Gabriel Müller de Jesus Pinheiro Machado
ao Direito nunca foi central em sua análise da sociedade civil-burguesa3, seja porque
desde cedo, quando colocado “na embaraçosa obrigação de opinar sobre os interesses
materiais” (Marx, 2009, p. 46), Karl Marx percebera a limitação das relações jurídicas
para compreender a lógica e funcionamento internos dessas relações jurídicas mesmas,
seja porque, ao encontrar na sociedade civil-burguesa a raiz para compreender tanto
tais “relações jurídicas” quanto “as formas de Estado”, dedicou o resto de sua vida à
análise crítica daquilo que constituía, em suas palavras, a “anatomia” dessa sociedade,
a saber: a “Economia Política” ” (Marx, 2009, p. 47). Não por acaso, a grande obra de
sua vida, O Capital, é acompanhada pelo subtítulo “Crítica da Economia Política”4: a
razão disso não é qualquer idiossincrasia pessoal, por suposto. Os ciosos estudos de
Marx o permitiram compreender que é na economia política que a sociedade civil-
burguesa se estrutura, logo, é onde esse organismo social pode ser visto em suas
determinações mais puras – daí se falar em anatomia5.
Tudo isso é verdadeiro, basilar, até, e, no entanto, seria uma incorreção
grosseira dizer que Marx não tem nada a dizer sobre o Direito. Na verdade, o beabá
da crítica de Marx ao Direito, que não é central, mas perpassa reiteradamente sua obra
(afinal, o Direito é parte necessária à reprodução da totalidade social que Marx analisa,
logo, seria absurdo simplesmente ignorar a análise dessa forma social), remete-nos
precisamente à necessidade de apreender o Direito não como algo que se explique
característica geral de concepções de mundo com caráter gnosiologizante.
3 O sentido de crítica aqui utilizado não tem precisamente o sentido usual, corriqueiro. Criticar, em Marx,
tem o sentido de “capturar "a lógica específica da coisa específica' e de esclarecê-la por sua gênese e
necessidade” (In: CHASIN, José. Marx. Estatuto ontológico e resolução metodológica, 2009, p. 80).
Nesse sentido, registre-se que uma análise realmente competente da obra de Marx e Engels demandaria
sua apreensão e exposição em sua imanência histórica, missão que somente seria possível por meio
daquilo que José Chasin denomina “tríptico metodológico” lukácsiano (CHASIN, 1978, p. 23): “crítica
imanente [...] gênese social e função” do objeto investigado (LUKÁCS, 1984, p. 6). Entre esses eixos há
um “enlaçamento íntimo, substantivo [...] dado a nível ontológico, e que o procedimento metodológico
simplesmente separa para efeitos analíticos” (1978, p. 67).
4 Retome-se aqui o sentido de “crítica” em Marx, exposto na nota 5, acima, para reiterar que em nenhum
momento de seu desenvolvimento o mesmo teve a pretensão de escrever uma “economia política
comunista”, o que, aliás, seria uma contradição em termos, já que uma sociedade comunista pressupõe
a superação da economia política e da própria política. Marx buscou, em verdade, demonstrar a
necessidade de superação da economia política enquanto tal, o que, no estágio de desenvolvimento
social em que nos encontramos, só pode ser alcançado por uma revolução comunista. Para além do
subtítulo de sua obra magna, sua própria estrutura, que se encerra com a necessidade da “negação da
negação” mediante a “expropriação de poucos usurpadores pela massa do povo” (MARX, 2013, p. 832-
3), não deixa margem para dúvidas quanto à necessidade da supressão da economia política, em vez
da criação de uma economia política de novo tipo.
5 Quando, portanto, Marx se propõe a realizar a “crítica da economia política”, trata-se de uma espécie
de dupla crítica: tanto à totalidade das relações de produção que constituem a base real da sociedade
capitalista quanto à expressão teórica dessas relações, a qual se observa naquele ramo do saber
denominado “Economia Política”, que tem como seus representantes clássicos, por exemplo, William
Petty, Adam Smith, David Ricardo etc.
Verinotio
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp. 129-153 – jan.-jun., 2024
nova fase