DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.707  
O papel do terreno jurídico na Prússia  
revolucionária: uma análise da função ideológica  
do direito nos escritos marxianos da Nova Gazeta  
Renana  
The role of the legal terrain in revolutionary Prussia: an  
analysis of the ideological function of law in the Marxian  
writings of the New Rhenish Gazette  
José Roberto Almeida Sales Júnior*  
Resumo: O presente artigo tem como objetivo  
discutir o papel do direito na Prússia na  
Revolução de 1848 tendo os escritos de Marx na  
Nova Gazeta Renana como referência. Busca-se  
com isso um delineamento de qual teria sido a  
função do terreno jurídico para o autor alemão  
no período em questão e os seus reflexos  
posteriores para a formação do capitalismo  
prussiano tendo como base seus escritos  
jornalísticos do período.  
Abstract: The present paper has the aim of  
discussing the role of law in the 1848  
Revolution occurred in Prussia having the works  
of Marx in the Neue Reinisch Zeitung as the  
frame of reference. The objective of the present  
work is to underscore the function of the  
Prussian legal basis for the German writer within  
the chosen timeframe and its repercussions on  
the development of Prussian capitalism, having  
his journalistic texts of the time as research  
material.  
Palavras-chave: Marx; Nova Gazeta Renana;  
direito;  
Capitalismo; Via prussiana.  
Terreno  
jurídico;  
Revolução;  
Keywords: Marx, Neue Reinische Zeitung; Law;  
Legal basis; Revolution; Capitalism; Prussian  
path to capitalism.  
O presente artigo tem como objetivo expor a visão de Marx sobre o papel do  
que ele denominava como “terreno do direito” (utilizado de forma intercambiável com  
“direito” no presente texto1) na Revolução de 1848 a partir dos textos da Neue  
Reinisch Zeitung (Nova Gazeta Renana, em tradução livre, a partir daqui referenciada  
como NGR)2. A partir disso pretende-se concluir se e de que maneira e extensão o  
*
Graduado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail:  
1
Marx usa a expressão “terreno do direito” entre aspas de forma irônica em alguns textos ou trechos  
da Nova Gazeta Renana, notadamente ao comentar a teoria ententista de Camphausen, exposta  
posteriormente. Entretanto, em diversos outros excertos ele a utiliza de forma intercambiável com  
“direito”, opção aqui realizada para retomar a sua terminologia.  
2
Trata-se de estudo desenvolvido em sede de dissertação de mestrado denominada “O direito como  
“freio irracional” na formação do capitalismo na Prússia revolucionária: a analítica marxiana do território  
jurídico na Nova Gazeta Renana” realizado por José Roberto Almeida Sales Júnior no Programa de Pós-  
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O papel do terreno jurídico na Prússia revolucionária  
direito teria exercido influência na formação do capitalismo prussiano para o autor  
renano, uma vez que o destino da malsucedida Revolução de 1848 significou uma  
implantação incompleta do projeto burguês ali e nos estados alemães, incidindo  
decisivamente na forma que o capitalismo viria a assumir na futura Alemanha unificada,  
caracterizando a chamada via prussiana de formação do capitalismo, distinta da via  
clássica observada em França e na Inglaterra.  
Para dar conta dessa empreitada, optou-se pela utilização da análise imanente  
dos textos marxianos. Com isso, buscou-se uma penetração profunda nas palavras do  
próprio Marx para tentar extrair dali a sua percepção dos fenômenos históricos que se  
desenrolavam em seu tempo, utilizando-se da visão do autor renano para poder  
observar de que forma o direito teria influenciado na Revolução de 1848 e os  
desdobramentos disso no futuro desenho institucional da Prússia e,  
consequentemente, da Alemanha, e de que forma tal arcabouço institucional teria  
interagido com o capitalismo alemão.  
A análise imanente caracteriza-se como uma postura investigativa defendida  
pelo filósofo J. Chasin que pregava pelo mergulho dentro do texto marxiano, sem se  
perder em abstrações ideais por parte do investigador. Com isso seria buscada a  
objetividade contida no texto original de Marx, desvendo a lógica do real presente nos  
seus escritos, sem perder de vista os problemas que a forma escrita traz por também  
ser uma abstração ideal3.  
Essa postura busca afastar os condicionamentos prévios do intérprete da obra  
marxiana ao erigir como horizonte interpretativo o fato de a obra do autor renano ser  
algo novo no desenvolvimento da filosofia, inaugurando um momento que encarava a  
concretude da materialidade na sua complexidade ontológica em vez de submeter o  
concreto à lógica de formações ideais prévias, desnudando a estrutura operativa  
mesma de funcionamento do real (CHASIN, 2009, p. 27).  
Defende-se então o respeito estrito ao texto marxiano como balizador  
fundamental da descoberta da lógica de operação do direito no período em questão.  
Esse esforço metodológico, por sua vez, demanda uma análise sistemática que exaure  
Graduação em Direito e Inovação da Universidade Federal de Juiz de Fora.  
3
[...] a postura analítica deve propender ao compromisso com a solidez dos vigamentos que  
caracterizam a chamada análise imanente ou estrutural. Tal análise, na melhor tradição reflexiva, encara  
o texto - a formação ideal - em sua consistência autossignificativa aí compreendida toda a grade de  
vetores que o conformam, tanto positivos como negativos: o conjunto de suas afirmações, conexões e  
suficiências, como também as eventuais lacunas e incongruências que o perfaçam. (CHASIN, 2009, p.  
25, grifos do autor).  
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do texto esses nexos lógicos. Por isso, tal esforço exige um quadro de investigação  
complexo e extenso, de forma a reproduzir, na medida do possível, a totalidade das  
interações sociais da época de acordo com a ótica do autor renano.  
Ainda esclarecemos que o terreno jurídico ou o direito será analisado na sua  
função ideológica, aqui partindo-se de uma concepção ontoprática de ideologia. Com  
origem na obra de Lukács, a leitura do direito na sua função ideológica ontoprática,  
caracteriza-o como complexo social apto a orientar o desenvolvimento social numa  
direção específica4, dando materialidade organizativa favorável a um dos lados de um  
conflito social, no caso em análise, no conflito entre as classes burguesa, aristocrata,  
operária e camponesa da Prússia na época. Distante da mera concepção gnosiológica  
que equipara ideologia com uma “falsa consciência”, entende-se então o direito como  
ideologia numa acepção que baliza a sua atuação material, concreta, destacando o seu  
efeito real sobre o embate entre as classes sociais destacadas e o seu desfecho, de  
forma a deixarem expostas as preferências e associações de classe dos operadores do  
direito no mundo concreto, desnudando assim a lógica de atuação efetiva do terreno  
jurídico no mundo social:  
Na análise da ideologia do direito, o critério válido é, portanto, a  
verificação se, mesmo que falso, o seu ser-precisamente-assim é capaz  
de desempenhar uma função de regulação e ordenação da vida  
socioeconômica de forma eficiente. (VAISMAN, 2010, p. 53).  
Percebe-se então que a análise imanente é uma ferramenta apta a encarar o  
estudo da função do direito na função ideológica. Na medida em que o estudo do  
direito como ideologia importa no esclarecimento do seu papel histórico concreto  
dentro da interlocução entre os setores sociais, tendo o econômico como eixo  
articulador, a análise imanente do texto marxiano auxilia no esclarecimento da lógica  
operativa própria desse setor no caso específico da investigação da Revolução de  
1848 e o nascimento do capitalismo prussiano. Ao subsidiar o pesquisador com um  
ferramental rigoroso de análise dos textos marxianos para extração do panorama  
histórico das articulações dos setores sociais concretos que compunham a  
sociabilidade no período revolucionário, a análise imanente permite então que seja  
4 Na medida em que o ser social exerce uma determinação sobre todas as manifestações e expressões  
humanas, qualquer reação, ou seja, qualquer resposta que os homens venham a formular, em relação  
aos problemas postos pelo seu ambiente econômico-social, pode, ao orientar a prática social, ao  
conscientizá-la e operacionalizá-la, tornar-se ideologia. Ou seja, ser ideologia não é um atributo  
específico desta ou daquela expressão humana, mas, qualquer uma, dependendo das circunstâncias,  
pode se tornar ideologia. (VAISMAN, 2010, p. 50).  
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exposta a lógica operativa real do direito na sua aplicação prática pela burocracia  
prussiana através dos relatos de Marx, em detrimento de uma análise puramente  
ideológica sobre os diplomas ou teorias legais da época5. Ressalta-se apenas que, em  
virtude das limitações do formato artigo6, a apresentação do resultado da pesquisa  
desenvolvida será focada nos principais pontos levantados pela investigação realizada.  
Assim, quando se fala em analisar o direito e seu papel na formação do  
capitalismo prussiano, pretende-se não apenas uma análise do direito encarado como  
ciência teórica cujo objeto de estudo são os pronunciamentos estatais gerais e  
abstratos, mas também a função e forma práticas do terreno jurídico no meio social, a  
forma como os operadores jurídicos agem na realidade material concreta7. Apenas  
dessa maneira será possível uma apreensão global do fenômeno jurídico nas suas  
diversas articulações como o meio social, em que a prioridade ontológica do fenômeno  
econômico não encapsula o direito de forma separada das outras esferas sociais, mas  
serve como eixo articulador desse substrato material com o próprio terreno jurídico,  
bem como desse último com os outros setores sociais, abrangendo uma totalidade de  
interações recíprocas que perfazem o meio social8.  
O recurso ao texto jornalístico, inclusive, embora tenha as suas limitações (que  
serão abordadas posteriormente), também favorece essa concepção na medida em  
que, além de deixar resplandecer as observações do Marx enquanto teórico abstrato,  
também permite que o autor renano desenvolva as suas observações acompanhando  
o desenrolar dos fatos, atuando quase como historiador9. Isso fornece ao pesquisador  
5
Por análise imanente, portanto, não se compreende o estudo que confere ao produto ideológico  
explícito, origem e desenvolvimento imanente ao próprio campo das ideologias. Isso equivale a dizer  
que as ideologias, como todas as manifestações superestruturais, não possuem uma história autônoma,  
mas esta sua condição de dependência genética das forças motrizes de ordem primária não implica que  
elas não se constituam em entidades específicas, com características próprias em cada caso, que cabe  
descrever numa investigação concreta que respeite a trama interna de suas articulações, de modo que  
fique revelado objetivamente seu perfil de conteúdos e a forma pela qual eles se estruturam e afirmam.  
(CHASIN, 1978, p. 77).  
6
Para maiores informações sobre o método de análise (análise imanente) e o objeto (direito na sua  
função ideológica) da pesquisa que embasou o presente artigo cf. SALES JÚNIOR, 2018, p. 15-25.  
7 Marx, inclusive, ao defender a NGR da perseguição judicial sofrida pelo jornal em função do seu papel  
no contexto revolucionário, comentava sobre a relação entre burocracia judiciária e poder soberano  
real, numa acepção aproximativa com o conceito aqui utilizado para orientar a pesquisa: “Se, em um  
discurso, “incito ao armamento contra o poder soberano”, não é evidente que incito à “resistência  
violenta contra funcionários”? A existência do poder soberano é justamente seus funcionários, exército,  
administração, juízes. Abstraído deste seu corpo ele [o poder soberano] é uma sombra, uma ilusão, um  
nome. (MARX, 2010h, p. 482, grifos do autor e comentário nosso).  
8
Para maiores considerações sobre o direito como ideologia a partir de uma perspectiva ontoprática  
cf. VAISMAN, 2010, p. 41-64.  
9
Embora o foco no presente texto seja uma parcela da história prussiana que possa ser enquadrada  
como história do direito, importa salientar que os escritos de Marx na NGR englobam uma miríade de  
assuntos que não se limitam ao direito da época.  
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a oportunidade de ter em Marx uma testemunha da época gerando um relato de  
primeira mão sobre acontecimentos históricos do período analisado, bem como  
imprimindo o seu olhar teórico ao observado, formando um quadro analítico rico no  
qual o autor alemão descreve os acontecimentos aplicando e formando entendimentos  
que, em maior ou menor maturação, fariam parte do seu horizonte intelectual.  
Tendo, portanto, esses dois eixos articuladores, a análise imanente do texto  
marxiano bem como o objetivo de dele extrair a função ideológica do direito na  
Revolução de 1848 na Prússia, tem-se delimitado o objeto e o modo de investigação.  
Já o objetivo, como ressaltado, será a busca por compreender qual teria sido o papel  
do terreno jurídico nesse período e, a partir disso, se e em que medida ele teria  
influenciado a formação do capitalismo alemão, especialmente no que tange às suas  
particularidades.  
Para fazer jus a proposta apresentada, primeiro será exposta a maneira como  
Marx encarava, no momento dos textos da NGR, a relação entre direito e sociedade.  
Após será mostrado um breve resumo sobre o desenrolar dos fatos históricos da  
Revolução de 1848 até o golpe que a derrubou. Por fim, será mostrado o desenho  
institucional jurídico pensado para a Prússia no período pós-1848 pela aristocracia  
feudal, de forma a se encaminhar para uma conclusão a partir da análise da função  
concreta do direito, indicando por fim o que foi possível extrair dos textos marxianos  
sobre o papel do terreno jurídico na formação da via prussiana do capitalismo.  
Direito e sociedade na NGR  
Especificamente sobre a relação geral entre direito e sociedade, os escritos da  
NGR trazem uma posição de Marx bastante concisa, porém clara, sobre o tema. Importa  
então destacá-la uma vez que ela vai ao encontro da linha adotada no presente artigo,  
justificando a interação entre o terreno jurídico e o desenvolvimento dos modos de  
produção em uma sociedade específica, abordando como o direito em especial pode  
favorecer ou obstaculizar esse desenvolvimento.  
Ao defender o Comitê Distrital dos Democratas Renanos em relação à  
perseguição jurídica sofrida por este último10, Marx profere um longo discurso,  
reproduzido no jornal, no qual ele questiona a legitimidade da legislação eleitoral  
produzida pela Dieta Unificada. Marx argumentava que esse corpo legislativo, formado  
10 Para maiores detalhes cf. MARX, 2010k, p. 459-475 ou SALES JÚNIOR, 2018, p. 261-276.  
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por latifundiários, representava uma forma de organização social em vias de superação  
e transformação, sendo confrontada por um novo modo de vida, a organização  
burguesa da sociedade:  
O modo de vida, de produção, de ocupação desses senhores já  
mostra, portanto, a mentira de suas tradicionais e pomposas ilusões.  
A propriedade fundiária como elemento social dominante pressupõe  
o modo de produção e de troca medieval. A Dieta Unificada  
representava esse modo de produção e de troca medieval, que há  
muito cessara de existir, e cujos representantes, por mais que se  
apeguem aos velhos privilégios, igualmente desfrutam e exploram as  
vantagens da nova sociedade. (MARX, 2010k, p. 462, grifo do autor)  
A revolução de 1848, por sua vez, teria significado a negação e superação  
desse modelo de sociedade11, não sendo possível que a Dieta Unificada tivesse  
legitimidade para embasar o novo direito que surgiria após a revolução pois ela  
representava apenas:  
A defesa de leis pertencentes a uma época social passada, elaboradas  
por representantes de interesses sociais decadentes ou declinantes,  
portanto apenas a elevação a lei destes interesses que estão em  
contradição com as necessidades gerais. (MARX, 2010k, p. 463).  
Com isso, o Marx da NGR defendia que o terreno jurídico de uma determinada  
sociedade tivesse como embasamento a sua forma própria de sociabilidade. Assim,  
não era o direito o ponto originário de uma sociedade, não era o terreno jurídico o  
responsável por estruturar a forma específica de uma dada sociedade, mas sim a  
vivência concreta dos cidadãos na materialidade das suas relações sociais,  
particularmente as atinentes ao seu modo de produção específico, que deveria ditar  
os rumos de conformação do direito às suas necessidades sociais:  
Mas a sociedade não se baseia na lei. Isso é uma ilusão jurídica. Ao  
contrário, a lei deve basear-se na sociedade, deve ser expressão de  
seus interesses e necessidades comuns, resultantes do modo de  
produção material atual, contra o arbítrio do indivíduo isolado. (MARX,  
2010k, p. 463, negritos nossos).  
Como exemplo dessa situação, Marx retoma o Code Napoléon12 francês,  
11  
A sociedade nova, burguesa, apoiada em fundamentos totalmente diferentes, em um modo de  
produção transformado, precisava apoderar-se também do poder; precisava arrebatá-lo das mãos que  
representavam os interesses da sociedade declinante, um poder político cuja organização inteira  
resultara de relações sociais materiais muito diferentes. Daí a revolução. A revolução foi, por isso,  
dirigida igualmente contra a monarquia absoluta, a expressão política mais alta da velha sociedade, e  
contra a representação estamental, que representava uma ordem social há muito negada pela indústria  
moderna, ou no máximo as ruínas ainda arrogantes de estamentos a cada dia mais superados pela  
sociedade burguesa, empurrados para o segundo plano, dissolvidos. (MARX, 2010k, p. 462-463, grifos  
do autor).  
12 O Code Napoléon foi instituído na região do Reno após a sua conquista por Napoleão. Representava  
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conjunto de leis promulgadas em França para atender aos interesses burgueses. Ali  
era visível que a alteração social engendrada pela ascensão do modo de produção  
burguês determinou a criação de uma nova legislação apta a satisfazer as necessidades  
desse novo modelo produtivo. Futuramente, cessando a predominância desse modelo,  
tal legislação deveria ser abandonada. O mesmo deveria ocorrer na Prússia, não sendo  
possível então que a antiga legislação do período feudal servisse de fundamento para  
as novas exigências legais que as alterações liberais da sociabilidade prussiana  
almejavam, já que essas leis medievais não criaram a situação material tipicamente  
feudal, mas apenas serviram às necessidades que essa condição anteriormente  
demandava; tampouco era possível que essa legislação feudal restaurasse tais  
condições sociais ultrapassadas:  
O Code Napoléon, que eu tenho aqui em mãos, não gerou a moderna  
sociedade burguesa. Ao contrário, a sociedade burguesa, nascida no  
século XVIII e desenvolvida no século XIX, apenas encontra no Code  
sua expressão legal. Assim que deixar de corresponder às relações  
sociais, ele não passará de um pedaço de papel. Os senhores não  
podem fazer das velhas leis o fundamento do novo desenvolvimento  
social, assim como tampouco estas velhas leis geraram as velhas  
condições sociais. (MARX, 2010k, p. 463, negrito nosso).  
Ao surgirem em contextos determinados, notadamente no contexto de  
predominância das relações de produção medievais, com o desaparecimento desse  
contexto específico, deve essa antiga legislação medieval também ser superada. A  
insistência na manutenção desse arcabouço jurídico contra as tendências do progresso  
burguês representaria apenas uma forma da aristocracia feudal de tentar manter os  
seus interesses em detrimento dos anseios sociais modernos, tentativa essa que dava  
ao terreno jurídico um caráter notadamente reacionário. Ao se utilizar do direito para  
bloquear, em vez de fomentar, as tendências de alteração nos padrões de produção  
dos setores econômicos da Prússia, tem-se que:  
A defesa das velhas leis contra as novas necessidades e exigências do  
desenvolvimento social não passa, no fundo, da defesa hipócrita de  
interesses particulares anacrônicos contra o interesse geral  
contemporâneo. Esta defesa do terreno do direito pretende que tais  
interesses particulares vigorem como dominantes quando eles não  
mais dominam; pretende impor à sociedade leis que foram  
condenadas pelas próprias relações vitais desta sociedade, por sua  
forma de trabalho, seu intercâmbio, sua produção material, pretende  
manter legisladores que se ocupam apenas de interesses particulares,  
uma legislação mais moderna, de molde burguês, em contraponto às obrigações feudais, extintas após  
a tomada do território e não completamente retomadas mesmo após a re-anexação à Prússia.  
(VASILYEVA, 2010, v. 7, p. 627, nota 186)  
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pretende abusar do poder político para sobrepor violentamente os  
interesses da minoria aos da maioria. Ela entra, pois, a todo momento  
em contradição com as necessidades existentes, inibe a circulação, a  
indústria, ela prepara crises sociais que explodem em revoluções  
políticas. (MARX, 2010k, p. 463, grifos do autor).  
Marx relatava que a Dieta Unificada havia acabado por ficar responsável por  
estabelecer as leis orgânicas que coordenariam a atuação da Assembleia Nacional  
Prussiana13, criada pela Revolução de 1848 para proceder às reformas burguesas. Tal  
papel recaiu sobre a Dieta em virtude da teoria ententista14 de Camphausen e a  
tentativa de manutenção de uma continuidade do terreno jurídico na Prússia. A  
Assembleia Nacional, entretanto, retirava a sua legitimidade da revolução, de forma  
que ela teria apenas concedido uma formalidade à Coroa (representada pela Dieta), já  
que a Assembleia havia sido:  
[...] eleita pelo povo para estabelecer autonomamente uma  
constituição que correspondesse às condições de vida que haviam  
entrado em conflito com a organização política até então vigente e  
com as leis até então vigentes.” (MARX, 2010k, p. 464).  
Assim, ao destacar o conflito entre Assembleia e Coroa no momento após a  
contrarrevolução, Marx indicava que era importante enfatizar que esse embate não era  
apenas entre facções políticas com discordâncias pontuais, tais como entre situação e  
oposição num cenário político corriqueiro, mas sim representava uma discordância  
fundamental entre os modos de sociabilidade que tais setores representavam, o  
burguês e o feudal, respectivamente:  
O que houve aqui não foi um conflito político entre duas frações sobre  
o terreno de uma sociedade, foi o conflito entre duas sociedades  
mesmas, um conflito social que assumiu uma figura política, foi a luta  
da velha sociedade feudal-burocrática com a moderna sociedade  
burguesa, a luta entre a sociedade da livre concorrência e a sociedade  
corporativa, entre a sociedade dos proprietários fundiários e a  
sociedade da indústria, entre a sociedade da fé e a sociedade do  
saber. A expressão política correspondente à velha sociedade era a  
coroa pela graça de Deus, a burocracia tuteladora, o exército  
independente. O fundamento social correspondente a este velho  
poder político era o proprietário fundiário nobre e privilegiado com  
seus camponeses servis ou semisservis, a pequena indústria patriarcal  
ou corporativamente organizada, os estamentos isolados uns dos  
outros, o brutal antagonismo entre campo e cidade, e sobretudo o  
domínio do campo sobre a cidade. (MARX, 2010k, p. 470-471, grifos  
do autor).  
13  
Corpo legislativo convocado para escrever a constituição da Prússia após a revolução, que deveria  
ser promulgada em comum acordo com a Coroa (VASILYEVA, 2010, v. 7, p. 606, nota 10).  
14 Explicada em maiores detalhes no item seguinte.  
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Nessa situação, destaca-se, como apontado no trecho acima, que a Coroa teria  
o seu poder político erodido caso a sua base social de sustentação fosse solapada,  
qual seja, a propriedade fundiária e a predominância do campo sobre a cidade. De  
forma recíproca, a aristocracia feudal e a burocracia percebiam que o seu poder político  
seria podado caso a Assembleia obtivesse êxito em superar os privilégios feudais e  
alterar a base da sociedade prussiana, levando a união desses setores contra o projeto  
burguês.  
Já a burguesia, pontuava Marx, necessitava abolir os privilégios da aristocracia,  
burocracia estatal e setores do exército para obter controle sobre o direcionamento  
da indústria e comércio nacionais. Esses privilégios, por sua vez, eram agressivos à  
consolidação da livre concorrência, idealizada pelos burgueses como eixo estruturante  
da sua atuação material. Além disso, os interesses dos setores medievais prejudicavam  
a lida do estado prussiano em direção às necessidades burguesas, notadamente às  
referentes ao controle do comércio internacional, do orçamento público e a superação  
da baixa integração entre as regiões germânicas, já que ainda existiam institutos  
jurídicos que perpetuavam tanto essa divisão geográfica como a separação ente o  
campo e a cidade:  
As condições de existência desta última [da burguesia] requerem que  
a burocracia e o exército, de dominadores do comércio e da indústria,  
sejam rebaixados a seus instrumentos, sejam convertidos em meros  
órgãos do intercâmbio burguês. Ela não pode tolerar que a agricultura  
seja limitada por privilégios feudais, e a indústria pela tutela  
burocrática. Isso se opõe a seu princípio vital, a livre concorrência. Não  
pode tolerar que as relações comerciais externas sejam reguladas, não  
pelos interesses da produção nacional, mas sim pelas considerações  
de uma política de corte internacional. Precisa subordinar a gestão  
financeira às necessidades da produção, enquanto o velho estado  
deve subordinar a produção às necessidades da coroa pela graça de  
Deus e dos remendos da muralha do rei, da sustentação social desta  
coroa. Assim como a indústria moderna de fato nivela, a sociedade  
moderna precisa demolir toda barreira social e política entre cidade e  
campo. Nela ainda há classes, mas não mais estamentos. Seu  
desenvolvimento consiste na luta entre essas classes, mas elas estão  
unidas em contraposição aos estamentos e sua monarquia pela graça  
de Deus. (MARX, 2010k, p. 471, grifos do autor e comentário nosso).  
A falta de apoio da Coroa às demandas burguesas, por sua vez, não  
representava uma simples falta de vontade pessoal de um governante ou ministros  
específicos. Justamente por deter a sua base social de sustentação nos institutos  
típicos da sociedade feudal, a autopreservação da nobreza dependia da continuidade  
dessa sociedade: “assim como os elementos sociais feudais vêm na monarquia pela  
graça de Deus sua cabeça política, a monarquia pela graça de Deus vê nos estamentos  
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feudais sua base social [...]” (MARX, 2010i, p. 392, grifos do autor). Uma alteração  
social de tal monta como a revolução apontava seria fatal para a Coroa, fazendo com  
que a sua adesão à contrarrevolução fosse inevitável: “depois de uma revolução, a  
contrarrevolução é a sempre renovada condição de existência da coroa.” (MARX,  
2010k, p. 472).  
Isso demonstrava que o conflito entre esses setores sociais antagônicos era  
inescapável, pois se tratava da questão de um embate entre as diferentes sustentações  
materiais respectivas de cada setor, confronto esse determinante para que ou  
aristocracia ou a burguesia conduzisse os rumos da Prússia:  
Portanto, não há paz entre essas duas sociedades. Seus interesses e  
necessidades materiais implicam uma luta de vida ou morte, uma deve  
vencer, a outra sucumbir. Esta é a única mediação possível entre  
ambas. Portanto, também não há paz entre os mais altos  
representantes políticos dessas duas sociedades, entre a coroa e a  
representação popular. (MARX, 2010k, p. 472).  
Assim, a contenda em questão no período revolucionário não era, para Marx,  
um embate meramente político, mas uma guerra deflagrada entre dois modos de  
sociabilidade, fundamentados em dois modos de produção radicalmente diferentes.  
Nesse confronto aberto, o direito, entendido na sua acepção ideológica, teria sido um  
dos setores que atuou em favor da aristocracia pela manutenção da forma feudal de  
sociedade, justamente pela sustentação que o modelo feudal dava aos responsáveis  
pela elaboração e aplicação do terreno jurídico (os aristocratas e a Coroa que  
mantinham o poder político necessário para influenciar na produção legislativa e a  
burocracia estatal que aplicava concretamente esse direito). Vista essa concepção e  
seu delineamento básico, prosseguiremos nessa argumentação, com maior grau de  
detalhamento e mantendo a base na obra marxiana, no próximo item.  
As facetas do terreno jurídico no período revolucionário e a intervenção no  
estado prussiano  
Estabelecidos os apontamentos gerais da intersecção entre direito e sociedade  
contidos na NGR, passe-se aos relatos e à análise que Marx faz do terreno jurídico no  
período revolucionário e na contrarrevolução que se seguiu. Pretende-se com isso  
demonstrar como o direito teria atuado no momento contrarrevolucionário em  
consonância com os interesses da elite prussiana para manter os padrões feudais de  
sociabilidade, impedindo o desenvolvimento pleno do modo de produção capitalista.  
Será possível observar que ali foi impressa uma direção geral ao direito que indicava  
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que o papel desse setor social seria “frear” a modernização capitalista no contexto  
prussiano, atuando, portanto, como “freio irracional” sobre o processo de  
desenvolvimento capitalista prussiano, irracional justamente por ser um obstáculo à  
superação das formas feudais de sociabilidade na Prússia do século XIX. Conforme  
será aprofundado na conclusão, essa expressão contrasta com a usada por Marx para  
se referir ao papel do direito no processo de consolidação do capitalismo britânico,  
onde ali o terreno jurídico teria sido um “freio racional” (MARX, 2013, p. 673) favorável  
ao desenvolvimento do capitalismo inglês justamente por ter impedido que uma  
aceleração desmedida do modo de produção capitalista acabasse levando à sua  
destruição.  
Para tanto, primeiro será repassada uma breve perspectiva histórica do período  
revolucionário para se chegar à contrarrevolução. No primeiro momento, o terreno  
jurídico teria exercido sua influência no desenvolvimento do capitalismo prussiano  
mediante a sua atuação contrária à preservação da revolução burguesa; já no momento  
contrarrevolucionário seguinte ficará mais clara a direção intervencionista que o direito  
projetado pela reestabelecida elite prussiana pretendia impor ao desenvolvimento  
econômico, deixando exposta de forma mais direta a relação negativa entre o terreno  
jurídico e a frustrada modernização econômica burguesa.  
Assim, ocorrida a Revolução em 1848, a NGR cuidou de noticiar os  
acontecimentos nos seguidos governos burgueses, que se sucederam até o advento  
da contrarrevolução. Seguindo a esquematização proposta por Marx15, é possível  
dividir o período em três partes: os governos Camphausen, Hansemann e  
Brandenburg-Manteuffel.  
A principal característica do governo Camphausen foi a tentativa de afastar o  
povo da revolução, negando-a como fundamento do novo governo para justificar um  
acordo pelo alto entre aristocracia e burguesia, portanto, contrariando a concepção de  
que a Assembleia Nacional Prussiana tinha como sua base legal de sustentação e  
legitimidade a revolução (conforme argumentou Marx no item anterior). Com isso se  
pretendia estabilizar o cenário político prussiano após a revolução.  
A expressão jurídica desse acordo, por sua vez, foi a elaboração da teoria  
ententista. Esse expediente teórico defendia uma continuidade entre o direito  
15  
Se o boato se confirmar teremos chegado então, finalmente, de um ministério de mediação [o  
ministério Camphausen], através do Ministério de Ação [o ministério Hansemann], a um ministério da  
contrarrevolução [o ministério Brandenburg]. (MARX, 2010j, p. 139, grifo do autor, comentários nossos)  
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O papel do terreno jurídico na Prússia revolucionária  
tipicamente feudal e aquele que passaria a vigorar após a revolução, de forma que a  
estrutura legitimadora do direito medieval fosse estendida para os institutos jurídicos  
que o governo burguês buscava fundar ou reforçar. Segundo Marx, Camphausen “[...]  
inventou a teoria ententista para salvar o terreno do direito [...]” (MARX, 2010a, p.  
318). Isso teria como efeito afastar a revolução como novo fundamento político, como  
“título jurídico”, das novas estruturas jurídicas que se pretendia inaugurar, mantendo  
o controle do “terreno do direito” nas mãos das elites prussianas. Haveria então  
apenas a transferência do controle do terreno jurídico da aristocracia para a burguesia,  
afastando o povo e seu papel na revolução:  
O “terreno do direito” significava simplesmente que a revolução não  
havia conquistado seu terreno e que a velha sociedade não havia  
perdido o seu, que a revolução de março não fora mais do que um  
“evento”, que havia dado “impulso” ao “entendimento” entre o trono  
e a burguesia, de há muito preparado no interior do velho estado  
prussiano, cuja necessidade a própria Coroa havia expresso em  
elevadíssimas isenções precedentes, mas que antes de março não  
julgara “urgente”. Em uma palavra, o “terreno do direito” significava  
que a burguesia, depois de março, queria negociar com a Coroa no  
mesmo pé que antes de março, como se não tivesse havido nenhuma  
revolução, e a Dieta Unificada tivesse alcançado seu objetivo sem a  
revolução. O “terreno do direito” significava que o título jurídico do  
povo, a revolução, não existia no contrato social entre o governo e a  
burguesia. A burguesia deduzia suas reivindicações da velha  
legislação prussiana, a fim de que o povo não deduzisse reivindicação  
nenhuma da nova revolução prussiana. (MARX, 2010a, p. 329, grifo  
nosso em negrito e grifos do autor em itálico).  
Essa postura conciliatória da burguesia alemã, por sua vez, acabaria  
transformando a Revolução de 1848 em uma revolução incompleta, permitindo que a  
contrarrevolução ocorresse logo em seguida: “(o) ministério Camphausen vestira a  
contrarrevolução com sua roupagem liberal-burguesa. A contrarrevolução sente-se  
suficientemente forte para livrar-se da importuna máscara.” (MARX, 2010o, p. 112)  
A tendência de acordo entre as classes dominantes frustrou a expectativa de  
que a continuidade do período revolucionário se seguisse à tomada do poder político  
pela burguesia, abortando a promessa de uma profunda reformulação da estrutura  
burocrática estado prussiano, nos moldes do que havia ocorrido em França após a  
Revolução de 1789 (onde ocorreu inclusive a destituição dos ocupantes dos diversos  
cargos públicos do estado francês16). O que se verificou na prática, portanto, não  
16 As ações e declarações da Corte de Cassação Renana, do Supremo Tribunal de Berlim, dos Tribunais  
Superiores de Münster, Bromberg, Ratibor contra Esser, Waldeck, Temme, Kirchmann, Gierke provaram  
mais uma vez que a Convenção francesa é e permanece o farol de todas as épocas revolucionárias. Ela  
inaugurou a revolução destituindo, por um decreto, todos os funcionários. Também os juízes não  
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correspondeu a esse desiderato:  
Ele [Camphausen] a rejeitou [a revolução], por certo, em teoria, mas  
na prática somente se opunha às suas pretensões e não tolerou a não  
ser a reconstituição dos velhos poderes estatais.” (MARX, 2010a, p.  
330, comentário nosso e grifos do autor).  
Assim, sucedeu-se na Prússia um processo revolucionário histórico de forma  
dissonante do que havia ocorrido no processo revolucionário francês, havendo essa  
diferença marcante entre ambos:  
Mas, na França, a burguesia passou para a vanguarda da  
contrarrevolução depois de ter derrubado todos os obstáculos que  
havia no caminho da dominação de sua própria classe. Na Alemanha  
ela se encontra rebaixada a caudatária da monarquia absoluta e do  
feudalismo antes de ter ao menos garantido as condições vitais  
básicas de sua própria liberdade civil e dominação. Na França ela se  
apresentou como déspota e fez sua própria contrarrevolução. Na  
Alemanha ela se apresentou como escrava e fez a contrarrevolução de  
seus próprios déspotas. Na França ela venceu para humilhar o povo.  
Na Alemanha ela se humilhou para que o povo não vencesse. A  
história inteira não mostra outra miséria tão ignominiosa como a da  
burguesia alemã. (MARX, 2010q, p. 259, grifos do autor)  
Já a burocracia prussiana, por sua vez, detinha uma histórica ligação com a  
aristocracia feudal e os moldes feudais de sociabilidade, ocorrendo entre ambas uma  
interação simbiótica de mútua preservação dos seus privilégios, já que a aristocracia,  
detentora do poder político de fato em função da sua supremacia econômica,  
participava da formação dos cargos públicos de acordo com os seus interesses, criando  
uma estrutura estatal apta a preservar o modo de vida feudal. Essa estrutura  
burocrática jurídico-política, ao não ser erradicada pela burguesia, se voltaria contra  
ela no período contrarrevolucionário, impedindo que a burguesia consolidasse o  
domínio do aparato estatal, afastando o estado prussiano da modernização pretendida  
pelos burgueses:  
Toda situação política provisória posterior a uma revolução exige uma  
ditadura, e ademais uma ditadura enérgica. Criticamos Camphausen  
desde o início por não ter agido ditatorialmente, por não ter destruído  
e removido imediatamente os restos das velhas instituições. Assim,  
enquanto o sr. Camphausen se embalava no sonho constitucional, o  
partido vencido fortalecia suas posições na burocracia e no exército,  
e ousava mesmo, aqui e acolá, a luta aberta. (MARX, 2010c, p. 213)  
A tendência conciliatória da burguesia prussiana ocorre por diversos fatores,  
destacando-se dentre eles a intensa resistência e contestação que o proletariado nos  
passam de funcionários, o que os supracitados tribunais testemunharam perante toda a Europa. (MARX,  
2010b, p. 357, grifos do autor e negrito nosso)  
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países mais adiantados na implantação do capitalismo já fazia sobre a relação capital-  
trabalho e as suas consequências17, notadamente o proletariado francês. Já existia,  
assim, algum grau de autonomia e consciência de classe no proletariado alemão à  
época, embora ainda incipiente, mas num grau já suficiente para deixar receosa à  
burguesia alemã, principalmente tendo em vista a experiência francesa que se  
desenrolava na mesma época:  
A burguesia alemã tinha se desenvolvido com tanta indolência,  
covardia e lentidão que, no momento em que se ergueu ameaçadora  
em face do feudalismo e do absolutismo, percebeu diante dela o  
proletariado ameaçador, bem como todas as frações da burguesia  
cujas ideias e interesses são aparentados aos do proletariado. E tinha  
não apenas uma classe detrás de si, diante dela toda a Europa a  
olhava com hostilidade. A burguesia prussiana não era, como a  
burguesia francesa de 1789, a classe que, diante dos representantes  
da antiga sociedade, da monarquia e da nobreza, encarnava toda a  
sociedade moderna. Ela havia decaído ao nível de uma espécie de  
casta, tanto hostil à Coroa como ao povo, querelando contra ambos,  
mas indecisa contra cada adversário seu tomado singularmente, pois  
sempre via ambos diante ou detrás de si [...]. (MARX, 2010a, p. 324,  
grifos do autor).  
Essa condição despertou na burguesia alemã o receio de que a aliança entre  
burguesia e proletariado forjada para alcançar o poder político do estado e superar a  
aristocracia ultrapassasse a barreira da discussão sobre política e entrasse na  
contestação própria da relação capital-trabalho. Essa situação vai fazer com que a  
burguesia, em vez de terminar a revolução e encerrar de vez o período feudal, como  
ocorre na via clássica, se alie a enfraquecida aristocracia agrária para coibir as  
aspirações políticas do povo, parando a revolução nos seus trilhos e permitindo com  
isso que os Junkers e as classes mais afeitas aos modos feudais de sociabilidade se  
recuperassem:  
A serviço da grande burguesia, teve de procurar privar a revolução de  
seus frutos democráticos; em luta contra a democracia, teve de se aliar  
ao partido aristocrático e tornar-se o instrumento de seus apetites  
contrarrevolucionários. Este se sente suficientemente fortalecido para  
desembaraçar-se de seu protetor. O senhor Camphausen semeou a  
reação no sentido da grande burguesia e colheu-a no sentido do  
partido feudal. (MARX, 2010o, p. 113, grifo do autor).  
17  
Cotrim resume bem a situação quando aduz: “Havia também o surgimento de um proletariado:  
Mesclam-se [na Prússia] batalhas que, em outros povos, se deram em momentos distintos: pela  
unificação nacional e centralização política, contra o absolutismo e, ao mesmo tempo, o combate  
efetivamente contemporâneo, pois o proletariado já se levanta contra a burguesia o movimento dos  
trabalhadores começa com as insurreições operárias da Silésia e da Boêmia em 1844, alguns anos  
antes, portanto, da revolução de 1848, enquanto na França ou na Inglaterra só após as respectivas  
revoluções burguesas ocorre um levante operário.” (COTRIM, 2014, p. 331, comentário nosso).  
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A reticência da burguesia num momento fulcral manteria nos estados  
germânicos elementos feudais que prejudicariam a plena modernização burguesa,  
marcando de forma indelével a via de formação do capitalismo alemão: “A parte  
comercial e industrial da burguesia se lança nos braços da contrarrevolução por medo  
da revolução.” (MARX, 2010i, p. 395).  
Após esse primeiro momento de estabilização da situação política conjugada  
com a manutenção das pretensões burguesas encapsulado na teoria ententista, é  
escolhido Hansemann para suceder Camphausen. Embora tenha ficado pouco tempo  
no governo, Marx se debruça sobre os objetivos projetados por Hansemann  
justamente por esse governo representar, para o autor renano, a mudança de postura  
da burguesia, onde essa última partiria para afastar ativamente a participação popular  
da estruturação do novo estado prussiano. Para Marx, esse governo foi quando se “[...]  
pretendia passar, do período de traição passiva ao povo em favor da Coroa, ao período  
de subjugação ativa do povo sob seu domínio em compromisso com a Coroa”. (MARX,  
2010a, p. 330, grifo do autor). Isso se daria através do fortalecimento da combalida  
estrutura burocrática, enfraquecida pela revolução, onde esse aparato atuaria para  
conter os ímpetos da população. Pela postura ativa contra o povo Marx, ironicamente,  
chamava tal ministério de “ministério da ação”.  
Assim, com papel de destaque redivivo pelos burgueses, tanto o judiciário  
quanto a polícia da Prússia passaram a atuar repressivamente contra as demandas  
populares relativas à forma de condução dos assuntos estatais. Marx nota que  
importante para a consolidação desse quadro foram as Jornadas de Junho acontecidas  
naquele ano em França. Tal evento, caracterizado pela forte repressão do proletariado  
europeu pelo exército francês, reverberou no imaginário da burguesia europeia, tanto  
instigando seus medos em relação às demandas dos operários como também  
apontando a forma de solucionar a questão, ou seja, através de forte intervenção  
repressiva: “A revolução de junho [em França] era os bastidores do ministério de ação,  
como a revolução de fevereiro era os bastidores do ministério de mediação”. (MARX,  
2010a, p. 331, grifos do autor e comentário nosso).  
Animada por esse ímpeto, a burguesia prussiana instigou o aparelho repressivo  
penal da Prússia contra os líderes e intelectuais dos operários e camponeses, de forma  
a constringir a atuação deles na vida política pós-revolução. Nesse período foram  
notadamente restringidos os direitos de liberdade de imprensa e associação, bem  
como a liberdade individual, havendo a perseguição a líderes trabalhistas e refugiados  
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O papel do terreno jurídico na Prússia revolucionária  
políticos opositores da burguesia18.  
Dessa forma, o terreno jurídico prussiano, que num primeiro momento serviu  
para estabilizar o cenário jurídico-político da Prússia, no período pós-revolucionário  
rapidamente adaptou a sua função para uma postura ofensiva contra o elemento  
popular da Revolução de 1848:  
Sob o ministério de ação “fortaleceram-sepor conseguinte a velha  
polícia prussiana, o judiciário, a burocracia, o exército porque  
Hansemann acreditava que, estando estes a soldo, também estavam a  
serviço da burguesia. (MARX, 2010a, p. 335, grifos do autor).  
Aqui a função ideológica assumida pelo terreno jurídico não dependia nem  
mesmo da confecção de novas leis. Observa-se que bastou uma postura pró-ativa da  
burocracia prussiana contra a revolução para que as antigas legislações do período  
monárquico na Prússia fossem utilizadas contra o elemento popular do período  
revolucionário: “eis o alto patamar alcançado pela contrarrevolução, eis a ousadia com  
que a burocracia saca e consegue fazer valer contra a nova vida política as armas que  
ainda se encontram no arsenal da velha legislação.” (MARX, 2010g, p. 143)  
Isso não impediu, entretanto, que a discussão acerca da confecção de  
legislações agressivas às conquistas revolucionárias, que permitiriam à burguesia  
prussiana expandir a repressão ao povo, ocorressem, tais como a lei de imprensa, a  
lei da guarda civil e a lei do empréstimo compulsório19:  
A argúcia prussiana pressentiu que toda nova instituição  
constitucional oferece a interessantíssima oportunidade para novas  
leis punitivas, novos regulamentos, nova medida disciplinar, novo  
controle, novas chicanas e nova burocracia. (MARX, 2010m, p. 157)  
No outro lado da moeda, a tentativa de implantação do modelo de  
modernização burguês não conseguiu avançar sobre os privilégios da aristocracia  
agrária. Marx destacava que, em função do prestígio ainda possuído pelos Junkers e  
pela aliança de classe entre estes últimos e a burguesia representada pela continuidade  
do terreno jurídico encapsulado na teoria ententista, não foi possível implementar na  
Prússia um robusto programa de revisão das obrigações feudais que reduzissem  
significativamente o peso desses encargos na vida produtiva da época20. Assim, a  
tentativa de abolir a propriedade feudal foi frustrada pela contradição de se abolir esse  
18  
Para uma análise mais detalhada de como Marx enxergou essas perseguições cf. SALES JÚNIOR,  
2018, p. 87-90.  
19 Para a análise que Marx faz dessas legislações na NGR, cf SALES JÚNIOR, 2018, p. 96-111.  
20 Para maiores detalhes acerca da discussão jurídica de Marx sobre a continuidade dessas obrigações  
cf. SALES JÚNIOR, 2018, p.111-119.  
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tipo de propriedade ao mesmo em que se tentava conservar a propriedade burguesa:  
Certamente, o sr. Gierke ataca a propriedade é inegável mas não  
a propriedade moderna, burguesa, e sim a feudal. Ele reforça a  
propriedade burguesa, que se ergue sobre as ruínas da propriedade  
feudal, destruindo a propriedade feudal. E é somente por isso que não  
quer revisar os contratos de resgate, porque, por meio destes  
contratos, as relações feudais de propriedade são convertidas em  
relações burguesas, porque não pode, portanto, revisá-los sem ao  
mesmo tempo violar formalmente a propriedade burguesa. E a  
propriedade burguesa é naturalmente tão sagrada e inviolável quanto  
a propriedade feudal é atacável e, segundo as necessidades e a  
coragem dos senhores ministros, violável. (MARX, 2010n, p. 181)  
Nesse sentido, nem mesmo as pesadas indenizações devidas pelo campesinato  
aos Junkers pela abolição dos privilégios feudais, negociadas em momentos anteriores,  
antiga reivindicação dos setores populares no campo, conseguiu ter algum avanço.  
Assim, a manutenção do terreno jurídico anterior, representado pela teoria ententista,  
serviu como argumento para a defesa desses privilégios, mesmo em frente à  
necessidade de modernização das relações de propriedade na Prússia. Ao comentar a  
lei patrocinada pelo deputado Gierke sobre o tema: “A isto [abolição dos privilégios  
feudais] “se opõem direitos e leis formais, que se opõem sobretudo a todo progresso,  
que cada nova lei revoga uma antiga e um velho direito formal.” (MARX, 2010n, p.  
180, comentário nosso).  
Já no que tange à organização estatal, a burguesia não conseguiu estruturar  
algum desenho institucional favorável a ela em relação às finanças públicas do estado  
prussiano, sendo que ao final ela sucedeu apenas em majorar alguns poucos tributos  
sobre gêneros alimentícios que acabaram recaindo mais pesadamente sobre as  
camadas populares, inflando a insatisfação dessas com os burgueses: “[...] suas  
tentativas de reforma em geral apareciam, aos olhos do povo, como simples  
expedientes financeiros para encher os cofres do “poder estatal” fortalecido.” (MARX,  
2010a, p. 336).  
Ao final do curto governo Hansemann, portanto, houve um afastamento das  
camadas populares do movimento revolucionário ao mesmo tempo em que a  
burocracia estatal e a aristocracia começam a retomar a proeminência afastada pelo  
golpe da revolução:  
A burguesia francesa começou pela libertação dos camponeses. Com  
os camponeses conquistou a Europa. A burguesia prussiana estava  
tão atrapalhada com seus interesses mais estreitos e imediatos, que  
ela própria desperdiçou esse aliado e fez dele um instrumento nas  
mãos da contrarrevolução feudal. (MARX, 2010a, p. 339).  
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O papel do terreno jurídico na Prússia revolucionária  
Dessa forma, a reticência e covardia da burguesia prussiana, protagonista  
imediata do momento pós-revolucionário, começava a pavimentar o caminho para  
inevitável contrarrevolução e volta dos senhores de terra e da burocracia estatal  
acessória aos seus objetivos ao poder.  
O Ministério de Ação quer fundar o domínio da burguesia concluindo  
ao mesmo tempo um compromisso com a velha polícia e o velho  
estado feudal. Nessa tarefa dúplice e plena de contradições, vê a todo  
momento o domínio ainda a ser fundado da burguesia e sua própria  
existência sobrepujados pela reação no sentido absolutista, feudal –  
e sucumbirá a ela. A burguesia não pode lutar por seu próprio domínio  
sem se aliar provisoriamente a todo o povo, sem, por isso, apresentar-  
se como mais ou menos democrática. (MARX, 2010m, p. 161).  
Após ser fortalecida pelo governo Hansemann, a burocracia e exército  
prussianos foram ponta de lança da aristocracia e da nobreza no governo Bradenburg-  
Manteuffel, que culminou no processo contrarrevolucionário posto contra o projeto  
burguês e popular de modernização do substrato feudal da sociabilidade prussiana.  
Ao suceder nesse desiderato, o aparato jurídico-burocrático prussiano torna-se  
importante elemento fiador de preservação das formas feudais de interação social,  
buscando com isso conservar as bases sociais que garantiriam a sustentação tanto dos  
seus privilégios sociais como daqueles da aristocracia e da nobreza, como será visto  
adiante.  
Nessa esteira, atentando-se particularmente para a faceta que o terreno jurídico  
assume a partir do advento do período contrarrevolucionário, é possível, a nível  
esquemático, a divisão do papel do direito em duas frontes, subterfúgio utilizado para  
melhor apreensão do fenômeno jurídico em relevo.  
Primeiro, tem-se como destaque o papel mais imediato de repressão penal para  
deter o ímpeto dos setores revolucionários, expediente que foi manejado desde os  
governos burgueses mas intensifica-se após a ascensão de Brandenburg e a  
contrarrevolução. Utilizando-se do aparato policial e jurídico, o recurso à manutenção  
da ordem posta foi amplamente direcionado contra os líderes populares que clamavam  
pela alteração da estrutura política e pela implementação das garantias que a  
modernização das relações sociais civis e políticas já havia conquistado nos países de  
constituição da via clássica do capitalismo. Não é de se surpreender que, para manter  
inalterado o estado de coisas, a repressão penal tenha sido usada com liberalidade  
pelas classes dominantes para ceifar o ímpeto revolucionário do povo (com destaque  
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para as prisões dos líderes trabalhistas e a perseguição jurídica à NGR21), com ampla  
utilização de medidas de exceção, notadamente a decretação do estado de sítio, para  
agredir as garantias da população:  
[...] o governo Brandenburg só pode se manter com meios  
extraordinários; sabemos que sua situação já teria se tornado  
insustentável há muito se o país não estivesse em estado de sítio. O  
estado de sítio é o estado legal do governo Brandenburg. (MARX,  
2010f, p. 293, grifos do autor).  
Nesse contexto, dentre os relatos trazidos por Marx no período relativo à  
atuação repressora do estado prussiano, tem-se como destaque as perseguições aos  
líderes trabalhistas. Importa ressaltar que o autor renano se debruçou longamente  
sobre a análise legal da legislação referente às prisões e procedimentos penais  
relativos a esses episódios, assim como também sobre a atuação das cortes,  
demonstrando a abusividade e muitas vezes ilegalidade dos acontecimentos22:  
Mal as notícias oficiais sobre a formação de um Ministério  
contrarrevolucionário [o Ministério Brandenburg] chegaram ao Reno e  
a procuradoria pública da região subitamente desenvolveu não só um  
apetite voraz por prisões mas um zelo por essa atividade não  
encontrado mesmo nos antigos estados policiais. (MARX; ENGELS23,  
2010r, v. VII, p. 452, tradução livre e comentário nosso).  
Também importante é a “análise jurídica”24 que Marx faz das legislações  
reacionárias promulgadas ou cuja promulgação era estuda na época, demonstrando o  
seu caráter agressivo aos objetivos revolucionários. Diversos dispositivos legais  
específicos desses diplomas são expostos e criticados por Marx, destacando quais  
seriam as garantis e direitos civis que essas normas tolheriam. São analisadas leis  
relativas à liberdade de associação (em clubes e assembleias), ao direito de reunião, à  
afixação de pôsteres ou cartazes e à regulação de imprensa25.  
21 A perseguição jurídica à NGR e à imprensa no geral é bastante discutida por Marx em diversos textos  
da época, mesmo antes da contrarrevolução, mas intensificando-se após a sua consolidação. Para  
maiores detalhes cf. SALES JÚNIOR, 2018, p.90-99, p. 205-218 e p. 261-276.  
22  
Tais episódios não serão aprofundados por imposição da manutenção do foco do presente artigo.  
Para uma análise mais detalhada dessas discussões cf. SALES JÚNIOR, 2018, p.87-90 para as prisões  
antes da contrarrevolução. Em relação à perseguição no período contrarrevolucionário cf. SALES JÚNIOR,  
2018, p. 201-205 e 218-231.  
23 Dentre os textos pesquisados da Nova Gazeta Renana alguns não haviam indicação de autoria clara,  
sendo indiscriminadamente atribuído a Marx e Engels. Pela autoria não ser clara evitamos utilizar esses  
textos ao longo do trabalho, com exceção do trecho indicado pois ilustrativo do momento político do  
período em questão.  
24  
Expressão entre aspas para indicar que Marx, embora analise o texto legal, não faz uma análise  
propriamente jurídica, ou seja, não analisa a lei tendo como parâmetro da sua crítica construções  
teóricas do tipo jurídico ideais, mas expõe a função do direito na materialidade do contexto  
revolucionário.  
25  
Também por limitação de foco não será possível expor em profundidade essa análise marxiana.  
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O papel do terreno jurídico na Prússia revolucionária  
A importância das garantias que estavam sendo afastadas para a burguesia foi  
realçada por Marx, na medida em que tais “direitos” eram necessários à burguesia para  
a consolidação dos seus interessantes. Representavam prerrogativas cuja plena  
implementação era de interesse não só da classe burguesa, mas especialmente dela,  
adquirindo significados específicos para tal classe, que lutava para as garantir até  
mesmo antes da Revolução de 1848. Eram direitos que, a despeito da sua formulação  
geral, detinham importância especial para os burgueses por representar a  
oportunidade de expor livremente suas opiniões, debater os seus interesses em  
conjunto com os negócios do governo, sedimentar a livre concorrência, etc.:  
Para alcançar seu fim, [a burguesia] tinha que poder debater  
livremente seus interesses, suas opiniões e os negócios do governo.  
A isso denominou “direito à liberdade de imprensa”. Tinha que poder  
se associar sem embaraços. A isso chamou “direito de livre  
associação”. Tinha também que reivindicar liberdade religiosa e assim  
por diante, consequência necessária da livre concorrência. E antes de  
março de 1848 a burguesia estava no melhor dos caminhos para ver  
a efetivação de todos os seus desejos. (MARX, 2010a, p. 321, grifos  
do autor, comentário nosso).  
Nesse contexto, Marx, no único comentário específico que ele traz sobre o papel  
da magistratura prussiana no período contrarrevolucionário, aduz que ela foi  
condescendente com a perseguição da aristocracia aos apoiadores da revolução. A  
consolidação da contrarrevolução, advinda da covardia da burguesia, permitiu que  
esse segmento da burocracia estatal se postasse do lado da elite agrária, fomentando  
a aguda crise institucional que instalou no estado prussiano naquele momento, de  
forma a ameaçar mesmo a estabilidade jurídica tão cara à manutenção da propriedade  
burguesa. Essa postura reforça o papel da burocracia, aqui notadamente a  
especificamente judiciária, no conflito:  
[...] a burguesia se convenceu de que sua traição contra o proletariado  
desamparava justamente o que pensava assegurar com essa traição –  
a propriedade burguesa. Na Prússia, por sua covarde confiança no  
governo e sua traidora desconfiança contra o povo, a burguesia vê  
ameaçada a indispensável garantia da propriedade burguesa a  
organização burguesa da justiça. (MARX, 2010b, p. 361, grifos do  
autor).  
Talvez a legislação mais representativa do período e sobre a qual Marx também  
se debruça seja justamente o decreto relativo ao estado de sítio (bem como as normas  
Destaca-se apenas que um dos objetivos principais dessas legislações eram afastar a incidência da  
aplicação do Code Napoléon (mais afinando com as necessidades burguesas) nas regiões germânicas  
anteriormente sob domínio francês e que ainda utilizavam essa estrutura legal. Para maiores detalhes  
cf. SALES JÚNIOR, 2018, p. 205-218.  
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e ordens militares conexas recebidas pelo exército), necessário para deflagrar a tensão  
política que permeou o período, asseverando a retomada do poder político da  
aristocracia. Nessa análise o autor renano chegava mesmo a asseverar que a situação  
jurídica de exceção criada por esse conjunto normativo deveria ser considerada como  
o novo estatuto jurídico real da Prússia, situação na qual o decreto do estado de sítio  
figuraria como a verdadeira nova constituição prussiana ou “constituição lei-marcial”  
(MARX, 2010e, p. 572):  
Certa vez se disse que jamais um “pedaço de papel” se interporia  
entre o rei e seu povo. Agora se diz: somente um pedaço de papel  
deve se interpor entre o rei e seu povo. A verdadeira constituição da  
Prússia é o estado de sítio. A Constituição francesa outorgada  
continha apenas um parágrafo 14, que a suprimia. Cada parágrafo da  
constituição prussiana outorgada é um parágrafo 1426. (MARX,  
2010a, p. 341, grifos do autor)  
Tal afirmação se devia ao fato de que mesmo as garantias e direitos previstos  
na constituição outorgada poderiam ser suspensos quando confrontados com as  
exigências impostas pela regulamentação do estado de sítio (MARX, 2010d, p. 565).  
Dentre as pesadas restrições às liberdades civis esmiuçadas por Marx lista-se a  
supressão da imprensa (mais intensa que a simples censura), a possibilidade de  
realização de prisões arbitrárias julgadas por tribunais militares de exceção, a  
suspensão do funcionamento dos tribunais, execuções, a citada suspensão de algumas  
das garantias previstas na constituição outorgada pela simples vontade dos  
comandantes militares (garantias tais como as relativas à liberdade de imprensa,  
inviolabilidade dos domicílios, liberdade de expressão, princípio do juiz natural etc.), a  
suspensão dos governos locais, dentre outras27.  
Essa lei também criava procedimentos e processos específicos para julgamento  
daqueles que incorriam nas proibições nela previstas, criticados por Marx por também  
não serem aptos a preservação das garantias civis28. Para o autor renano tais normas  
processuais representavam apenas uma tentativa de [...] preservar para o estúpido  
burguês a aparência de um procedimento jurídicoe entretanto assegurar ao mesmo  
26  
Tal artigo afirmava que o rei era o comandante do estado (SAZONOV, 2010, v. VIII, p. 559, nota  
168).  
27  
Marx analisou separadamente a maioria dos artigos do decreto do estado de sítio  
pormenorizadamente, indicando quais e como eram violadas as garantias elencadas. Em virtude da sua  
extensão e grau de complexidade essa análise não poderá ser aprofundada no presente artigo. Para  
mais detalhes cf. SALES JÚNIOR, 2018, p. 218-231.  
28  
Pelos motivos acima, também a exposição detalhada dos artigos que disciplinavam esses  
procedimentos não será possível. Para mais detalhes cf. SALES JÚNIOR, 2018, 218-231.  
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tempo a condenação pela superioridade numérica dos servos assassinos militares [...]”  
(MARX, 2010e, p. 576).  
Em suma, é possível perceber através da análise desses escritos a implantação  
de uma situação de exceção na Prússia na época com vistas a debelar a revolução.  
Embora os erros já expostos da burguesia tenham afastado o campesinato e o  
proletariado da revolução, ainda sim houve resistência desses três polos à simples  
retomada de poder pela aristocracia, burocracia e nobreza e retomada da condição  
político-social anterior. Nesse cenário o terreno jurídico teve papel de proeminência  
na estabilização da situação, uma vez que ele assume formas repressivas extremas  
para apaziguar a situação, chegando a adotar as medidas interventivas incisavas sobre  
as liberdades civis vistas acima, para as quais necessitava da decretação do estado de  
sítio, remédio jurídico amplamente denunciado por Marx.  
Já a segunda faceta do papel do terreno jurídico para interromper o progresso  
do desenvolvimento do capitalismo na sociedade prussiana, e que detinha maior  
relação direta com o terreno econômico, foi a função intervencionista dada a esse  
campo. O desenho institucional que se vislumbrava na constituição outorgada após a  
contrarrevolução e nas leis que se seguiram davam à burocracia estatal extensos  
poderem para exercer influência sobre a vida econômica da Prússia, trazendo diversas  
disposições regulatórias relativas à indústria, agricultura e comércio prussianos,  
criando embaraços para o pleno desenvolvimento desses setores nos moldes liberais  
burgueses:  
O sistema de tutela burocrática assegurado pela constituição  
outorgada é a morte da indústria. Basta considerar a administração  
das minas, os regulamentos fabris e assemelhados! Quando o  
fabricante inglês compara seus custos de produção com os do  
fabricante prussiano, sempre coloca em primeiro lugar a perda de  
tempo a que o fabricante prussiano se submete pela observância dos  
regulamentos burocráticos. (MARX, 2010i, p. 393, grifo do autor)  
Nesse cenário, mesmo formas de organização produtiva já ultrapassadas ou  
tipicamente feudais encontravam no arcabouço normativo defendido pelos setores  
feudais proteção para a sua subsistência, como as corporações29. Tratava-se, portanto,  
29 A constituição presenteada pelo atual governo prussiano é digna dele. Para caracterizar a hostilidade  
deste governo à burguesia basta atentar a seu projetado código industrial. O governo procura regredir  
para a corporação sob o pretexto de avançar para a associação. A concorrência obriga a produzir cada  
vez mais barato, portanto, em escala cada vez maior, isto é, com capital maior, com divisão do trabalho  
sempre ampliada e com uma sempre crescente utilização de maquinaria. Toda nova divisão do trabalho  
desvaloriza a velha habilidade dos artesãos, toda nova máquina substitui centenas de trabalhadores,  
todo trabalho em maior escala, isto é, com capital maior, arruína os pequenos negócios e os  
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da criação de um cenário jurídico institucional agressivo aos negócios e ao modelo de  
propriedade burgueses:  
Portanto, não se trata absolutamente, neste momento, de uma luta  
contra as relações de propriedade burguesas, como ocorre na França  
e se prepara na Inglaterra. Trata-se antes de uma luta contra uma  
constituição política que põe em risco as “relações de propriedade  
burguesas” entregando o leme do estado aos representantes das  
“relações de propriedade feudais”, ao rei pela graça de Deus, ao  
exército, à burocracia, aos Junker e a alguns barões das finanças e  
filisteus aliados a eles. (MARX, 2010i, p. 391, grifos do autor).  
Além da interferência regulatória, importa também destacar que o desenho  
proposto para a estruturação do direito financeiro do estado prussiano projetado pelas  
antigas elites prussianas não era favorável ao modelo capitalista liberal, uma vez que  
mantinha o orçamento estatal prussiano sequestrado em favor da manutenção das  
vantagens da nobreza, aristocracia e burocracia. Nesse sentido, é interessante notar  
que Marx chegava mesmo a comparar o orçamento público da Prússia com o dos  
Estados Unidos no texto “O orçamento dos Estados Unidos e o germano-cristão”  
(MARX, 2010l), demonstrando como este último era mais eficiente e apropriado ao  
desenvolvimento econômico em comparação com o primeiro, pródigo. Assim, a  
burguesia prussiana “[...] insiste obstinadamente em que a monarquia pela graça de  
Deus, com seu exército de guerra e de funcionários, seus bandos de pensionistas, suas  
gratificações, extraordinários etc. nunca poderá ser suficientemente bem paga.” (MARX,  
2010l, p. 376); os burgueses norte-americanos, por sua vez, “[...] são tão teimosos  
que nada sabem de nossas instituições germano-cristãs, e preferem pagar impostos  
baixos em vez de altos.” (MARX, 2010l, p. 376)”.  
O autor renano, por sua vez, era claro ao enfatizar que, para garantir o seu  
desenvolvimento econômico, a burguesia deveria assumir o controle do estado  
prussiano, notadamente do direcionamento das finanças públicas, de forma a aplicar  
esses recursos materiais no fomento das capacidades materiais dos estados alemães,  
garantindo a satisfação dos seus “interesses mais sagrados”:  
Somente ela própria [a burguesia] seria capaz de fazer valer  
legalmente suas necessidades industriais e comerciais. Tinha que tirar  
empreendimentos pequeno-burgueses. O governo promete proteger, por meio de instituições  
corporativas feudais, o artesão contra a empresa fabril, a habilidade herdada contra a divisão do  
trabalho, o pequeno capital contra o grande. E a nação alemã, especificamente a prussiana, que luta  
com muita dificuldade e à custa de extremo esforço para não sucumbir totalmente à concorrência  
inglesa, deve ser lançada indefesa os braços dela pela imposição de uma organização industrial  
contraposta aos modernos meios de produção e que a indústria moderna desmanchou no ar! (MARX,  
2010i, p. 394-395, grifos do autor).  
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das mãos de uma burocracia ultrapassada, tão ignorante quanto  
arrogante, a administração de seus “interesses mais sagrados”. Tinha  
que reclamar para si o controle do tesouro do estado, do qual se  
acreditava criadora. Depois de ter tomado da burocracia o monopólio  
da assim chamada educação, consciente de ser em muito superior a  
ela no conhecimento real das necessidades da sociedade burguesa,  
tinha também a ambição de conquistar uma posição política  
correspondente à sua posição social. (MARX, 2010a, p. 320-321,  
grifo do autor, comentário nosso)  
O impedimento ao florescimento dos negócios burgueses vislumbrado por Marx  
no desenho da constituição outorgada se verificava mesmo no plano da política  
internacional. O autor renano projetava que, dentro do arcabouço institucional  
proposto pela nova constituição, os acordos comerciais firmados entre as classes  
dirigentes do estado prussiano e as de outras nações não raramente prejudicariam os  
negócios da burguesia alemã:  
No interior, a indústria coibida pelos grilhões burocráticos e a  
agricultura pelos privilégios feudais, no exterior, o comércio vendido  
pela contrarrevolução à Inglaterra eis os destinos da riqueza  
nacional sob a égide da constituição outorgada. (MARX, 2010i, p.  
394).  
Portanto, dentro do arranjo jurídico-político encapsulado na constituição  
outorgada, a classe burguesa da Prússia não podia esperar do estado a utilização dos  
recursos públicos para fomentar o desenvolvimento do modelo produtivo capitalista,  
incentivando tal modelo ou amenizando as suas crises. O estado prussiano, caso  
continuasse a ser comandado pela elite agrária, pela nobreza e pela burocracia, teria  
a sua atuação orientada precipuamente de forma a manter os vultuosos privilégios  
dessas classes em detrimento do suporte às necessidades burguesas, como havia  
ocorrido até então:  
E quanto às crises comerciais, meu caro? Quando irrompe uma crise  
comercial europeia, o estado prussiano não é capaz de pensar em  
nada mais ansiosamente do que em extorquir a última gota d’água às  
fontes usuais de impostos, valendo-se da execução ou outros meios  
semelhantes. Pobre estado prussiano! Para neutralizar a crise  
comercial, o estado prussiano precisaria ter, além do trabalho  
nacional, uma terceira fonte de rendimentos nas nuvens. Se os votos  
de ano novo do Altíssimo, a ordenança ao exército de Wrangel ou os  
decretos ministeriais de Manteuffel fizessem dinheiro brotar da terra,  
certamente a “negação dos impostos” não teria provocado um medo  
tão pânico na “fiel amada” prussiana e também a questão social  
poderia ser resolvida sem constituição outorgada. (MARX, 2010i, p.  
389, grifo do autor).  
Em suma, na configuração institucional antecipada pela aristocracia após a  
contrarrevolução, os burgueses prussianos não podiam esperar que o estado atuasse  
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como “ferramenta profana” dos seus interesses:  
Estas quantias, subtraídas do bolso dos demais cidadãos para que a  
aristocracia levasse uma vida adequada a seu status e para manter  
bem escorados os “pilares” da monarquia feudal, não passam de  
insignificâncias em comparação com a administração pública  
outorgada junto com a constituição de Manteuffel. Acima de tudo, um  
exército forte, para que a minoria domine a maioria; o maior exército  
de funcionários possível, para que o maior número possível deles se  
aliene do interesse comum em virtude de seus interesses privados;  
utilização do dinheiro público da maneira mais improdutiva, para que  
a riqueza não torne atrevidos os súditos, como diz a N[ova] G[azeta]  
P[russiana]; a máxima economia possível do dinheiro público em vez  
de seu uso industrial, para que o governo pela graça de Deus possa  
enfrentar autonomamente o povo nos facilmente previsíveis  
momentos de crise eis os contornos fundamentais da administração  
pública outorgada. Utilização dos impostos para manter o poder  
estatal como um poder opressor, autônomo e sagrado diante da  
indústria, do comércio e da agricultura, em vez de rebaixá-lo a  
ferramenta profana da sociedade civil eis o princípio vital da  
constituição prussiana outorgada! (MARX, 2010i, p. 394, negrito  
nosso)  
As considerações levantadas indicam que o terreno jurídico no período em  
questão se portou como um óbice ao pleno desenvolvimento do capitalismo na  
Prússia. Na medida em que as formas jurídicas foram manejadas pelas elites  
dominantes para manter o padrão de sociabilidade feudal através da constituição de  
institutos jurídicos e políticos aptos a manter essa sociabilidade, com vistas a  
conservação dos privilégios das suas elites, percebe-se que, através dos relatos de  
Marx, é possível conceder ao direito prussiano da época o papel específico de  
obstaculizar o progresso liberal. Atuando como linha auxiliar para imobilizar a  
modernização das estruturas jurídico-políticas prussianas, tirando da burguesia o  
acesso aos recursos estatais e garantindo à burocracia extensos poderes regulatórios,  
bem como impedindo que o processo revolucionário fosse adiante, percebe-se que o  
terreno jurídico no período teve papel de destaque no projeto de interrupção ou atraso  
do desenvolvimento do modo de produção capitalista na Prússia, isso quando  
comparado ao ocorrido no percurso econômico histórico do capitalismo nos países da  
via clássica.  
Conclusão  
Portanto, embora o período analisado seja cronologicamente breve, pois a  
produção intelectual da Nova Gazeta Renana, assim como o período mais agudo da  
revolução, durou cerca de apenas um ano, é possível perceber através dos escritos  
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marxianos a direção que a aristocracia agrária buscava impor ao desenvolvimento  
econômico no estado prussiano. Nesse quadro, fica patente que o projeto burguês de  
modernização das estruturas institucionais necessárias a um desenvolvimento mais  
robusto do capitalismo nos estados germânicos seria deixado de lado sempre que  
houvesse confronto com os interesses dos Junkers, uma vez que não houve a  
superação da proeminência desses últimos na vida política germânica, nem das classes  
cujos privilégios estavam atreladas ao modelo feudal de sociabilidade, como a  
burocracia, em virtude dos elementos já destacados.  
É possível asseverar, assim, que o direito exerceu um grau de influência  
significativo no período revolucionário, ajudando a estancar a pressão pela  
modernização burguesa representada pelo evento da Revolução de 1848, bem como  
é notória a influência dos interesses da aristocracia feudal no desenho dos institutos  
jurídicos no período contrarrevolucionário, tornando o direito uma ferramenta para  
manutenção do status quo produtivo da Prússia. Dessa forma, embora o terreno  
jurídico, pelas suas particularidades intrínsecas dentro de um período de instabilidade  
institucional como o que se seguiu na Prússia pós-revolução, tenha tido momentos ou  
eventos nos quais não foi fiel aplicador do projeto feudal, como, por exemplo, no curto  
período de proeminência representado pelo governo tripartite burguês, é possível  
argumentar que o terreno jurídico assumiu uma direção geral contrária ao elemento  
popular da revolução, sendo uma ferramenta importante para impedir alterações  
significativas na estrutura social da Prússia, atuando como verdadeiro freio irracional.  
Isso porque julgamos ter demonstrado que o terreno jurídico foi um dos fatores  
para que a via prussiana do capitalismo se caracterizasse de forma diferenciada da via  
clássica. Enquanto a modificação dos institutos jurídicos nos casos francês e inglês  
favoreceu o desenvolvimento do capitalismo nessas nações, na Prússia ocorreu o  
oposto. Assim, tem-se que mesmo as regulamentações fabris na Inglaterra, embora  
insatisfatórias para a classe burguesa no período imediato da sua implantação,  
viabilizaram a consolidação das formas capitalistas de produção naquele país ao  
impedir que o avanço da exploração do operariado levasse a um grau de insatisfação  
desse último que ameaçasse desestabilizar a sociedade inglesa, levando Marx a  
encarar tal regulamentação como um “freio racional”, racional pois permitia a  
consolidação de longo prazo das relações sociais necessárias ao desenvolvimento do  
capitalismo.  
Já o contrário aconteceu na Alemanha. Ali o direito serviu aos interesses  
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imediatos da aristocracia feudal, criando formas de intervenção ao avanço burguês  
cujo objetivo último era conservar os traços do feudalismo favoráveis à manutenção  
dos privilégios das elites. A modernização das relações de produção nos moldes  
burgueses levaria fatalmente à erosão da base social feudal e à perda desses  
privilégios. Portanto ali ele atuou como “freio irracional”, irracional porque a sua  
atuação concreta foi no sentido de impedir o progresso da sociedade prussiana em  
direção à sociedade liberal-burguesa. Pode-se afirmar, portanto, que essa foi a função  
ideológica que o terreno jurídico assumiu no período em questão, ou seja, operou  
como “freio irracional”.  
Diante desse quadro, é necessário estabelecer que o terreno jurídico na via  
prussiana assume essa função sempre num contexto de inter-relação com os outros  
movimentos ou fatores históricos nos quais se desenrolaram os fatos que  
caracterizaram a via prussiana. De acordo com Marx, para que o direito assumisse essa  
função ideológica específica foi notadamente importante foi a reticência da burguesia  
prussiana em levar a cabo a revolução após o período de agudização em que ela  
efetivamente assumiu o poder. Ao não reformular o estado prussiano e reestruturar a  
sua base jurídica, inclusive reformando o aparelho burocrático historicamente ligado à  
aristocracia feudal, a burguesia prussiana perdeu a oportunidade de assumir as rédeas  
do direcionamento do desenvolvimento da sociedade prussiana:  
[A burguesia] (d)eixou em vigor a velha legislação prussiana sobre  
crimes políticos e os antigos tribunais. Sob seu governo, a antiga  
burocracia e o antigo exército tiveram tempo para se recuperar do  
susto e se recompor completamente. Sem qualquer restrição, todos  
os chefes do antigo regime permaneceram em seus postos. (MARX,  
2010a, p. 318, comentário nosso)  
Assim, o direito apresentou-se como uma das vias alternativas possíveis  
para a sobrevida de um modelo de sociabilidade com afinidade às formas feudais na  
Prússia, interrompendo o caminho da modernização burguesa, diferente do que  
acontecia nos países europeus de capitalismo avançado. A aliança entre aristocracia e  
burocracia estatal, calcada na manutenção do privilégio de ambas, teve no terreno  
jurídico uma válvula de escape para atrasar a modernização liberal dos estados  
germânicos. Percebe-se, portanto, que a função do direito verificada nos relatos de  
Marx refletia amplamente os fatores materiais históricos daquele momento específico  
da vida prussiana.  
Essa conclusão, por sua vez, pode ser extraída da análise imanente dos textos  
marxianos, na medida em que eles expõem com clareza a função do terreno jurídico  
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O papel do terreno jurídico na Prússia revolucionária  
na Primavera dos Povos e no período subsequente, bem como aponta a tendência que  
esse terreno teria sob a organização da aristocracia, como o desenho constitucional  
dos institutos jurídicos interventores na economia demonstrava. O relato vivo de Marx  
na forma de texto jornalístico desnuda justamente essa atuação ideológica efetiva na  
materialidade, em vez de se prender a teorias abstratas dos ideólogos do direito da  
época, como é comum no estudo da teoria geral do direito. A realidade da atuação  
efetiva do terreno jurídico enquanto fenômeno histórico, tanto repressor do povo como  
articulador da interferência da burocracia sobre o terreno econômico, reforçam a  
defesa dessa conclusão.  
Insta ressaltar que a análise aqui realizada observa a tendência do terreno  
jurídico enquanto direção geral, partindo do concreto para apontar um vetor de  
atuação histórico. É possível afirmar que não foi toda e qualquer produção jurídica da  
época que exerceu essa função. Marx chega mesmo a fazer nos escritos da Nova Gazeta  
Renana uma crítica jurídica a legislações trabalhistas favoráveis à burguesia enquanto  
agressivas aos trabalhadores30. A análise realizada dos escritos marxianos apresenta  
uma tendência e direção gerais, não devendo se perder de vista que o terreno jurídico  
foi um dentro de uma miríade de fatores que caracterizaram a via prussiana, fatores  
esses que dialogavam com o jurídico mas tinham a base material como eixo articulador.  
A título de encerramento, é necessário destacar os limites da pesquisa  
empreendida. Por se tratar de material jornalístico, com objetivo de informação célere  
para movimentar os ânimos da classe trabalhadora e informar o público sobre os  
movimentos institucionais do período em questão, os textos elaborados por Marx  
detêm um grau de análise talvez um pouco mais direto e menos detalhado do que o  
encontrado nos seus estudos posteriores, inclusive pelas limitações de extensão da  
escrita que o formato impunha. Embora seja possível vislumbrar nesses escritos parte  
da teoria marxiana, ressaltando notadamente o foco entre as relações de classe dentro  
do movimento histórico, a importância do modelo produtivo como elemento fulcral de  
orientação da estruturação social de uma sociedade e, consequentemente, a  
materialidade como eixo articulador do ser social, aqui especificamente como  
orientadora do terreno jurídico, esses elementos não são desenvolvidos a exaustão e  
com grau de complexidade analítico que se encontra nas obras de fôlego do autor  
renano.  
30 Crítica presente no texto “Um documento burguês” (MARX, 2010p). Para mais informações cf. SALES  
JÚNIOR, 2018, p. 257-261.  
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Ressaltamos mais uma vez que a inspiração em se utilizar os textos jornalísticos  
marxianos buscou encontrar no Marx da NGR uma combinação de jornalista historiador  
com analista, tentando extrair das suas observações do movimento de forças na  
Prússia de sua época o quadro geral da função ideológica do direito no período.  
Também o período destacado pelas obras foi extremamente breve, pois a Nova Gazeta  
Renana teve curta duração em função da perseguição política empreendida contra os  
apoiadores da Revolução de 1848 e que obrigou Marx a fugir da Alemanha.  
Assim, dados mais complexos sobre o estado da indústria e do comércio  
alemão, bem como o seu desenvolvimento nas décadas seguintes, além de estudos  
mais aprofundados de como o terreno jurídico variou no período pós-revolucionário,  
notadamente a sua influência sobre o desenvolvimento do capitalismo prussiano, são  
de extrema valia para asseverar ou refutar a tese aqui aventada. Seria necessário  
observar em que grau a legislação intervencionista destacada por Marx foi  
efetivamente aplicada pela burocracia, a sua duração, eventuais modificações, a reação  
da burguesia a essa regulação, dentre outros fatores.  
Asseveramos, portanto, que os escritos marxianos aventados apontam para  
uma direção geral em relação ao comportamento do terreno jurídico e sua relação com  
o capitalismo alemão, tese que necessita de confirmação posterior, que não foi possível  
em virtude do escopo finito da pesquisa desenvolvida.  
Assim, também dentro dos limites aqui expostos, importa relembrar que o foco  
no terreno jurídico foi uma opção metodológica para a investigação realizada. Não  
está se afirmando que o fator principal que incidiu sobre o caráter único da via  
prussiana foi o direito, mas apenas que, pelos escritos marxianos indicados, o direito  
foi um dos elementos a conformar a especificidade da via prussiana. Em virtude da  
complexidade da interrelação real dos diversos elementos sociais dentro da  
materialidade histórica, mesmo apontar um papel de destaque ao direito seria  
prematuro. O terreno jurídico foi um dentre diversos fatores responsáveis pela  
caracterização do atraso da via prussiana, longe de ser o único ou necessariamente o  
mais relevante.  
Entretanto, mesmo diante desses limites bastante restritos, acreditamos ter  
fornecido alguma contribuição para o estudo do papel do direito dentro da análise  
marxiana histórica relativa à formação do capitalismo, notadamente o caso prussiano.  
Julgamos que os parâmetros científicos propostos, particularmente a tentativa de  
aferição da atuação do direito enquanto função ideológica no mundo real, os contornos  
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O papel do terreno jurídico na Prússia revolucionária  
da sua aplicação pela burocracia prussiana em detrimento da análise puramente  
idealista das teorias em voga no período, seja um caminho válido para o  
desenvolvimento de uma análise materialista do direito. A tentativa de demonstrar,  
mesmo que num período extremamente limitado e na perspectiva particular de Marx,  
a relação entre o jurídico e o econômico no período aventado, mostrou-se um desafio  
que, com alguma sorte, será frutífera, mesmo que num grau mínimo, para o  
desenvolvimento de uma análise marxista do direito.  
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em:  
Acesso em: 20 jan. 2018.  
VASILYEVA, Tatyana. Marx & Engels Collected Works, v. VII. Prefácio e notas: Tatyana  
Vasilyeva. London: Lawrence And Wishart, 2010.  
Como citar:  
SALES JÚNIOR, José Roberto Almeida. O papel do terreno jurídico na Prússia  
revolucionária: uma análise da função ideológica do direito nos escritos marxianos  
da Nova Gazeta Renana. Verinotio, Rio das Ostras, v. 29, n. 1, pp. 182-212; jan.-  
jun., 2024  
Verinotio  
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ISSN 1981 - 061X v. 29, n. 1, pp.182-212 jan.-jun., 2024  
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