Vitor Bartoletti Sartori
com cuidado, ao menos não com o cuidado devido, a dialética entre forma-mercadoria
e forma dinheiro.16 Ele vem, assim, a enfatizar a categoria sujeito de direito de um
modo que, embora possa ser importante para a crítica interna à teoria do Direito (Cf.
SARTORI, 2015, 2019 a), não é condizente com o texto marxiano.
Sejamos claros: se há correspondência entre a categoria pessoa tratada por Marx
e o sujeito de direito pachukaniano, trata-se de uma inovação do autor de Teoria geral
do Direito e o marxismo, e não de algo que já estivesse no texto de Marx. No texto
marxiano, a noção de sujeito está presente, no entanto, mas não na figura do sujeito
de direito. Isto ocorre, não ao tratar do Direito, da forma jurídica contratual e da relação
jurídica, mas ao trazer à tona a peculiar relação entre as mercadorias, o dinheiro e o
capital. Este último e é valor que gera valor. E, no modo de produção capitalista, o
passa continuamente de uma forma para outra, sem perder-se nesse movimento,
valor “
e assim se transforma num sujeito automático.” (MARX, 1996 a, p. 273)17
Ou seja, em
O capital, as referências de Marx à categoria sujeito18 colocam-se, em geral, noutro
contexto, aquele em que a autovalorização do valor preside as formas mercadoria e
dinheiro:
Como sujeito usurpador de tal processo, em que ele ora assume, ora
se desfaz da forma dinheiro e da forma mercadoria, mas se conserva
e se dilata nessa mudança, o valor precisa, antes de tudo, de uma
forma autônoma, por meio da qual a sua identidade consigo mesmo
é constatada. E essa forma ele só possui no dinheiro. Este constitui,
16 Em sua análise do livro I, Casalino (2019) parece ter se dado conta disto também. O mesmo pode ser
dito sobre a análise de Soares (2018) sobre os Grundrisse.
17
Diz Marx, remetendo, inclusive à fantasmagoria que se coloca como efetiva no modo de produção
capitalista: “as formas autônomas, as formas dinheiro, que o valor das mercadorias assume na circulação
simples mediam apenas o intercâmbio de mercadorias e desaparecem no resultado final do movimento.
Na circulação D — M — D, pelo contrário, ambos, mercadoria e dinheiro, funcionam apenas como
modos diferentes de existência do próprio valor, o dinheiro o seu modo geral, a mercadoria o seu modo
particular, por assim dizer apenas camuflado, de existência. Ele passa continuamente de uma forma para
outra, sem perder-se nesse movimento, e assim se transforma num sujeito automático. Fixadas as formas
particulares de aparição, que o valor que se valoriza assume alternativamente no ciclo de sua vida,
então se obtêm as explicações: capital é dinheiro, capital é mercadoria. De fato, porém, o valor se torna
aqui o sujeito de um processo em que ele, por meio de uma mudança constante das formas de dinheiro
e mercadoria, modifica a sua própria grandeza, enquanto mais-valia se repele de si mesmo, enquanto
valor original, se autovaloriza. Pois o movimento, pelo qual ele adiciona mais-valia, é seu próprio
movimento, sua valorização, portanto autovalorização. Ele recebeu a qualidade oculta de gerar valor
porque ele é valor. Ele pare filhotes vivos ou ao menos põe ovos de ouro.” (MARX, 1996 a, p. 273-
274) Para uma análise detida da passagem, Cf. SARTORI, 2019 a.
18
Nos Grundrisse, obra que Pachukanis não chegou a conhecer, a categoria sujeito é muito mais
abundante. Alguns, como Soares (2018) buscam nesta obra as origens da crítica marxista (e, ao ver do
autor, marxiana) do sujeito de Direito. De nossa parte, acreditamos que, também nos Grundrisse, mesmo
quando Marx fala de uma concepção jurídica de pessoa, tem-se um contexto muito mais amplo que
aquele em que ganha destaque a categoria sujeito de direito. Aqui, porém, não podemos tratar desta
questão, sendo preciso somente apontar sua pertinência.
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X v. 28, n. 2, pp. 124-155 - jul-dez, 2023
nova fase