DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.706  
O direito sem história e o Estado como  
comunidade ilusória: Marx e Engels sobre história  
em A ideologia alemã  
The law without history and the State as an illusory  
community: Marx and Engels about history in The  
German Ideology  
Edmundo Barboza Filho*  
Resumo: Pela análise imanente dos manuscritos  
conhecidos como A ideologia alemã, procuramos  
esclarecer a relação entre direito, Estado e  
história. O caminho traçado pelos autores, que  
parte das condições práticas colocadas pela  
produção material da vida, revela o Estado e o  
direito como formas delas derivadas, que tem  
seu engendrar histórico delas totalmente  
dependente.  
Abstract: Through the immanent analysis of the  
manuscripts known as The German Ideology, we  
seek to clarify the relationship between law,  
State and history. The path traced by the  
authors, which starts from the practical  
conditions posed by the material production of  
life, reveals the State and the law as forms  
derived  
from  
them,  
whose  
historical  
engendering is completely dependent on them.  
Palavras-chave: Ideologia; História do direito;  
Estado; Trabalho.  
Keywords: Ideology; History of law; State; Work.  
A ideologia alemã e suas questões de leitura  
Em 1848 lançavam Marx e Engels seu Manifesto Comunista, texto no qual  
aparece uma dura consideração sobre o direito: “o vosso direito não passa da vontade  
de vossa classe erigida em lei, vontade cujo conteúdo é determinado pelas condições  
materiais de vossa existência como classe” (MARX; ENGELS, 1998, p. 54-55). Não  
valendo mais a reivindicação do direito contra a abolição da propriedade burguesa,  
ficamos assim sabendo que o direito tem uma determinação de classe, enraizado nas  
condições de existência dos dominantes, assim como as “próprias ideias são produtos  
das relações de produção e de propriedade burguesas” (Idem).  
Em 1847 Marx lançava Miséria da Filosofia, livro que responde diretamente ao  
Filosofia da Miséria de Proudhon (1846). Nele, Marx afirma ser o direito civil “apenas  
*
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, com bolsa CAPES. Graduado em  
direito pela mesma instituição. E-mail: edbarbozafilho@hotmail.com.  
Verinotio  
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O direito sem história e o Estado como comunidade ilusória  
uma expressão de dado desenvolvimento da propriedade, isto é, da produção” (MARX,  
2017, p. 53); além da famosa afirmação de que o direito não é mais que o  
“reconhecimento oficial do fato” (Ibid., p. 84)1. Tais afirmações são bem contundentes  
e críticas à noção de um direito que toma a dianteira dos valores de uma sociedade2.  
Ao contrário dela, para Marx o desenvolvimento do direito parece estar diretamente  
atrelado ao estado de desenvolvimento das relações materiais de produção em  
especial, da propriedade -, como quem as reitera ou consolida.  
Nos manuscritos conhecidos como A ideologia alemã (1845-1847)3  
encontramos afirmações bem parecidas com isso; como, por exemplo, a de que:  
Sempre que, por meio do desenvolvi[mento] da indústria e do comércio, surgiram  
novas formas de [in]tercâmbio, [por] exemplo companhias de seguros etc., o direito  
foi, a cada vez, obrigado a admiti-las entre os modos de adquirir a propriedade”  
(MARX; ENGELS, 2011, p. 77). Vê-se, desde já e mais calmamente à frente -, que o  
direito se desenvolve junto com as relações de propriedade, em reconhecimento e em  
relação com elas. Nestes manuscritos os autores vão ainda além, com esta interessante  
anotação: “Não se pode esquecer que o direito, tal como a religião, não tem uma  
história própria(MARX; ENGELS, 2011, p. 76). Tal afirmação encontra justificativa nas  
próprias condições históricas pelas quais o direito e a religião vieram se  
desenvolvendo na sociedade civil-burguesa: a partir da dissolução da comunidade  
natural, vão progressivamente tomando forma de acordo com o alterar das condições  
da produção material da vida. Nesse sentido, como poderemos ver melhor à frente,  
tais esferas não estão apartadas dessas condições colocadas para a sociedade e,  
portanto, não têm um engendrar histórico autônomo. Conclusão essa que apenas é  
possível pois: tendo a sociedade civil-burguesa como fundamento, Marx e Engels  
percorrem seus diferentes estágios desenvolvendo o processo real de produção a  
partir da produção material da vida imediata, sempre concebendo aí a forma de  
1 Gyorgy Lukács foi o primeiro a chamar a atenção para esta passagem, entendendo, a partir dela, que  
o direito constitui uma forma de reprodução consciente dos fatos da vida econômica. Portanto, para  
ele, a passagem “expressa com exatidão a condição de prioridade ontológica do econômico” (LUKÁCS,  
2013, p. 238).  
2 Em A ideologia alemã, como veremos, Marx e Engels estarão combatendo diretamente discursos como  
esse. Max Stirner teria incorrido nesse erro, de forma que para ele as relações jurídicas aparecem apenas  
como domínio do conceito do direito. Assim, para ele “o direito não surge a partir das condições  
materiais dos homens e do conflito que surge entre eles em virtude disso, mas do conflito deles com a  
representação que têm dele, a qual eles devem ‘tirar da cabeça’” (MARX; ENGELS, 2011, p. 307).  
3
Gerald Hubmann, editor da Marx-Engels Gesamtausgabe 2 (MEGA²) - projeto que organiza e editora  
os escritos deixados por Marx e Engels -, diz haver indícios de que os dois autores teriam trabalhado  
nos manuscritos até meados de 1847, e não até junho de 1846, como comumente se veicula  
(HUBMANN; PAGEL, 2022, p. 38).  
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intercâmbio conectada a esse modo de produção que ele engendra. Podemos dizer  
que tal concepção da história subsiste “não de explicar a práxis partindo da ideia, mas  
de explicar as formações ideais a partir da práxis material” (Ibid., p. 42-43). O direito,  
assim como a religião, tem aí uma série de determinações materiais colocadas na  
realidade da divisão do trabalho, que só depois de conhecidas nos permite  
compreender melhor suas expressões como formas ideológicas de consciência4. Como  
Lukács bem aponta, esta é uma escolha “metodológica” presente no jovem Marx que  
não proclama uma dependência mecânica das formas ideológicas sobre o  
desenvolvimento econômico e nem uma dedutibilidade esquemática dele -, “mas  
apenas é constatada a unidade, já de muitas maneiras identificada por nós, do  
processo histórico enquanto continuidade ontológica, a despeito de toda a sua  
contraditoriedade e necessária desigualdade” (LUKÁCS, 2013, p. 270).  
Assim também tomemos o itinerário marx-engelsiano, tentando compreender  
melhor esta relação entre direito e história mencionada acima5. Com enfoque nos  
escritos d’A ideologia alemã, poderemos encontrá-la partindo das condições mais  
básicas de divisão do trabalho, que se desenrolam e complexificam com o  
desenvolvimento do Estado e sua relação com a propriedade privada. Partindo das  
formas mais simples da produção humana, poderemos ver como se desenvolvem delas  
seu reflexo prático-idealista: o Estado, assim como o conjunto dos diversos produtos  
e formas da consciência (MARX; ENGELS, 2011, p. 42-43) nas quais acreditamos se  
encaixar a forma jurídica de consciência. Tal percurso não é errático: reiterando a  
interação histórica entre o homem e o meio sensível não permitindo que se faça da  
história puramente um processo da consciência6 -, tem-se uma atividade material  
múltipla que determina difusamente a produção da vida humana. É justamente por  
4
Em um prefácio, escrito cerca de 12 anos após A ideologia alemã, Marx relembra o seu percurso da  
década de 1840, destacando algumas das conclusões às quais chegou na época. Dentre elas está a de  
que “convém distinguir sempre a transformação material das condições econômicas de produção – que  
podem ser verificadas fielmente com ajuda das ciências físicas e naturais e as formas jurídicas, políticas,  
religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens adquirem  
consciência desse conflito e o levam até o fim” (MARX, 2008, p. 48) (grifos nossos).  
5
Convém deixar a questão da religião para uma oportunidade futura. Vale ressaltar que o tratamento  
dos autores dessa questão em outros escritos - já foi sido esboçada por Gabriel Andrade Perdigão  
(Cf. 2018).  
6
Esta posição é, inclusive, crítica à que assumem os interlocutores de Marx e Engels de A ideologia  
alemã: “Dado que para esses jovens-hegelianos as representações, os pensamentos, os conceitos em  
resumo, os produtos da consciência por eles autonomizada são considerados os autênticos grilhões  
dos homens, exatamente da mesma forma que para os velhos-hegelianos eles eram proclamados como  
os verdadeiros laços da sociedade humana, então é evidente que os jovens-hegelianos têm de lutar  
apenas contra essas ilusões da consciência” (MARX; ENGELS, 2011, p. 84).  
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meio do caráter terreno dessa interação que é possível encontrar as determinações  
práticas que se colocam às organizações humanas. Estado e direito, nesta exposição,  
encontram lugar em uma lógica de dominação colocada pela divisão do trabalho  
baseada na propriedade privada.  
Uma vez sabendo que os autores tratam do direito apenas em meio a outras  
tantas determinações a saber: Estado, propriedade privada, divisão do trabalho,  
forças produtivas , fica ressaltado o caráter não-autônomo dessa esfera da  
sociabilidade humana, que só pode ser realmente compreendido e tratado em meio a  
elas. O pontear desse emaranhado determinístico não se satisfaz apenas de  
representar o real na ideia, mas de constatar a impossibilidade de superação isolada  
em qualquer uma dessas esferas. Ou seja, não pode o direito ou o Estado nos levarem,  
sozinhos, à fundação de uma nova sociedade, mas sim a superação operada em todos  
os planos da produção da vida humana portanto, também na divisão do trabalho, na  
propriedade privada, na apropriação das forças produtivas e ainda em outras. Como o  
direito e o Estado têm suas raízes bem fundadas nessa sociedade que se deseja  
suprimir, é certo que a realização dessa última passa pela destruição daqueles.  
O artigo certamente se afeta por esse caráter que acabamos de citar: para  
melhor compreender o local do Estado e do direito na sociedade civil-burguesa, se  
torna preciso apresentar suas bases materiais. Por isso, assim como os autores fazem,  
partimos do trabalho e seu processo de complexificação, para então entender o papel  
que cumprem o direito e o Estado enquanto formas ideológicas de consciência. A  
história da sociedade civil-burguesa, portanto, tem nessa discussão um papel  
protagonista7.  
Antes de começar, vale trazer alguns pequenos esclarecimentos sobre o  
conjunto dos textos que é objeto deste trabalho, bem como alguns desafios que  
existem ao estudá-los:  
A ideologia alemã se constitui de um conjunto de manuscritos redigidos por  
Marx e Engels durante suas estadas em Bruxelas, entre 1845 e 1847. Neles, além do  
7
Inclusive, a história como categoria que trata do ser é algo que Lukács considera genial na obra  
marxiana, e que tem seu marco nos escritos que aqui analisaremos: “A mais insignificante e modesta  
concretização no âmbito do problema das categorias conduz diretamente à questão central da teoria  
marxiana: a história como princípio fundamental de todo ser. Em termos gerais e precisos, isso foi  
enunciado por Marx já muito cedo (em A ideologia alemã); de fato, é este o princípio que domina do  
início ao fim suas argumentações sobre o ser. Essa constatação tem um caráter profético genial, na  
medida em que, na época de sua formulação, seu fundamento ontológico, o ser como processo  
permanente e irreversível, ainda estava longe de ser reconhecido como constituição ontológica  
fundamental da natureza, muito menos conhecido amplamente” (LUKÁCS, 2010, p. 365)  
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caráter polemista inserido no debate filosófico alemão , há também um quê de  
autoesclarecimento por parte dos autores em escrevê-los8. Ainda na esteira dos  
escritos que fizeram até 1844, a exemplo dos artigos publicados nos Anais Franco-  
Alemães9 e do livro A sagrada família - este último escrito conjuntamente -, nossos  
autores desenham suas críticas àquela que até então era a “mais recente filosofia  
alemã”. Estes manuscritos, que não chegaram a ser editorados em livro e nem a ser  
publicados por Marx e Engels em vida10, contêm críticas direcionadas a alguns dos  
estudiosos de Hegel de seu tempo, em especial: Bruno Bauer, Max Stirner e Ludwig  
Feuerbach11. Estes embates, em que Marx e Engels tentariam acertar as contas com  
suas antigas consciências filosóficas, não encontraram a luz do dia no século XIX em  
razão das adversidades editoriais que se apresentaram ainda na década de 1840 (Cf.  
MARX, 2008, p. 49).  
À época de escrita, Marx declarou em cartas que o manuscrito em coautoria  
com Engels “é necessário para preparar o público para o ponto de vista da minha  
economia, que se opõe diretamente à ciência alemã anterior12 (MARX; ENGELS, 2020,  
p. 48-49). Engels, por outro lado, declarou em 1888 que, ao reencontrar os  
manuscritos, percebeu “o quanto eram incompletos, por àquela época, nossos  
conhecimentos da história econômica” (ENGELS, 2012, p. 132). Na mesma ocasião,  
porém, concordou sobre o valor apreciável que tem o manuscrito que ficou conhecido  
como Teses sobre Feuerbach, de Marx, “por ser o primeiro documento que contém o  
gérmen genial da nova concepção de mundo” (Idem). Vê-se, desde já, que os textos  
redigidos pela dupla em Bruxelas têm grande importância no itinerário intelectual dos  
8
No famoso prefácio de 1859, nos narra Marx: “E quando, na primavera de 1845, ele [Engels] também  
veio domiciliar-se em Bruxelas, resolvemos trabalhar em comum para salientar o contraste de nossa  
maneira de ver com a ideologia da filosofia alemã, visando, de fato, acertar as contas com a nossa antiga  
consciência filosófica. O propósito se realizou sob a forma de uma crítica da filosofia pós-hegeliana. O  
manuscrito [A ideologia alemã], dois grossos volumes em oitavo, já se encontrava há muito tempo em  
mãos do editor na Westphalia, quando nos advertiram que uma mudança de circunstâncias criava  
obstáculos à impressão. Abandonamos o manuscrito à crítica roedora dos ratos, tanto mais a gosto  
quanto já havíamos alcançado nosso fim principal, que era nos esclarecer” (MARX, 2008, p. 49).  
9
Lá encontramos publicados os textos Crítica da filosofia do direito de Hegel Introdução e Sobre a  
questão judaica de Marx e Esboço para uma crítica da economia política de Engels.  
10  
Alguns fragmentos dos manuscritos chegaram a ser publicados em vida pelos autores em outros  
formatos. Exemplo disso é o artigo Karl Grün: Die soziale Bewegung in Frankreich und Belgien  
(Darmstadt 1847) oder Die Gesischichtschreibung des wahren Sozialismus, que Marx publicou em 1847  
na revista Das Westphälische Dampfboot. Outro exemplo foi a publicação, por Engels, das Teses sobre  
Feuerbach, em 1888, como anexo de seu livro Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã.  
11  
As recentes declarações dos editores da MEGA² indicam que “dois terços das páginas transmitidas  
do manuscrito de Feuerbach se originaram do embate com Stirner” (HUBMANN; PAGEL, 2022, p. 30).  
As discussões com Feuerbach, assim, têm um ponto de partida comum com as discussões contra Stirner,  
e provavelmente se desenrolariam em um capítulo próprio, que nunca foi terminado (Ibid., p. 36-37).  
12 Carta de Marx para o editor Carl Friedrich Julius Leske, de 1 de agosto de 1846.  
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autores, embora não vão além de apresentar seus posicionamentos que já  
despontavam em processo de maturação.  
Ao serem finalmente publicados, os manuscritos não deixaram de ter recepção  
controversa: se, para alguns, contém “a exposição mais completa da teoria social  
fundada por Marx” (RUBEL, 2011, p. 139), ou se representa, para outros, “um corte  
epistemológico inequívoco” no ponto em que o próprio Marx situa sua crítica à sua  
antiga consciência filosófica (ALTHUSSER, 2015, p. 23-24), ou para ainda outros a  
sessão dedicada a Feuerbach foi um dos trabalhos de Marx mais centrais”  
13  
(MCLELLAN, 1973, p. 151); para os atuais editores da MEGA² - do seu lado - é  
pacífico que A ideologia alemã não se trata de uma obra, e que deve ser entendida  
dentro destes limites (Cf. HUBMANN; PAGEL, 2022). Esta última conclusão, vale dizer,  
é baseada no novo projeto filológico de editoração da MEGA (Cf. HUBMANN, 2012),  
que tem encarado os manuscritos de 1845-1847 como fragmentários e incompletos,  
incompatíveis com a configuração de tal estatuto textual.  
Se a descoberta se é que se pode chamar assim dos editores da Marx-  
Engels-Gesamtausgabe sobre A ideologia alemã tem sentido, então vemos suavizadas  
as palavras dos primeiros receptores “da obra” (MUSTO, 2021, p. 36). Não se pode  
esquecer, mesmo assim, que a MEGA, em seu projeto de “despolitização” das  
publicações de Marx14, “é também marcada por uma certa configuração histórica que  
incentiva comentários interpretativos que, [...], cauterizam os aspectos mais incômodos  
e revolucionários do pensamento de Marx” (MARTINS, 2013, p. 142).  
Frente a tudo isso, a leitura que se faz dos manuscritos de Marx e Engels de  
1845-1847 neste trabalho deve assumir o compromisso em questionar o estatuto do  
texto que está sendo analisado, estando subordinada ao sentido nele existente  
objetivamente (FORTES; VAISMAN, 2020, p. XII), buscando na sua tecitura interna a  
gênese social e seus possíveis pontos de contradição. De certo que falamos da análise  
13  
Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA) é o projeto que organiza e editora os escritos deixados por  
Marx e Engels para fins de publicação de suas obras completas. O projeto, descontinuado anteriormente,  
tem agora um novo esforço na Academia de Ciências de Berlim e na Fundação Internacional Marx-Engels  
(IMES) em Amsterdã.  
14  
Declaração do editor Gerald Hubmann: “De início, destaquemos mais uma vez que foi justamente o  
caráter filológico que salvou da mudança histórica o empreendimento da MEGA, antes político. Embora  
pouco de fato pudesse ser revisto no núcleo filológico da MEGA 2 depois de 1990, era ainda preciso  
garantir uma validade consequente para o primado da filologia. A tarefa de despolitização da edição  
era algo novo, especialmente nos comentários. No lugar das anteriores interpretações e imperativos  
editoriais politicamente motivados, surge agora o princípio da historicização consequente da obra de  
Marx. Isso implica uma contextualização intelectual que discuta o pensamento de Marx no nexo de seu  
tempo e no horizonte de seus problemas e questões” (HUBMANN, 2012, p. 43).  
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imanente (Cf. CHASIN, 2009). Tal compromisso - que se toma em respeito à gênese,  
estrutura e função nos textos -, não permite deixar de lado os aspectos “incômodos e  
revolucionários” de Marx e de Engels, evitando também recair em comentários mais  
ou menos destros pelos quais rotineiramente se abordam os discursos deles (Ibid., p.  
25).  
Marx e Engels na história: do trabalho ao Estado ou o Estado como  
comunidade ilusória  
Já pudemos comentar que Marx e Engels têm como ponto de partida para  
uma análise histórica a práxis dos homens na produção de sua vida material imediata.  
A história, assim, tem seu desenvolvimento dependente das condições pelas quais esta  
vida material é produzida. Em outras palavras: “devemos começar por constatar o  
primeiro pressuposto de toda a existência humana e também, portanto, de toda a  
história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em condições de viver  
para poder ‘fazer história’” (MARX; ENGELS, 2011, p. 32-33). Dessa forma, uma  
condição histórica fundamental é a de que seus agentes garantam - antes de tudo -  
comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. A satisfação destas  
necessidades primeiras não encerra, contudo, o percurso histórico: o ato da satisfação  
e o instrumento da realização - uma vez adquirido - são o que conduzem a novas  
necessidades (idem). É justamente no renovar diário das próprias vidas e das  
necessidades que, para nossos autores, reside a história; processo esse no qual os  
homens vão necessariamente estabelecendo relações sociais e desenvolvendo as  
condições de divisão do trabalho, intercâmbio e forças produtivas:  
A história nada mais é do que o suceder-se de gerações distintas, em  
que cada uma delas explora os materiais, os capitais e as forças de  
produção a ela transmitidas pelas gerações anteriores; portanto, por  
um lado ela continua a atividade anterior sob condições totalmente  
alteradas e, por outro, modifica com uma atividade completamente  
diferente as antigas condições. (Ibid., p. 40).  
Esta produção da vida, vale dizer, já aparece como uma relação dupla: de um  
lado como relação natural, de outro como relação social (Ibid., p. 34). Se, por um lado,  
a satisfação das necessidades mais básicas do homem tem lugar na natureza, por  
outro, ele também tem a consciência da necessidade de firmar relações com os  
indivíduos que o cercam. Dessa forma, o homem é atravessado não só pelas relações  
próprias do mundo natural, mas também por aquelas relações que só podem existir  
no seio da sociedade. A realização das necessidades humanas incontornavelmente se  
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dá em meio às relações sociais adquiridas historicamente, tanto porque estas  
necessidades agora só podem ser garantidas em meio a elas, quanto porque algumas  
destas necessidades derivam em certa medida dessas relações. Podemos dizer,  
assim, que “Marx não admite uma divisão absoluta entre natureza e sociedade”  
(SCHMIDT, 1971, p. 49). O processo histórico do qual falamos aqui, portanto, está no  
engendrar objetivo e subjetivo das conexões do homem nestes dois “polos”.  
Mostra-se, portanto, desde o princípio, uma conexão materialista dos  
homens entre si, conexão que depende das necessidades e do modo  
de produção e que é tão antiga quanto os próprios homens uma  
conexão que assume sempre novas formas e que apresenta, assim,  
uma “história”. (MARX; ENGELS, 2011, p. 34).  
Uma vez que tal conexão não se dá de forma idêntica durante todos os  
tempos, estando em constante mudança e a depender das necessidades e do modo  
de produção, pode se falar numa “história” da conexão dos homens no seio da divisão  
do trabalho, já que ela toca imediatamente nas condições práticas das organizações  
humanas, tanto objetivas quanto subjetivas. Se, num dado momento, nossos autores  
apontam essa conexão materialista na cooperação como uma relação social, “no  
sentido de que por ela se entende a cooperação de vários indivíduos, sejam quais  
forem as condições, o modo e a finalidade” (Idem); num outro a cooperação aparece  
como relação não-voluntária e natural (Ibid., p. 38), pois, imposta pela divisão do  
trabalho, é inescapável ao indivíduo uma vez que se identifica com a garantia dos seus  
meios de vida. A relação dupla se expressa novamente: embora com uma faceta  
natural, atravessa os indivíduos com relações sociais, um “poder social”, que aparece  
a eles:  
... como uma potência estranha, situada fora deles, sobre a qual não  
sabem de onde veio nem para onde vai, uma potência, portanto, que  
não podem mais controlar e que, pelo contrário, percorre agora uma  
sequência particular de fases e etapas de desenvolvimento,  
independente do querer e do agir dos homens e que até mesmo dirige  
esse querer e esse agir. (Idem).  
Faz-se notar que as relações sociais adquiridas no seio da divisão do trabalho  
tenham, desde já, o poder de dirigir os homens em seu “querer e agir”. Uma força  
como essa só pode ser resultado da interação entre o aumento das necessidades e do  
surgimento de novas relações sociais: a complexificação da divisão do trabalho, que  
se autonomiza com a força de todos os indivíduos cooperados. “Desse modo, todas  
as capacidades que resultam da atividade conjunta dos indivíduos se objetivam como  
entidades autônomas, cada qual conforme o tipo de capacidades e suas formas de  
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realização” (COTRIM, 2012, p. 3-4). Lívia Cotrim percebe bem que para nossos autores  
o Estado figura entre essas entidades, como “corporificação do poder social dos  
indivíduos, previamente extraído deles” (Idem). Antes de chegarmos a ele, ainda temos  
um elemento que compõe sua base que queremos apresentar:  
A chave do nosso “quebra-cabeça” não é apenas a divisão do trabalho, mas  
também o produto da atividade engendrada por ela: a propriedade privada15. Esta  
que, pelos manuscritos d’A ideologia alemã, tem sua primeira forma “na família, onde  
a mulher e os filhos são escravos do homem”16 (MARX; ENGELS, 2011, p. 36),  
atravessa a história e se desenvolve, desde o início, como o poder de dispor da força  
de trabalho alheia. Se a conexão materialista dos homens no seio da divisão do  
trabalho tem uma história, já que se refere à produção de vida humana em permanente  
alteração pelas suas condições objetivas, assim também tem a propriedade, que  
corresponde ao produto dela17.  
Como vimos, na história, as condições de produção legadas por uma geração  
estarão sofrendo constantes alterações operadas pelas seguintes (MARX; ENGELS,  
2011, p. 40). Assim, também sofre alterações a forma da propriedade que  
corresponde a estas condições. As forças produtivas, no processo de seu  
desenvolvimento:  
... aparecem como plenamente independentes e separadas dos  
indivíduos, como um mundo próprio ao lado destes, o que tem sua  
razão de ser no fato de que os indivíduos, dos quais elas são as forças,  
15  
“Além do mais, divisão do trabalho e propriedade privada são expressões idênticas – numa é dito  
com relação à própria atividade aquilo que, noutra, é dito com relação ao produto da atividade” (MARX;  
ENGELS, 2011, p. 37).  
16 Como pôde demonstrar Ronaldo Vielmi Fortes, a partir dos cadernos etnológicos de Marx de 1880-  
1882, o processo de inferiorização da mulher na sociedade acompanha o surgimento da família  
monogâmica no contexto do nascimento da propriedade privada (FORTES, 2018, p. 443). Percebe o  
autor, com isso, uma correlação com as teses que Marx e Engels defendiam já n’A ideologia alemã a  
saber, aquelas pelas quais “a essência da individualidade da mulher característica do período é uma  
determinação histórica, posta e constituída pela forma específica das relações humanas da época, na  
qual a mulher é socialmente subjugada, oprimida pelo homem” (Ibid., p. 445). Melhor dizendo, a  
condição de inferiorização da mulher se relaciona com as condições de produção historicamente  
constituídas, a partir da divisão do trabalho baseada na propriedade privada. É igualmente válido  
conferir a relação entre homem e mulher e estranhamento em Lukács (2013) e no artigo de Ana e Vera  
Cotrim, que também têm em conta a natureza, a sensibilidade, os desejos e as paixões (2020).  
17  
“A divisão social do trabalho e a propriedade privada que lhe corresponde têm, pois, uma história,  
cujo sentido foi a ampliação da própria divisão social do trabalho e, consequentemente, a ampliação da  
cisão entre propriedade e comunidade, até o ponto em que, tendo a propriedade alcançado a forma  
pura, isto é, extinta a comunidade, a sociabilidade toma a forma de estado separado da sociedade civil.  
Também coerentemente com o exposto em textos anteriores, a constituição plena tanto da sociedade  
civil quanto do decorre da completa separação entre vida privada e vida pública, entre indivíduo e  
sociedade, ou entre indivíduo e gênero. Cindidas do conjunto dos indivíduos e coaguladas sob a forma  
de estado, as forças sociais são apropriadas, evidentemente, por outros homens – pela burguesia”  
(COTRIM, 2007, p. 29).  
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O direito sem história e o Estado como comunidade ilusória  
existem dispersos e em oposição uns com os outros, enquanto, por  
outro lado, essas forças só são forças reais no intercâmbio e na  
conexão desses indivíduos. Portanto, de um lado, há uma totalidade  
de forças produtivas que assumiram como que uma forma objetiva e  
que, para os próprios indivíduos, não são mais as forças dos  
indivíduos, mas as da propriedade privada e, por isso, são as forças  
dos indivíduos apenas na medida em que eles são proprietários  
privados. (Ibid., p. 72).  
O desenvolvimento da propriedade privada emerge como elemento que  
possibilita a autonomização das forças produtivas com relação aos indivíduos. Sendo  
a divisão do trabalho um elemento real dentro da conexão materialista dos homens,  
ela se corporifica e alcança autonomia por meio das relações sociais próprias deles.  
Assim, a propriedade privada se autonomiza contrapondo os indivíduos: “no interior  
da divisão do trabalho, surge uma divisão na vida de cada indivíduo, na medida em  
que há uma diferença entre a sua vida pessoal e a sua vida enquanto subsumida a um  
ramo qualquer do trabalho e às condições a ele correspondentes” (Ibid., p. 64-65). A  
contraposição dos indivíduos, dessa forma, só se dá na medida em que eles são  
proprietários privados, já que as forças produtivas de seu coletivo foram apoderadas  
pela propriedade privada. A separação entre vida pessoal e vida do trabalho escancara  
tal oposição: na condição de proprietários privados, a personalidade desses indivíduos  
“é condicionada e determinada por relações de classe bem definidas” (Idem).  
Dessa conexão entre os homens na divisão do trabalho é que pode se dar a  
contradição entre o interesse de indivíduos ou de famílias singulares e o interesse  
coletivo de todos os indivíduos que se relacionam mutuamente. Se tal conexão dos  
homens é observada efetivamente no trabalho e se esses interesses coletivos são  
expressão dos interesses singulares, sabemos que todos eles são reais e que se  
pautam na cisão entre dois momentos da atividade humana: o momento da elaboração  
e projeção subjetiva do trabalho e o da sua efetivação (COTRIM, 2007, p. 26-27) em  
outras palavras, na divisão social do trabalho consumada. É desta contradição entre  
os interesses coletivos e particulares, possibilitada pela cisão colocada no trabalho, –  
Marx nos deixa saber em nota que:  
... o interesse coletivo assume, como Estado, uma forma autônoma,  
separada dos reais interesses singulares e gerais e, ao mesmo tempo,  
como comunidade ilusória, mas sempre fundada sobre a base real dos  
laços existentes em cada conglomerado familiar e tribal, tais como os  
laços de sangue, a linguagem, a divisão do trabalho em escala  
ampliada e demais interesses. (MARX; ENGELS, 2011, p. 37).  
Finalmente chegando à questão do Estado, fica claro que ele é a encarnação  
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autonomizada desse interesse coletivo, em contradição com os interesses particulares  
dos indivíduos, colocados em oposição pela divisão social do trabalho. Mas, mais  
importante do que isso, percebemos que Marx e Engels não pressupõem o Estado - e  
nem o direito - como formas naturais de organização dos homens; nossos autores,  
pelo contrário, submetem estas instituições a uma profunda análise histórica, da qual  
elas emergem derivativas das próprias condições práticas das organizações humanas.  
Não existe aí uma noção do Estado como fiel expressão dos interesses de uma  
comunidade, ou de um Estado que dá significado aos indivíduos que a ele pertencem18;  
na verdade, estamos pensando no Estado como uma comunidade ilusória que tem,  
sim, uma base nos laços realmente existentes na materialidade, mas que é uma  
expressão ilusiva e separada dos reais interesses singulares e gerais dos indivíduos  
contrapostos pela propriedade privada. Se o Estado parece se impor aos indivíduos  
quando os interesses individuais destes são diversos do daquele, isso se dá apenas  
porque tal relação de imposição esteve dada desde sempre na realidade da divisão do  
trabalho e da cooperação. Na crítica dos autores vemos emergir claramente as  
determinações materiais que se colocam ao Estado, percebendo que é delas que  
emanam a dimensão política e autônoma deste último. Mais claramente: não só a  
existência do Estado, mas a sua autonomia também, é resultado dos processos de  
desenvolvimento da divisão do trabalho e da propriedade privada19.  
Por meio da emancipação da propriedade privada em relação à  
comunidade, o Estado se tornou uma existência particular ao lado e  
fora da sociedade civil; mas esse Estado não é nada mais do que a  
forma de organização que os burgueses se dão necessariamente,  
tanto no exterior como no interior, para a garantia recíproca de sua  
propriedade e de seus interesses. (Ibid., p. 75).  
Na exposição de nossos autores, o Estado tem um local muito bem demarcado  
na história das civilizações humanas, que alcança sua forma moderna juntamente com  
o desenvolvimento da propriedade privada moderna. Neste momento, impera  
candente sobre ele a dominação da burguesia pelo sistema da dívida pública, sendo a  
sua existência inteiramente dependente do crédito comercial que lhe é concedido pelos  
18  
Esta é a crença, por exemplo, de Max Stirner: “A tese, frequentemente enunciada por São Sancho  
[Max Stirner], de que cada um é o que é por meio do Estado é no fundo a mesma tese segundo a qual  
o burguês é somente um exemplar do gênero burguês; uma tese que pressupõe que a classe do burguês  
já existia antes dos indivíduos que a constituem” (Ibid., p. 63).  
19 Este fato parece não ser trivial para Max Stirner, que, “em sua singeleza, acredita que ‘o Estado vincula  
a posse da propriedade’, ‘assim como faz com tudo, por exemplo, com o casamento, a certas condições’”  
(Ibid., p. 344).  
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proprietários privados20 (Idem). É certo, porém, que o domínio da propriedade e do  
Estado em todas as épocas é vinculado a certas condições, “em primeira linha  
econômicas, dependentes do estágio de desenvolvimento das forças produtivas e do  
intercâmbio” (Ibid., p. 344). Assim, é coincidente da forma mais recente desse Estado  
com a burguesia no poder e em todas as épocas, que ele corresponda à forma de  
garantia da dominação de um certo grupo, da sua propriedade e de seus interesses.  
É bom frisar, uma vez mais, que o fato de o Estado se colocar enquanto  
comunidade ilusória, para Marx e Engels, não significa que se faça dele um construto  
imaginário de conteúdo vazio. Pelo contrário, ele é a expressão própria dos interesses  
coletivos dominantes, que se colocam autonomamente aos interesses singulares e  
gerais. Para garantir a realização dos seus interesses, ele tem a seu dispor o poder  
social, “isto é, a força de produção multiplicada que nasce da cooperação dos diversos  
indivíduos condicionada pela divisão do trabalho” (Ibid., p. 38). Contudo, quando  
falamos das lutas no interior do Estado - por exemplo, a luta entre democracia,  
aristocracia e monarquia -, estamos falando de formas ilusórias da comunidade, por  
meio das quais são travadas as lutas reais entre diferentes classes (Ibid., p. 37). Nossos  
autores nos ensinam que, quando se conjuntura um real histórico, é importante se ter  
em conta que o Estado ocupa apenas um dos locais por onde a história humana é  
travada: o da comunidade ilusória, a expressão política do real dentro da sua  
sociabilidade própria. Ausente das relações de trabalho e propriedade que contrapõem  
os indivíduos, as lutas no interior do Estado isoladas têm pouco a nos dizer sobre uma  
certa sociedade.  
Uma vez que o Estado não está no ponto de partida do desencadear histórico  
como temos mostrado, ele reflete os acontecimentos mediado pelas condições  
materiais de produção da vida e pela disposição dos interesses coletivos e individuais  
dos grupos entre os quais o trabalho está dividido -, é evidente que o desenvolvimento  
histórico é melhor representado não a partir das ações políticas dos príncipes e dos  
Estados, mas a partir da produção material da vida imediata, localizando a sociedade  
civil-burguesa em seus diferentes estágios de onde podemos encontrar os diferentes  
20  
Este tema, que aparece discretamente na Ideologia alemã, assume lugar de grande importância no  
itinerário marxiano posterior, sendo melhor discutido em O capital (Cf. MARX, 2017). Nos manuscritos  
de 1845-1847 vemos apenas a constatação de que o desenvolvimento da acumulação e da propriedade  
burguesa tornou alguns indivíduos cada vez mais ricos, ao passo que o Estado se tornou cada vez mais  
endividado. Tal fato, que inaugura um contínuo estado de dependência do Estado pela burguesia,  
profetizaria o arremate dele por ela (Cf. MARX; ENGELS, 2011, p. 349).  
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grupos de interesses individuais e coletivos contrapostos. Do contrário, caímos em  
uma concepção de história que compartilha das ilusões de cada época histórica. Ou  
seja, nesse caso tomaríamos como força determinante e ativa - que domina a prática  
dos homens - a imaginação, a representação, desses homens sobre a sua práxis real21  
(Ibid., p. 44). Dessa forma, Marx e Engels consumam a concepção de história de que  
falamos até aqui: desenvolvendo o processo real de produção, torna-se possível  
explicar a partir dele as diferentes formas de consciência que dele derivam,  
apresentando o objeto em sua totalidade (Ibid., p. 42).  
Já pincelamos algumas considerações sobre Marx e Engels, n’A ideologia alemã,  
sobre história. Nelas, são notáveis os esforços em não opor natureza e história,  
evitando uma relação de excludência entre elas (Ibid., p. 43-44) - ou seja, um esforço  
em não tratar a produção material da vida como elemento meramente pré-histórico,  
de forma que ter-se-ia, assim, como agente determinante da história um elemento  
extra e supraterreno. Pelo que pudemos demonstrar, nossos autores levantam uma  
concepção que parte do desenvolvimento da produção material da vida em todas as  
épocas, que só então nos permite identificar nas condições desse processo os  
desenvolvimentos ideais (“supraterrenos”) que se fazem delas. Em debate direto com  
os comentadores de Hegel de seu tempo, os autores do Manifesto comunista se  
esforçam em rebater posições que veem na história o desenvolvimento de conceitos,  
ou a realização de uma tal autoconsciência (Cf. Ibid., p. 174-175).  
Dessa maneira, se o Estado e as relações sociais reificadas dos indivíduos têm  
surgimento com uma transformação na sociedade operada pelo desenvolvimento da  
divisão do trabalho, de certo que a superação deste quadro não pode ser operada por  
uma retirada de dentro da cabeça das pessoas da representação do Estado e das  
relações sociais. Pelo contrário, o que defende a dupla é que esta superação só pode  
ocorrer na esfera material, ou seja, “se os indivíduos voltarem a subsumir essas forças  
reificadas a si mesmos e superarem a divisão do trabalho” (Ibid., p. 64).  
21  
“Daí que tal concepção veja na história apenas ações políticas dos príncipes e dos Estados, lutas  
religiosas e simplesmente teoréticas e, especialmente, que ela tenha de compartilhar, em cada época  
histórica, da ilusão dessa época. Por exemplo, se uma época se imagina determinada por motivos  
puramente ‘políticos’ ou ‘religiosos’, embora ‘religião’ e ‘política’ sejam tão somente formas de seus  
motivos reais, então o historiador dessa época aceita essa opinião. A ‘imaginação’, a ‘representação’  
desses homens determinados sobre a sua práxis real é transformada na única força determinante e ativa  
que domina e determina a prática desses homens” (MARX; ENGELS, 2011, p. 44).  
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O direito sem história e o Estado como comunidade ilusória  
O direito sem história  
A crítica ao Estado também vale para o direito: no Estado, podemos separar as  
ideias das classes dominantes de um período histórico das condições práticas dessa  
dominação, e chegar, com isso, à conclusão de que certas ideias ou conceitos  
dominaram durante aquele período: “então poderemos dizer, por exemplo, que  
durante o tempo em que a aristocracia dominou dominaram os conceitos de honra,  
fidelidade etc.” (Ibid., p. 48). Faltaria, assim, localizar corretamente o lugar que ocupa  
a esfera do Estado no sistema de dominação, e assim perceber que as classes  
dominantes de uma época são as detentoras da força material dominante da  
sociedade, e, portanto, também da força espiritual dominante. Mais claramente: “as  
ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais  
dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias” (Ibid., p.  
47). Marx e Engels nos fazem perceber que as classes dominantes só dominam  
idealmente porque também dominam materialmente - na esfera da produção da vida  
humana e da divisão do trabalho , e que é daí que vem a sua capacidade de tornar  
as suas ideias os ideais dominantes. Assim sendo, as lutas travadas no interior do  
Estado, isoladas, novamente falham diante da completude do objeto histórico. O  
Estado não tem uma história própria.  
Para o direito, igualmente:  
Da mesma maneira se pode aqui, separar, por sua vez, o direito de  
sua base real [realen], com o que então se consegue extrair uma  
“vontade soberana” que se modifica diferentemente nas diferentes  
épocas e que em suas criações, as leis, possui uma história própria,  
independente. Desse modo, a história política e burguesa se dissolve  
ideologicamente numa história do domínio de leis sucessivas. Esta é  
a ilusão específica de juristas e políticos...22 (Ibid., p. 319).  
Se, no Estado, é possível fazer uma história do domínio de ideias sucessivas,  
no direito podemos acreditar num domínio sucessivo de leis. Isto só é possível isolando  
as esferas do direito e do Estado de suas bases reais. É certo, porém, que tal maneira  
de enxergar a história faz parte do imaginário ilusório dos políticos e juristas. Eles  
criam ilusões:  
... tão mais necessárias quanto isso já é condicionado pela própria  
natureza do ofício. As relações, na jurisprudência, na política,  
convertem-se em conceitos na consciência; por não estarem acima  
dessas relações, também os conceitos dessas relações são, na cabeça  
22  
“... da qual Jacques le bonhomme [Jacó, o tonto Max Stirner] adota sans façon [sem rodeios]” é o  
resto do trecho.  
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de religiosos, juristas, políticos e moralistas, conceitos fixos; o juiz,  
por exemplo, aplica o código, e por isso a legislação vale, para ele,  
como o verdadeiro motor ativo. Respeito por sua mercadoria, pois seu  
negócio tem a ver com o geral. (Ibid., p. 78).  
Há aí uma relação duplamente atravessada: não simplesmente o trabalho do  
jurista e do político se insere na lógica de dominação do indivíduo pelas relações  
sociais próprias da divisão do trabalho no seio da propriedade privada como já vimos  
-, mas também há nele uma afirmação, inerente ao próprio ofício, da dominação de  
conceitos abstratos sobre a realidade, que obscurecem a real dominação que se dá na  
esfera material do trabalho. O fato de que a aplicação do código, para o jurista, valha  
como o verdadeiro motor ativo da sociedade tem relação com o respeito que ele tem  
com o próprio ofício, que lhe aparece como “o verdadeiro ofício”, ao mesmo tempo  
que também lhe é seu meio de vida, sua mercadoria. Reflete nesta postura, contudo,  
o ocultamento ou a insciência dos nexos materiais colocados entre direito e  
propriedade privada23.  
Já sabemos que as relações de produção se autonomizam dos indivíduos no  
âmbito da divisão do trabalho. Essas relações, naturalmente, passam a só poderem ser  
expressas em termos de linguagem na forma de conceito. A crítica de Marx e Engels  
endereçada a Max Stirner aproxima-o dos políticos e juristas e explica estas ilusões  
comuns a eles, reafirmando que são as relações de produção, e não o direito, o  
verdadeiro fundamento das reais relações de propriedade:  
O fato de essas generalidades e esses conceitos serem considerados  
como forças misteriosas, é uma consequência necessária da  
autonomização das relações reais [realen], cuja expressão eles  
constituem. Além dessa validade para a consciência comum, essas  
generalidades ainda adquirem uma validade e uma conformação  
especial dos políticos e juristas, os quais, em virtude da divisão do  
trabalho, dependem do cultivo desses conceitos e veem neles, e não  
nas relações de produção, o verdadeiro fundamento de todas as reais  
[realen] relações de propriedade. (Ibid., p. 351).  
Sobre estas falas de Marx e Engels, há um interessante trabalho já escrito  
quanto à questão da posição dos juristas na divisão do trabalho e suas ilusões (Cf.  
MACHADO, 2022). Nele conclui-se, em certo momento, que os autores tratam estas  
ilusões como uma forma de estranhamento presente no direito, sendo o autor certeiro  
a respeito da classe dos juristas frente a ele:  
Um dos corolários desse estranhamento imanente ao Direito se  
expressa no fato de que seus especialistas, os juristas, tenham  
23 Nexos esses que serão melhor explorados à frente.  
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precisamente nessa determinação “geral” da lei e do direito a sua  
“mercadoria” e seu “negócio” em sua vida prática, donde fica ainda  
mais claro em que sentido os juristas são, ainda que não o saibam ou  
queiram conscientemente, os “ideólogos da propriedade privada”24: o  
são na medida em que hipostasiam as leis e relações jurídicas de sua  
base real e professam sem peias a lei como expressão (se não efetiva,  
ao menos em potência) da vontade geral e as relações jurídicas como  
resultados contingentes de vontades livres e autônomas, com o que  
simultaneamente naturalizam e glorificam as relações de produção e  
propriedade que efetivamente dão o conteúdo da lei e demais  
manifestações do direito. (MACHADO, 2022, p. 20)  
Machado percebe aí que, na medida em que partilham dessas ilusões jurídicas,  
a posição dos juristas é “uma posição no mínimo conservadora diante da realidade  
presente” (Idem). Sendo o direito um aparato que se pretende de caráter universal e  
autoengendrado, pode-se alimentar a partir dele a ilusão de que tudo pode ser feito  
e mediado por seus institutos. Acreditando que as relações jurídicas são impulsionadas  
pelas vontades livres dos indivíduos, como expressão da vontade geral, não enxergam  
as raízes que elas têm na produção da vida humana, baseada na dominação pelo  
trabalho. Assim, ainda que o jurista se considere um revolucionário, as determinações  
objetivas da lei e do direito “restringem qualquer luta neste âmbito a uma luta para  
alterar pontualmente, mas de modo algum suprimir, as condições médias de vida da  
dominação burguesa” (Idem). É claro que é necessário, assim, que a ilusão presente  
entre os juristas - e a sua insciência dela - corrobore com a função social real que essa  
classe exerce na reprodução das condições da dominação burguesa (Ibid., p. 22-23).  
Voltando à Ideologia alemã, poderemos perceber melhor este caráter conservador do  
direito e do jurista frente à realidade:  
Assim como puderam revelar o Estado como forma derivativa das organizações  
humanas no seio da divisão do trabalho, também podem Marx e Engels agora partir  
do direito, encontrando seus fundamentos materiais: para nossos autores, da mesma  
forma como o Estado aparece enquanto comunidade ilusória, dando uma  
representação autônoma aos interesses coletivos dominantes, o direito também se faz  
instrumento de dominação: “na lei, os burgueses devem fornecer uma expressão geral  
de si mesmos, precisamente porque dominam como classe” (MARX; ENGELS, 2011, p.  
77). Na lei, como no Estado, a classe que domina imprime seus interesses particulares  
como se estes fossem um interesse geral, e logo se deixam expressar enquanto classe  
nestes espaços, pois é nisto que consiste o ordenamento social que tem como  
24 Machado faz referência à jocosa expressão de Marx e Engels: “Já o jurista, o ideólogo da propriedade  
privada, ainda pode tagarelar algo nesse sentido” (MARX; ENGELS, 2011, p. 225).  
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fundamento a dominação (Ibid., p. 49). Este não é um fato que se dá pela pura  
arbitrariedade dos indivíduos dominantes, mas que se dá porque:  
A vida material dos indivíduos, que de modo algum depende de sua  
mera “vontade”, seu modo de produção e as formas de intercâmbio  
que condicionam reciprocamente são a base real do Estado e  
continuam a sê-lo em todos os níveis em que a divisão do trabalho e  
a propriedade privada ainda são necessárias, de forma inteiramente  
independente da vontade dos indivíduos. Essas condições reais de  
modo algum foram criadas pelo poder do Estado; elas são, antes, o  
poder que o cria. Os indivíduos que dominam nessas condições,  
abstraindo do fato de que seu poder deve se constituir como Estado,  
têm de conferir à sua vontade condicionada por essas condições bem  
determinadas uma expressão geral como vontade do Estado, como  
lei. (Ibid., p. 317-318).  
O que nossos autores deixam claro é que há a ilusão de que a lei se baseie na  
vontade dos indivíduos; uma vontade que, geralmente, é separada de sua base real,  
uma “vontade livre”25. A ilusão cai por terra assim que se percebe que a lei é uma  
expressão geral dos interesses dos indivíduos dominantes condicionada pela produção  
de sua vida material, seu modo de produção e as formas de intercâmbio aí conectadas.  
Não há como se falar em uma “vontade livre” nesse caso, mas em uma vontade  
condicionada pelas próprias condições de dominação no desenvolvimento da divisão  
do trabalho. O Estado não cria estas condições que se colocam na vida material dos  
indivíduos, pelo contrário, ele que é criado por elas - e é daí que vem a sua “soberania”.  
Em outras palavras: “não é o Estado que subsiste por meio da vontade dominante,  
mas o Estado que procede do modo de vida material dos indivíduos tem também a  
forma de uma vontade soberana” (Ibid., p. 318).  
Ainda sobre isso, Marx e Engels apontam que os teóricos do direito discordam  
se o poder ou a vontade é o fundamento do direito. Não é possível dizer que nossos  
autores se alinhem com alguma dessas interpretações, mas é certo que uma delas  
sintomatiza algo que eles já vinham dizendo sobre o direito a saber, a de que o  
poder do Estado deriva do “poder social” dos indivíduos cooperados: “Se o poder é  
suposto como a base do direito, como fazem Hobbes etc., então direito, lei etc. são  
apenas sintomas, expressão de outras relações nas quais se apoia o poder do Estado”  
(Ibid., p. 317).  
Da longa passagem que acabamos de trazer (Cf. MARX; ENGELS, 2011, p. 317-  
25  
Max Stirner é a quem se direcionou essa crítica, pois, em sua obra O Único e sua propriedade, ele  
teria dito que “os Estados só duram enquanto houver uma vontade dominante e essa vontade for vista  
como idêntica à vontade própria. A vontade do senhor é.… lei” (STIRNER, 2004, p. 156).  
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O direito sem história e o Estado como comunidade ilusória  
318), ainda há mais a ser dito: a vida material dos indivíduos, seu modo de produção  
e as formas de intercâmbio de um certo momento histórico são a base real do Estado  
enquanto forem necessárias a divisão do trabalho e a propriedade privada. Assim,  
existe o Estado independentemente da vontade dos indivíduos que o compõem. Para  
além disso: os elementos que compõem sua base real persistem enquanto  
necessitarem os indivíduos da divisão do trabalho e da propriedade privada que lhe  
correspondem. Enquanto não existirem condições de superá-las, os indivíduos viverão  
contrapostos de forma inescapável no seio destas relações adquiridas historicamente.  
O direito, para aqueles que dominam nestas condições e que tem seu poder  
constituído como Estado -, serve como forma de expressar a si e a seus interesses.  
Já temos delineados os fundamentos que levam os autores a crer que “o direito  
não tem uma história própria” (Ibid., p. 77). De acordo com o que vimos, embora o  
Estado e o direito tenham se autonomizado dos indivíduos no desenvolvimento das  
relações produtivas e da propriedade privada, estas esferas não estão apartadas das  
condições práticas da produção material da vida. Um olhar histórico para o direito e  
para o Estado nos leva a perceber que todo o conteúdo deles esteve sempre atrelado  
a estas últimas. Assim sendo, o direito não é capaz de nos revelar sobre um período  
histórico muito mais do que a expressão jurídica dos interesses das classes dominantes  
de um certo tempo. Ele é incapaz sozinho de direcionar o desenvolvimento de uma  
sociedade, já que isto depende de uma série de fatores práticos colocados na  
materialidade. O que é seguro dizer é que o direito tem seu desenvolvimento  
simultâneo com o da propriedade privada, e, portanto, com o desenvolvimento das  
condições de produção da vida: “sempre que, por meio do desenvolvi[mento] da  
indústria e do comércio, surgiram novas formas de [in]tercâmbio, [...] o direito foi, a  
cada vez, obrigado a admiti-las entre os modos de adquirir a propriedade” (Idem).  
Assim, para nossos autores, o direito não tem um desenvolvimento simultâneo paralelo  
às relações de propriedade, mas um desenvolvimento conectado e em relação direta  
e de obrigação com elas. Ele é, nesse caso, reconhecimento das novas formas de  
propriedade.  
Sabendo disso, são exemplificativos os fatos de que “Amalfi, a primeira cidade  
que, na Idade Média, praticou um extenso comércio marítimo, formulou também o  
direito marítimo” e de que “tão logo a indústria e o comércio desenvolveram a  
propriedade privada, primeiro na Itália e mais tarde noutros países, o desenvolvido  
direito privado romano foi imediatamente readotado e levado à posição de autoridade”  
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(Ibid., p. 76). Diferentemente do caso romano, no qual o desenvolvimento da  
propriedade privada e do direito privado não teriam gerado consequências industriais  
e comerciais pois não teria provocado também uma expansão da indústria e do  
comércio -, o que temos para o direito na época da dissolução da comunidade feudal  
é um conjunto de determinações práticas que se colocam: assim que a regulação da  
propriedade privada se ergueu necessária, vimos o direito romano ser reincorporado  
- e ressignificado, já que aqueles princípios e conceitos estavam sendo inseridos em  
um contexto histórico completamente diferente. Podemos dizer, assim, que o direito  
expressa os interesses comuns das classes dominantes de um certo período, os  
consolidando e/ou reiterando. Além disso, o desenvolvimento dele, neste último  
exemplo, tem um caráter desigual ressaltado uma vez que ele se dá em face do  
desenvolvimento da propriedade privada caso no qual o espaço de balizamento dele  
parece curto demais para falarmos em uma autodeterminação. Pelo contrário, Marx e  
Engels parecem indicar que, de fato, o direito é objeto de instrumentalização pelas  
relações de produção.  
Outro fator, ainda, chama a atenção sobre aqueles exemplos da Ideologia alemã:  
o direito tem seu desenvolvimento bem presente em um contexto em que a produção  
já coloca a cidade e o campo em oposição. Não se trata de mera coincidência, mas, de  
fato, estamos falando de um período em que a divisão do trabalho subjuga os  
indivíduos e reproduz diariamente a oposição entre eles: a oposição cidade-campo “é  
a expressão mais crassa da subsunção do indivíduo à divisão do trabalho, a uma  
atividade determinada, a ele imposta uma subsunção que transforma uns em  
limitados animais urbanos, outros em limitados animais rurais” (Ibid., p. 52). É certo  
que falamos de uma oposição que só pode existir no interior da propriedade privada  
e que cria sua própria administração: “Com a cidade surge, ao mesmo tempo, a  
necessidade da administração, da polícia, dos impostos etc., em uma palavra, a  
necessidade da organização comunitária e, desse modo, da política em geral” (Idem).  
Este é um processo colocado em marcha pela autonomização do “poder social” dos  
indivíduos cooperados, projeto no qual o direito tem um papel de viabilização dos  
interesses “gerais” dominantes. Sendo inegável que a marca da oposição entre campo  
e cidade seja o desenvolvimento unilateral dos indivíduos, que, na expressão de Marx  
e Engels, se tornam limitados animais urbanos e rurais, “a superação da oposição entre  
cidade e campo é uma das primeiras condições da comunidade” (Idem). Para que ela  
se realize, porém, dizem os autores haver uma série de “pressupostos materiais” a  
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O direito sem história e o Estado como comunidade ilusória  
serem satisfeitos, bem como há consequências: o desaparecimento das bases dessa  
oposição a saber, da divisão do trabalho, da propriedade privada, do direito, do  
Estado, da política, da apropriação unilateral das forças produtivas etc. Para saber mais  
sobre a oposição cidade-campo como colocada pelos autores na Ideologia alemã,  
conferir Barboza Filho (Cf. 2022) e Sartori (Cf. 2023).  
Voltando às bases materiais do direito, é possível perceber a partir da evolução  
histórica do poder dos tribunais processo marcado pela lamúria dos feudalistas em  
relação à evolução do direito26 - o quanto as condições jurídicas estão associadas ao  
desenvolvimento do “poder social” oriundo da divisão do trabalho:  
Exatamente na época entre o domínio da aristocracia e o da burguesia,  
quando colidiram os interesses de duas classes, quando o intercâmbio  
comercial entre as nações europeias começou a ganhar importância e,  
em consequência, a própria relação internacional assumiu um caráter  
burguês, o poder dos tribunais começou a ter mais relevância,  
chegando ao seu ápice sob o domínio burguês, para o qual essa  
divisão consumada do trabalho é incontornavelmente necessária.  
(Ibid., p. 331).  
No período de dissolução da sociedade feudal, tiveram os comerciantes um  
papel fundamental. A especialização de uma classe comerciante possibilitou uma maior  
ligação entre as cidades e uma separação entre produção e comércio27. Rompida com  
a limitação local, a produção operada pelos homens está cada vez mais conectada e,  
assim, fica evidente a dependência multifacetada dos indivíduos nessa “forma natural  
de cooperação histórico-mundial” (Ibid., p. 41). É neste momento, de já avançado  
desenvolvimento da divisão social do trabalho, que começa a burguesia a ganhar um  
certo poder; não porque domina a máquina estatal isso só ocorreria mais tarde -,  
26 A referência de Marx e Engels neste assunto, apontada em nota, é o historiador Amans Alexis-Monteil,  
de quem podemos encontrar coisas como: “Y a-t-il rien de plus bizarre qu’um magistrat qui, em hiver,  
juge les différends des citoyens, est gardien de leurs droits respectifs et qui, em été, va dans la  
campagne ennemie butiner, ravager, incendier ? Qui, en hiver, tient suspendu le glaive de la justice sur  
la tête de l’accusé qu’on amène pieds et poings liés devant son tribunal, et qui, en été, prend sa plus  
longue épée, va s’en escrimer à tort et à travers sur les champs de bataille, où tantôt il frappe et tantôt  
il est frappé ? [...] Répondez-moi encore, Messires ; pensez-vous que des gend’armes qui ne savent rien  
soient bien heureux d’être conseillés par des conseillers savants ? Pensez-vous aussi que des conseillers  
savants soient bien heureux de conseiller des gend’armes qui ne savent rien, qui ne sont pas même en  
état de recevoir leus conseils ? Soyez sûrs que dans ces cours de bailliage, de sénéchaussée, où la  
science en robe longue, en chaperon est présidée par l’ignorance en robe courte, en épée, personne  
n’est heureux” (MONTEIL, 1848, p. 285-286).  
27  
“Com o comércio constituído numa classe especial, com a expansão do comércio por meio dos  
comerciantes para além dos arredores mais próximos da cidade, surgiu prontamente uma ação recíproca  
entre a produção e o comércio. As cidades estabeleceram ligação umas com as outras, novas  
ferramentas formam levadas de uma cidade para outra e a separação entre produção e comércio  
provocou rapidamente uma nova divisão da produção entre as diversas cidades, que passaram cada  
qual a explorar um ramo industrial predominante. A limitação inicial à localidade começou gradualmente  
a desaparecer” (MARX; ENGELS, 2011, p. 54-55).  
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mas porque domina a produção, que neste momento cresce incontornavelmente. Passa  
ela a imprimir seus interesses no comércio internacional e na jurisprudência, já que é  
protagonista nestas demandas. A chegada ao poder do Estado marca apenas a  
consumação dessa divisão do trabalho, que é profundamente necessária ao domínio  
burguês.  
Assim sendo, fica delimitado o local do jurista no seio da divisão do trabalho  
baseada na propriedade privada, e a história que o direito tem está completamente  
subsumida à história do conjunto dessas relações produtivas; de forma que “é  
totalmente indiferente o que os servos da divisão do trabalho, os juízes, e até mesmo  
os professores juris [professores da ciência jurídica] imaginam sobre isso” (Ibid., p.  
331). Trata-se de um domínio que não pode ser parado por um simples decreto de  
Estado ou por um mando judicial: falamos de um domínio que nasce das próprias  
condições organizativas da produção da vida humana. Marx e Engels percebem que  
os poderes de fato que surgem da divisão do trabalho não podem ser convertidos  
arbitrariamente no poder pessoal de alguém por meio do direito28, pois a história dele  
próprio está imbricada com o desenvolvimento desses poderes. Historicamente  
enraizado nas condições práticas colocadas pela divisão do trabalho, se coloca como  
instrumento a elas necessário e delas dependente enquanto não puderem ser ambos  
superados. Da esfera subjetiva, toda apologética que se possa fazer do direito  
enquanto motor ativo da sociedade se mostra improlífera e diz mais sobre como a  
classe dos juristas enxerga a si própria do que sobre a efetiva manifestação dele na  
história.  
A ciência da história: uma maneira de concluir  
Há um célebre trecho n’A ideologia alemã que trata da história a saber, aquele  
em que Marx e Engels declarariam: “Conhecemos uma única ciência, a ciência da  
história” (Ibid., p. 86-87). Eles anunciariam na passagem seguinte uma história da  
natureza e uma história dos homens, que, enquanto existirem homens, sempre se  
28 Contra Max Stirner: “Para ele, trata-se tão somente das designações, pois a coisa mesma ele não toca,  
já que não conhece as condições reais sobre as quais se apoiam essas diversas formas do direito e na  
expressão jurídica das relações de classe só consegue vislumbrar as designações idealizadas daquelas  
condições bárbaras. [...]. Em última instância, portanto, São Sancho [Stirner] chega, uma vez mais, apenas  
ao impotente mandamento moral de que cada Um deve buscar satisfação para si mesmo e aplicar penas  
a si mesmo. Ele acredita em Dom Quixote quando este lhe diz que, por meio de um simples mandamento  
moral, pode sem mais nem menos transformar os poderes de fato que surgem da divisão do trabalho  
em poderes pessoais” (MARX; ENGELS, 2011, p. 331).  
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condicionarão reciprocamente (Idem). Embora confirmem que os dois lados não  
possam ser separados, o restante do trecho anunciaria algo sobre as intenções de  
Marx e de Engels [vai abaixo a passagem completa]:  
Conhecemos uma única ciência, a ciência da história [Wissenschaft der  
Geschichte]. A história pode ser examinada de dois lados, dividida em  
história da natureza [Geschichte der Natur] e história dos homens  
[Geschichte der Menschen]. Os dois lados não podem, no entanto, ser  
separados; enquanto existirem homens, história da natureza e história  
dos homens se condicionarão reciprocamente. A história da natureza,  
a assim chamada ciência natural [Naturwissenschaft], não nos diz  
respeito aqui; mas, quanto à história dos homens, será preciso  
examiná-la, pois quase toda a ideologia se reduz ou a uma concepção  
distorcida dessa história ou a uma abstração dela. A ideologia, ela  
mesma, é apenas um dos lados dessa história. (Idem).  
Faz-se importante pontuar que os manuscritos deixados por Marx e Engels são  
cadernos cujas folhas se encontram divididas em duas colunas: na esquerda vai o texto,  
na direita as anotações deles. O trecho acima, embora muitas vezes publicado como  
parte do texto integral, se inclui na coluna destra (Cf. ENDERLE, 2011, p. 19; Cf. MARX;  
ENGELS, 1970, p. 567). É, certamente, tortuoso afirmar contundentemente sobre  
trechos que os autores suprimiram, especialmente em se tratando de um conjunto de  
rascunhos não editorados e não publicados em vida. Mais irresponsável seria utilizar  
as passagens como máximas, sem as devidas mediações. Tomando os devidos  
cuidados, veremos o que este trecho nos diz sobre o que vimos hoje:  
Parte-se da inseparabilidade entre “história da natureza” e “história dos  
homens”. Evitando a oposição entre ambas, nos aproximamos de uma concepção pela  
qual a “história dos homens” é diretamente relacionada com a interação destes homens  
com a natureza, que integra a base real dessa história (Cf. MARX; ENGELS, 2011, p.  
43-44). Schmidt identifica que estas duas frentes formam uma unidade diferenciada,  
sem deixar que uma se funde na outra29 (SCHMIDT, 1971, p. 45). Defendem Marx e  
Engels, assim, uma atividade sensível, na qual se compreende os homens em suas  
contínuas interações entre si e com o meio que os cerca, na produção de sua vida  
material imediata.  
Se temos o foco nestas interações na materialidade, fica claro que Marx e Engels  
não tratam a questão histórica como algo que se engendra de um processo de  
consciência do indivíduo. Sobre isso, eles são enfáticos que, “desde o início, portanto,  
29 “Natural and human history together constitute for Marx a differentiated unity. Thus human history is  
not merged in pure natural history; natural history is not merged in human history” (SCHMIDT, 1971, p.  
45).  
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a consciência já é um produto social e continuará sendo enquanto existirem homens”  
(MARX; ENGELS, 2011, p. 35). A consciência, para além de seu atravessamento natural,  
se desenvolve na medida em que os indivíduos se associam e melhoram as condições  
de produção de suas vidas30; e, como a melhoria destas condições é necessariamente  
concebida enquanto resultado da associação dos indivíduos no trabalho, então a  
sociabilidade é entendida como condição de possibilidade do pensamento (VAISMAN,  
1996, p. 187). Assim sendo, os elementos mais determinantes para a história estão  
nestas condições práticas que se colocam aos indivíduos para satisfação de suas  
necessidades - não no produto da consciência humana frente a elas. Como vimos, estas  
condições, enquanto frutos da interação sensível entre homens e natureza  
reciprocamente, se encontram sempre alteradas a cada geração que sucede.  
Se tal concepção da história não admite um devir já que é multideterminada  
por condições práticas e imediatas operadas pelos homens e pelo seu meio, sem  
regras fixas -, também é difícil dizer que admita etapismos ou um caminhar mecânico.  
Permanece curioso, assim, o fato de que a passagem célebre que comentamos fale em  
uma “ciência da história” [Wissenschaft der Geschichte]: destoa da reivindicação de tal  
ciência a ausência, nos manuscritos, de direcionamentos teóricos-metodológicos da  
forma como operam as ciências para a análise histórica. Aliás, todos os outros trechos  
do manuscrito falam apenas em concepção - ou visão - da história  
[Geschichtsauffassung], e não em ciência. Mas, se dela for o caso, tal ciência parece se  
mover de forma peculiar, e não por meio de uma “arrumação operativa” da  
subjetividade acompanhada de procedimentos ditos científicos31. Pelo contrário, Marx  
e Engels fazem a crítica desta postura, anunciando que sua concepção de história não  
necessita:  
... de explicar a práxis partindo da ideia, mas de explicar as formações  
ideais a partir da práxis material e chegar, com isso, ao resultado de  
que todas as formas e [todos os] produtos da consciência não podem  
30 “Essa consciência de carneiro ou consciência tribal obtém seu desenvolvimento e seu aperfeiçoamento  
ulteriores por meio da produtividade aumentada, do incremento das necessidades e do aumento da  
população, que é a base dos dois primeiros” (MARX; ENGELS, 2011, p. 35).  
31  
O professor José Chasin parece resumir bem àquilo que nos referimos: “Se por método se entende  
uma arrumação operativa, a priori, da subjetividade consubstanciada por um conjunto normativo de  
procedimentos, ditos científicos, com os quais o investigador deve levar a cabo seu trabalho, então, não  
há método em Marx. Em adjacência, se todo método pressupõe um fundamento gnosiológico, ou seja,  
uma teoria autônoma das faculdades humanas cognitivas, preliminarmente estabelecida, que sustente  
ao menos parcialmente a possibilidade do conhecimento, ou, então, se envolve e tem por compreendido  
um modus operandi universal da racionalidade, não há, igualmente, um problema do conhecimento na  
reflexão marxiana. E essa inexistência de método e gnosiologia não representa uma lacuna” (CHASIN,  
2009, p. 89).  
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ser dissolvidos por obra da crítica espiritual, [...], mas apenas pela  
demolição prática das relações sociais reais de onde provêm essas  
enganações idealistas. (MARX; ENGELS, 2011, p. 43).  
Chegamos a um ponto de encontro com o que nos resta analisar da passagem  
célebre: Marx e Engels compreendem a necessidade de adotar uma visão crítica da  
historiografia, pois é na medida em que ela é idealizada que nos aproximamos de uma  
abstração ou de uma distorção, propriamente, da história real32. Se abstraímos da  
história o seu conteúdo real, que é dado pelas condições materiais e práticas da  
produção da vida humana, chegamos a uma representação deste processo que é  
encaminhado por conceitos demasiado abstratos e unilaterais. A dupla nos ensina que,  
com isso, não nos aproximamos de explicar o objeto histórico; pelo contrário,  
passamos a crer que um processo que se realiza na interação sensível - pelos homens  
entre si e com seu meio é encaminhado por um conjunto de ideias derivadas de uma  
ou algumas esferas da socialização humana. Contra esse equívoco, os autores deixam  
o aviso: “A ideologia, ela mesma, é apenas um dos lados dessa história” (Ibid., p. 87);  
de forma que não se pode admitir uma história do direito ou do Estado apartada das  
outras condições de produção da vida humana, pois formam um todo diferenciado as  
formas ideológicas e todos os pressupostos materiais dados tanto pela natureza  
quanto pela sociedade que aí incidem. Resume bem o que queremos dizer a  
professora Ester Vaisman, ao constatar que “O caráter determinante da vida, de um  
lado, e o determinado da consciência, de outro, suprimem a possibilidade da existência  
de uma história ideal independente da história realmente constituída pelos indivíduos  
em seu meio material” (VAISMAN, 1996, p. 151).  
Não parece estar em jogo aqui uma noção de ideologia enquanto falseamento  
ou falsa-consciência, mas sim uma reafirmação da determinação social do pensamento  
(Cf. VAISMAN, 1996). Quanto mais nos aproximamos dos reais determinantes da  
produção da vida humana, mais percebemos a incompletude das formas ideológicas  
de consciência e dos conceitos enquanto narradores da história. Se desenvolvemos o  
processo real de produção a partir da produção material da vida imediata, concebendo  
a forma de intercâmbio conectada a esse modo de produção por ele engendrada,  
explicando a partir disso o conjunto das diferentes criações teóricas e formas de  
32 Acreditamos estar correta a professora Ester Vaisman ao notar que “na obra em questão [A ideologia  
alemã], o termo ideologia se refere categoricamente à filosofia especulativa neohegeliana” (VAISMAN,  
1996, p. 152) e que “’idealismo’ e ‘ideologia’ são empregados explicitamente como equivalentes,  
designando procedimentos de caráter especulativo” (VAISMAN, 1996, p. 146).  
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consciência, então somos capazes de apresentar nosso objeto na totalidade (MARX;  
ENGELS, 2011, p. 42). Neste processo, percebemos que o homem e a sua consciência  
não podem ser separados da natureza, uma vez que “a capacidade do homem de  
pensar é um produto da natureza e da história” (SCHMIDT, 1971, p. 31)33. Entendendo  
a relação sensível que o homem tem com o seu entorno, passamos a compreendê-lo  
não somente como agente movente, mas também como agente movido. Marx e Engels,  
assim, despem as formas ideais de consciência: tornando evidentes as origens e  
determinantes materiais colocadas historicamente para elas, descem nuas do pedestal  
de demiurgos do processo histórico.  
Isto não impede, contudo, que os juristas e políticos acreditem que as esferas  
do direito e do Estado estejam conduzindo a história, dissolvendo todo o caráter  
político e burguês que ali reside em uma história das leis e dos príncipes (MARX;  
ENGELS, 2011, p. 319). Já sabemos como essas narrativas são possíveis uma vez que  
o direito e o Estado têm seus fundamentos nas condições práticas de produção da  
vida material. Não se pode esquecer, porém, que representam unilateral e  
ilusoriamente os verdadeiros interesses colocados dentro desse processo: “a ideologia  
[...] é apenas um dos lados dessa história” (Ibid., p. 87). Marx e Engels ensinam que  
tais representações ilusórias só podem se concretizar com a autonomização das  
relações de produção, pois é a partir do momento em que a divisão do trabalho se dá  
consumada que “a consciência pode realmente imaginar ser outra coisa diferente da  
consciência da práxis existente, representar algo realmente sem representar algo real”  
(Ibid., p. 35). Ainda assim, teríamos uma resposta incompleta se disséssemos que as  
ilusões criadas pelos juristas são resultado de mero equívoco: elas têm uma função  
social real na lógica de dominação dada pela divisão do trabalho baseada na  
propriedade privada e reproduzem diariamente as condições dessa dominação.  
Portanto, concordamos com Machado que, “longe de ser uma distorção mental de  
indivíduos, a ilusão dos juristas é ilusão necessária e determinada objetivamente pela  
natureza mesma de seu ofício e pela mercadoria com a qual trabalha” (MACHADO,  
2022, p. 16).  
Todo o esforço empregado por Marx e Engels no ponteio da produção da vida  
material imediata, percebendo as formas ideológicas de consciência como parte  
determinada pelas condições dessa produção, tem um arremate prático: todos estes  
33 Nature cannot be separated from man; man and the accomplishments of his spirit cannot be  
separated from nature. Man’s capacity for thought is a product of nature and history”.  
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produtos da consciência não podem ser superados apenas tirando-os da cabeça ou  
criticando-os; antes, a superação deles depende da demolição prática das relações  
sociais que lhes dão origem (MARX; ENGELS, 2011, p. 43). Há ao fim de tudo a  
constatação de que, se se considera que as classes estão contrapostas na concorrência:  
... enquanto as forças produtivas não tiverem se desenvolvido a ponto  
de tornar supérflua a concorrência e, por essa razão, reiteradamente  
provocarem a concorrência, as classes dominadas quererão algo  
impossível se tiverem a “vontade” de eliminar a concorrência e, junto  
com ela, Estado e lei. (Ibid., p. 318).  
A ironia é clara: a existência da lei e do Estado em nada depende da vontade dos  
indivíduos em especial, das classes dominadas (Idem), mas depende das condições  
pelas quais a produção da vida humana se dá, baseada na propriedade privada e na  
divisão do trabalho. Se estas condições ditam um jogo de dominação entre classes  
distintas, a superação desse quadro também não se torna possível pela simples  
vontade da classe dominada, mas apenas com um revolucionamento que desenvolve  
e apodera os homens dessas forças produtivas, tornando supérfluas as condições de  
dominação. Com isso, não apenas se nega a possibilidade de se ditar a história por  
meio do direito ou pela mera vontade, mas também reiteram os autores a necessidade  
de se alterar as condições de produção, pois nelas residem os reais determinantes da  
história humana. Marx e Engels não se contentam, assim, com a mera constatação de  
um Estado enquanto comunidade ilusória e de um “direito sem história”; eles acabam  
por perceber a incompletude que existe nestas formas ideológicas de consciência. A  
11ª tese de Marx contra Feuerbach resume bem sua posição: “os filósofos apenas  
interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo” (MARX,  
2011, p. 535). Se as formas ideológicas são constatadas enquanto unilaterais frente  
ao todo histórico, igualmente não é por meio delas que se quer nele interferir: antes,  
há que se abrir mão de todos os pressupostos materiais que dão base a elas não só  
o Estado e o direito, mas também a divisão do trabalho, a propriedade privada, a  
oposição cidade-campo, as classes etc.  
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Como citar:  
BARBOZA FILHO, Edmundo. O direito sem história e o Estado como comunidade  
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