O futuro ausente no presente: o pastiche do politicismo e a unilateralidade no tratamento da política
que continua o filósofo paulista em O futuro ausente: “jamais antes ocorrera esta
equivalência, isto é, a reflexão anterior nunca fora compelida a tal reconhecimento,
mesmo porque não o poderia ter sido, uma vez que faceava ainda a pseudopolítica,
movimentada em torno do estado-ilusório” (CHASIN, 2012, p. 89). O significado do
pensamento maquiaveliano, pois, é enorme. Ele expressa a emergência do pensamento
político moderno ao passo que assume como constitutivos da política atributos como
uma maldade inerente, o caráter insuperável das contraposições sociais, bem como a
desumanidade de parte da atividade política. Trata-se, nesse sentido, de uma
verdadeira perda de ilusões. E, assim, como diz Chasin, “a mutação que se expressa
nos escritos de Maquiavel é precisamente a passagem ao estado-verdadeiro, efetivado
pela política-real” (CHASIN, 2012, p. 89). Trata-se, é verdade, da eternização da
política, de uma posição segundo a qual não resta à humanidade outra alternativa que
aceitar a monstruosidade como parte necessária da história social e política.
Em O futuro ausente, Chasin explicita tal aspecto trazendo a imagem do centauro:
Jamais alguém, antes de Maquiavel, ousara dizer coisas semelhantes.
Ninguém anteriormente duvidara de que a prática política, tal como
de fato se processa, estivesse replena de crimes, traições e
perversidades. Porém, que o mestre de príncipes e o próprio príncipe,
como expressão e manifestação de máxima sabedoria política,
devessem ser – mezzo bestia e mezzo uomo – não só era inaudito,
como traduzia, o que é muito mais importante, uma mutação
fundamental. Antes, crimes, traições e perversidades eram vícios a
serem vituperados e expungidos; agora, passavam a integrar o
necessário modus faciendi da exercitação do poder. Ou seja, a crudeltà
bene usate era elevada à dignidade de meio legítimo da atuação
governamental. (CHASIN, 2012, p. 89)
Meio besta, meio homem. Tal imagem, do centauro, é usada por Maquiavel
explicitamente. Com isso, deixa-se de distinguir o vício e a virtude em determinados
momentos; mas isso não significa que o equilíbrio a ser mantido politicamente não
envolva uma dose considerável de moralidade, até mesmo porque há humanidade e
desumanidade por lá. Que Maquiavel tenha sido o primeiro a explicitar essa marca da
política, de acordo com Chasin, traz uma mutação fundamental. A perda das ilusões
quanto a uma nova Athenas significa, ao mesmo tempo, assumir a crueldade, e a
bestialidade, como atributos, por vezes, necessários à sabedoria política. E, nesse
sentido, a posição maquiaveliana é muito distinta daquela vigente sobre a comunidade
antiga.
Ali, as ilusões ainda eram parte dos lugares comuns da teorização política. As
Verinotio
ISSN 1981- 061X v. 28, n. 1, pp. 3-85 - 2º. sem. 2022/1º. sem. 2023| 55
nova fase