistificam o proletariado, quando em Marx a  
revolução não significa a invocação de uma categoria social específica, mas da própria  
perspectiva do trabalho (cujo representante mais avançado, na época do filósofo  
alemão, era o operariado industrial). Nesse verdadeiro culto, esquece-se da  
historicidade da classe social, e, atualmente, das mudanças substanciais trazidas pelas  
inovações tecnológicas. A figura do proletário, típica do período de Marx, despareceu  
e, sobretudo, a perspectiva do trabalho foi derrotada ao longo do século XX, algo que  
exige ser dito e pensado. Ademais, a figura tradicional do trabalhador tem sido  
substituída pelo agente tecnológico de ponta, a classe trabalhadora premida pelo  
desemprego, em refluxo defensivo e desmoralizada societária, sindical e  
historicamente devido às práticas de cunho stalinista.  
Segundo o raciocínio chasiniano, é necessário investigar o novo patamar de  
sociabilidade para identificar a(s) categoria(s) social(is) que encarne(m) de forma mais  
avançada a lógica onímoda do trabalho, bem como perscrutar sua possibilidade de  
efetivar a revolução social do futuro. Ademais, o século XX confundiu o meio com o  
objetivo, tomou a afirmação de uma classe social como o objetivo da revolução, e não  
como um instrumento desta, cujo escopo é uma sociedade sem classes, ou seja, a  
61 Ib., p. 259.  
62 Ib., pp. 259-60.  
63 Ib., p. 259.  
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emancipação humana. A revolução social do futuro, possibilidade objetiva engendrada  
pela lógica onímoda do trabalho, é infinitamente mais importante que qualquer  
categoria social; longe de ser a (re)afirmação de uma classe, é afirmação universal do  
ser humano64.  
No tocante ao tema da democracia no período seguinte à autorreforma da  
ditadura bonapartista, em 1989, Chasin reafirmava que a transição em direção a uma  
autocracia institucionalizada não mexera na estrutura econômico-produtiva da  
ditadura, da qual advinham terríveis problemas sociais, e por conseguinte também  
mantivera a autocracia enquanto sua forma de dominação fundamental, da qual não  
estava descartada a influência militar nem mesmo institucionalmente (veja-se a  
dubiedade do art. 142). Partira-se, como já mencionado, da noção de que apenas  
depois de garantidas as instituições formais é que se podia cuidar das questões  
cotidianas, relativas à sociedade e à economia, tendo como base o entendimento  
politicista militante que partia de e tinha como perspectiva a institucionalidade como  
expressão máxima das forças sociais, expressadas estas no conteúdo e na forma do  
direito e do estado.  
Ora, tal entendimento já havia, naquela fase histórica, demonstrado sua  
falsidade, resultando na decepção das massas com a democracia. Para as classes  
dominantes, era, pois, forçoso persuadi-las da efetividade das promessas  
democráticas; os miseráveis foram, então, induzidos pelo apelo à demagogia e às  
técnicas da razão manipulatória que levaram um aventureiro travestido de demiurgo à  
presidência da república nas eleições de 1989. Não se tratava de um movimento  
surpreendente ou inédito, mas do mais “autêntico movimento da dominação do capital  
atrófico” que, “compelido pela sua lógica à integração subordinada, na malha  
econômica do capital superproduzido, tem literalmente que embair os excluídos”65. A  
presença constante de aventureiros na história política nacional era um dos sinais de  
que o sistema partidário estava em descompasso com as necessidades e anseios das  
maiorias, deixando aberto o campo à sua “bárbara exploração espiritual”, o que vinha  
se somar à repressão sempre à mão e aos inúmeros equívocos teóricos e práticos das  
oposições, problemas que subjazem aos equívocos das próprias massas desvalidas66.  
Chasin ia na direção inversa das análises feitas por politólogos e líderes partidários  
64 CHASIN, Ad Hominem: rota e prospectiva..., op. cit., pp. 68 ss.  
65 CHASIN, A sucessão na crise..., op. cit., p. 226.  
66 Ib.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
que tomavam individualidades e situações como excepcionalidades, com o que  
buscavam fazer crer que a “verdadeira política” havia sido deturpada pelos  
oportunistas, ocultando a possibilidade de os representantes políticos “normais”  
poderem se tornar patológicos e o fato de que a política tem na desigualdade e no  
fato de ser administradora da dominação social seu pecado original.  
Ao final da vida, mas sem que tenha tido oportunidade de desenvolver mais  
adequadamente a reflexão, o filósofo em pauta salientava que a globalização expusera  
mais explicitamente o papel ao estado, que agora era cada vez mais claramente agente  
do capital. Este, uma vez posto de forma incontrastada desde o desaparecimento  
dos países pós-revolucionários do Leste europeu e congêneres , tem dispensado a  
política, evidenciando-se o predomínio do âmbito da economia em relação a esta  
última, como demonstra o declínio dos estados nacionais ocorrido pelo menos  
parcialmente no período final do século XX. No interior desta, a própria via colonial –  
o caminho específico que o país seguiu para a instituição do capitalismo encontrou  
seu fim, configurando-se num marco de uma nova era para o país, na qual as  
possibilidades futuras latejam, pejadas de contradições. Trata-se de um tema cuja  
pesquisa é urgente e que demanda esforços coletivos, para que escape às avaliações  
tópicas, subjetivistas ou conservadoras.  
A propósito das eleições de 1989, Chasin analisava ainda uma vez as renitentes  
debilidades e equívocos da esquerda análise que concluía dizendo que esta havia  
morrido. Retomou a discussão sobre as principais teorias que embasavam a atuação  
da esquerda no pós-ditadura, de forma mais detalhada e em profundidade, com  
especial atenção às teorias da sociologia e filosofia paulistas, por ele denominadas de  
analítica paulista67. Conforme nosso pensador, uma das conquistas marxianas  
67  
Para ficarmos com um exemplo, citemos a crítica chasiniana a Fernando Henrique Cardoso, um dos  
grandes nomes dessa corrente, feita no texto Rota e prospectiva, de 1999. De acordo com nosso autor,  
FHC, em sua busca por descartar o reducionismo economicista, acabava incorrendo em um reducionismo  
inverso, de vez que – tratando os “planos” econômico e social como divorciados entre si, bem como  
vendo a economia e a política como “fatores” – elevava a política ao papel determinante. Dito de outro  
modo, FHC fazia a “separação de faces ontológicas indissociáveis”, o “que permite, operativamente, o  
encadeamento de uma ordenação aleatória ou de suficiente indeterminabilidade para que o político  
possa, na armação discursiva, aparecer como determinação de última instância, ou seja, decisiva em  
qualquer ordem explicativa, do que redunda o politicismo". A dura e basilar crítica chasiniana dizia  
respeito, portanto, ao fato de Cardoso e cia. envidarem a separação entre a atividade sensível dos  
homens o trabalho e a atividade suprassensível, excessivamente ressaltada, resultando do processo  
uma desvinculação ontológica de fenômenos reais, uma desobjetivação, “uma reenfatização teórica da  
subjetividade e de um suposto caráter arbitrário ou aleatório da lógica dos processos reais”. Tratava-  
se, não menos que isso, do próprio caroço do politicismo, em torno do qual FHC desenvolvia sua teoria  
e sua prática política no caso particular desta, o politicismo era limitado pela importância da correlação  
de forças para o sociólogo na presidência. Cf. CHASIN, Ad Hominem: rota e prospectiva..., op. cit., p. 17.  
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liminarmente ignoradas pela analítica paulista foram as críticas ontológicas  
instauradoras de seu pensamento próprio, incluída a crítica da politicidade, o que levou  
os teóricos dessa linha a erigirem um marxismo adstringido que desconsiderava a  
questão da emancipação humana cujo epicentro está na trama social. Por  
conseguinte, a analítica paulista também foi incapaz de compreender os limites da  
política e da emancipação advinda da revolução política, comparativamente à  
revolução social e à emancipação humana que ela inaugura. As consequências desse  
marxismo adstringido manifestam-se de forma mais evidente no tratamento do caso  
brasileiro, com suas tramas concretas e suas demandas práticas. Como tais teorias  
foram amplamente abraçadas por grandes parcelas que se pretendiam de esquerda, a  
resultante foi uma atuação canhestra e equivocada.  
Para Chasin, só há prática política radical quando ela é metapolítica, ou seja,  
quando ela atua para desfazer o político, transformando a sociabilidade que está em  
sua base. A prática metapolítica é a única radical e com sentido no tempo atual, dado  
que apenas ela conseguiria efetivar uma prática política defensiva possível diante  
dos desafios da conjuntura e da transição para a globalização e, conjugadamente,  
franquear o caminho para uma revolução social, que tivesse como horizonte a  
propriedade e a produção sociais. O filósofo paulistano era bastante enfático: se na  
época de Marx a crítica prática e teórica da economia política havia sido a condição de  
possibilidade para uma nova cientificidade, na atualidade, toda análise rigorosa da  
sociabilidade exigia a reiteração da superação da política que o filósofo alemão já  
havia efetuado. Só a partir da superação da política se poderia pôr a questão  
imperativa da revolução social.  
A crítica radical é idêntica, portanto, à crítica da política, a qual inclui, no Brasil,  
o governo, o poder político constituído, mas também as próprias oposições. Radical é  
a tomada de posição contra a política a metapolítica que destrói as ilusões nas  
soluções político-administrativas dos grandes dilemas sociais e que escapa à  
corrupção inerente à politicidade. Para tal, a esquerda deveria se tornar uma oposição  
proponente, perspectivando o futuro, que articulasse políticas defensivas com outras,  
mais globais, que as enformariam, todas devidamente orientadas por uma teoria  
correta e pela metapolítica. Esta radicalidade começa por fazer a crítica da esquerda  
nesse pouco mais de século e meio de sua existência e, no processo, repõe a questão  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
da revolução social68. O fundamento para tal crítica dado que a raiz, para o homem,  
é o próprio homem é a individualidade atual, da qual se parte para atingir uma crítica  
revolucionária “que revoluciona os próprios indivíduos”69.  
Considerações finais  
Já arrematamos conclusões e análises no processo mesmo de exposição do  
nosso objeto de pesquisa. Aqui, cabem apenas brevíssimas palavras, para arrematar o  
tema.  
Como expusemos, a incansável dedicação à redescoberta de Marx, após os  
descaminhos e as desvirtuações sofridos pelo pensamento deste autor no dramático  
século XX, foi uma das tarefas a que Chasin se devotou, com especial atenção à  
recuperação do estatuto ontológico da obra marxiana. Em particular, envidou esforços  
para trazer a lume a ontonegatividade da política, descoberta exposta nas obras do  
teórico alemão desde 1843 cujo entendimento é basilar para a compreensão das  
tarefas da revolução política e aquelas da revolução social, que vão mais além desta,  
rumo à emancipação humana. Dentre os temas que mais demandaram a atenção do  
pensador brasileiro, salienta-se ainda o esforço para compreender a sociabilidade  
atual, particularmente a brasileira, só alcançada com a adequada apreensão desta no  
interior da universalidade do capitalismo.  
Na atuação de Chasin, não se tratou nunca de tarefas estanques, pelo contrário,  
elas sempre estiveram intrinsecamente relacionadas: baste dizer que o embasamento  
teórico em Marx possibilitou diversas conquistas na compreensão da entificação  
nacional, como esperamos ter deixado comprovado. A mútua potencialização entre as  
pesquisas sobre o período de formação do pensamento marxiano e a análise de  
situações concretas (o caso brasileiro) não é, aliás, exclusiva de Chasin, mas representa  
o percurso do próprio Marx. Afinal, este se encaminhou para seu pensamento próprio,  
não por acaso, pela crítica da política e da filosofia especulativa alemãs e pela  
discussão que esta fazia da política e do estado, do que lhe provieram fundamentos  
para que efetivasse a terceira crítica, aquela a que se dedicou até o fim da vida, a da  
economia política, isto é, da sociabilidade capitalista.  
As pesquisas chasinianas sobre o Brasil, desta forma, evidenciam a importância  
das descobertas que ele realizava em outro campo fundamental de seus estudos: os  
68 Ib.  
69 CHASIN, Ad Hominem: rota e prospectiva..., op. cit., p. 58.  
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lineamentos ontológicos marxianos, particularmente no que tange à politicidade. Era  
com base em tais achados que Chasin voltava os olhos à realidade nacional, não para  
ali “aplicar” as mesmas tematizações que Marx fizera em seu tempo e lugar, mas para  
nelas encontrar o elã adequado para a busca constante e incansável da especificidade  
dos caracteres da formação brasileira. Assim, ao tempo que avaliava em detalhes o  
Brasil (no mundo) de sua época, perscrutava também as análises marxianas acerca da  
questão da ontologia e da politicidade e inspirava-se nelas para pensar a realidade  
nacional, de forma a destacar dessemelhanças sem perder as ligações com o universal  
concreto de que esta era uma forma particularizada.  
No tocante à politicidade, como mostrou Chasin, no mister de desvendar a  
origem, o caráter da política e as formas específicas que assume entre os atributos do  
homem em sociedade, Marx chegou a uma percepção que contradita a concepção  
ontopositiva da política, segundo a qual a politicidade é característico intrínseco ao  
ser social e seu distintivo, sua peculiaridade, a expressão máxime de sua racionalidade.  
Marx mostrou que a política é “força social pervertida e usurpada, socialmente ativada  
como estranhamento por debilidades e carências intrínsecas às formas sociais  
contraditórias, pois ainda insuficientemente desenvolvidas e, por consequência,  
incapazes de autorregulação puramente social”70, e a emancipação é a reintegração  
dessas forças sociais pela sociedade. Assim, o filósofo alemão criticava a política pela  
sua própria essência e suas premissas, ou seja, não pretendia uma perfectibilização da  
política e do estado, mas criticava ontologicamente a própria política.  
No que diz respeito à formação social brasileira, Chasin pôde perceber que  
trilhou pela via colonial, que faceou no seu debate com o pensamento integralista.  
Ressalte-se que esta análise chasiniana é absolutamente inovadora e só possível a  
partir de dois fatores conjugados: a intimidade com as conquistas teóricas marxianas  
e a preocupação em apreender adequadamente os caracteres peculiares da entificação  
nacional. Um e outro elementos, de forma isolada, já poderiam resultar em análises  
substanciosas, mas o brilhantismo que Chasin alcançou adveio justamente de sua  
capacidade de, valendo-se de Marx como um referencial basilar, captar a especificidade  
da realidade particular sobre a qual se debruçava no que seguia também o modo de  
proceder marxiano.  
Nos textos aqui trabalhados, mostramos que o autor em tela se esforçou por  
70 CHASIN, Marx: estatuto ontológico..., op. cit., p. 58.  
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Da crítica ao politicismo à determinação ontonegativa da politicidade  
deslindar a politicidade na formação brasileira e a maneira específica pela qual o  
politicismo se incorporou à sociabilidade nacional, já que é elemento constitutivo  
central da forma de ser da burguesia atrófica e, ainda, porque esta conseguiu enredar  
no politicismo também os representantes político-ideológicos da classe representante  
da lógica do trabalho. O que está em pauta no procedimento politicista é a  
autonomização e hiperacentuação do “político” por meio de seu isolamento do  
conjunto social e, sobretudo, do âmbito econômico, o que gerou, no caso brasileiro  
àquela época, reivindicações de ordem puramente institucional em relação às franquias  
democráticas. Tal procedimento reducionista tem como consequência “a diluição, o  
desossamento do todo, a sua liquefação em propostas abstratamente situadas apenas  
no universo das regras institucionais. É a autonomização e prevalência politicológica  
do ‘político’ em detrimento da anatomia do social, isto é, do alicerce econômico”71.  
É muito importante salientar, contra as muitas estripulias da imputação, que  
(des)entendem a crítica ao politicismo (e, mais amplamente, da politicidade), que não  
se trata, aqui, de qualquer sorte de loa ao abstencionismo político. Exemplifique-se  
com a questão das disputas eleitorais, acerca das quais foram escritos muitos dos  
textos chasinianos. Nestes, ele afiançou e reiterou inúmeras vezes a importância de  
eleições. De acordo com ele, “qualquer processo eleitoral, excluídas situações  
excepcionais e falsas teorias é importante”, eventualmente mais importante por  
possibilitar contato, esclarecimento e organização populares do que pelas escolhas  
possíveis – “De todo modo, importante72. Tal relevância ganhava ares ainda mais  
significativos em face de determinadas circunstâncias, como o caráter de  
excepcionalidade das escolhas eleitorais para cargos executivos relevantes após a  
longa noite bonapartista. Nestes casos, o processo eleitoral poderia ser convertido em  
evento determinante no interior dos embates contra a ditadura.  
Longe de ser uma recusa ou indiferença à participação política, a determinação  
ontonegativa da politicidade é, pois, a denúncia da corrupção íntima da política, de  
seu caráter contingente, sua irresolubilidade, sua estreiteza, seu voluntarismo. Por  
conseguinte, uma revolução radical toma o curso em direção ao social, essência do  
homem e de sua práxis, sua propriedade par excellence. A revolução social demanda  
uma prática metapolítica, medidas e projetos que avancem para além do político e  
71 Ib.  
72 CHASIN, ¿Hasta cuando?, op. cit., p. 122.  
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transformem o próprio metabolismo social, construindo o próprio fim da política e da  
sociedade regida pelo capital que lhe é subjacente.  
Como citar:  
VAISMAN, Ester; ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. Da crítica ao politicismo à  
determinação ontonegativa da politicidade: a análise do caso brasileiro. Verinotio,  
Rio das Ostras, v. 28, n. 1, pp. 82-122, Edição Especial, 2022/2023.  
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