A crítica marxiana da política
relação à política:
a
realização plena do idealismo do estado representou
concomitantemente a realização plena do materialismo da sociedade
burguesa. O ato de sacudir de si o jugo político representou
concomitantemente sacudir de si as amarras que prendiam o espírito
egoísta da sociedade burguesa. A emancipação política representou
concomitantemente a emancipação da sociedade burguesa em relação
à política, até em relação à aparência de um teor universal.
A sociedade feudal foi dissolvida em seu fundamento, no homem, só
que no tipo de homem que realmente constituía esse fundamento, no
homem egoísta.
Esse homem, o membro da sociedade burguesa, passa a ser a base,
o pressuposto do estado político (MARX, 2010, p. 52).
A letra de Sobre a questão judaica se refere ao progresso contraditório
representado pela emancipação política conquistada pela sociedade burguesa, ao
mesmo tempo em que destaca os seus limites estruturais. Por um lado, à medida que
“constituiu o estado político como assunto universal, isto é, como estado real” –
dissolvendo “o conjunto de estamentos, corporações, guildas, privilégios, que eram
outras tantas expressões da separação entre o povo e seu sistema comunitário” (MARX,
2010, p. 52) –, a emancipação política “representa um grande progresso”; por outro
lado, ela consagra a cisão do homem nas figuras do bourgeois (o homem concreto,
real, proprietário privado e membro da sociedade civil-burguesa) e do citoyen (o
homem abstrato, apartado de suas determinações concretas e que participa de uma
comunidade imaginária, irreal)8. Em poucas palavras, os limites da emancipação política
se revelam à medida que conforma o “estado político pleno”, o qual “constitui, por sua
essência, a vida do gênero humano em oposição à sua vida material” (MARX, 2010, p.
40)9. Para Marx, “a cisão do homem em público e privado (...) não constitui um estágio,
8
No volume II de Para uma ontologia do ser social, Lukács se refere ao processo de emancipação
política do seguinte modo: “aqui só precisamos ressaltar que a nova situação socialmente objetiva (com
todas as ilusões e todos os equívocos do pensamento que dela se originam espontaneamente) é que,
pela primeira vez, dispõe ser humano e sociedade em relações puramente sociais e que, por essa razão,
ela é uma consequência necessária do surgimento e da predominância do capitalismo e, pelas mesmas
razões, chega a ser realizada só pela grande Revolução Francesa. A nova relação simplifica as formações
anteriores mais complicadas, “naturalmente” emaranhadas, sendo que, ao mesmo tempo, ela aparece,
contudo, na nova estrutura da consciência dos homens de maneira duplicada: como a dualidade de
citoyen [cidadão] e homme (bourgeois) [homem (burguês)] dentro de cada membro da nova sociedade.
9
Marx aduz que “onde o estado político atingiu a sua verdadeira forma definitiva, o homem leva uma
vida dupla não só mentalmente, na consciência, mas também na realidade, na vida concreta; ele leva
uma vida celestial e uma vida terrena, a vida na comunidade política, na qual ele se considera um ente
comunitário, e a vida na sociedade burguesa, na qual ele atua como pessoa particular, encara as demais
pessoas como meios, degrada a si próprio à condição de meio e se torna um joguete na mão de poderes
estranhos a ele” (MARX, 2010, p. 40).
Verinotio
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 223-265 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 229
nova fase