EDITORIAL  
DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.701  
Editorial  
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100 anos depois ou 100 anos atrás?  
Vitor Bartoletti Sartori*  
Qualquer marxista em sã consciência que se envolva com a temática do direito  
é obrigado a reconhecer a grandiosidade da obra pachukaniana. Certamente ele não  
tem a estatura de autores do século XX como Lênin, Lukács e Rosa Luxemburgo (para  
que mencionemos os grandes marxistas desse século); porém, é um autor de enorme  
importância para o marxismo como um todo, e não só para aqueles que estudam a  
esfera jurídica. Ao analisar a crítica marxista ao direito, não levar em conta a obra do  
autor denota desconhecimento ou, pode-se mesmo dizer, má-fé.  
No mesmo sentido, é preciso deixar claro que a recepção da obra de Pachukanis  
no Brasil deve muito a um autor em específico: Márcio Bilharinho Naves, a quem a  
crítica marxista ao direito brasileira deve muito. Em um momento em que, por aqui, o  
ecletismo teórico e a falta de rigor imperavam no tratamento marxista do tema, Naves  
foi o farol de toda uma geração. Não é exagero dizer que o filósofo althusseriano foi  
o principal responsável pela maior seriedade e compromisso teórico da geração  
presente, na qual grande parte dos autores que escreveram nesse número da Verinotio  
se enquadra. Também é preciso destacar que, ainda hoje, o autor de Direito e  
marxismo é a maior referência na temática.  
Nunca é demais destacar: a dívida dos brasileiros que realizam a crítica marxista  
ao direito diante de Márcio Naves e de sua leitura da obra pachukaniana é enorme.  
Sem isso, nesse campo, talvez estivéssemos ainda patinando em leituras  
instrumentalizadas e absolutamente parciais da obra de Marx. Certas hermenêuticas  
lí(y)ricas talvez ainda dessem a tônica do marxismo jurídico ou, o que acaba sendo o  
mesmo, dos juristas marxistas. Não que seja de estranhar que um professor de filosofia  
* Professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Mestre  
em história social pela PUC-SP e doutor em teoria e filosofia do direito pela USP. E-  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1 jan.-jun., 2024  
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Vitor Bartoletti Sartori  
(e não do curso de direito) fosse aquele a explicitar a falta de cuidado generalizada  
dos juristas-filósofos ou dos juristas-sociólogos; antes, isso parece bastante óbvio se  
pensarmos no tipo de formação disponível nos vetustos cursos jurídicos. Naves  
explicitamente colocou os marxistas como críticos do direito, e não como juristas  
autoproclamados marxistas, críticos etc. Seu ponto de partida, com isso, parece-nos  
acertado e necessário.  
Nesse cenário, é preciso também assinalar a importância de uma obra como  
Teoria geral do direito e o marxismo, que faz 100 anos em 2024. Desde que Márcio  
Naves se colocou aos estudiosos do direito no Brasil, essa tem sido a obra de cabeceira  
da crítica marxista ao direito. Os méritos dessa tradição (em sua maior amplitude)  
devem muito à obra cuja efeméride motiva o presente número da Verinotio. No  
entanto, também é preciso se perguntar: há algum problema se uma obra centenária  
se configura ainda como ponto de partida (e de chegada) para a crítica marxista ao  
direito? Não falamos de marxismo jurídico aqui; em verdade, em nossa opinião, não  
há como levar a sério essa possibilidade desde que ficou claro que se trata de uma  
crítica ao âmbito jurídico; Engels criticou fortemente o socialismo dos juristas; o  
próprio Pachukanis (e Naves enfatiza a questão) critica enfaticamente o raciocínio  
jurídico. Porém, tal expressão tem ganhado força. Isso não seria preocupante? Essas  
perguntas precisam ser respondidas com algum zelo.  
Para isso, é importante notar que, há 100 anos, a posição de Pachukanis é  
análoga àquela dos grandes autores do marxismo da época. Ele não se curva diante  
dos teóricos oficiais da II Internacional e nem reduz sua teoria às simplificações e  
esquematismos de autores russos como Plekhânov. Trata-se, portanto, de um autor  
com uma envergadura intelectual que não é desprezível. Ele também tal como  
importantes teóricos da época, como Isaac Rubin e György Lukács desenvolve suas  
obras apreendendo elementos muito importantes da obra marxiana, como a relação  
das formas econômicas com a crítica da economia política e, portanto, com o  
tratamento da luta de classes e das diferentes esferas da sociedade. A temática do  
fetichismo da mercadoria (e, de modo menos incisivo, do dinheiro) também é muito  
presente em Teoria geral do direito e o marxismo. Assim, problemas que eram pouco  
abordados na época, e que hoje sabemos ser essenciais para o início da conversa  
sobre qualquer análise da obra de Marx, ganham relevo na grande obra de 1924. Ou  
seja, Pachukanis juntamente com outros autores da década de 1920 abre uma  
porta importante para os marxistas.  
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A impossibilidade de uma leitura baseada no entendimento rudimentar da  
famigerada metáfora do “Prefácio” de 1859 é um mérito de autores como Korsch,  
Lukács, Gramsci, Luxemburgo e Bloch, entre outros. Pelo que dizemos, é possível  
colocar Pachukanis em meio a esses pensadores revolucionários. E isso não é pouco.  
Assim, tal qual tais famosos marxistas, é imprescindível ler o autor soviético ainda hoje.  
Mesmo que não se possa pretender que ele tenha a mesma estatura dos mencionados  
autores, pode-se dizer que, como o mencionado Rubin, a leitura pachukaniana ainda  
é relevante.  
A década de 1920, na esteira dos acontecimentos da Revolução Russa de  
outubro de 1917, foi profícua em teorizações marxistas críticas. Aliás, algo que precisa  
ser destacado é: tal complemento pleonástico mostrou-se necessário já na época.  
Diante da formação de um marxismo oficial agora com uma espécie de oxímoro ,  
isso se mostrou imprescindível ao desenvolvimento de uma genuína tradição  
revolucionária. Tratou-se de uma época em que ser marxista trazia como referência  
obrigatória o socialismo e uma posição firme diante da Revolução Russa, mas que já  
precisava de qualificativos tais quais aqueles mencionados acima. Ou seja, a separação  
entre o marxismo vulgar e aquele minimamente digno de tal nome começa a ganhar  
muito destaque na época; tem-se um tempo de grandes expectativas e em que a  
confiança na possibilidade da supressão das sociedades classistas era generalizada,  
mesmo entre os mais evolucionários dos marxistas. Ser marxista trazia claramente um  
sentido colocado, mesmo que de modo meandrado, na realidade objetiva. O básico a  
se dizer e a se colocar era a necessidade da superação do modo capitalista de  
produção. Esse era o primeiro passo na década de 1920, diferenciando-se os  
expoentes sofisticados do marxismo daqueles escolares e vulgares não tanto devido a  
uma questão de princípio (ao menos no sentido que trazemos aqui), mas pelo maior  
rigor, sofisticação, cuidado na análise da realidade e, também, da obra do próprio  
Marx. A leitura correta do autor de O capital e a prática revolucionária caminhavam  
lado a lado nos autores que mencionamos, sendo preciso dizer que Pachukanis  
(principalmente em sua obra do começo da década de 1920) é um desses autores que  
trazem o melhor possível da leitura marxista na época com uma posição decidida na  
prática, em que se colocou como vice-comissário do povo para a justiça na União  
Soviética, tendo como comissário Piotr Stutchka (também autor relevante da área).  
Há dois pontos a serem destacados agora: o primeiro deles diz respeito à  
atuação prática de Pachukanis em meio à Revolução Russa. Ela não se divorcia de sua  
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elaboração teórica. O segundo ponto diz respeito à leitura pachukaniana de Marx e ao  
modo pelo qual a tradição althusseriana a analisou no Brasil, fazendo-se hegemônica  
entre nós.  
Sobre o primeiro ponto, vale destacar aquilo que alguém como Wendy  
Goldmann mostrou de modo bastante convincente: a atuação do autor soviético e  
daquele que hoje é tido (por vezes, de modo absolutamente acrítico) como seu  
antípoda pela grande maioria da crítica marxista ao direito foi bastante convergente.  
Ou seja, o embate teórico de Pachukanis e de Stutchka foi aquele de dois autores  
(segundo eles mesmos) complementares, envolvidos nos rumos da recém-fundada  
União Soviética e profundamente comprometidos com a superação do direito, da  
família patriarcal, do estado e da propriedade privada. Trata-se de teóricos  
revolucionários e cuidadosos.  
Assim, se hoje não é raro que se traga uma brutal oposição entre as teorizações  
desses autores, bem como entre suas práticas, isso talvez precise ser questionado ou,  
ao menos, visto em suas nuances. Ainda sobre esse ponto: até o ano de 2023, os  
textos posteriores a Teoria geral do direito e o marxismo não estavam disponíveis no  
Brasil. Agora, sob o título O marxismo revolucionário de Pachukanis, é possível ler  
diversos artigos que o autor soviético escreveu até o final de sua vida. Trata-se de  
algo essencial para o estudo do próprio Pachukanis; e, assim, se certamente é  
necessário levar em conta a análise histórica realizada por Naves sobre tais textos em  
seu Direito e marxismo, igualmente importante é analisar o material de que o filósofo  
tratou e que, até então, não estava disponível no Brasil. É preciso deixar claro: por  
mais que, de um modo ou de outro, por aqui, sejamos sempre ao menos um pouco  
pachukanianos na crítica marxista ao direito, ainda nos falta muito estudo sobre o  
próprio autor soviético. Também são muito incipientes os estudos sobre sua relação  
com Stutchka, sendo igualmente necessário conhecer com mais desvelo a obra do  
comissário do povo para a justiça, algo propiciado somente agora, quando uma edição  
cuidadosa de sua obra principal (não temos acesso a muitas outras obras do autor) foi  
organizada por Ricardo Pazello e Moisés Soares, também autores de textos para o  
presente número da Verinotio. Ou seja, 100 anos depois da publicação da Teoria geral  
do direito e o marxismo, no Brasil, ainda há muito a desvendar sobre a obra, a posição  
e os embates do próprio Pachukanis.  
Sobre o segundo ponto que mencionamos, é preciso deixar claro que o autor  
soviético passa por obras menos debatidas na época, como Sobre a questão judaica  
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e o “Prefácio” de 1857, e dá grande valor à Crítica ao Programa de Gotha. Ele aborda,  
portanto, obras de diferentes momentos do itinerário marxiano. E, nesse ponto,  
precisamos destacar certo percalço na recepção do autor no Brasil: a tradição  
althusseriana não tarda a colocar Sobre a questão judaica como um texto de juventude,  
marcado por uma “problemática ideológica” e “não científica”. Isso, em nossa opinião  
(amparada por autores como Chasin e Lukács), prejudica a leitura da obra do próprio  
Marx, certamente. Porém, também corre o risco de trazer um Pachukanis bastante  
peculiar. Outro problema sobre a obra pachukaniana e sobre a recepção dela no Brasil:  
o autor põe grande ênfase em O capital e, em especial, na relação entre a crítica da  
economia política e a teoria do valor (nesse sentido, traça passos similares aos de  
Rubin). Com isso, relaciona a crítica ao valor com a crítica ao direito, dando bastante  
destaque aos capítulos I e II da obra magna de Marx. Também nesse ponto há certo  
alerta ao se olhar a recepção do autor no Brasil: Althusser não tardou a acusar a  
exposição do Capítulo I de O capital de conter traços hegelianos e, portanto,  
condenáveis. Ao se ter isso em mente, percebe-se que, novamente, a leitura de Teoria  
geral do direito e o marxismo que daí decorre não tem como deixar de ter várias  
particularidades. Em verdade, certas ênfases como aquela no sujeito de direito –  
trazem uma afinidade eletiva muito grande com a crítica althusseriana ao (S)sujeito (e  
não tanto com a relação entre pessoas e coisas, ligada ao fenômeno da reificação); o  
destaque do caráter exclusivamente capitalista do direito, em detrimento da análise  
das formas jurídicas embrionárias, também denota o apego a uma leitura baseada em  
uma espécie de corte (aqui parece não se tratar propriamente de um corte  
epistemológico ainda). Por fim, tem-se a posição segundo a qual Pachukanis teria sido  
o primeiro a aplicar corretamente o método de Marx no tratamento do direito; no  
limite, ele teria sido o primeiro a ler as passagens marxianas sobre a esfera jurídica  
com o mínimo de cuidado (e essa afirmação é absolutamente temerária, diante da obra  
de Stutchka, de 1921). O autor soviético, assim, parece criar o “continente” (para que  
se use a dicção de Althusser sobre Marx e a história) da crítica marxista ao direito,  
trazendo uma descoberta científica que o coloca como o fundador de uma tradição. E,  
assim, no Brasil, a crítica marxista ao direito se tornou a crítica pachukaniana (e  
althusseriana) ao direito.  
Os méritos da tradição iniciada por Naves são enormes. A dívida da crítica  
marxista ao direito diante do filósofo também nunca é demais destacar. Porém, o  
mínimo a se ponderar é que a leitura althusseriana (e maoísta) da obra de Pachukanis  
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pode não ser a única possível. Porém, hoje, com a alcunha de marxismo jurídico (termo,  
no mínimo, problemático, em nossa opinião), as determinações mais gerais da leitura  
de Naves são divulgadas, principalmente, por Alysson Mascaro e por seus seguidores.  
Ao passo que a leitura de Naves é explícita e honesta em suas fundamentações  
althusserianas, Mascaro nem sempre traz suas referências e, com isso, populariza a  
exposição da crítica marxista ao direito, ao mesmo tempo em que dificulta o debate  
teórico, em que as fundamentações mesmas podem e devem ser colocadas em  
questão em um debate franco.  
Ou seja, 100 anos depois da publicação da grande obra pachukaniana, pode-  
se dizer que estamos em um terreno que poderia ser mais sólido e rigoroso. Os  
embates de fundo sobre a crítica ao direito poderiam ser mais ricos e, é preciso dizer:  
a leitura da posição do próprio Marx sobre o direito poderia estar mais desenvolvida.  
Se nos livramos do ecletismo por meio da leitura althusseriana de Pachukanis, na  
ausência de outra tradição sólida nos estudiosos do direito ficamos reféns de uma  
leitura específica.  
Em verdade, 100 anos depois, ainda estamos buscando compreender 100 anos  
atrás e sem sucesso, já que não temos sequer acesso a importantes textos de  
Stutchka e Pachukanis; em verdade, a tarefa básica (mas não suficiente) para qualquer  
marxista não foi realizada: falta muito para que se tenha um terreno suficientemente  
consolidado por debates rigorosos sobre os textos do próprio Marx sobre o direito.  
Isso se dá até mesmo porque há muitas obras do autor de O capital sobre as quais o  
autor da Teoria geral do direito e o marxismo não pôde se debruçar. Algumas delas,  
por uma questão simples: A ideologia alemã e os Grundrisse, só para que fiquemos  
nos exemplos mais marcantes, ainda não haviam sido publicados. Porém, mesmo  
quando olhamos para outros textos importantes de Marx (e que trazem várias  
referências sobre o direito) há, para dizer o mínimo, lacunas: Pachukanis se dedica  
sobretudo ao Livro I de O capital, ao passo que as referências ao direito e às formas  
jurídicas são abundantes nos livros II e III da principal obra de Marx. Ou seja,  
precisamos ainda revolver o passado para que possamos dar passos para a frente no  
presente. Em geral, ficamos repisando temáticas pachukanianas, sendo que muitas  
delas nem sequer foram destacadas pelo autor com ênfase. Mais que isso, pode-se  
mesmo dizer que grande parte delas já estão no próprio Marx, porém, de modo  
distinto. O trabalho de olhar tais temas no autor de O capital ainda é necessário.  
Tanto ao se olhar para 150 anos atrás quanto ao mirar 100 anos atrás percebe-  
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se: há muito o que fazer. O cenário, nesse sentido, é bom e é ruim. Ruim porque nem  
sequer estamos no ponto em que fomos deixados há um século. Ele é bom porque,  
havendo muito a desenvolver, podem existir possibilidades muito maiores na crítica  
marxista ao direito do que aquelas que hoje são visíveis. O momento presente é  
dúplice. E oferece dificuldades grandes também, as quais, mesmo que desanimadoras,  
precisam ser explicitadas.  
Além daquilo colocado acima, tem-se algumas diferenças muito grandes entre  
a década de 1920 e a de 2020. Para começar, é visível que o projeto de socialismo  
do século XX está morto. Tomar a Revolução Russa como modelo hoje é um disparate;  
e mais: se isso é verdade, o debate entre Pachukanis e Stutchka é importante para que  
se compreenda o mundo de 100 anos atrás; mas não pode ser trazido sem as devidas  
mediações para o presente. Repisar esses dois importantes teóricos pode até ser  
essencial para se pensar as bases da crítica marxista ao direito, mas não é mais que  
isso, um começo. Defender a bandeira de um autor ou de outro como resolutiva para  
hoje beira a insanidade.  
Estudamos dois autores que participaram ativamente da Revolução Russa e  
cujas teorias estiveram ligadas intimamente às suas atividades em meio a tal  
acontecimento do século XX. Ficar remoendo as teorias de tais autores e os eventos  
de 1917 só mostra que, quer se queira, quer não, ainda estamos presos na década de  
1920. 100 anos depois de Teoria geral do direito e o marxismo, não há qualquer  
desenvolvimento superior àquele do começo do século passado. E isso significa que,  
de novo, nada há de novo no front.  
O avanço consistente da crítica marxista ao direito é uma ficção. O melhor que  
se tem nesse campo é a leitura althusseriana de Pachukanis, a qual, como  
mencionamos, pode ser questionada. Precisamos ainda de muito esforço e, para isso,  
é necessário que percamos as ilusões quanto à possibilidade de simplesmente resgatar  
a obra pachukaniana.  
Mesmo os esforços de autores presentes nesse número no sentido de um  
direito insurgente (Moisés Soares e Ricardo Pazello); ou na leitura rigorosa de Marx  
por meio de Ruy Fausto e Jorge Grespan (Vinícius Casalino); ou a partir da análise  
imanente chasiniana (Vitor Sartori, Murilo Pereira Leite Neto e Nayara Medrado, só  
para que se mencionem os mais velhos no presente número) são apenas passos  
iniciais. Ainda estamos presos àquilo desenvolvido há 100 ou 150 anos porque ainda  
não conseguimos explorar os nossos próprios fundamentos de maneira satisfatória.  
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Sem admitir isso, não há como avançar. Imaginar que desenvolvemos tradições  
alternativas no grau de maturidade colocado nesse momento a essas teorizações  
significa buscar aplausos momentâneos por meio de um otimismo, mesmo que  
contagiante, ingênuo, para se dizer o mínimo. É preciso admitir: as razões para esse  
fato não são relacionadas simplesmente às falhas intelectuais (e práticas) de cada um  
desses autores mencionados. Há determinações históricas essenciais ligadas a uma  
mudança significativa dos anos de 1920 para o ano de 2024.  
O projeto socialista do século XX está morto e o melhor da crítica marxista ao  
direito (Pachukanis e Stutchka) esteve ligado a ele. E não temos algo suficientemente  
radical para colocar no lugar desse projeto ou das teorizações do comissário e do vice-  
comissário do povo para a justiça da União Soviética. O socialismo do século XXI de  
que falava Chávez, na melhor das hipóteses, solapou com Maduro. Os governos  
progressistas na América Latina (Morales, Correa, entre outros) não foram muito longe.  
O marxismo, em geral, está desacreditado para o senso comum. Por vezes, é preciso  
dizer: mesmo autores marxistas falam com muito embaraço que é preciso suprimir o  
modo de produção capitalista. Se Korsch, Lukács, Gramsci, Rosa e outros eram autores  
sofisticados, que se colocavam na esteira do acontecimento da Revolução Russa, nós  
nem sequer somos uma sombra desses grandes autores, tanto prática quanto  
teoricamente. Nossas perspectivas, não raro, colocam-se de modo extremamente  
defensivo, de maneira que o terreno para a crítica marxista ao direito parece ser o pior  
possível: aquele do avanço da extrema-direita, inclusive, diante das concessões  
conquistadas pela classe trabalhadora e colocadas na figura dos direitos sociais. Em  
meio a um cenário de perda de direitos, estamos trazendo à tona a necessidade de  
uma crítica radical ao capitalismo, ao estado e ao direito.  
É preciso que se percam as ilusões do passado; para isso, é necessário admitir  
as derrotas que o movimento socialista sofreu. Sem isso, na melhor das hipóteses,  
ficamos presos a um tempo que não existe mais. Mas a situação é muito pior: há o  
risco de fingirmos que vivemos em uma situação análoga àquela do começo do século  
XX e, com isso, deixarmos claro que não compreendemos absolutamente nada do que  
se passa na história. O marxismo, dessa maneira, longe de buscar a apreensão das  
determinações do real, passa a caracterizar-se por um tipo de nominalismo, em que o  
mais “marxista” é aquele que grita mais alto palavras de ordem do passado como se  
elas fizessem algum sentido ainda hoje. Por outro lado, a atitude de Marx diante da  
derrota das jornadas de fevereiro de 1848 não foi a da negação da realidade; ele  
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reconheceu que a revolução estava morta. E é preciso que façamos o mesmo,  
urgentemente. Porém, ele também viu que as ilusões também poderiam morrer com a  
revolução de fevereiro. E, por isso, seria preciso deixar claro que a morte da revolução  
de fevereiro é a condição para uma revolução vindoura. O autor já dizia: a revolução  
está morta. Vivas a revolução!  
Sem uma atitude similar, estamos fadados ao nominalismo marxista... à defesa  
de uma teoria que, na melhor das hipóteses, nos ajuda a entender o que se passou na  
década de 1920. Desse modo, tornamo-nos seitas que juntam o pior do romantismo  
com o utopismo. Não se compreende nada do presente e não se abrem perspectivas  
para o futuro sem o reconhecimento da própria derrota e sem uma autocrítica  
constante. Marxismo e, em específico, a crítica marxista ao direito não pode ser a  
defesa de uma teoria de um século atrás contra outra teoria da mesma época. Caso a  
publicação cuidadosa da obra de Stutchka redunde em um fla-flu entre pachukanianos  
e “stutchkianos”, significa que já fomos para a lata de lixo da história, que não temos  
qualquer importância teórica e prática.  
Uma pergunta: seria trazer a necessidade da crítica ao direito em um cenário  
de perda de direitos fundamentais e sociais fazer o jogo da extrema-direita? Seriam  
os comunistas, como quer Jameson, iguais aos neoliberais em diversos aspectos,  
menos os essenciais? A estas perguntas é necessário responder com um retumbante  
não.  
É preciso dizer, porém, que as tarefas que se colocam diante disso são enormes.  
Primeiramente, porque o legado teórico de Marx, na maior parte do tempo, foi  
apropriado em um momento em que as possibilidades de revoluções socialistas  
pareciam estar claramente presentes. Nesse sentido, os marxistas (Anderson e  
Eagleton, só para que citemos alguns célebres), em grande parte, tiveram uma atitude  
de negação diante da crise do marxismo; se alguém como Lukács falava, no final da  
década de 1960 e no começo da década de 1970, da necessidade de renascimento  
do marxismo, podemos dizer que ele raramente foi ouvido, portanto. Em verdade,  
muitos daqueles que admitiram as derrotas do movimento socialista se tornaram  
antimarxistas, geralmente, conformando-se nas piores posições políticas possíveis  
(Coletti), em uma espécie de liberalismo de esquerda, ou buscando teorizações  
próprias de proveito duvidoso (Habermas e Heller, por exemplo). No caso da crítica  
marxista ao direito, no Brasil, isso não ocorreu, pois os autores antimarxistas ou  
supostamente pós-marxistas foram conhecidos antes de Pachukanis. E, com isso, tudo  
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se passa como se ainda estivéssemos no momento imediatamente posterior à  
Revolução Russa. As leituras ecléticas e pouco rigorosas de Marx já são parte do  
passado quando se fala do debate teórico sério, porém, o marxismo jurídico (sic!)  
aparece como quase uma unanimidade. Nesse sentido, os desafios teóricos são  
enormes ainda; o debate sério sobre o direito em Marx e em grandes autores marxistas  
ainda precisa ser feito com mais cuidado. Mesmo que existam esforços nesse sentido,  
tal qual o que ocorre atualmente na crítica marxista ao direito, ainda se têm somente  
passos iniciais, os quais precisam ser desenvolvidos com cuidado.  
A resposta à questão acima, porém, não envolve somente a elaboração teórica,  
por óbvio. E, nesse ponto, é preciso primeiramente admitir que não pode haver uma  
mente sã que reconheça que não se pode abandonar simplesmente o terreno do  
direito em uma situação em que o avanço do capital se dá retirando direitos sociais.  
Mesmo o mais obstinado crítico das formas jurídicas precisa admitir que é necessário  
que haja um advogado popular em uma situação de reintegração de posse em uma  
ocupação. Ou seja, salvo em raros casos de autores imbuídos de uma espécie de bela  
alma, não está em questão qualquer abstencionismo diante da atividade jurídica. A  
defesa diante do avanço da extrema-direita passa necessariamente pelos juristas, bem  
como pelos sindicatos e pelos partidos políticos. E, com isso, a própria realidade faz  
com que uma crítica ao direito e à política não possa se colocar como uma posição de  
abandono do direito ou da política, simplesmente. O primeiro ponto a ser esclarecido  
é este. E, dessa maneira, estamos em um cenário de necessário uso de mediações  
políticas e jurídicas. Ao mesmo tempo, a elaboração teórica inspirada em Marx,  
também em Pachukanis e em Stutchka, leva à crítica à política e ao direito, tendo por  
base a crítica à economia política.  
E aí tem-se um ponto importante: é possível uma crítica marxista ao direito sem  
uma crítica à economia política? Se formos minimamente coerentes com Marx, não.  
A compreensão do presente leva, assim, à necessidade de abordar com cuidado  
o movimento das formas e das figuras econômicas no capitalismo atual. No que diz  
respeito ao direito, é extremamente necessário ver como as formas jurídicas se ligam  
a este movimento. Sem isso, não é possível começar a se falar de uma crítica marxista  
ao direito que não fique restrita a 100 anos atrás. 100 anos depois, é preciso  
compreender o capitalismo contemporâneo e, em meio a ele, a política e o direito. No  
título das obras de Pachukanis e de Stutchka consta a expressão teoria do direito; em  
nossa modesta opinião, por mais que seja preciso retomar e estudar tais autores, não  
Verinotio  
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Editorial: 100 anos depois ou 100 anos atrás?  
há como apoiar-se em qualquer teoria do direito, mesmo que marxista. Marx não  
procurou uma economia política crítica, mas uma crítica da economia política. Não  
podemos procurar desenvolver simplesmente uma teoria crítica do direito, é preciso  
uma crítica ao direito. Isso, porém, não é simplesmente um jogo de palavras. Os passos  
e os desafios teóricos que mencionamos são urgentes. Mas aquilo que os completa (e  
mesmo propicia) é uma análise cuidadosa da realidade, em nosso caso, do capitalismo  
contemporâneo.  
Se a crítica marxista ao direito se isola desses problemas, ela adota certo tom  
quase corporativo; no limite, desenvolve-se uma espécie de socialismo dos juristas  
críticos e autoproclamados marxistas. Há quase 150 anos, Engels já alertou para esse  
problema. E, assim, novamente, ao se ter a hegemonia da denominação “marxismo  
jurídico” em tela, há de se considerar que precisamos pensar a situação teórica e  
prática 100 anos depois de Teoria geral do direito e o marxismo. Porém, talvez ainda  
estejamos, não 100, mas 150 anos atrás sob diversos aspectos. Os textos  
apresentados no presente número, com todas as limitações levantadas acima,  
representam uma tentativa de romper com essa situação. Como disse J. Chasin, a  
esquerda está morta; podemos dizer sem contradizê-lo: vivas à esquerda e ao  
socialismo. E somente é possível adotar essa posição reconhecendo nossas limitações,  
bem como as possibilidades do futuro.  
Como citar:  
SARTORI, Vitor Bartoletti. 100 anos depois ou 100 anos atrás? Verinotio, Rio das  
Ostras, v. 29, n. 1, pp. IX-XIX; jan-jun, 2024  
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