DOI 10.36638/1981-061X.2024.29.1.708  
A batalha pelos significados dos Grundrisse e o  
labirinto criativo de leituras marxistas sobre o  
direito  
The battle for the meanings of the Grundrisse and  
creative labyrinth of Marxist readings of law  
Moisés Alves Soares*  
Resumo: A importância dos Grundrisse no  
itinerário da obra de Marx é um debate pleno de  
repercussões para o pensamento marxista. Não  
poderia ser diferente para a teoria marxista do  
direito. Para tanto, será discutido 4 importantes  
abordagens (Rosdolsky, Vygodski, Dussel e  
Negri), que dividiram a quadra histórica e  
geopolítica sobre o tema, bem como suas  
repercussões nas leituras marxistas sobre o  
direito. Neste ponto, no interior do labirinto dos  
Grundrisse, pode-se observar uma abordagem  
imanente do texto; uma construção categorial  
fundante da teoria marxista do direito (Stutchka  
e Pachukanis); teorizações heterodoxas ou que  
perpassam o marxismo (Direito Insurgente e  
Autonomismos).  
Abstract: The importance of the Grundrisse in  
the itinerary of Marx’s work is a debate full of  
repercussions for Marxist thought. It could not  
be different for the Marxist theory of law. To this  
end, 4 important approaches will be discussed  
(Rosdolsky, Vygodski, Dussel and Negri), which  
shared the same historical moment and  
geopolitical scene on the topic, as well as their  
repercussions on Marxist readings of law. At this  
point, within the labyrinth of the Grundrisse, an  
immanent approach to the text can be observed;  
a founding categorical construction of the  
Marxist theory of law (Stuchka and Pashukanis);  
heterodox theories or those that permeate  
Marxism (Insurgent Law and Autonomism).  
Keywords: Marx and Marxism; Grundrisse;  
Marxist Theory of Law; Method  
Palavras-chave: Marx e marxismo; Grundrisse;  
Teoria Marxista do Direito; Método.  
O lugar e os significados dos Grundrisse  
Apesar da enorme importância dos Grundrisse no projeto de Marx, o contexto  
de sua publicação em plena segunda guerra mundial, ocorrendo, inclusive, o  
adiamento de sua impressão (3100 exemplares) do dia 21 de junho para 28 de junho  
de 1941 em virtude da invasão alemã à União Soviética implicou o exílio da obra no  
desenvolvimento do pensamento marxista.  
Em pouquíssimo tempo, estas primeiras cópias dos Grundrisse, por terem  
*
Professor Adjunto de História do Direito da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Vice-Coordenador e  
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da UFJ. Coordenador do Grupo  
de Pesquisa Teorias Críticas do Direito e Desigualdades Sociais (Críticas do Direito - UFJ). Foi membro  
da Secretaria Executiva do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS) e, atualmente,  
é coordenador do GT Direito e Marxismo.  
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Moisés Alves Soares  
servido “no fronte de guerra como material de agitação contra os soldados alemães e  
depois nos campos como material de estudo para prisioneiros de guerra” (VASINA,  
2008, p.204), tornaram-se bastante raras, uma vez que somente alguns exemplares  
conseguiram cruzar as fronteiras soviéticas. Além disso, os Manuscritos de 1857-58  
não fizeram parte da primeira edição russa das obras de Marx e Engels, Сочинения  
(192847), sendo retomadas como nova edição apenas em 1953 (30000  
exemplares), restrita à língua alemã, mas agora impressa e distribuída por Berlim  
Oriental.  
O fim deste eclipse ou “100 anos de solidão” (MUSTO, 2008, p.181) não se  
reverte espontaneamente em impacto teórico e político entre os militantes comunistas.  
Pode-se “dizer que até 1960 as discussões entre os marxistas não os mencionavam  
nem tampouco se pensava em traduções em outros idiomas” (ARICÓ, 2007, p.VIII).  
Uma obra que seria alvo, na próxima década, de intenso interesse, sendo dissecada  
em seu mosaico de possiblidades pelas mais diversas vertentes.  
O primeiro estudo dedicado exclusivamente a uma análise dos Grundrisse foi  
elaborado por Roman Rosdolsky (1968). Ele, a partir de um contato inesperado com  
um dos raríssimos exemplares da primeira edição, compreendeu que estava diante de  
uma obra fundamental, porém críptica e densa, e pôs-se a escrever uma obra que  
ampliasse seu círculo de leitores e desvendasse suas principais descobertas. Não há  
dúvida que atingiu seu objetivo, pois o escrito, Gênese e Estrutura de O Capital de  
Marx, constitui-se em uma referência internacional não é equívoco afirmar que ainda  
é considerado o principal estudo dos escritos de 1857-58 –, sendo “traduzido em  
muitas línguas, encorajando a publicação e circulação do trabalho de Marx e exercendo  
uma considerável influência em todos os intérpretes posteriores” (MUSTO, 2008,  
p.184).  
Outra importante obra neste debate da apreensão e sobre o significado dos  
Grundrisse é A história de uma grande descoberta de Marx: a criação de O Capital de  
Vitali Vygodski [Виталий Выгодский]1 impressa em 1965 na Rússia, antes mesmo  
do livro de Rosdolsky, mas atingindo o grande público só em 1973 com sua tradução  
publicada na República Democrática da Alemanha. Tal análise, embora não seja  
centrada unicamente sobre os Grundrisse, assume vital interesse, uma vez que, em  
paralelo ao Gênese e Estrutura de O Capital de Marx, traça o caminho de Marx ao O  
1 Será mantida a transliteração inglesa em respeito a tradução que será utilizada.  
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Capital na visão de um dos mais representativos teóricos soviéticos Vygodski seria  
mais tarde, em 1968-69, o editor da tradução russa dos Grundrisse , recuperando  
os esquecidos Manuscritos de 1857-58 de seu exílio no leste europeu. Da mesma  
forma que Rosdolsky, o trabalho de Vygodski transformou-se em parada obrigatória  
sobre a temática.  
Após essas duas grandes obras sobre o assunto, em poucos anos o interesse  
sobre os Grundrisse cresceu exponencialmente, causando o surgimento de inúmeras  
traduções e intervenções de pensadores de diversas matizes dentro do marxismo na  
batalha pela hegemonia da interpretação destes escritos. Entre eles, destacam-se por  
suas posições inovadoras e controversas a respeito dos significados e potencialidades  
dos Grundrisse, Antonio Negri e Enrique Dussel. Tanto o pensador italiano, em Marx  
para além de Marx (1979), quanto o filósofo argentino/mexicano, em A produção  
teórica de Marx: um comentário aos Grundrisse (1985), ressignificam, de maneiras  
diferentes, a partir dos Grundrisse, a teoria marxista e recolocam os próprios termos  
da discussão sobre o lugar dos Manuscritos de 1857-58 na totalidade da obra de  
Marx.  
Avaliar e estudar as repercussões deste campo de batalha sobre os sentidos  
dos Grundrisse é fundamental para compreender, sobretudo, as raízes, mesmo que  
profundas, de várias tentativas de produzir teorias marxistas do direito ou até de  
teorias críticas do direito pesadas em sentido amplo. Para tanto, de forma analítica,  
serão expostas as principais leituras sobre os significados dos Grundrisse: os  
Grundrisse como caminho ao O Capital em Roman Rosdolsky; a revitalização da  
interpretação soviética em Vitali Vygodski; Marx contra Marx: a leitura dos Grundrisse  
de Antonio Negri; os Grundrisse como abertura para América Latina em Enrique Dussel.  
Por fim, a partir da exposição de tais concepções, caminharemos pelo labirinto crítico  
em suas repercussões, em particular, sobre a teoria marxista do direito.  
Os Grundrisse como caminho ao O Capital em Roman Rosdolsky  
A obra Gênese e Estrutura de O Capital de Marx de Roman Rosdolsky é um  
marco no debate sobre o significado dos Grundrisse na totalidade do projeto de Marx.  
Ela reconstitui, com fidelidade textual, os principais passos tracejados por Marx nos  
Grundrisse e disseca, por meio da análise das modificações dos planos constantes nos  
manuscritos, as desventuras dos caminhos que levam ao O Capital. “Se os Grundrisse  
representam o ‘laboratório teórico’ de Marx, numa metáfora conhecida, o livro de  
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Rosdolsky é o diário da vida do laboratório, o inventário dos métodos e  
procedimentos, do material e dos modos de fazer, dos protocolos de ação e síntese  
de resultados” (PAULA, 2010, p.69). Mas não se trata apenas de um estudo que  
observa o processo de elaboração dos Grundrisse a partir dos resultados de seu ponto  
de chegada, O Capital, uma vez que a reafirmação do papel da dialética como elemento  
central na teoria marxiana a partir dos Manuscritos 1857-58 lança outra interpretação,  
pelas mãos do próprio Marx, de sua obra fundamental. Por esta via, Rosdolsky enfatiza  
a raiz hegeliana da dialética conceitual e histórica nos Grundrisse e em O Capital. Isso  
emerge, justamente, quando a interpretação estruturalista francesa de Marx formula o  
‘corte epistemológico’ com o humanismo, a antropologia” (RABINBACH,1974, p.56).  
Ao observar as variações na estrutura dos projetos para crítica da economia  
política de Marx, Rosdolsky, como é plenamente indicativo pelo título de seu trabalho,  
observa os Grundrisse como um ponto de inflexão na trajetória de elaboração de O  
Capital. Isto é, sobre o sentido dos Grundrisse, para ele, “o que Marx esboçou em  
1857-1858 é, de fato, o programa de sua obra posterior [O Capital]” (ROSDOLSKY,  
2001, p.56).. Pois, “como se sabe, Marx elaborou dois planos – em 1857 e 1866 (ou  
1865) que deveriam servir de base para sua principal obra econômica. Entre ambos  
há um período de nove anos de experimentação e de permanente busca da forma  
expositiva adequada. Verificam-se uma contração do plano inicial e, ao mesmo tempo,  
uma ampliação da parte remanescente” (ROSDOLSKY, 2001, p.27).  
O fio condutor, para Rosdolsky, que permite compreender tais alterações  
promovidas no plano de trabalho de Marx é o método desenvolvido nos Grundrisse,  
em especial, o delineado em sua introdução. O movimento dialético que vai do abstrato  
ao concreto e do simples ao complexo e, sobretudo, a perspectiva da totalidade2 –  
acento conferido por Rosdolsky em consonância com as contribuições de György  
Lukács em História e Consciência de Classe permanecem enquanto princípios  
metódicos centrais do projeto marxiano. Além disso, em que pese as mudanças no  
livro 3, o esboçado por Marx em 1857 permanece como o programa em seu trabalho  
final em linhas gerais. Pois, assim como nos Grundrisse, os livros I e II de O Capital  
estão também limitados, nas próprias palavras de Marx, unicamente à ‘visão abstrata  
2 “A categoria da totalidade não reduz, portanto, seus elementos a uma uniformidade indiferenciada, a  
uma identidade; a manifestação de sua independência, de sua autonomia autonomia que eles possuem  
na ordem de produção capitalista só se revela como pura aparência na medida em que eles chegam  
a uma inter-relação dialética e dinâmica e passam a ser compreendidos como aspectos dialéticos e  
dinâmicos de um todo igualmente dialético e dinâmico”. LUKÁCS, 2003, p.83-84.  
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do fenômeno da formação do capital, isto é, estão confinados à análise do processo  
de circulação e reprodução ‘na sua forma fundamental’ – a consideração do ‘capital  
em geral’” (ROSDOLSKY, 1974, p.70).  
O “capital em geral” – “não uma abstração arbitrária, mas uma abstração que  
capta a diferença específica do capital em oposição a todas as demais formas de  
riqueza ou modo em que a produção (social) se desenvolve” (MARX, 2007, p.409) –  
representa somente o que os capitais têm como essencial: a capacidade de expandir  
seu próprio valor extraindo a mais-valia por meio da exploração do trabalho. Os vários  
capitais ou as expressões presentes em concreto nas ações dos capitalistas em relação,  
em particular a partir da concorrência, podem apenas ser desvendados após o  
estabelecimento das leis básicas terem sido desenvolvidas no estudo do capital em  
geral. Nesse sentido, “as situações concretas em que o sistema capitalista se  
encontrará historicamente depende tanto das leis gerais tanto das manifestações  
concretas da realidade capitalista” (CATEPHORES, 1978, p.579). Desta forma, as  
manifestações reais da pluralidade de capitais são inteligíveis somente através da  
teorização de sua forma mais abstrata o “capital em geral”.  
As categorias “capital em geral” e “pluralidade de capitais” acabam, conforme  
o marxista ucraniano, sendo a “chave para compreender não só os Grundrisse mas  
também O Capital(ROSDOLSKY, 2001, p.56). Pois,  
assim como os Grundrisse, o primeiro e segundo tomos de O Capital  
limitam-se apenas, em última análise, a ‘enfocar abstratamente, em  
forma pura, o fenômeno da formação do capital’ e analisar o processo  
de circulação e reprodução ‘em sua forma fundamental, reduzido à  
sua expressão mais abstrata’; ou seja, a considerar ‘o capital em geral’”  
(ROSDOLSKY, 2001, p.56).  
A diferença de método sobressalta apenas no terceiro livro de O Capital, uma  
vez que Marx conduz suas observações para além da categoria mais abstrata de  
“capital em geral” em direção à totalidade concreta do processo global de produção  
capitalista na ação recíproca dos diversos capitais entre si em seu movimento real  
(lucro industrial, taxa de interesse, lucro comercial, renda da terra, juros etc.), na  
concorrência e na consciência habitual dos próprios agentes da produção. A  
abordagem dessas formas concretas, embora também sejam tratadas nos Grundrisse,  
“em sua última seção, do lucro, da taxa geral de lucro e da queda tendencial desta  
taxa, o enfoque permanece centrado no ‘lucro em geral’, no ‘lucro da classe capitalista’,  
e não no lucro de ‘um capital individual em detrimento de outro’” (Ibid.).  
É justamente pela questão do método que se explicitam as distinções do  
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executado no plano dos Manuscritos de 1857-58 e o realizado na obra de 1867. Pois,  
nos Grundrisse, a centralidade conferida no estudo da sociedade capitalista à  
determinação abstrata do ‘capital em geral’, relega, conscientemente, inúmeros  
problemas concretos que só teriam tratamento adequado em O Capital. Assim sendo,  
estão ausentes nos Grundrisse “não só a análise da circulação do capital-dinheiro, do  
capital produtivo e do capital-mercadoria, mas também o exame fundamental da  
reprodução e circulação do capital social global” (Ibid., p.30). Por este motivo,  
Rosdolsky ressalta a condição de primeiro projeto ao O Capital e afirma que “não  
devemos exagerar o parentesco das duas obras. Não podemos ignorar a circunstância  
de que a reestruturação posterior do primeiro ‘Livro sobre o capital’ também produziu  
e devia produzir uma certa modificação dos conceitos fundamentais desse livro”  
(Ibid., p.56-57).  
O marxista ucraniano, deste modo, ressalta a continuidade na descontinuidade  
entre os Grundrisse e O Capital, visto que, evidentemente, há um desenvolvimento  
categorial a partir dos Manuscritos de 1857-58, que resultam na modificação da  
estrutura do projeto inicial na medida em que, a partir da análise concreta, evidencia-  
se não mais como fundamentais o foco específico em determinados objetos por  
exemplo, todo o estudo do processo de produção e circulação do capital foram  
elaboradas em detrimentos dos temas dos livros sobre propriedade da terra e trabalho  
assalariado (constantes no plano dos Grundrisse), que foram incorporados em O  
Capital e a extensão de outros problemas antes não suficientemente dimensionados.  
Há na obra de Rosdolsky, portanto, um claro esforço em resgatar a dialética  
marxiana para o marxismo tanto no que tange à análise interna dos Grundrisse quanto  
no significado de seu caminho na gênese do/para O Capital. Nesta tarefa, ele se  
aproxima do famoso aforismo de Lênin, para quem “é completamente impossível  
compreender O Capital de Marx, em especial seu primeiro capítulo, sem haver  
estudado a fundo toda a Lógica de Hegel” (LENIN, 1972, p.172), posto que pensa não  
haver “tema tratado com mais descuido pelos comentadores da teoria econômica de  
Marx do que o de seu método e, particularmente, de sua relação com Hegel”  
(ROSDOLSKY, 2001, p.15). E infere que se “em O Capital, a influência de Hegel só se  
manifesta, à primeira vista, em algumas notas de pé de página. Já os Grundrisse são  
uma grande remissão a Hegel, especialmente à sua Ciência da Lógica, e mostram a  
radical inversão materialista de Hegel” (Ibid. p.17). Ponto que, certamente, abre a  
dimensão de sua obra não apenas como um mero caminho descritivo ao O Capital,  
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mas, sobretudo, provoca uma abertura na interpretação dialética da obra marxiana a  
partir dos Grundrisse.  
O aparecimento dos Grundrisse, chega a afirmar Rosdolsky, pode “eliminar,  
talvez, a necessidade de morder o fruto amargo e ‘estudar minuciosamente o conjunto  
da lógica de Hegel’ para compreender O Capital de Marx” (ROSDOLSKY, 1974, p.64).  
Ele considera, por sua forma de exposição, que por meio da investigação dos  
Manuscritos de 1857-58 é possível alcançar, mais diretamente, a compreensão do  
significado da obra principal de Marx. Pois, “é precisamente nos Grundrisse que se  
demonstra a extensão da centralidade da dialética na construção de O Capital, bem  
como se indica o papel decisivo atribuído por Marx às categorias de método derivadas  
de Hegel. Categorias como: a relação entre forma e conteúdo, essência e aparência, o  
geral, o particular e o individual; entre imediatez e mediação, entre diferença, oposição  
e contradição, etc.” (Ibid.). Nesse sentido, Rosdolsky defende que “a caracterização de  
Lassale da filosofia hegeliana como um ‘sistema conceitual de mediações’ é válido  
também para o sistema econômico marxiano. A diferença, sem dúvida, é que o ‘sistema  
de mediações’ de Marx não se restringe a meros conceitos, mas é dirigido para captar  
a totalidade do mundo empírico” (ROSDOLSKY, 2001, p.67).  
A ênfase na raiz hegeliana da dialética marxiana em os Grundrisse e sua  
continuidade mais apurada em O Capital, para Rosdolsky, apontam, portanto, no  
sentido da “inadequação das interpretações puramente econômicas de Marx, que  
negligenciam o caráter histórico-dialético da teoria social em seu trabalho, ignorando,  
frequentemente, a importância do trabalho produtor de valor como o lado subjetivo  
do capital, bem como a transformação histórica do valor de uso em forma mercadoria”  
(ROSDOLSKY, 1974, p. 56). O marxista ucraniano, deste modo aborda, rigorosamente,  
os Grundrisse como um manuscrito ao O Capital com imensa potencialidade teórica,  
porém sem estatura de obra autônoma sempre tracejando o caminho dos planos de  
trabalho , no tocante a abertura da dogmatizada teoria marxista sob a pena do  
próprio do Marx.  
A revitalização da interpretação soviética em Vitali Vygodski  
Em paralelo e com objetivo aparentemente próximo ao livro de Rosdolsky, Vitali  
Vygodski, em seu A história de uma grande descoberta de Marx: como Karl Marx  
escreveu “O Capital, aborda a caminhada de Marx até a formulação das teses  
principais de sua obra mestra, englobando o período de gênese de sua crítica da  
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economia política (1850-1863). Deste modo, embora não seja um trabalho  
explicitamente centrado no alcance e significado dos Grundrisse, os Manuscritos de  
1857-58 são considerados peça fundamental em sua construção teórica, sendo  
abordados transversalmente e, em especial, em dois capítulos: “Um Mont Blanc de  
fatos” e “A célula econômica da sociedade burguesa”. Além disso, fato certamente  
mais importante é a retirada do limbo, na União Soviética, devido ao seu potencial  
heterodoxo, de uma parte relegada do projeto teórico de Marx basta dizer que, após  
a primeira publicação em 1939-41, somente foi levada a cabo uma tradução para a  
língua russa dos Grundrisse em 1968-69 sob edição do próprio Vygodski. Tal  
recuperação assume, igualmente, um papel diferenciado na interpretação soviética da  
totalidade da obra de Marx, pois “estudar a história da teoria econômica de Marx revela  
seu método criativo e nos leva para dentro de seu laboratório criativo”, permitindo,  
assim, o domínio do método marxiano, que consiste no caminho para compreender “a  
teoria marxista-leninista de um modo criativo e aplicá-la corretamente para explicar os  
fenômenos da vida na sociedade humana de nossa época” (VYGODSKI, 1973, p.14).  
Neste estudo, o autor russo, delimita seu período de análise entre 1850 e  
1863, pois considera estar nesse ínterim o desdobramento de categorias  
fundamentais como valor, mais-valor, lucro médio, preço de produção, que dão vida  
ao centro de sua crítica da economia política: a teoria do mais-valor. Ao demarcar a  
relevância inaugural desta fase no pensamento marxiano, Vygodski julga que “tudo  
produzido por Marx antes desse período, entre 1843 e 1849, no campo da economia  
política, pode ser designado como pré-história de sua teoria econômica” (VYGODSKI,  
1973, p.15). Apesar de operar esse corte no campo econômico, ele não relega a  
importância dos escritos anteriores na integralidade da obra marxiana, uma vez que é,  
precisamente, este pré-Marx que “formula as teses básicas da dialética e concepção  
materialista da história” – nada próximo a uma ideia de um não-Marx desprezável  
perante o Marx propriamente dito, mas somente a delimitação do desenvolvimento  
autônomo de seus estudos econômicos –, “devotando toda sua atenção à investigação  
das relações de produção da formação capitalista da sociedade” (Ibid., p.16). E é a  
partir da constituição dessa teoria materialista da história, tendo como momento  
predominante a economia, que Marx é impulsionado a elaborar sua teoria econômica  
posteriormente.  
Por esta via, é no caminho da constituição da crítica marxiana da economia  
política, que Vygodski compreende os Manuscritos de 1857-58 como um passo  
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A batalha pelos significados dos Grundrisse  
fundamental neste processo de construção. Nos Grundrisse, para o autor russo, Marx  
“expõe, detalhadamente, a base metodológica de sua teoria econômica [...], as  
características básicas do desenvolvimento de sua teoria da mais-valia, bem como os  
elementos essenciais das teorias da reprodução e da crise econômica" (VASINA, 2024).  
Assim, no primeiro manuscrito ao O Capital, “Marx elaborou o mais importante aspecto  
de sua teoria econômica: a teoria do valor e da teoria do mais-valor” (VYGODSKI,  
1973, p.17). Isto é, “Engels disse que Marx fez duas grandes descobertas: a primeira  
é a concepção materialista da história e a segunda trata-se da teoria do mais-valor.  
Foi precisamente trabalhando nos Manuscritos de 1857-58 que Marx fez sua segunda  
grande descoberta(Ibid., p.17, grifo do autor).  
Nesse sentido, para Vygodski, “um relatório detalhado de como Marx descobriu  
a ‘célula econômica’ da sociedade burguesa e a formulação de sua teoria do valor foi  
dado no ‘Capítulo sobre o Dinheiro’, o primeiro capítulo dos Grundrisse(Ibid., p.57).  
Em sua crítica aos proudhonistas e suas utopias monetárias, Marx observa que a  
contradição interna das mercadorias, a contradição entre a uniformidade qualitativa  
como valor e sua diversidade natural como valor de uso, é aparentemente resolvida  
no processo de troca na duplicação das mercadorias enquanto mercadoria e dinheiro,  
isto é, o valor das mercadorias adquire uma existência independente numa forma  
especial de mercadoria – o dinheiro. “Com base nesta análise do duplo fator  
contraditório das mercadorias, Marx chega à conclusão de que o valor de troca é a  
forma necessária exterior de valor, em outras palavras, que o dinheiro é necessário”  
(VYGODSKI, 1973, p.52).  
Tal divisão da mercadoria entre valor de uso e valor, sempre conforme o autor  
russo, no que se refere ao processo de troca, leva Marx a descobrir, igualmente, o  
duplo caráter do trabalho produtor de mercadorias.  
A teoria do duplo caráter do trabalho na produção de mercadorias  
constitui o fundamento da teoria do valor de Marx. É precisamente  
este ponto que marca a diferença da teoria marxiana em relação à  
teoria do valor-trabalho dos clássicos da economia política burguesa.  
(Ibid., p.54)  
O ponto de partida dos economistas burgueses que consideram o modo de  
produção capitalista como eterno e natural levou-os a abstrair da forma social da  
mercadoria, do valor enquanto forma socialmente determinada, somente a discussão  
da magnitude. Deste modo, “a economia política burguesa não avançou no sentido de  
dividir a mercadoria e separar seu envelope social do seu conteúdo material” (Ibid.,  
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p.56). Sendo assim, quando Marx,  
em sua teoria do valor divide a mercadoria, separando a forma social  
da mercadoria do seu conteúdo físico e estabelecendo a distinção  
entre valor de uso e valor, bem como a magnitude do valor e sua  
forma, ele criou a condição essencial para superar do fetichismo em  
relação a mercadoria da economia política burguesa para quem o  
valor de uso e valor teriam ‘crescido’ juntos (Ibid.).  
Nos Manuscritos de 1857-58, então, Vygodski entende que Marx já parte da  
célula econômica da sociedade burguesa: a mercadoria. No entanto, ressalta que ainda  
há uma dubiedade em sua teoria econômica em construção, uma vez que algumas  
vezes ainda procede do valor de troca.  
Nos Grundrisse, o primeiro capítulo era para ter sido chamado de  
‘Valor’, mas em ‘A contribuição à crítica da economia política’ o título  
usado foi ‘A mercadoria’. É evidente que não se tratou de apenas uma  
mudança formal. Ela expressa, sobretudo, o caráter materialista da  
teoria dialética e econômica de Marx (Ibid., p.55).  
Há, deste modo, nos Grundrisse, o encaminhamento teórico do problema da  
troca entre trabalho e capital com base na lei do valor e o delineamento dos  
fundamentos da sua teoria do mais-valor, que constituirá a pedra angular de toda sua  
crítica da economia política.  
A descoberta do mais-valor foi o maior acontecimento revolucionário  
da ciência econômica. Ela permitiu a Marx, pela primeira vez na  
história da economia política, desvelar e explicar cientificamente o  
mecanismo da exploração capitalista. Na linguagem vigorosa de  
Vladimir Maiakovski, Marx ‘pegou os ladrões da mais-valia em  
flagrante’ (VYGODSKI, 1973, p.54).  
Ele demonstra, o que desenvolverá de forma mais acabada em O Capital, que a  
aquisição pela burguesia do mais-valor criado pelos trabalhadores é a base do modo  
de produção capitalista e ocorre em pleno acordo com suas leis internas,  
especialmente com a lei do valor.  
Para Vygodski, portanto, a hipótese científica da década de 1840 do “pré-  
Marx”, tornou-se uma tese cientificamente comprovada nos Manuscritos de 1857-58.  
Deste modo, “os Grundrisse nos levam ao laboratório criativo de Marx e nos permite  
seguir passo a passo o processo no qual Marx elaborou sua teoria econômica” (Ibid.,  
p.44). O marxista russo, da mesma forma que Rosdolsky, ressalta o caráter de  
continuidade e progressão no desenvolvimento da teoria de Marx nas fases de  
elaboração por ele propostas e aponta o significado da obra como o marco  
fundamental na conformação de sua economia política em virtude da descoberta do  
mais-valor. No entanto, cerra o seu sentido numa concepção estritamente econômica  
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A batalha pelos significados dos Grundrisse  
em consonância com o marxismo soviético o que talvez aponte para ares de  
enquadramento da obra a linha oficial , não impulsionando em toda potência a  
capacidade criativa que os Grundrisse poderiam fornecer aos textos de Marx. No  
entanto, o estudo significa importante resgate que será avaliado e deglutido por  
autores como Negri e Dussel.  
Marx contra Marx: Antonio Negri diante do novelo revolucionário dos  
Grundrisse  
Outro importante e controverso trabalho sobre os Grundrisse é Marx para além  
de Marx de Antonio Negri. A obra é fruto dos textos que serviram de base aos nove  
seminários sobre os Manuscritos de 1857-58 proferidos por Negri, a convite de  
Althusser, na École Normale Supérieure durante a primavera de 1978. Inclusive, reputa  
o filosofo italiano tal estudo como o único comentário existente a respeito desse vital  
escrito de Marx, posto que as análises anteriores foram realizadas no sentido  
meramente filológico, tendo como objetivo vasculhar o “laboratório marxiano” para  
compreender a gênese do pensamento exposto em O Capital, e não desenvolver uma  
apropriação original de seu espírito revolucionário para discussão contemporânea.  
O próprio critério filológico adotado por tais abordagens é posto em xeque por  
Negri, uma vez que indaga “se é correto considerar a obra definitiva de Marx, O Capital  
em nosso caso, como sintética e exaustiva a respeito de toda investigação marxiana”  
(NEGRI, 2001, p.19-20). No sentido contrário, argumenta que, caso se observe o  
previsto nos esquemas preparatórios, O Capital é apenas uma parte da temática global  
marxiana e não o elemento absolutamente fundamental. O Capital, sobretudo, é  
supervalorizado como centro nodal pelos teóricos por ser a única parte do plano  
realmente levada a cabo, acarretando, por isso, uma redução nos horizontes  
interpretativos substancialmente incongruentes com o espírito global da obra de Marx.  
Deste modo, evidentemente, Negri compreende que “as gêneses de O Capital,  
expostas por ilustres companheiros estudiosos, se acham a meu juízo viciadas pela  
premissa de que O Capital constitui o ponto mais elevado da análise marxiana” (Ibid.,  
p.20). Assim sendo, ao construir seu posicionamento acerca do significado dos  
Grundrisse enquanto obra aberta, em primeiro lugar, faz um balanço crítico de tais  
interpretações representadas nas figuras de Vygodski e Rosdolsky.  
Em relação ao trabalho do marxista russo, Negri ressalta a forte tensão genética  
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por captar uma ideia de continuidade sem contradições antagônicas3 no  
desenvolvimento teórico de Marx a linha crescente de sua teoria econômica, tendo  
como ponto fundamental a descoberta da teoria do mais-valor nos Grundrisse, até O  
Capital. “O avanço teórico de Vygodski [...] não logra caracterizações definitivas, não  
somente porque Vygodski não vai além da descoberta do mais-valor, mas também  
porque não apreende até as últimas consequências o alcance desse descobrimento”  
(NEGRI, 2001, p.21). Desta forma, a despeito de sua interpretação econômica ser  
frequentemente correta, Negri considera que a obra de Vygodski pertence,  
inequivocamente, a um “new look do Diamat(Ibid., p.30). Tal face dos Grundrisse,  
reabsorvida pelo marxismo oficial, atenua a ortodoxia, não menos rígida, mas nem  
sempre adequada, do sistema ideológico soviético.  
Conjugar os Grundrisse com a vulgata soviética de O Capital significa  
permitir essa modernização do Diamat por parte do poder [...], visando  
desenvolver melhor dialética e conflitivamente o potencial de domínio  
da teoria do valor, que a leitura economicista e/ou stalinista de O  
Capital igualmente expressa” (NEGRI, 2001, p.30).  
A leitura de Vygodski, portanto, para Negri, ao se restringir estritamente a esfera  
econômica, não alcança em nenhum nível a dimensão antagonista da dialética,  
provinda do elemento central da teoria do mais-valor, à totalidade das categorias  
marxianas.  
Por sua vez, Negri é muito mais comedido ao tecer críticas sobre Gênese e  
Estrutura de O Capital de Marx, visto que  
na conjugação dos Grundrisse e de O Capital, Rosdolsky sempre  
buscou um terreno intermediário, nunca intentou a redução do  
primeiro ao segundo, antes pretendera fazer uma interpretação  
revolucionária e uma leitura com frequência original e inovadora de O  
Capital(Ibid.).  
Os Grundrisse e O Capital movem-se um no interior do outro a partir de uma ideia de  
totalidade da obra marxiana, capturando, para o filosofo italiano, a forte tensão  
antagonista até o limite do “catastrofismo marxiano”. No entanto, a obra de Rosdolsky  
3
“O Marxismo Soviético introduz a distinção entre contradições antagônicas e não-antagônicas  
(‘conflitos’ e ‘contradições’): a primeira, irreconciliável e ‘solúvel’ apenas através da explosão catastrófica;  
a última, sujeita a solução gradual por meio do controle político; a primeira, característica da sociedade  
de classes; a última, característica da sociedade socialista. O Marxismo Soviético sustenta que a mudança  
da forma explosiva para a transição dialética gradual tem sido possível na URSS com o estabelecimento  
do estado Soviético. [...] Obviamente, a concepção do Marxismo Soviético sobre a dialética é mais  
adequada para servir à estabilização ideológica do estado estabelecido: atribui ao estado a tarefa  
histórica de resolver as "contradições não-antagônicas" e evita, teoricamente, a necessidade de uma  
outra revolução no caminho ao comunismo”. MARCUSE, 1969, p.153-54.  
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A batalha pelos significados dos Grundrisse  
se estriba nos limites do tecido ideológico dos entreguerras:  
“por um lado, um objetivismo extremo, por outro, a necessidade de o  
fundamentar na recuperação da ortodoxia. [...] Sua leitura dos  
Grundrisse pretende mediar a extraordinária novidade do texto, que  
Rosdolsky, reiteradamente, adverte com a ingenuidade do verdadeiro  
intelectual e a continuidade da ortodoxia (Ibid.).  
O elemento central dessa crítica ao marxista ucraniano, apesar de admitir os méritos  
em alargar o horizonte interpretativo da totalidade da obra marxiana, consiste na  
manutenção de O Capital enquanto traço acabado de Marx e, por conseguinte, no  
entendimento da viabilidade de aplicação de seu aporte categorial, com a oxigenação  
dos Grundrisse, sem revisionismos à realidade concreta.  
Em oposição a tais concepções, Negri não lê os Grundrisse como um texto,  
prioritariamente, utilizável para estudar a constituição do Capital, tampouco se  
contenta em definir o método da crítica da história e economia política capitalista, mas  
o visualiza como um escrito potencialmente político: a conjugação da possibilidade  
revolucionária decorrente da crise iminente e a necessidade de elaboração de uma  
síntese teórica que orientasse a ação comunista da classe operária frente àquele  
momento histórico. É justamente na abertura para a prática que os Grundrisse  
recuperam Marx, não por sua fidelidade textual, mas como teoria revolucionária. Por  
isso, ao revés das interpretações anteriores, o filósofo italiano considera que  
os Grundrisse representam o ápice do pensamento revolucionário  
marxiano; com tais cadernos atinge-se a fratura teórico-prática que  
constitui o comportamento revolucionário e funda sua diferença tanto  
da ideologia quanto do objetivismo. Nos Grundrisse, a análise teórica  
é constitutiva da prática revolucionária (NEGRI, 2001, p.32).  
Sendo assim, pode-se  
contemplar a síntese efetuada pelos Grundrisse em seu sentido real:  
representam o centro do desenvolvimento teórico de Marx, porque  
representam o momento no qual o sistema em formação não se fecha,  
mas se abre à totalidade da prática (Ibid.).  
Tal dinamismo aberto irradiado pelos Grundrisse na teoria marxiana se  
desenvolve a partir da vinculação crise-emergência resolvida na erupção da  
subjetividade revolucionária. A centralidade, para Negri, dessa relação é tamanha que  
chega a afirmar que “o marxismo bem poderia denominar-se uma ciência da crise e da  
subversão” (Ibid., p.24). Então, a crise e a luta de classes estão articuladas tão  
profundamente que a primeira toma a forma, dentro desta dialética antagônica, de  
catástrofe, enquanto a segunda toma forma de comunismo. Para Negri,  
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os Grundrisse constituem, pois, uma aproximação subjetiva (‘crise  
iminente’) à análise da subjetividade revolucionária no processo do  
capital. Representam, simultaneamente, o ponto mais alto de análise  
e da imaginação-vontade revolucionária de Marx (Ibid., p.22-23).  
Procurando extrair dos Grundrisse elementos para a refundação do movimento  
revolucionário contemporâneo, Negri, baseado nos comentários sobre a maquinaria,  
formula sua teoria do trabalho imaterial sem dúvida, a parte mais controversa de seu  
pensamento. Ele considera que “o desenvolvimento capitalista conduz a uma  
sociedade na qual o trabalho obreiro industrial (enquanto trabalho imediato) é a partir  
de um certo momento unicamente um elemento secundário na organização do  
capitalismo; isto é, quando o capital subsome a sociedade a organizando a sua imagem  
e semelhança, o trabalho produtivo torna-se trabalho intelectual, cooperativo,  
imaterial” (Ibid., p.8). Deste modo, ao considerar que a forma de trabalho  
predominante do “capitalismo maduro” é a imaterial, sepulta no nascedouro a grande  
descoberta dos Grundrisse: a teoria da mais-valia.  
A teoria do mais-valor descoberta nos Grundrisse, então, passa a representar,  
ao invés do centro nervoso da teoria marxiana que deveria orientar a práxis no sentido  
da reabsorção do trabalho alienado, uma estaca na organização do movimento  
revolucionário. Mais: Marx torna-se “o teórico da grande sublevação do capital desde  
o ponto de vista da crise da lei do valor” (NEGRI, 2001, p.31). Isto provoca todo um  
rearranjo categorial da teoria “marxista” e na estratégia revolucionária – senão seu  
abandono , tendo como eixo central “a liberação do trabalho intelectual, como mise  
en forme dos processos de produção subjetiva (fonte matriz de valor e riqueza), que  
nos Grundrisse aparece como chave interpretativa do projeto comunista” (Ibid., p.8).  
O trabalho de Negri, portanto, em que pese apresentar contribuições de  
extrema fecundidade, como a insistência no resgate da dimensão subjetiva da teoria  
marxiana, não vai além de Marx tal qual o título da própria obra indica: Marx Oltre  
Marx , mas sim, em grande medida, contra Marx. O que não significa uma teoria  
potente em oposição ao mundo do capital, porém sob outros marcos e estratégia  
política. O filosofo italiano não só alça os Grundrisse, ao contrário das outras  
interpretações, como uma obra autônoma de ineditismo absoluto, mas a coloca como  
centro da teorização marxiana, inclusive, em oposição ao próprio O Capital. Pois, além  
da síntese teórica entre crise e sublevação a teoria aliada com a práxis revolucionária  
inexistente em O Capital, enxerga nos Grundrisse uma antecipação teórica da  
sociedade capitalista contemporânea a era do trabalho imaterial. Neste Marx contra  
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Marx, por via da elevação do significado dos Grundrisse como obra definitiva da teoria  
marxiana, Negri, curiosamente no escrito em que há a descoberta da mais-valia, vê  
como pedra angular o fim da vigência da teoria do valor e traça seu caminho para  
“para além” do marxismo.  
Os Grundrisse como abertura para América Latina em Enrique Dussel  
Enrique Dussel, em La producción teórica de Marx: un comentario a los  
Grundrisse (1985), elabora um estudo indispensável dos Grundrisse em que procura  
extrair, mediante uma interpretação criativa que em diferente dimensão, igualmente,  
desloca o eixo conceitual marxiano , elementos para revolucionar a realidade  
concreta, em especial, a latino-americana. No entanto, ao contrário de Negri, o qual  
deliberadamente se afasta do marxismo, Dussel se reivindica como partícipe da melhor  
tradição marxista, uma vez que sua teorização desenvolve o discurso implícito, mas  
coerente e sem contradição com o discurso explícito de Marx. Isso porque “o discurso  
que continua Marx é marxista enquanto não trai sua lógica, seus fundamentos, o já  
realizado em sua teoria; mas, ao mesmo tempo, não é meramente repetitivo, tampouco  
explicativo, senão criador: realiza e constrói um discurso próprio, abre-se para novos  
horizontes que não foram explorados por Marx (que não puderam ser pensados por  
seu espaço e tempo)” (DUSSEL, 1985, p.336-337). O filósofo argentino, então, rejeita  
qualquer simulacro de revisionismo, pelo contrário, traça por meio dos Grundrisse, o  
aprofundamento da teoria já exposta conjugada ao desdobramento das categorias  
ontológicas que Marx utiliza sem descrever ou construir diretamente.  
Nesse sentido, para Dussel, evidentemente em discordância das leituras de  
Rosdolsky e Vygodski, os Grundrisse  
não são apenas escritos preparatórios ao O Capital. De maneira  
alguma. Se O Capital não tivesse sido escrito, os Grundrisse já  
haveriam delineado as questões essenciais. Estes oito cadernos  
iniciados em 1857 expressam o momento criador fundamental da  
produção teórica de Marx, é neles que alcança a claridade do que, em  
definitivo, será o descobrimento teórico radical de toda sua vida (Ibid.,  
p.12),  
o mais-valor. Por isso, ele considera que os Grundrisse são a porta de entrada para o  
“Marx mesmo”, isto é, uma passagem ao momento essencial da produção teórica  
marxiana.  
‘Essencial’ no sentido de que, nos Grundrisse, o leitor desavisado será  
conduzido ao Marx mesmo, com sua própria mão de pedagogo, a seus  
descobrimentos centrais, fundamentais, com suas próprias palavras,  
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categorias, e na ordem que ele foi descobrindo em seu ‘laboratório’  
teórico (Ibid., p.11).  
A valorização dos Grundrisse como obra autônoma e fundamental no interior  
da totalidade do projeto marxiano, não significa, contudo, adotar posição semelhante  
a de Negri, visto que Dussel identifica em O Capital a continuação inconclusa do plano  
de trabalho dos Manuscritos de 1857-58 daí a grande importância dos elementos  
não explicitados. Assim, observa-se que  
os Grundrisse são a única obra em que vemos surgir, geneticamente,  
objetivamente não já formuladas segundo as exigências de  
exposição, senão, intrinsecamente, segundo a necessidade das  
próprias determinações constitutivas do conceito as categorias  
essenciais do discurso de Marx, do qual O Capital de 1867 é seu  
maior exemplo expositivo desenvolvido (Ibid., p.14).  
Nos Grundrisse, então, neste processo teórico ao O Capital, a mão de pedagogo  
de Marx tem, “enquanto ontologia, no segundo tratado da Lógica de Hegel sobre a  
‘essência’ um verdadeiro fio condutor” (Ibid., p.19). Há, para Dussel, além da  
centralidade de categorias como mediação e totalidade, inclusive, em relação ao  
método, um tratamento analógico entre a Lógica e os Grundrisse. Hegel, pois,  
distingue a essência em três partes: essência simples, que existe em si, em suas  
determinações no interior de si mesma; essência como ente, que está representada em  
sua existência e aparição e essência como realidade. Por sua vez, nos Grundrisse,  
observa-se a essência do capital em si mesmo na categoria “capital em geral”, tendo  
como determinação fundamental o valor; já o nível da existência ou aparição se  
expressa em suas formas de aparição dinheiro, trabalho assalariado, meios de  
produção, etc. estruturada na distinção ontológica da ordem fenomênica entre uma  
esfera mais superficial (circulação) e outra mais profunda (produção); por fim, a  
essência como realidade figura enquanto “capital produtivo” ou na ordem da  
realização do capital mais tarde aparecerá em O Capital, livro III, como unidade entre  
produção e circulação no processo global de produção capitalista.  
O que Marx elabora, deste modo, nos Manuscritos de 1857-58, é “uma  
ontologia do capital, em estrito sentido filosófico e, ao mesmo tempo, em estrito  
sentido econômico, tendo categorias especificas de ambos os campos epistêmicos.  
Está é sua originalidade dialética” (DUSSEL, 1985, p.347-48). É nestes escritos que  
Marx passa a delinear e ter pleno domínio de sua ontologia, pois “este sair do ‘mundo  
das mercadorias’ – nível superficial dos fenômenos, a aparência hegeliana para  
passar ao ‘mundo essencial’ da produção em íntima relação com a essência é o  
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movimento dialético de fundo de todo os Grundrisse(Ibid., p.20). Assim, Dussel, em  
oposição àqueles que defendem que desde 1845 a problemática marxiana seria  
somente econômica, defende que, nos Grundrisse, há a inauguração definitiva da  
filosofia como um marco problemático não negligenciável do projeto marxiano, posto  
que é no horizonte ontológico que tais categorias se constituem e ordenam. Por isso,  
querer reduzir capital, mais-valor, produção, circulação, lucro etc., em  
Marx, a somente categorias econômicas é destruir seu discurso; o  
mesmo que reduzi-lo a mero discurso filosófico. [A obra de Marx] é  
uma ontologia da economia, e uma economia ontológica (Ibid., p.348).  
A teoria marxiana, para Dussel, em especial nos Grundrisse, constitui-se na  
primeira ontologia do capital, que, pela clareza de seu delineamento categorial, logra  
alcançar linhas definitivas de sua crítica da economia política. Entretanto, em  
discordância com a ontologia do ser social de Lukács, “que hipostasia a totalidade e  
bloqueia a visão do ‘fora’” (Ibid., p.350), Dussel busca na ontologia marxiana o  
caminho para exterioridade ao mundo do capital. Nesse sentido, a criticidade da teoria  
marxista origina-se da ontologia, mas a partir dessa ideia de exterioridade, que se  
encontra para além dessa mesma ontologia: o não-capital, o outro (como sujeito vivo),  
o trabalhador como capacidade criadora de valor. “A totalidade do capital é superada  
por um âmbito que transcende seu fundamento. Se a ontologia pensa o ser (e a crítica  
da economia política capitalista é, por isso, uma ‘ontologia econômica’), a crítica do  
ser se efetua desde uma alteridade(DUSSEL, 1985, p.359). A exterioridade que se  
consubstancia nessa utopia concreta (à Bloch) alteridade futura – como “polo afetivo,  
tendencial (triebende, diria Marx) que mobiliza a ação. O oprimido, alienado,  
subsumido ao capital tem, assim, um ‘projeto de libertação’ que cria o fundamento  
para uma práxis revolucionária libertadora” (Ibid.) uma ética da libertação, uma teoria  
da justiça, em oposição à realidade capitalista e à moral burguesa.  
A realização desta crítica ao ser do capital, desde a exterioridade prática e  
utópica, é o que Dussel conceitua como transcendentalidade analética – “por analética  
queremos indicar o ‘para além’ (em grego anó-) do horizonte ontológico” (Ibid., p.366).  
Desta forma, “a negação da negação da totalidade (a negação do trabalho assalariado  
como subsumido ao capital) somente pode partir da afirmação da exterioridade  
analética ou desde a capacidade da transcendentalidade que o homem possui por ser  
homem” (Ibid.). Tal afirmação pode se realizar somente através da realização das  
mediações concretas de libertação, “mas antes de sua concretização, há que se situar  
na prática a denominada exterioridade, há que se formular uma teoria crítica radical,  
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há que se organizar mediações políticas e, há, por fim, que se efetivar na história a  
nova ordem alternativa” (Ibid.).  
É justamente nos Grundrisse que Dussel vê a grande abertura teórica para  
desenvolver, em consonância com o não-explícito em Marx, sua leitura marxista latino-  
americana. Ele conjuga com o aparato categorial clássico de Marx desdobramentos de  
outras categorias já existentes, mas não desenvolvidas, na teoria marxiana para  
compreender a realidade periférica. Então, deste encontro com o real:  
a pobreza atroz, sanguinária, lacerante de nosso continente, nos fez  
há anos delinear a questão do ‘pobre’ como categoria antropológica  
e metafísica de origem e estatuto ético. [...] [Nesse sentido], os  
Grundrisse nos têm dado a pista para poder agora começar a  
construir, como categorias analíticas estritas, os conceitos de pobre e  
povo um no singular e outro o coletivo histórico (Ibid., p.18).  
Isto é, além das categorias “pobre” e “povo”, dos Manuscritos de 1857-58,  
Dussel extrai outros elementos fundamentais, senão base dessas primeiras, para  
discussão da questão popular: a dimensão da dialética entre o capital periférico e  
central (a teoria da dependência) a partir dessa relação dúplice do capital pode-se  
analisar o fenômeno do colonialismo, nacionalismo, imperialismo inseridos na ideia de  
exterioridade deste povo oprimido.  
O filósofo argentino, desta forma, tem nos Grundrisse um verdadeiro  
laboratório, para utilizar a recorrente metáfora, da teoria social marxista latino-  
americana. Uma obra que, a despeito de sua ligação genética com O Capital, possui  
luz própria e merece tratamento autônomo o que não quer dizer elevá-la a centro  
do pensamento marxiano. Certamente, não é isso que Dussel faz. Ele sobrevaloriza os  
Grundrisse, sem deslocar a essencialidade de O Capital, porém ressignifica a partir de  
extratos de Marx a centralidade da estrutura categorial marxiana. Quer se situar como  
um marxismo extremamente heterodoxo, no entanto, como Negri, abandona os  
postulados essenciais em prol de sua própria teorização: a filosofia da libertação.  
Do laboratório ao labirinto criativo de aproximações com o Direito  
Conforme foi esboçado nos tópicos anteriores, os Grundrisse, quando  
analisados na totalidade de seus escritos, caem como uma bomba em certas  
teorizações dominantes do marxismo. Se não causou o mesmo impacto do  
aparecimento dos Manuscritos Econômico-Filosóficos (1932), o ensaio geral presente  
nos lineamentos de 1857-58 possibilita ampliar a análise da totalidade da obra de  
Marx afetando diretamente o dissecar de Marx em períodos e o desidratar de seu  
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A batalha pelos significados dos Grundrisse  
pensamento, bem como o esquematismo presente em algumas versões soviéticas e,  
sobretudo, o repensar da práxis revolucionária diante dos desafios do século XX.  
Por óbvio, como já restou nítido na batalha pelos sentidos Grundrisse, a grande  
descoberta ali efetuada é a teoria do mais-valor com suas dimensões objetivas e  
subjetivas. No entanto, não menos relevantes são os excertos metódicos implícitos e  
explícitos presentes na obra. Inclusive, um de seus textos introdutórios, a famosa  
Introdução de 1857, publicada em 1903 sob a batuta de Kautsky, tornou-se marco  
nos debates sobre método em Marx.  
É possível extrair, dentro das limitações deste trabalho, três tipos de  
considerações sobre o labirinto criativo dos Grundrisse em relação ao direito: 1) uma  
aproximação imanente4 do direito nos Manuscritos de 1857-58; 2) A hipótese que a  
partir da leitura metódica dos Grundrisse é fundada a teoria marxista do direito  
propriamente dita a partir das leituras de Stutchka e Pachukanis; 3) A abertura de  
teorias críticas que perpassam o marxismo, sobretudo, a partir das chaves de leitura  
de Negri e Dussel.  
A primeira, de fato, uma conjectura autoral5 dentro da abertura e possibilidades  
que uma obra como os Grundrisse fragmentada e incompleta permite, isto é, observar  
que no nascedouro da teoria do mais-valor, tal demonstrado por Rosdolsky e  
Vygodski, há uma articulação entre uma normatividade do trabalho e a normatividade  
jurídica um eixo genético entre apropriação e alienação.  
Nos Grundrisse, de forma constitutiva, há o surgimento categorial descritivo de  
outra forma qualitativa de acumulação, sendo o direito um elemento mediador do  
processo de apropriação no confronto entre trabalho e capital. Em trecho emblemático,  
Marx afirma, em linguagem próxima aos Manuscritos de Paris, que  
O ser-para-si autônomo do valor frente à capacidade viva de trabalho  
4
Embora não seja uma análise sistemática dos Grundrisse e, na verdade, mais centrada em situar os  
acertos e descaminhos de Pachukanis e dos pachukanianos brasileiro, Vitor Sartori realiza análise  
importante dos argumentos contidos nos Manuscritos de 1857-58. Em breve exposição, afirma: “Mesmo  
que a ênfase de Marx seja diferente daquela do autor soviético, ambos destacam que as condições de  
produção modernas dão um conteúdo completamente diferente à igualdade e à liberdade que aquele  
explícito na antiguidade. No lugar do trabalho compulsório, tem-se o trabalho formalmente livre e regido  
pela valorização do valor. Há também uma atomização dos sujeitos que só pode ser efetiva com a  
supressão das entidades comunais, bem como dos privilégios [...] Porém, pelo que vimos acima, também  
é preciso que se volte os olhos com mais cuidado ao fetichismo do dinheiro, bem como para a  
autonomização do Direito e para o papel da esfera jurídica na distribuição; deve-se, assim, colocar o  
principal tema pachukaniano sob o solo em que está em Marx, aquele da crítica da economia política”.  
SARTORI, 2002, p.118.  
5
Cf. SOARES, Moisés Alves. Direito e alienação nos Grundrisse de Karl Marx. Florianópolis: Curso de  
Pós-Graduação (Mestrado) em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, 2011.  
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nova fase  
   
Moisés Alves Soares  
daí sua existência como capital ; a indiferença objetiva, conservada  
em si mesma; a alienação das condições objetivas do trabalho ante a  
capacidade viva do trabalho, alienação que chega ao ponto de que  
estas condições da pessoa do trabalhador se contrapõem na pessoa  
do capitalista como personificações com vontade e interesses  
próprios” (MARX, 2007, p.413).  
Acrescenta que  
esta dissociação, separação absoluta a respeito da propriedade, ou  
seja, das condições objetivas de trabalho sobre a capacidade viva de  
trabalho de tal modo que se contrapõem como propriedade  
alienada, como a realidade de outro sujeito de direito, domínio  
absoluto da vontade, e de tal modo que também o trabalho se  
apresente ante o valor personificado no capitalista ou ante às  
condições de trabalho, como trabalho alienado (Ibid.).  
O direito pode ser compreendido, em breves linhas, como um manipulador dos  
tempos do capital e um criador/destruidor de subjetividades (jurídicas) que operam a  
alienação do trabalho. Em síntese, a  
fertilidade do laboratório teórico de Marx está disposta na relação  
dialética entre a descoberta progressiva dos mecanismos de extração  
do mais-valor e os meios de conformação social, em particular da  
alienação jurídica, que normatiza esse processo de apropriação do  
trabalho sem equivalente, conferindo uma aparente equivalência a tal  
relação de exploração (SOARES, 2018, p. 1652).  
Por sua vez, a leitura metódica presente nos Grundrisse, é o eixo ontogenético  
que dá surgimento a uma teoria marxista do direito propriamente. Apesar da grande  
influência da metáfora arquitetônica entre base e superestrutura presente na  
Introdução de 1859, que levou ao desenvolvimento de leituras deterministas sobre a  
forma do direito, é com base, nas pistas dos Grundrisse, de pluralidade de tempos  
históricos e apoiado na categoria de totalidade estruturada em “relações desiguais”  
que se elaboram teorias materialistas sobre o direito. Na aclamada Introdução de  
1857, há uma importante advertência:  
De uma maneira geral, não usar o conceito de progresso sob a forma  
habitual. [...] Mas aqui o ponto realmente difícil é: a maneira como as  
relações de produção seguem, como relações jurídicas, um  
desenvolvimento desigual. Assim por exemplo, a relação entre o  
direito privado romano (isto é menos válido para o direito penal e o  
direito público) e a produção moderna (MARX, 2007, p.31, grifo  
nosso).  
É sustentado nessa leitura, absolutamente, alheia a dogmatismos que o  
pensamento jurídico soviético foi erigido na figura de Piotr Stutchka e Evguiéni  
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A batalha pelos significados dos Grundrisse  
Pachukanis, que, ao que tudo indica como afirmou Umberto Cerroni6, foram os  
primeiros marxistas a trabalhar nos marcos metódicos esboçados por Marx nos  
Grundrisse.  
A obra de Stutchka, “O papel revolucionário do direito e do Estado”, resultado  
de um processo de reflexão derivado do comunismo de guerra, traça a primeira grande  
elaboração sistemática de uma teoria marxista do direito (1921) sob calor da revolução  
de outubro. Tal obra inaugural se propõe ao desafio de realizar uma análise imanente  
dos traços que demarcam as formas do direito para além da surrada alegoria base e  
superestrutura. “Extravasando abordagens economicistas, Stutchka trabalha nos traços  
metódicos de Marx expostos na conhecida Introdução de 1857 (Grundrisse) e em O  
Capital (livros I e III)” (PAZELLO; SOARES, 2023, p.29). Portanto, no ensaio geral de  
uma teoria marxista do direito, Stutchka lança mão da categoria de desenvolvimento  
desigual para compreender a dialética do que constituiria as formas do direito em sua  
totalidade. Uma combinação forjada historicamente entre formas concretas (as relações  
de produção e apropriação) e formas abstratas (a ideológica gestada pelo direito +  
norma imposta por poder organizado). Com base nesta construção, sobretudo a partir  
da metódica dos Grundrisse, é possível estabelecer análises frente ao desafio do “que  
fazer” com o direito.  
Por sua vez, apesar da recepção brasileira ilustrar Stutchka e Pachukanis como  
autores antagônicos, ambos estiveram num esforço coletivo na revolução de outubro  
de formulação de uma teoria geral do direito a partir do método de Marx. Não por  
acaso, Pachukanis também tenta remontar a protoforma jurídica a partir de categorias  
como mercadoria e sujeito de direito e fluir dentro de um circuito de trocas em estrita  
relação com a produção e reprodução do mundo do capital. Em obra bastante  
celebrada no Brasil, Teoria Geral do Direito e Marxismo (1924), Pachukanis identifica  
uma ligação genética entre a forma jurídica e a forma mercantil, mas sem negligenciar  
as interrelações com o mundo da produção. O autor russo, no sentido oposto das  
análises anteriores que centravam seu foco sobre o conteúdo (de classes) das “normas  
jurídicas”, atende a exigência metodológica de Marx e procura esmiuçar as razões por  
que certa relação social adquire, sob determinadas condições, a forma jurídica. Essa  
crítica ontogenética deve-se a Pachukanis ser, como abordado, um dos poucos juristas  
marxistas a ter trabalhado nos marcos dos Grundrisse.  
6
Cf. CERRONI, 1976, p.65.  
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Como os Grundrisse tornou-se um texto chave, parada quase obrigatória, para  
boa parte do marxismo que queria se libertar do dogmatismo por sua diversidade de  
temas não suficientes explorados em outros escritos publicados de Marx, igualmente,  
houve a formulação de teorias jurídicas marxistas bastante heterodoxas com inspiração  
nos textos de 1857-58. De alguma forma, as quatro abordagens já expostas  
sintetizam as principais categorias utilizadas em tais formulação: método dialético,  
mercado mundial, práxis jurídica/subjetividade revolucionária e relação entre trabalho  
vivo/exploração. Em particular, a partir das principais interpretações do Grundrisse, é  
possível observar o impacto das reflexões de Dussel e Negri nas aproximações à teoria  
marxista do direito.  
De outra parte, temos leituras que dialogam direita ou indiretamente com a  
leitura marxista de Dussel, como a de Celso Ludwig e Ricardo Pazello, para ficar em  
autores brasileiros. O professor Ludwig foi um pioneiro na recepção na recepção do  
pensamento de Dussel no Brasil, contudo operando um diálogo maior com a tradição  
do Direito Alternativo do que propriamente com a teoria marxista7. Em particular,  
aprofunda sua teorização, dando substância por meio da reflexão dusseliana de Marx,  
ao longo do livro A produção teórica de Marx: um comentário aos Grundrisse, no  
capítulo 17 - Os Grundrisse e a Filosofia da Libertação - com a finalidade de mostrar  
a contradição capital-trabalho diante do movimento que vai da exterioridade ao frente  
a frente” (LUDWIG, 2018, p.1871).  
Ainda, com grande influência da leitura de Dussel, mas legatário de uma  
tradição mais ampla latino-americana, bem como fortemente influenciado pela teoria  
marxista do direito soviética, Pazello, em particular, em seu “Direito Insurgente: para  
uma crítica marxista ao direito”, recupera a tradição que dá nome ao livro e tenta  
ressignificá-la em torno de uma teoria/práxis insurgente ao século XXI. Há  
representativa contribuições dos Grundrisse em seu tracejar equilibrista, contudo a  
maior força parece estar no método.  
Ali [sobretudo, a Introdução de 1857], Marx esboça aquilo que  
tomamos como o primordial para o entendimento do seu sentido do  
método. Assim, sua proposta se nucleia em três grandes aspectos os  
quais podemos chamar de totalidade, historicidade’  
essencialidade’” (PAZELLO, 2021, p.37).  
e
7
Em particular, a partir de Dussel, Ludwig propõe que “a partir das categorias filosóficas desse  
paradigma da vida concreta de cada sujeito que na perspectiva crítica, é negação da vida, ou de  
aspectos da vida , foi possível construir um discurso para uma filosofia jurídica de libertação”. LUDWIG,  
2011, p.176.  
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A batalha pelos significados dos Grundrisse  
De maneira provocativa com os adeptos das proposições de Roberto Lyra Filho,  
Pazello demonstra em sua metódica o direito achado n’O Capital, bem como reivindica  
o imperativo de uma práxis insurgente orientada por usos táticos do direito.  
Por fim, nesse campo fértil de possibilidades abertas pelo surgimento dos  
Grundrisse, há leituras autonomistas inspiradas nos traços de Negri centrada no  
antagonismo, potência e revolução. Há algumas tentativas desenvolvidas pelo próprio  
Antonio Negri, contudo no Brasil, com maior aproximação com o marxismo, pode-se  
visualizar a produção de Francisco Guimaraens e de Adriano Pilatti. Uma das categorias  
mais fundamentais nesse esforço é a de Poder Constituinte. Para Guimaraens, Negri  
realiza uma associação entre o conceito de trabalho vivo (presente nos Grundrisse) e  
a noção de poder constituinte, com duas finalidades: “a) conferir consistência material  
ao poder constituinte, ou seja, inseri-lo no âmbito da produção; b) retirar,  
definitivamente, o conceito de poder constituinte do domínio jurídico ao compreender  
a natureza da criatividade e da inovação constituintes” (GUIMARAENS, 2016, p.148).  
Em síntese, Negri “retomou o conflito entre trabalho vivo e trabalho morto, proposta  
por Marx, para desenvolver a análise do antagonismo entre poder constituinte e poder  
constituído” (GUIMARAENS, 2024, p.149). Ainda, Pilatti, que é tradutor da obra O  
poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade8 de Negri, realizou  
potente análise do processo constituinte brasileiro9 sob esses marcos e sobre as  
denominadas jornadas de junho de 201310.  
Os Grundrisse, portanto, possui os problemas e encanto próprios de textos  
potentes e inacabados, isto é, a abertura hermenêutica presente nas categorias  
nascentes e temas explorados, porém não desenvolvidos plenamente. A batalha pelos  
sentidos dos Manuscritos de 1857-58 foi apresentada a partir dos intérpretes mais  
influentes do ponto de vista teórico e geopolítico (Rosdolsky, Vygodski, Dussel e  
Negri), que partilharam uma quadra histórica de reflexão de revitalização e debates  
sobre a atualidade do pensamento marxista. A crueza de O Capital encontraria em os  
Grundrisse um ritmo de construção categorial diferente do anteriormente desenhado,  
um estilo/conteúdo recheado de “humanismos” e problemas a serem respondidos com  
o caminhar do seu processo de investigação. Todos os autores citados afirmaram o  
lugar e o grau de autonomia que os Grundrisse teriam no itinerário de Marx, porém,  
8
Cf. NEGRI, 2002, p.264-315.  
9 Cf. PILATTI, 2020, p.1-18.  
10 Cf. PILATTI, 2016, p. 115-134.  
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especialmente, apontaram novos caminhos para a teoria marxista na  
contemporaneidade.  
Como abordado, tais teorizações influíram direta ou indiretamente na formação  
da teoria marxista do direito. Foi possível visualizar um reposicionamento de uma  
leitura imanente do direito nas obras de Marx, em especial a partir da dinâmica entre  
alienação e apropriação. Ainda, afirmar que é a partir dos juristas soviéticos (Stutchka  
e Pachukanis), com base na metódica dos Grundrisse, que temos a emergência da  
teoria marxista do direito propriamente dita. E, por fim, centrando a abordagem em  
autores brasileiros, o debate de um marxismo heterodoxo estruturado em torno do  
“Direito Insurgente” e de abordagens autonomistas. O ponto decisivo é que apesar do  
esforço de tradução da obra ao português, ainda o impacto no campo do direito é  
diminuto e conhecer esses caminhos parcialmente trilhados podem ajudar o  
aprofundamento das pesquisas das relações entre Marx e o direito.  
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Como citar:  
SOARES, Moisés Alves. A batalha pelos significados dos Grundrisse e o labirinto  
criativo de leituras marxistas sobre o direito. Verinotio, Rio das Ostras, v. 29, n. 1,  
pp. 213-237; jan.-jun., 2024  
Verinotio  
ISSN 1981 - 061X v. 29 n. 1, pp. 213-237 jan.-jun., 2024 | 237  
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