A crítica ontológica de Marx, 180 anos
existentes se volatilizem no pensamento abstrato. O momento
filosófico não é a lógica da coisa, mas a coisa da lógica. A lógica não
serve à demonstração do estado, mas o estado serve à demonstração
da lógica. (MARX, 2005, p. 39, grifo nosso)
Por toda parte, a tematização hegeliana perverte a realidade do ser, sua diferença
específica, e o converte em mero nome da Ideia abstrata, embora todos os volteios
dessa Ideia não sejam mais do que a “empiria ordinária”. Esse é o “misticismo lógico,
panteísta” de Hegel: “O fato, saído da existência empírica, não é apreendido como tal,
mas como resultado místico. O real torna-se fenômeno; porém, a Ideia não tem outro
conteúdo a não ser esse fenômeno.” (MARX, 2005, p. 31) Na seção dedicada ao poder
monárquico hegeliano, a natureza da crítica marxiana se revela claramente, Hegel parte
de um predicado, de um objeto autonomizado e o separa de seu sujeito real,
convertido assim em resultado da universalidade abstrata, da substância mística,
enquanto o procedimento correto seria “partir do sujeito real e considerar sua
objetivação”. Hegel não parte do “ente real”, do “ὑποκείμενον”, mas da ideia mística:
“Hegel não considera o universal como a essência efetiva do realmente finito, isto é,
do existente, do determinado, ou, ainda, não considera o ente real como o verdadeiro
sujeito do infinito.” (MARX, 2005, p. 44). O fato de essa passagem ter sido sempre
lida como uma questão puramente metodológica, como uma inversão dialética, como
o prenúncio de um materialismo dialético, em nada invalida seu caráter e sua
importância. Não há apenas uma inversão em relação à dialética hegeliana, mas seu
descarte e a instauração de uma crítica de novo talhe. Nas palavras de Chasin:
Essa reflexibilidade fundante do mundo sobre a ideação promove a
crítica de natureza ontológica, organiza a subjetividade teórica e assim
faculta operar respaldado em critérios objetivos de verdade, uma vez
que, sob tal influxo da objetividade, o ser é chamado a parametrar o
conhecer, ou, dito a partir do sujeito: sob a consistente modalidade
do rigor ontológico, a consciência ativa procura exercer os atos
cognitivos na deliberada subsunção, criticamente modulada, aos
complexos efetivos, às coisas reais e ideais da mundanidade. É o
trânsito da especulação à reflexão, a transmigração do âmbito
rarefeito e adstringente, porque genérico, de uma razão tautológica,
pois autossustentada – e nisso se esgota a impostação imperial da
mesma, para a potência múltipla de uma racionalidade flexionante,
que pulsa e ondula, se expande ou se diferencia no esforço de
reproduzir seus alvos, empenho que ao mesmo tempo entifica e
reentifica a ela própria, no contato dinâmico com as “coisas” do
mundo. Racionalidade, não mais como simples rotação sobre si
mesma de uma faculdade abstrata em sua autonomia e rígida em sua
conaturalidade absoluta, porém, como produto efetivo da relação,
reciprocamente determinante, entre a força abstrativa da consciência
e o multiverso sobre o qual incide a atividade, sensível e ideal, dos
sujeitos concretos. (CHASIN, 2009, p. 58)
Verinotio
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 199-222 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 203
nova fase